Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
297/2006-6
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: EMBARGOS
CAUSA PREJUDICIAL
INQUÉRITO
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/09/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: Quando no processo crime não tenham tido intervenção as mesmas partes do processo cível, o caso julgado penal tem a eficácia aí prevista, ou seja, constitui mera presunção ilídível, quer no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como as respectivas formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.
E, nessa medida, inexiste indiscutibilidade de factos, sempre podendo, sobre tal matéria, incidir o respectivo contraditório.
Assim, não existe impedimento para que seja proferida decisão no processo de embargos sendo destituída de fundamento legal a requerida suspensão da instância por causa prejudicial, com base na pendência do processo crime, por não se mostrarem preenchidos os pressupostos legais ínsitos nos artºs 97º e 279º do CPC.
Tendo sido suscitada nos embargos de executado a compensação de créditos, e tendo o Tribunal “a quo” dúvidas sobre a existência dos seus requisitos legais, impõe-se a necessidade do esclarecimento de tais factos, de vendo apurar-se se estão ou não em causa créditos controvertidos ou litigiosos ou, ao invés, se o crédito é exigível judicialmente.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I – 1. A…, S.A. veio opor-se à instância executiva, deduzindo embargos contra:
B… , Ldª

Alegou, em síntese, que:
Para efeitos de liquidação à exequente da quantia de 101.717,93 Euros referente a três obras de construção civil, foram emitidas três letras de câmbio, cada uma no valor de 33.000 Euros, com vencimento em 30/11/2003 (aceites 429/03, 430/03 e 431/03) e ainda um cheque para pagamento do remanescente no valor de 2.717,93 Euros.
O aceite 430/03 foi debitado directamente na conta da embargante e foi pago, e o aceite n.º 431/03 foi endossado à soc. “Construções P…” (= ”CPG” ). E posteriormente foi pago.
Só que a referida sociedade “CPG”, conluiada com a exequente, em vez de a devolver à embargante como devia, resolveu endossá-la novamente à exequente, que a executou indevidamente, sendo, pois, ilegítima portadora do mesmo.
Também o valor titulado pelo aceite n.º 429/03 não deve ser liquidado pois a exequente em conjunto com outros sub-empreiteiros e diversos trabalhadores da embargante provocaram-lhe avultados prejuízos com a apropriação de diversos materiais e desvio de trabalhadores para obras pessoais daqueles, o que levou a embargante a instaurar processo crime, nomeadamente contra o sócio-gerente da sociedade exequente – J….
Pelo que, deve haver lugar à suspensão da instância por existência de causa prejudicial até que seja proferida decisão no processo crime.
E finalmente alega que a exequente lhe deve diversos montantes que nunca pagou, relativos a despesas efectuadas com a obra do Hotel do …, a reconstrução de 55 moradias afectadas pelo sismo de 1998, na ilha do …, e com as obras das Piscinas Municipais da …, no valor global de, pelo menos, 355.785,46 Euros, valor este muito superior ao crédito da executada.
Assim, conclui, nada deve à exequente, mas a ser devida, ainda, qualquer quantia, deverá operar-se a respectiva compensação de créditos.

2. A Exequente/embargada B …, Ldª contestou argumentando que os presentes embargos não têm razão de ser uma vez que a quantia a que se reporta o aceite n.º 431/03 nunca lhe foi pago.
Quanto à alegada prática de crimes são os mesmos desconhecidos da exequente e não passam de meras acusações vagas e genéricas da embargante, com vista a retardar o pagamento dos montantes que são devidos.
Relativamente à compensação requerida argumenta que a mesma não faz sentido pois já foram peticionados pela embargante/executada, no âmbito de um outro processo pendente no Tribunal Judicial de …, pelo que, se verifica assim a excepção de litispendência.
Conclui no sentido da improcedência dos embargos.

3. O Tribunal “a quo” proferiu decisão julgando totalmente improcedente a presente oposição à execução, nomeadamente:
a) indeferiu o pedido de suspensão da execução requerido pela embargante, por inexistência de fundamento para tal, não sendo causa prejudicial a mera pendência de processo crime;
b) julgou improcedente a excepção de litispendência deduzida pela embargada;
c) e julgou igualmente improcedentes os restantes fundamentos da oposição, nomeadamente a excepção de pagamento invocada e a referida compensação de créditos.

