Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2771/08-9
Relator: FERNANDO ESTRELA
Descritores: JUSTIFICAÇÃO DA FALTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/17/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1. Nos termos do art. 117º CPP, as faltas a diligências para as quais as pessoas se encontrem regularmente notificadas têm que ser justificadas, tratando-se de motivo imprevisível, no dia e hora designados para a prática do acto e caso a falta se deva a motivo de saúde, para além da supra referida comunicação, deverá o respectivo comprovativo ser junto aos autos até ao 3º dia útil seguinte.
2. Não tem a virtualidade de justificar a falta do arguido a audiência de julgamento, marcada para determinada data, o atestado que apenas refere que o faltoso se encontrava doente nesse dia, sem especificar se tal doença impossibilitou ou tornou gravemente inconveniente a comparência
Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência na 9.ª Secção Criminal de Lisboa:

I - No Proc.º 14/06.7PBCSC do 4.º Juízo Criminal de Cascais foi a arguida M. condenada no pagamento de uma multa, no valor de 2 UC (€ 192), por ter injustificadamente faltado à audiência de julgamento, realizada no dia 3 de Outubro de 2007, para a qual estava regularmente notificada.

II – Inconformada com o despacho que manteve a mencionada condenação, vem a arguida interpôr recurso alegando, em conclusão, que:
1. O n.º 2 do artigo 117°, do CPP estabelece que " A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto se for imprevisível. (...)".
2. Assim, entende-se que sempre que se a impossibilidade de comparecimento ocorrer cinco dias antes da data designada para a audiência de discussão e julgamento, a mesma é previsível e deverá ser comunicada ao Tribunal nesse mesmo prazo de cinco dia, para que este possa notificar aos intervenientes uma nova data.
3. Contudo, se o motivo de impossibilidade de o arguido comparecer na data de audiência e julgamento ocorrer quando já não seja possível dar cumprir o prazo de cinco dias referido no n.° 2, do artigo 117°, do CPP o facto é considerado imprevisível, devendo neste caso ser comunicado na data e hora designadas para a prática do acto, não havendo neste caso possibilidade de marcação de uma nova data.
4. Parece-nos, pois, salvo melhor opinião que a lei não prevê a hipótese de existir a impossibilidade de comunicar ao Tribunal na dia e hora marcadas para a prática do facto, a impossibilidade de comparência do arguido devido a motivo imprevisível.
5. Pois, no caso que tratam os autos a arguida padece de rinite crónica perene e sinusopatia obstrutiva, o que lhe provoca crises que a incapacitam de levar a sua vida normal.
6. A arguida no dia 2 de Outubro ficou com uma dessas crises, tendo recorrido a uma consulta de emergência junto da sua médica assistente, estamos, pois, perante um motivo imprevisível.
7. Contudo, foi impossível à arguida no dia e hora do julgamento comunicar ao Tribunal " a quo" a sua impossibilidade de comparecer à audiência de julgamento.
8. Mas, logo que lhe foi possível entregou, por intermédio de terceiro, no Tribunal um requerimento a comunicar o motivo da sua impossibilidade de comparência, mostrando, assim, a sua preocupação com o processo e com as suas obrigações para com o Tribunal.
9. Nestes termos e nos demais de direito deve ser revogado o despacho recorrido, pelos motivos que atrás se expuseram.

