Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3500/11.3TTLSB.L1-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
PROCESSO ADMINISTRATIVO
TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: A notificação da R. no âmbito do processo administrativo organizado nos serviços do Ministério Público junto dos Tribunais do Trabalho de Lisboa não pode ser considerada uma notificação judicial e só essas, como explicitamente decorre do nº 1 do art. 323º do CC, têm a virtualidade de interromper a prescrição.
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

          AA intentou em 28/09/2011 contra BB, S.A. a presente acção emergente de contrato individual de trabalho alegando, em suma, ter trabalhado, como motorista, por conta, sob a direcção e fiscalização da R., desde 1/2/2010 a 28/9/2010, data em que, com aviso prévio, resolveu o contrato, por a R. não lhe pagar as horas extra que efectuava. Veio pedir a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 7.471,86 referente ao trabalho suplementar prestado, férias, subsídio de férias e de Natal e subsídio de agente único, acrescida de juros de mora a contar da citação até integral pagamento.
          A R. contestou, excepcionando a prescrição, dado ter sido citada em 18/10/2011, e por impugnação.
          O A. respondeu à excepção alegando que deu entrada da acção antes de decorrido o prazo da prescrição, porque se socorreu do apoio do Ministério Público junto do TT de Lisboa, tendo o respectivo processo administrativo, nº 567/11.8TVLSB sido autuado em 2/5/2011, em cujo âmbito foi designada uma conferência para 31/5/2011, a que a R., apesar de notificada, não compareceu, vindo a realizar-se no dia 1/7/2001, com a presença do mandatário da R., na qual não foi possível chegar a acordo por a R. ter ficado de dar uma resposta até 13/7/2011 e nada ter dito.           Em seu entender, releva para a interrupção do prazo de prescrição a citação ou notificação feita em processo em que se procura exercer o direito, mesmo em acto preparatório, como foi a notificação para a conferência em diligência promovida pelo M.P, sendo que nessa conferência a R. chegou a oferecer uma verba para que o A. não prosseguisse, ficando pois bem ciente de que o A. pretendia exercer o direito que ora reclama.
Seguiu-se a prolação do despacho saneador-sentença de fls. 256/261, que julgou procedente a excepção de prescrição dos créditos laborais deduzidos pelo A. e absolveu a R. do pedido.
          O A., não conformado, recorreu, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
          A R. contra-alegou, pugnando pela manutenção do despacho recorrido.
Subidos os autos a este tribunal, também o M.P. no seu parecer, se pronunciou pela improcedência do recurso.

          O objecto do recurso, como decorre das conclusões antecedentes, consiste, por um lado, na reapreciação da prescrição dos créditos reclamados na acção, o que passa essencialmente pela questão de saber se a notificação da R. para uma tentativa de conciliação no âmbito do processo administrativo (com vista ao pedido de patrocínio pelo A.), que correu termos nos serviços do Ministério Público junto dos Tribunais do Trabalho de Lisboa satisfaz os requisitos do nº 1 do art. 323º para interromper a prescrição, por outro, se a decisão recorrida padece das nulidades que lhe são imputadas e ainda se a recorrida renunciou à prescrição.

          Os factos relevantes para o conhecimento do recurso são:
          1 – Tendo  a acção foi proposta em 28/9/2011, a R. foi citada em 19/10/2011 (cfr. fls. 180).
          2 - Por carta de 26/8/2010, o A. denunciara o contrato de trabalho para 28/9/2010.
          4- Em 29/4/2011 o A. apresentou nos Serviços do Ministério Público nos Tribunais do Trabalho de Lisboa pedido de patrocínio para intentar acção emergente de contrato contra a R., ora recorrida, a reclamar proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal, retribuição de horas extraordinárias e subsídio de almoço (fls. 228 e 229).
          5- A R. foi notificada por carta datada de 4/5/2011 para comparecer naqueles serviços para uma tentativa de conciliação, tendo faltado.
          6- Em nova tentativa de conciliação realizada no dia 1/7/2011 perante o magistrado do Ministério Público, a R.. fez-se representar por mandatário judicial que declarou em acta pretender “contactar com a empresa a fim de saber se a mesma  aceita o acordo de € 2500, pelo que solicita o adiamento”
          7- Face a tal declaração a diligência foi adiada paria 13/7/2011 (fls. 235).
         