4. Inconformada a embargante Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:
a) - Quanto à não suspensão da execução:
1° - Porque a instância criminal se inicia com a abertura do processo de inquérito e não com a acusação, a pendência deste consubstancia uma verdadeira "causa prejudicial", e assim, verificam-se os pressupostos de facto e de direito previstos na 2ª parte do n° 1, do art. 279º, do CPC, que justificam a suspensão da execução.
2º - Ainda que assim se não entendesse e não tivesse ocorrido a alegação daqueles pressupostos, sempre o Tribunal “a quo” deveria ter convidado a oponente a corrigir e/ou aperfeiçoar a petição, antes de julgar não justificada a pretendida suspensão - cf. os artºs 265º, 265º-A e 266º do CPC - omissão que consubstancia nulidade insuprível, por se tratar de preterição de formalidade prescrita por lei, com influência decisiva na decisão da causa, com a consequente nulidade de todo o processado posterior, nos termos do disposto no art. 201º do CPC.

b) - Quanto à improcedência da oposição:
3º - Face aos documentos juntos, bem assim como ao facto do "portador formal" do aludido título de crédito (aceite n.º 431/03) ser o gerente da sociedade a quem a opoente alegou ter realizado o pagamento, não poderia o Tribunal “a quo” ter decidido como decidiu, até por o aludido C… ter intervindo em todos os actos respeitantes ao dito título, em nome e representação da sociedade de que é gerente (repare-se que se trata de uma sociedade unipessoal).
4° - A opoente não reconheceu na petição de embargos que devia quantia superior ao crédito exequendo.
5° - Tratando-se de relações imediatas, a opoente na petição de oposição alegou factualidade que põe em causa a relação subjacente - a emissão dos títulos dado à execução (designadamente a existência de sobrefacturação por parte da exequente), estando o Tribunal recorrido "obrigado" a apurar a factualidade concreta alegada pela opoente, para, então, decidir sobre a questão de fundo colocada na oposição deduzida: se havia ou não razão para a emissão do título dado à execução.
6° - E ao não o fazer, o Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e ou aplicação, o disposto no art. 17º da LULL., bem como o disposto na lei civil sobre a compensação (art. 847º do CC).
7° - E nem se diga que a opoente não alegou matéria bastante na oposição deduzida que possibilitasse apreciar a relação causal. É que, das duas uma:
• ou o Tribunal recorrido tinha o entendimento de que a alegação realizada pela opoente era suficiente para a apreciação da questão aqui em causa e então nunca poderia invocar tal deficiência;
• ou tinha o entendimento de que a petição não continha factos concretos susceptíveis para se poder discutir a relação causal subjacente ao título dado à execução, hipótese em que teria - necessariamente - de convidar a opoente a corrigir e ou aperfeiçoar a sua petição (v.g. no que respeita às quantias pagas pela executada à exequente).
8º - O certo é que o Tribunal recorrido parte dos valores de facturação reconhecidos pela executada para a obra das 55 moradias e, alegadamente por a opoente não ter invocado - expressamente - o pagamento de tal quantia, parte do princípio de que tais valores são devidos.
9º - Ora, se é certo que tal pagamento não foi expressamente invocado no que concerne à dita obra de 55 moradias (aqui se aplicando - de novo - o poder-dever que incumbe ao Tribunal de mandar aperfeiçoar a petição), também é certo que o teor de toda a peça processual, bem assim como as conclusões na mesma extraídas, só conduzem à conclusão de que tal pagamento estava efectuado (senão na íntegra, pelo menos na medida de não ser devida qualquer quantia à exequente). O que não poderia nunca era decidir como decidiu.
10° - Entendeu ainda o Tribunal “a quo” não considerar procedente a alegação da compensação, alegadamente por se tratar de um crédito incerto ("uma mera expectativa da oponente").
11º - E ao não o fazer, violou o Aresto recorrido, por erro de interpretação e ou aplicação o disposto no art. 17º da LULL e o disposto na lei civil sobre a compensação (art. 847º do CC), já que estaria sempre "obrigado" a apurar a matéria factual alegada pela opoente, para, então, decidir sobre a questão de fundo colocada na oposição.
12° - Face a tudo o exposto, a sentença recorrida fez uma errada interpretação e ou aplicação dos preceitos legais antes aludidos, violando-os (v.g. arts. 97º, 279º, 674º-A e 674º-B todos do CPC), donde resulta que deve ser anulada, ou pelo menos revogada, bem como substituída por outra que decida no sentido antes propalado.


