Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2441/2003-2
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
EMBARGOS DE EXECUTADO
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/26/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - Não é aplicável à acção executiva a suspensão da instância por existência de causa prejudicial, já que no seu âmbito a decisão de mérito constitui questão ultrapassada e, por isso, se não compadece com a dependência do julgamento de outra causa.
II – Constituindo os embargos de executado verdadeiras acções declarativas, estruturalmente autónomas (embora ligadas instrumental e funcionalmente à acção executiva), não ocorre obstáculo à admissibilidade da figura da suspensão por causa prejudicial no domínio do processo de embargos de executado.
III – A intervenção acessória provocada não tem cabimento processual no âmbito da acção executiva por se mostrar com ela incompatível, tendo em conta a finalidade deste tipo de processo – visa obter a realização coactiva da prestação não cumprida, pois que o dever de prestar já se encontra corporizado no título executivo.
IV - No que se refere aos embargos de executado, tendo em conta a sua natureza e estrutura (uma vez que nele não ocorre uma sentença de condenação contra o embargante), dado que o âmbito do caso julgado material em relação ao chamado se circunscreve às questões de que dependa o direito de regresso do réu chamante (cfr. art.º 341, n.º4, do CPC), igualmente se mostra processualmente inadmissível o incidente de intervenção acessória provocada.
Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – Relatório
1. (M), Executada nos autos de execução que lhe foi movida pela CAIXA ECONOMICA MONTEPIO GERAL, veio agravar do despacho que indeferiu o pedido de suspensão da execução, nos termos do art.º 279, n.º1, do CPC e de intervenção acessória provocada. 

2. Após admissão do recurso foi proferido despacho de sustentação (fls. 49).

3. Conclui a Agravante nas suas alegações:
A. Em sede de oposição por meio de embargos, a ora Recorrente referiu que a dívida – a existir – cujo pagamento coercivo a Exequente, ora Recorrida, pretende não é da sua responsabilidade, mas sim da responsabilidade da Rodosul, sociedade com a qual a Geomotor, a quem a Recorrente prestou o seu aval, celebrou um Acordo Quadro, em Abril de 1997.
B. No âmbito desse Acordo Quadro, e com o conhecimento das instituições bancárias, entre as quais a Recorrida, a Rodosul assumiu as dívidas da Embargante.
C. Não tendo o referido Acordo Quadro sido integralmente cumprido, a Geomotor propôs acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Rodosul, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Almada, tendo como finalidade a execução desse mesmo Acordo.
D. A pendência dessa acção constitui fundamento para a suspensão da presente instância, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 279.º do Código de Processo Civil.
E. Com efeito, só assim se poderá determinar quem deve responder pelas dívidas que – a existirem – alegadamente são imputadas à Geomotor.    
F. Caso assim não se entenda – o que não se admite – se a Rodosul for condenada na acção declarativa de condenação a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Almada, o que se afigura muito provável, Ter-se-á agredido o património das Executadas, entre as quais a ora Recorrente, o que constitui frontal violação do direito fundamental à propriedade, consagrado na Constituição da República Portuguesa.
G. Acresce que a manutenção da decisão de fls. 42 e 43, desrespeitaria ainda o princípio da utilidade das decisões, previsto essencialmente no artigo 2º do Código de Processo Civil.
H. Da decisão recorrida consta também o indeferimento do incidente de intervenção acessória provocada da Rodosul, suscitado pela Embargante, ora Recorrente.
I. Contudo, importa evidenciar que a presente acção executiva instaurada pela Exequente, ora, Recorrida, corre termos apenas contra as Executadas, Geomotor e (M).
J. No entanto, conforme supra descrito, sendo a Rodosol a responsável pelo pagamento da alegada quantia exequenda, as Executadas, em sede de oposição por meio de embargos, deduziram incidente de intervenção acessória provocada de tal sociedade.
K. O douto Tribunal a quo veio indeferir este incidente, argumentado que o mesmo não se afigurava admissível em sede de acção executiva.
L. Sucede que, tendo ficado demonstrado que, atento o teor dos artigos 466º e 815º, ambos do Código de processo Civil, estamos perante um verdadeiro processo declarativo enxertado na acção executiva, na medida em que,
M.Tratando-se de uma acção executiva baseada num título extrajudicial, as Executadas, entre as quais, a ora Recorrente, não tiveram oportunidade de defesa no âmbito de qualquer acção declarativa,
N. Negar a possibilidade de ser deduzido incidente de intervenção provocada em sede de embargos de executado, equivaleria a negar a possibilidade à ora Recorrente de fazer valer o seu direito de defesa, constitucionalmente consagrado.
O. Tal recusa configuraria também uma violação do princípio da igualdade das partes, previsto no artigo 3.º-A do Código de Processo Civil.
P. Importa ainda referir que, de acordo com o disposto nos artigos 330.º e seguintes do Código de Processo Civil, foram respeitados os requisitos de que dependia a dedução do incidente de intervenção acessória provocada.               