III – Em resposta o Ministério Público veio dizer, formulando as seguintes conclusões:
1. Nos termos do art.º 117.º CPP, as faltas a diligências para as quais as pessoas se encontrem regularmente notificadas têm que ser justificadas:
- tratando-se de motivo previsível – com 5 dias de antecedência
- tratando-se de motivo imprevisível – no dia e hora designados para o acto
Caso a falta se deva a motivo de saúde, para além da supra referida comunicação, deverá o respectivo comprovativo ser junto aos autos no prazo de três dias úteis.
2. A arguida não justificou tal falta até ao início dessa audiência, pelo que, foi condenada em 2 UC de multa, no valor de € 192, nos termos do art. 117º CPP.
3. No dia seguinte, veio a arguida aos autos juntar um requerimento, no qual se limitava a informar que não lhe havia sido possível comparecer à audiência de julgamento por “motivo de doença”.
Não juntou a arguida qualquer comprovativo do que alegava.
4. Não respeitou a arguida o previsto no referido art. 117º CPP:
- nem relativamente ao prazo de que dispunha para justificar a sua falta (dia da audiência de julgamento);
-nem quanto à junção aos autos do comprovativo daquilo que alegava (atestado médico).
5. A falta da arguida a julgamento nunca poderia ser considerada justificada, por não respeita qualquer dos requisitos exigidos pela lei.
6. Apenas quando interpôs o presente recurso juntou a arguida aos autos uma declaração médica, a qual se limita a atestar que, no dia anterior à data da audiência de julgamento, a arguida recebeu assistência médica.
Ora, a data relevante (e em relação à qual importaria justificar a ausência da arguida) é a da audiência de julgamento e não o dia anterior, pelo que, tal declaração não tem qualquer relevância para a questão em apreço.
7. Nenhuma crítica merece o Despacho ora recorrido, a qual não viola qualquer preceito legal, devendo ser mantido nos seus precisos termos.

IV – Transcreve-se o despacho recorrido.
(Despacho de 29.11.2007)
A arguida M. foi condenada no pagamento de 2 UC, correspondente à quantia de € 192,00 (cento e noventa e dois Euros), a título de multa pela falta injustificada à audiência de julgamento realizada no dia 3 de Outubro de 2007 (cfr. acta de audiência de julgamento, fls. 73), para a qual se encontrava devidamente notificada (cfr. fls. 63).
Por requerimento a fls. 76, de 4 de Outubro de 2007, veio a arguida comunicar que não pode comparecer por motivos de doença.
O Ministério Público promoveu que se considere a falta injustificada, por não respeitar o disposto no artigo 117.° do Código de Processo Penal (cfr. fls. 89).
Cumpre decidir.
Nos termos do artigo 117.°, n.°s 2 e 3 do Código de Processo Penal, a impossibilidade de comparecimento de pessoa regularmente notificada, no dia, hora e local designados, deve der comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e até à hora da diligência processual, se for imprevisível. Neste último caso, na sequência da comunicação e por motivo justificado, podem os elementos de prova ser apresentados nos três dias úteis seguintes.
Ora, no caso em apreço, a arguida não comunicou a impossibilidade de comparência no próprio dia da realização da audiência de julgamento, tendo apenas apresentado requerimento a comunicar o motivo da sua falta à referida audiência no dia seguinte, sendo, por isso, manifestamente extemporâneo.
Em face do exposto e por não estarem verificados os requisitos exigíveis pelo artigo 117.° do Código de Processo Penal, indefiro a requerida justificação da falta de comparência à mencionada audiência de julgamento da arguida, pelo que se mantém a condenação da mesma em multa (cfr. acta de audiência de julgamento, fls. 73).
Notifique.