5. Não foram apresentadas contra-alegações.

6. Corridos os Vistos legais,
Cumpre Apreciar e Decidir.


II – Os Factos:

- Mostram-se provados os seguintes factos:

1. A exequente “B…, Ldª” é portadora de duas letras de câmbio aceites pela executada “J…, S.A.”, nos montantes parcelares de 33.000 Euros, datadas de 5/6/2003 e com vencimento em 30/11/2003.
2. A exequente endossou as letras de câmbio respectivamente a J… e C…;
3. Apresentadas a pagamento na data de vencimento as letras não foram pagas;
4. J… e C… endossaram novamente as letras à exequente;
5. As referidas letras foram emitidas para liquidação da quantia de 101.717,93 Euros, facturada pela oposta à oponente, no âmbito das obras de construção civil, do Hotel …, construção de 55 moradias na ilha do …, afectadas pelo sismo de 1998 e construção das Piscinas da …;
6. Além das duas letras referidas, para pagamento da quantia referida no ponto anterior – 5) - , foi emitida uma letra de câmbio, também no valor de 33.000 Euros, relativa ao aceite n.º 430/2003, debitada na conta da oponente no BCA, em 2/12/2003.


III – O Direito:

1. Como é sabido, o objecto de recurso está limitado pelo conteúdo das respectivas conclusões das alegações dos recorrentes, nos termos preceituados pelos artºs 690º, nº 1 e 684º, nº 3, ambos do CPC.
Porém, pese embora o Tribunal ter que conhecer das questões que lhe são colocadas, tal facto não significa que tenha que apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiaram para fundamentar a sua pretensão, nem analisar todos os argumentos aduzidos pelos recorrentes.
Neste sentido cft. Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, vol. 5º, página 143, e veja-se também o Ac. do STJ de 3/6/1993, in BMJ, 428º/574.

2. Assim, está em causa saber se:

a) – Existe fundamento jurídico que permita dar por verificada a existência de causa prejudicial, em face da pendência de um processo crime;
b) – Se existem elementos que habilitem o Tribunal a julgar desde já improcedente a oposição deduzida.


3. Quanto à primeira questão:

3.1. A este propósito alega a Recorrente que, com o início da instância criminal e a abertura do processo de inquérito está verificada a existência de uma causa prejudicial, a determinar a suspensão da instância executiva, até que seja proferida decisão em tal processo crime, contrariamente ao que foi decidido pelo Tribunal “a quo”.
Contudo, pese embora a bondade de tal alegação, não lhe assiste qualquer razão.

3.2. Com efeito, do cotejo dos autos resulta que a embargante/Apelante apresentou denúncia contra diversas pessoas, entre as quais os sócios da exequente, pela prática de diversos crimes, v.g., burla, furto, falsificação e associação criminosa, por factos que servem de fundamento à oposição deduzida, e cujo processo estaria em fase de investigação.
Por sua vez o art. 279º do CPC, permite que o Tribunal ordene a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.

Ora, não se pode dizer que no caso dos autos a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta, v.g., da referida acção penal.
Desde logo porque o processo se encontra em fase de inquérito, desconhecendo-se, pois, qual o desfecho que o mesmo terá, nomeadamente, se será ou não deduzida a respectiva acusação pelo Ministério Público.

Por outro lado, a denúncia foi apresentada contra diversas pessoas, entre as quais figuram os sócios da embargada, e onde não se discute qualquer eventual responsabilidade penal da pessoa colectiva, que, como é sabido, é excepcional.
E não se pode justificar a suspensão da instância com o facto do efeito de uma eventual decisão condenatória em sede de processo crime, ao nível da prova a produzir no presente processo cível, porquanto até se desconhece, por ora, nestes autos, se os mesmos prosseguem, que prova é essa e sobre que factos incidirá.

3.3. Acresce que, também por força do preceituado nos artºs 674º-A e 674º-B, ambos do CPC, quando no processo crime não tenham tido intervenção as mesmas partes do processo cível, o caso julgado penal tem a eficácia aí prevista, ou seja, constitui mera presunção ilídível, quer no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como as respectivas formas do crime, em quaisquer acções cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção.
E, nessa medida, inexiste indiscutibilidade de factos, sempre podendo, sobre tal matéria, incidir o respectivo contraditório.
O mesmo é dizer que não existe impedimento para que seja proferida decisão nestes autos, sendo destituída de fundamento legal a requerida suspensão da instância por causa prejudicial, com base na pendência do processo crime, por não se mostrarem preenchidos os pressupostos legais ínsitos nos artºs 97º e 279º do CPC.