4. A Agravada em contra alegações pronuncia-se pela manutenção do despacho recorrido, deduzindo as seguintes conclusões:
- O título dado à execução não sofre de qualquer vício que lhe retire validade;
- O direito que a Embargante se arroga sobre a Rodosul não tem qualquer relação jurídica com a obrigação cambiária, ou sequer com a relação subjacente, em causa nos autos executivos.
- Sempre, e em qualquer caso, a execução terá de seguir contra os executados avalistas da GEOMOTOR.
- Não é processualmente admissível a suspensão da instância executiva. 

5. Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

II – Enquadramento fáctico
As ocorrências com relevância para a decisão do recurso são as seguintes:
üA Caixa Económica Montepio Geral, aqui Agravada, instaurou (em 12.11.99) contra Geomotor- Veículos, SA e (S) e (M) acção executiva para pagamento de quantia certa com processo ordinário dando à execução o documento de fls. 57 dos autos (livrança), no valor de 23.599.540$50, emitida em 06/09/991, com vencimento em 25.09.99, constando no local destinado ao nome e morada do subscritor “GEOMOTOR-VEÍCULOS, S.A.”;
üA Agravante, apôs a sua assinatura no verso do referido documento após os dizeres “DOU O MEU AVAL À FIRMA SUBSCRITORA”.
üA Agravante veio por apenso à execução deduzir oposição por meio de Embargos, conforme fls. 61 a 73, requerendo a suspensão da execução e dos embargos nos termos do artigo 279º, do CPC, até decisão da acção declarativa de condenação com processo ordinário que a Geomotor-Veículos, SA e Grupo Oeste – Sociedade Gestora de participações Sociais, SA propuseram contra Rodosul – Companhia de Veículos do Sul, SA, uma vez que esta sociedade se responsabilizou pelo pagamento integral das dívidas da Geomotor, incluindo o contrato de mútuo titulado pela livrança dada à execução.
üRequereu ainda a Embargante a intervenção acessória da Rodosul – Companhia de Veículos do Sul, SA fundamentada no facto da Geomotor possuir um direito de regresso sobre aquela sociedade.     
üDeu entrada no Tribunal Judicial de Almada a acção declarativa proposta pela Geomotor-Veículos, SA e Grupo Oeste – Sociedade Gestora de participações Sociais, SA contra Rodosul – Companhia de Veículos do Sul, SA, nos termos da qual as Autoras pediram que se decida:
Þ pela existência e incumprimento (imputável à Ré) de um contrato promessa celebrado entre o Grupo Oeste e a Rodosul, em 14.04.97, nos termos do qual esta sociedade se comprometeu a adquirir as acções da Geomotor detidas pela Grupo Oeste, mediante liquidação das dívidas da Geomotor anteriores e posteriores a tal contrato.
Þ elaborar sentença que, nos termos do art.º 830, do C. Civil, produza os efeitos da declaração negocial da Ré
Þ condenação da Ré a pagar à Geomotor a indemnização global de 740.000.000$00 por incumprimento ilícito e culposo das obrigações decorrentes do Acordo Quadro de integração da Geomotor, no caso de se entender não existir contrato promessa.           