V – Cumpre decidir.
Diz o Artigo 117.º do Código de Processo Penal (Justificação da falta de comparecimento) :
1 - Considera-se justificada a falta motivada por facto não imputável ao faltoso que o impeça de comparecer no acto processual para que foi convocado ou notificado.
2 - A impossibilidade de comparecimento deve ser comunicada com cinco dias de antecedência, se for previsível, e no dia e hora designados para a prática do acto, se for imprevisível. Da comunicação consta, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento.
3 - Os elementos de prova da impossibilidade de comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem ser apresentados até ao 3.º dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas.
4 - Se for alegada doença, o faltoso apresenta atestado médico especificando a impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento e o tempo provável de duração do impedimento. A autoridade judiciária pode ordenar o comparecimento do médico que subscreveu o atestado e fazer verificar por outro médico a veracidade da alegação da doença.
5 - Se for impossível obter atestado médico, é admissível qualquer outro meio de prova.
(…)
Nos termos do art. 117º CPP, as faltas a diligências para as quais as pessoas se encontrem regularmente notificadas têm que ser justificadas:
- tratando-se de motivo previsível – com 5 dias de antecedência em relação ao acto;
- tratando-se de motivo imprevisível – no dia e hora designados para a prática do acto.
Caso a falta se deva a motivo de saúde, para além da supra referida comunicação, deverá o respectivo comprovativo ser junto aos autos até ao 3º dia útil seguinte.
Ora resulta dos presentes autos que, no dia 3 de Outubro de 2007, realizou-se a audiência de julgamento nos presentes autos, para a qual a arguida estava devidamente notificada.
Uma vez que não justificou tal falta até ao início dessa audiência, foi a mesma condenada em 2 UC de multa, no valor de € 192, nos termos do art. 117º CPP.
No dia seguinte, veio a arguida aos autos juntar um requerimento, no qual se limitava a informar que não lhe havia sido possível comparecer à audiência de julgamento por “motivo de doença”. Não juntou a arguida qualquer comprovativo do que alegava.
Resulta assim não ter a arguida respeitado o previsto no referido art. 117º CPP:
- nem relativamente ao prazo de que dispunha para justificar a sua falta (dia da audiência de julgamento);
-nem quanto à junção aos autos do comprovativo daquilo que alegava (atestado médico).
Nestes termos nunca a falta da arguida a julgamento poderia ser considerada justificada, por não respeitar qualquer dos requisitos exigidos pela lei.
A arguida por outro lado “ apenas quando interpôs o presente recurso juntou aos autos uma declaração médica, a qual se limita a atestar que, no dia anterior à data da audiência de julgamento, a arguida recebeu assistência médica”.
Ora, a data relevante (e em relação à qual importaria justificar a ausência da arguida) é a da audiência de julgamento e não o dia anterior.
Pelo que, esta declaração médica, para além de ter sido junta aos autos extemporaneamente, torna-se igualmente irrelevante para a questão em apreço.
Diz a arguida que “sofreu um problema de saúde no dia anterior à audiência de julgamento, tendo sido clinicamente assistida; no dia da audiência de julgamento não se encontrava melhor, não tendo tido possibilidade de comparecer a julgamento, nem de comunicar a sua falta; sendo que o CPP não prevê situações de incapacidade de comunicação no próprio dia do julgamento a impossibilidade imprevisível de comparência; tendo logo que lhe foi possível juntado aos autos requerimento onde comunicava a impossibilidade de comparência em causa”.
Ora, ainda que tivesse sido tempestiva a justificação da falta, o que não ocorreu como vimos acima, sempre a doença invocada não era de molde a impossibilitar a arguida a comparecer em julgamento.
O Assento do STJ de 3 de Abril de 1991, publicado no DR n.º 120 IªS-A de 25.Maio.1991, fixou a seguinte jurisprudência que mantém a validade para o caso sub júdice: “O atestado médico, para justificar a falta de comparecimento perante os serviços de justiça de pessoa regularmente convocada ou notificada, referido no artigo 117.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, não tem que indicar o motivo concreto que impossibilita essa comparência ou a torna gravemente inconveniente, mas apenas atestar que o faltoso se encontra doente e impossibilitado ou em situação de grave inconveniência, por doença, de comparecer”.
Ou seja, “ I - Os atestados médicos justificativos de falta, por doença, a actos processuais têm que obedecer a dois requisitos: a) especificação da impossibilidade ou grave inconveniência no comparecimento. b) o tempo provável de duração do impedimento.
II - Não tem a virtualidade de justificar a falta do arguido a audiência de julgamento marcada para determinada data o atestado que apenas refere que o faltoso se encontrava doente nesse dia, sem especificar se tal doença impossibilitou ou tornou gravemente inconveniente a comparência”. ( vd. córdão R.Porto de 29-01-92, proc.º9150825 , in www.dgsi.pt).
Pelo exposto, não teria que ser justificada a falta à audiência não só porque não apresentou justificação no prazo legal como e, sobretudo, porque a justificação médica não diz respeito ao dia exacto da obrigação de comparência nem indica que a doença é motivo que impossibilite comparecer em Tribunal.

V - Termos em que negando provimento ao recurso se confirma o despacho recorrido .
Custas pela arguida, sendo de 3UCs a taxa de justiça.