Razão pela qual improcede, nesta parte, a Apelação.

4. Quanto à improcedência da oposição:

4.1. A embargante fundamentou a sua oposição à execução em vários aspectos, nomeadamente nos seguintes:
a) A exequente é ilegítima portadora da letra referente ao aceite 431/03, porquanto a embargante pagou esta letra ao então endossado, sociedade “C…”, em 12/05/2004, e esta sociedade, de má-fé e em conluio com a exequente, em vez de devolver a letra à embargante, endossou-a novamente à exequente;
b) Quanto à letra referente ao aceite 429/03, a embargante nada deve à exequente. Antes pelo contrário, é sua credora no montante de, pelo menos, 355.785,46 Euros, quantia em muito superior à quantia exequenda.
Acresce que:
* A embargante pagou ainda à exequente, quanto às obras do Hotel …, a quantia de 57.030,22 Euros, sem que a exequente executasse qualquer trabalho na obra;
* Para além de que a exequente sobrefacturou trabalhos de pintura, reboco e afagamento, indevidamente, nas obras de reconstrução de 55 moradias afectadas pelo sismo de 1998, na ilha do Pico, no valor de 268.629,44, bem como sobrefacturou a quantia de 20.653,57 Euros relativamente à construção das Piscinas da ….
c) Conclui a embargante no sentido de que nada deve à exequente, mas caso assim não se considere, sempre terá de ser efectuada a respectiva compensação do crédito exequendo com o crédito que a embargante refere na sua oposição.

Vejamos agora, de per si, cada um dos argumentos aduzidos.

4.2. Quanto à excepção de pagamento, relativa ao aceite 431/03:

De acordo com os elementos fornecidos pela própria embargante, a ter ocorrido o referido pagamento, o mesmo teria sido efectuado a uma terceira pessoa, que não é o portador actual da letra, nem interveniente nos autos.
Ora, nos termos do art. 17º da LULL, as pessoas accionadas em virtude de uma letra não podem opor ao portador as excepções fundadas nas relações pessoais delas com o sacador ou com os portadores anteriores, a menos que o portador ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor.
No caso dos autos, pese embora a matéria alegada pela embargante, a verdade é que dos títulos de crédito dados à execução não consta a referida sociedade “C…” como endossada (constando endossos a J…, C… e à exequente).
Assim sendo, razão tem o Tribunal “a quo” quando refere na sua decisão que não tendo sido tal empresa – “C…” - portadora dos títulos de crédito dados à execução, o pagamento de qualquer eventual quantia mesmo por parte do obrigado cambiário, o aceitante, ora embargante, nunca poderá extinguir os créditos titulados pelas referidas letras.
E nessa medida, bem andou o Tribunal “a quo” quando decidiu no sentido da improcedência parcial dos embargos, com fundamento no alegado pagamento da letra referente ao aceite 431/03.

4.3. Contudo, já não subscrevemos o posterior entendimento do Tribunal “a quo” na parte em que, apreciando os restantes fundamentos da oposição, decidiu pela sua improcedência logo no despacho saneador, sem elaboração “da especificação e questionário”, sem questionar, portanto, os factos controvertidos e elaborar a respectiva base instrutória.

Com efeito, temos desde logo que a matéria a que se alude supra, no ponto 4.1), alínea b), referente ao aceite 429/03, e na qual a embargante alega que nada deve à exequente e que até, pelo contrário, é sua credora no montante de 355.785,46 Euros, quantia em muito superior à quantia exequenda, bem como na parte em que a embargante alega a existência de sobrefacturação por parte da exequente, relativamente a trabalhos concretizados em diversas obras, que estamos perante matéria controvertida, e, como tal, a carecer de prova.