II – Enquadramento jurídico
De acordo com as conclusões das alegações são duas as questões submetidas ao conhecimento deste tribunal, constituindo assim objecto do recurso determinar da:
- (in)admissibilidade da suspensão da instância executiva e respectivos embargos com fundamento na pendência de causa prejudicial  
-admissibilidade da intervenção provocada acessória requerida pela embargada

1. a suspensão da instância
Sobre o pedido de suspensão da instância executiva e de embargos que a Embargante, aqui Agravante, requereu, ao abrigo do disposto no art.º 279, do CPC, até decisão da acção declarativa proposta pela Geomotor-Veículos, SA e Grupo Oeste – Sociedade Gestora de participações Sociais, SA contra Rodosul – Companhia de Veículos do Sul, SA, recaiu despacho de indeferimento onde se fez constar: 
(...) conforme é sabido, nesta matéria a doutrina e a jurisprudência vêm distinguindo duas situações distintas: de um lado, a eventual suspensão com fundamento na pendência de causa prejudicial (artº 379º 1ª parte) e com fundamento no facto de existir outro motivo justificado (mesmo preceito citado, 2ª parte).
Quanto à primeira situação supra referenciada – e que ora releva uma vez que é o fundamento da pretensão deduzida – é pacifico não ser admissível a suspensão da acção executiva. Isto é, não é admissível a suspensão da acção executiva com fundamento na existência da causa prejudicial “pois, não tendo por fim a decisão de uma causa, não pode nela verificar-se a relação de dependência exigida pelo preceito. “Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol.I, pag.502 e jurisprudência vária na mesma obra citada).
Evidentemente, a Embargante, requer, igualmente a suspensão dos Embargos, relativamente aos quais em abstracto, tal suspensão seria admissível.
Acontece, porém que, o fundamento de tal pedido, não aparece autonomizado do fundamento apresentado para a suspensão da Acção Executiva antes surgindo com um objectivo único, qual seja o de se atingir a suspensão dos autos principais, legalmente inadmissível, como vimos.
E, sendo assim, forçoso é concluir pela improcedência da requerida suspensão por inadmissibilidade legal.

          Verifica-se pois que o despacho recorrido alicerçou o indeferimento do pedido de suspensão da instância em virtude da Embargante visar obter a suspensão da execução com base na pendência de causa prejudicial.
1.1 Dispõe o art.º 279, n.º1, do CPC, que o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta e quando ocorra outro motivo justificado.
      Neste âmbito apenas está em causa, enquanto motivo de suspensão da instância, a questão prejudicial.
     Causa prejudicial é aquela cuja decisão pode prejudicar a decisão de outra causa, isto é quando a procedência da primeira tira razão de ser
à existência da segunda
[1].   