Por outro lado, e de acordo com tal alegação, tal matéria factual integra-se nos contratos de empreitada celebrados entre a embargante e a exequente, relativos às obras do Hotel …, da reconstrução de 55 moradias afectadas pelo sismo de 1998, no Pico, e obras de construção das Piscinas Municipais … . E, na versão da embargante, tratar-se-iam de trabalhos contratados, já realizados e pagos à exequente, nada sendo devido a esta.
Invoca, assim, a embargante, a relação subjacente, e porque se está no âmbito das relações imediatas entre sacador e aceitante, é lícito a este, trazer à discussão, no âmbito dos presentes autos, a relação subjacente.
E tendo-o feito, através da alegação de matéria factualmente controvertida, impunha-se ao Tribunal “a quo” apurar tal matéria de molde a poder decidir sobre a questão de fundo, nomeadamente, se a embargante é ou não credora, em relação à exequente, de tais quantitativos, maxime, apurar se existiu sobrefacturação por parte da exequente e se a embargante já lhe pagou os montantes pedidos.
Tanto mais que, é lícito ao embargante, como fundamento para a oposição deduzida, alegar quaisquer factos que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração, por força do preceituado no art. 815º do CPC.
Tem pois, nesta parte, razão a Apelante, quando refere nas suas conclusões que ao Tribunal recorrido impõe-se a obrigação de averiguar tal matéria, relativamente aos eventuais pagamentos já efectuados pela embargante à exequente, bem como apurar se é verdade que aquela nada deve a esta.

4.4. E não se diga, por fim, que não estão preenchidos os requisitos legais relativos à compensação de créditos, para se justificar a improcedência da compensação, com a mera alusão, não comprovada, de estarem em causa créditos controvertidos ou litigiosos.
Desde logo porque, conforme se referiu supra, existindo dúvidas sobre tais factos, por maioria de razão se parece impor a necessidade de os mesmos serem esclarecidos ou de se proceder no sentido de se averiguar a matéria factual que lhe está subjacente, nos termos alegados pela embargante.

Por outro lado, constata-se que a lei substantiva, em sede de pressupostos legais da compensação, exige tão só como seus requisitos “ser o crédito exigível judicialmente” e “não proceder contra ele qualquer excepção, peremptória ou dilatória, de direito material” e “terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade” – cf. art. 847º do CC.
Ora, só após esclarecimento dos factos alegados pela embargante é que se poderá eventualmente concluir no sentido de se saber se, in casu, se trata de um crédito “hipotético e/ou incerto”. Mas não agora, nesta fase processual, em que não foi ainda quesitada tal matéria factual controvertida, nem incidiu sobre a mesma qualquer tipo de prova.
Não existem, pois, fundamentos fáctico-jurídicos que obstem, para já, e em abstracto, a que possa eventualmente operar-se qualquer compensação de créditos.
Sendo temeroso concluir, nesta fase, e sem ulteriores diligências probatórias, pela improcedência da referida compensação, conforme o fez o Tribunal “a quo”.
Pelo que procede também, nesta parte, a presente Apelação.

4.5. Por fim dir-se-á que o facto de se encontrar pendente acção judicial declarativa – no Tribunal Judicial de … - em que tal matéria também é objecto de discussão, poderá, quando muito, em fase posterior, e caso os respectivos factos sejam apurados, funcionar como causa prejudicial e ser determinante para a suspensão da instância, por determinação do juiz, nos termos do art. 279º do CPC, para se evitar uma eventual contradição de julgados.
Mas não é impeditivo de se apurar da existência de compensação de créditos.

4.6. Em Conclusão:
- Pelo exposto, e com os presentes fundamentos, procede, parcialmente, a presente Apelação.
- Consequentemente, não se pode manter a decisão recorrida na parte em que julgou os embargos improcedentes, relativamente à matéria factual alegada pela embargante quanto à relação subjacente, no âmbito das relações imediatas estabelecidas entre aquela e a exequente, bem como a parte decisória em que se concluiu pela inexistência de compensação de créditos.
- Destarte, deve o Tribunal “a quo” elaborar a respectiva base instrutória de acordo com os elementos dos autos e as diversas soluções plausíveis de direito, prosseguindo a tramitação processual subsequente.


IV – Decisão:

- Termos em que se acorda em julgar parcialmente procedente a Apelação e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, nos termos supra referidos, devendo o Tribunal “a quo” elaborar a respectiva base instrutória de acordo com os elementos dos autos e as diversas soluções plausíveis de direito, prosseguindo a tramitação processual subsequente.

Custas pelo decaimento a cargo da Apelante e Apelada, na proporção de metade para cada uma.


Lisboa, 9 de Março de 2006

Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)

Fátima Galante

Ferreira Lopes