1.2 Diferentemente do processo declarativo, o processo executivo visa obter a realização coactiva da prestação não cumprida, uma vez que o dever de prestar já se encontra corporizado no título executivo.
Essa finalidade determina a especificidade da tramitação do processo executivo[2] que tem por orientação primordial a satisfação efectiva do direito do exequente, só admitindo a discussão da existência ou da validade da pretensão exequenda num processo declarativo incidental da execução – os embargos de executado.
Sendo a finalidade específica do processo executivo a efectivação de uma prestação[3] que é atribuída pelo direito material e que se encontra documentada num título executivo, evidencia-se que, por natureza, não cabe no âmbito desse processo a suspensão da instância ao abrigo do n.º1 do art.º 279 do CPC.
      Com efeito, sabendo-se que a suspensão da instância nas situações de existência de causa prejudicial pretende, sobretudo, assegurar a coerência ou uniformidade de julgamento, tendo ainda por subjacente princípios de ordem de economia processual, evitando a prática de actos inúteis, tal objectivo não se compadece com a essência do processo executivo não ocorrendo por isso justificação para se pretender suspender um processo executivo em face da pendência de acções declarativas.
          Conforme fez salientar Alberto dos Reis, no que se refere à inaplicabilidade da primeira parte do art.º 284 ao processo de execução, porque o fim deste processo não é decidir uma causa, mas dar satisfação efectiva a um direito já declarado por sentença ou constante de título com força executiva, não se verifica, por isso, o requisito exigido por aquele preceito – estar a decisão da causa dependente do julgamento doutra já proposta[4].  
     No sentido da impossibilidade de aplicar a suspensão da execução por existência de causa prejudicial igualmente se tem pronunciado a jurisprudência[5] podendo ler-se a tal respeito no Acórdão do STJ de 18/6/96, citado, aliás, pela Agravante (embora dele retirando um sentido que nele não poderá ser encontrado[6])  “Independentemente de aos assentos ter sido retirada a sua antiga força vinculativa, por revogação do art.º 2º do C. Civil, pelo art.º 4º n.º2 do Dec. Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, dir-se-á que o entendimento acima referido também foi perfilhado pelo Assento de 24/5/1960, Bol. 17, 113, proferido no domínio do C.P.Civil de 1039.
    Acontece que o primeiro fundamento do art.º 284º do C.P.Civil de 1939 corresponde exactamente ao do n.º1 do art.º 279º do C.P.Civil.[7]
            Por isso, como se disse no Ac. do STJ de 4/6/1980, BMJ 298, 232, a doutrina naquele assento não caducou pelo facto de ser revogada a legislação em que ele assentou, porque essa legislação foi substituída por outra que contém textos idênticos, não havendo razões para excluir que o sentido dos novos textos seja igual ao dos antigos, como é o caso”.         
          Verifica-se pois não ser aplicável à acção executiva a suspensão da instância por existência de causa prejudicial, já que no seu âmbito a decisão de mérito constitui questão ultrapassada e, por isso, se não compadece com a dependência do julgamento de outra causa.

1.3 Não podendo assim a Agravante obter a suspensão da execução com base na pendência da invocada causa prejudicial cumpre apreciar se, relativamente aos embargos, tal pretensão tem cabimento.       
        Pese embora o facto dos embargos de executado configurarem uma “oposição” ou “contestação” ao direito do exequente, o certo é que não poderá ser descurada a sua natureza de acção enquanto dirigida contra o exequente, em que este toma a posição de réu, assumindo o executado o posicionamento de autor.
      Por conseguinte os embargos de executado consubstanciam verdadeiras acções declarativas, estruturalmente autónomas, emboras ligadas instrumental e funcionalmente à acção executiva[8] justificando que tanto a doutrina como a jurisprudência sigam o entendimento de que a restrição da inaplicabilidade da suspensão da execução por causa prejudicial careça de sentido no que se refere a esta fase declarativa enxertada no processo executivo[9].
          Não ocorrendo obstáculo à admissibilidade da figura no domínio do processo de embargos de executado, importa para o efeito que se encontrem reunidos os requisitos de que a lei faz depender a sua admissibilidade. Impõe-se pois determinar se, no caso, se verificam esses requisitos.

1.4 O poder facultado ao juiz no n.º1 do art.º 279 do CPC, não é um poder discrionário pois que o seu exercício resultará da verificação da pendência da causa prejudicial, isto é e conforme se lê no Acórdão do STJ de 01.10.91, o poder discricionário em si, é limitado à existência efectiva da condicionante, tornando-se vinculado[10].      
          Desta forma, só quando ocorra uma real e efectiva situação de prejudicialidade é que é legítimo suspender a instância[11].
A verdadeira prejudicialidade e dependência só se verifica quando na primeira causa se discuta, em via principal, uma questão que é essencial para a decisão da segunda e que não pode resolver-se nesta em via incidental[12].   
Na sequência do que se deixa referido e relativamente ao caso sub judice constata-se, com particular clareza, que não é possível descortinar a alegada prejudicialidade em termos de permitir fundamentar a pretendida suspensão dos embargos.
Com efeito, na acção executiva, a Embargante é demandada na qualidade de avalista da subscritora da livrança (a Geomotor-Veículos, SA) que constitui o respectivo título executivo, sendo certo que no âmbito da acção declarativa está em causa o incumprimento (imputável à Ré na acção, a  Rodosul) de um contrato promessa celebrado entre o Grupo Oeste e a Rodosul, em 14.04.97, nos termos do qual esta sociedade havia comprometido a adquirir as acções da Geomotor detidas pela Grupo Oeste, mediante liquidação das dívidas da Geomotor anteriores e posteriores a tal contrato.
Visando pois tal acção o proferimento de sentença que, nos termos do art.º 830, do C. Civil, produza os efeitos da declaração negocial da Ré (Rososul) e tendo igualmente sido formulado pedido de indemnização[13] para o caso de se não entender que a Rodosul se obrigou, como contrapartida da aquisição das acções da Geomotor à Grupo Oeste, a liquidar o passivo da Geomotor, encontra-se desde logo inviabilizada a possibilidade da decisão a proferir na referida acção ser considerada como questão essencial, pois que a sua procedência de modo algum tira a razão de ser à acção aqui em causa já que não só não invalida a relação cambiária que consubstancia a causa de pedir no processo executivo, como igualmente não fere a própria relação extracartular que lhe está por subjacente[14].
Não existe assim fundamento para a pretendida suspensão.            

2. A intervenção acessória provocada da Rodosul
Insurge-se ainda a Agravante contra o despacho que indeferiu o incidente de intervenção acessória provocada da Rodosul considerando que o mesmo se mostra essencial ao exercício do seu direito de defesa.
Fundamentou tal pedido no direito de regresso que, conjuntamente com a co-executada Geomotor, detém contra a Rodosul.
         Defende ainda a Agravante que, consubstanciando a dedução de embargos uma contestação ao requerimento inicial, assume-se adequada a dedução do incidente no âmbito do respectivo processo, atento ao disposto no art.º 331, do CPC.
            Relativamente ao incidente em causa refere o despacho recorrido:
Na verdade, não obstante termos conhecimento da existência de isoladas posições em sentido contrário, quer ao nível da doutrina quer ao nível da jurisprudência, o facto é que, em nosso entender, a doutrina ou tese que defende a inadmissibilidade de incidentes desta natureza em sede de Acção Executiva, designadamente mediante a dedução de Embargos de Executado é, a mais conforme ao ordenamento jurídico vigente ou, se preferirmos, a única compatível com a tramitação processual dos autos.
E, sendo assim, indefere-se, liminarmente, tal incidente.

  A questão pois a decidir é a da admissibilidade do incidente nos autos de embargos de executado.
Conforme refere Salvador da Costa, os incidentes de intervenção de terceiros foram estruturados na base dos vários tipos de interesses e das várias ligações entre esse interesse, que deve ser invocado como fundamento da legitimidade do interveniente, e da relação material controvertida desenvolvida entre as partes primitivas[15].
Tendo em conta o disposto no art.º 330, do CPC, verifica-se que a intervenção acessória provocada tem por fundamento básico a acção de regresso da titularidade do réu contra terceiro, destinada a permitir-lhe a obtenção da indemnização pelo prejuízo que eventualmente lhe advenha da perda da demanda.[16]
Dado que o chamado não influencia de nenhum modo a relação jurídica processual desenvolvida entre o autor e o chamante, a referida intervenção não só é de natureza facultativa como da sua omissão não decorre qualquer desvantagem para o réu.
Tendo em atenção o próprio escopo da figura em causa e sabendo-se que, atento ao disposto no n.º4 do art.º 341 do CPC, o âmbito do caso julgado material em relação ao chamado se circunscreve às questões de que dependa o direito de regresso do réu chamante, tendo em linha de conta a natureza e a estrutura do processo de embargos (uma vez que nele não ocorre uma sentença de condenação contra o embargante), perfilhamos o entendimento daqueles que defendem que este tipo de intervenção não tem cabimento processual no âmbito da acção executiva, incluindo os embargos de executado, por se mostrar com ela incompatível[17].    
 Na verdade, dispondo o n.º1 do citado art.º 330 que o réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal, evidencia-se que é o réu e não o autor que pode provocar a intervenção acessória do terceiro no processo[18].
Por conseguinte e de acordo com o referido comando, mostra-se claro que, em processo de embargos, assumindo o embargante a posição de autor na acção dirigida contra o exequente (na posição de réu), carece o mesmo de legitimidade para fazer intervir, acessoriamente, nos embargos, um terceiro.        
Concluiu-se, deste modo, que a pretendida intervenção acessória requerida pela Embargante não é admissível, improcedendo, por isso, as conclusões da Apelante. 

IV – Decisão
Nestes termos e ainda que por fundamento não de todo coincidente acorda-se em negar provimento ao agravo, mantendo o despacho recorrido.
          Custas pela Agravante.


Lisboa, 26 de Junho de 2003
                                                          
Graça Amaral
 Ezaguy Martins
Maria José Mouro
_______________________________________________________________
[1] Conforme refere Alberto  dos Reis, em Comentário ao Código de Processo Civil, III, pág. 268, como a causa prejudicial está proposta e o julgamento dela pode destruir a razão de ser da outra causa, considera-se razoável a suspensão da instância subordinada.
[2] O processo executivo está embuído de regras de racionalidade económica que lhe permitem atingir mais fácil e celeremente a sua função jurídico-económica
[3] Pelo que a sua tramitação comporta essencialmente actos de execução - penhora, entrega, venda.      
[4] Obra citada, pág. 274 e reportado ao art.º 284 do CPC (hoje art.º 279, n.º1).
[5] Cfr. entre outros, Acórdão da Relação do Porto de 23.05.2000, processo n.º 0020629 a cujo sumário se pode aceder por http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/c3fb530030, Acórdão da Relação de Lisboa de 01.02.90, processo n.º 0026782, a cujo sumário se pode aceder por http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/c3fb530030,Acórdão do STJ de 10.01.80, BMJ 293, pág. 227..
[6] A Agravante indica tão somente o sumário do Acórdão, sendo certo que o respectivo conteúdo terá de ser adequadamente avaliado.  
[7] CJSTJ Ano IV, Tomo II, pág. 149.
[8] Cfr. Lebre de Freitas, Acção Executiva, 2ª edição, pág. 156.
[9] Cons. Jacinto Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, II, pág. 47, Acórdão do STJ de 18/6/96 citado.
[10] BMJ 410, pág. 615.
[11] A não ser assim atendido, abrir-se-á escancaradamente a porta para que as acções judiciais fiquem com a instância suspensa a aguardar, de outros processos, decisões completamente inócuas para as acções suspensas, num total e inadmissível desrespeito por princípios fundamentais do direito adjectivo, como são o da economia (artigo 137) e o da celeridade processuais (artigo 265) – Acórdão do STJ de 18.04.2002, Processo n.º 02B014, acedido por  http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/c3fb530030
[12] Neste sentido cfr. do STJ de 30.6.88, BMJ 378, pág. 703.
[13] condenação da Ré a pagar à Geomotor a indemnização global de 740.000.000$00 por incumprimento ilícito e culposo das obrigações decorrentes do Acordo Quadro de integração da Geomotor, no caso de se entender não existir contrato promessa
[14] Não ferindo, com isso, o princípio da utilidade das decisões contrariamente ao pugnado pela Agravante.
[15] Os Incidentes da Instância, 3ª edição, Almedina, pág. 78.
[16] Salvador da Costa, obra citada, pág. 128.
[17] Não se ignorando, porém, a jurisprudência que se posicionou no sentido de admitir nos enxertos declarativos da acção executiva (liquidação e embargos) a intervenção acessória provocada do obrigado de regresso para auxiliar o executado na sua defesa e discutir as concretas questões que ainda falta decidir em juízo declarativo para completar o título executivo – Acórdão da Relação de Évora de 13.07.2000, CJ Ano XXV, Tomo 4, pág. 257.     
[18] Acórdão do STJ de 01.03.2001, CJSTJ, Ano IX, Volume I, pág. 139.