            Apreciação
          Antes de mais cabe salientar, relativamente às duas últimas questões objecto do recurso - nulidades da sentença (arguidas apenas no corpo das alegações e conclusões), e, por outro lado, a renúncia tácita à prescrição - que qualquer delas não pode ser apreciada por este tribunal porquanto:
- as nulidades da sentença não foram arguidas expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, conforme exigido pelo art. 77º nº 1 do CPT, o que, em conformidade com a orientação dominante na jurisprudência, configura extemporaneidade da arguição, obstando ao respectivo conhecimento. A razão desta norma específica do processo laboral radica nos princípios da economia e celeridade processuais, particularmente relevantes neste foro, atenta a natureza dos interesses que nele se digladiam, e visa permitir que o tribunal que proferiu a decisão impugnada (a quem é dirigido o requerimento de interposição, mas já não as alegações e respectivas conclusões, dirigidas ao tribunal de recurso)  possa reparar a nulidade, se for caso disso e assim evitar trâmites inúteis;
- a questão da renúncia tácita à prescrição, porque constitui verdadeiramente uma questão nova, que não foi suscitada no articulado de resposta à excepção. É nos articulados que as partes delimitam o objecto da acção, deduzindo as suas pretensões e respectivos fundamentos fácticos e jurídicos, bem como as objecções às posições da parte contrária, quer configure impugnação, quer excepção. Os recursos destinam-se a suscitar perante um tribunal superior a reapreciação das questões que foram colocadas perante o tribunal recorrido, e não a provocar a discussão de questões novas.
          Por isso se não conhece de tais questões.

          No despacho recorrido, para além de considerações gerais sobre o instituto da prescrição, a Srª Juíza, depois de definir o normativo legal aplicável  (art. 337º nº 1 do CT 2009) expendeu «No caso concreto, temos que a presente acção foi sempre proposta depois de ter decorrido um ano depois da cessação do contrato de trabalho, quer na “versão” dos factos alegada pelo A., quer na “versão” da própria R.
Ora, o Art. 323º, n.º 1 do Código Civil dispõe que “A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, sendo que, no caso, a citação da R. só ocorreu, de facto, um ano depois da cessação do contrato do A. (como o próprio A. o aceita).
Ora, nos presentes autos, o A. reclama €4.172,16 a título de trabalho suplementar; proporcionais de férias vencidas e não gozadas, subsídio de férias e Natal relativas ao ano da cessação do contrato, no valor de €1.727,70 + €393; um subsídio mensal de agente único no valor de €7.471,86.
Terá o processo administrativo a virtualidade de interromper a prescrição em curso?
Cremos que o conteúdo do processo administrativo não reúne os requisitos necessários à interrupção da prescrição, na medida em que, exigindo-se através de tal meio que o hipotético devedor fique a conhecer qual o direito que o credor vai exercer judicialmente, no procedimento de que o autor lançou mão, o mesmo limita-se a, em singelas linhas, a reclamar créditos laborais relativos a proporcionais de férias subsídio de férias e Natal, horas extraordinárias e subsídio de almoço, sendo, assim, notório o carácter genérico e abstracto do anúncio feito, o qual deixou a entidade empregadora na mais completa ignorância sobre quais as aspirações do trabalhador no que concerne à extinção da relação laboral.
E repare-se que nesse processo administrativo não foi deduzido qualquer pedido quanto ao subsídio de agente único que agora o A. reclama por via de acção.
E atendendo às razões de interesse e ordem pública que estão na base do próprio instituto da prescrição – certeza do direito e segurança do comércio jurídico – afigura-se-nos que, para que o meio interruptivo da prescrição, seja ele a citação, a notificação judicial ou qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito possa ser exercido, produza aquela eficácia, necessário se torna que o credor que o pratica concretize, minimamente, o direito ou direitos que pretende reclamar do devedor sobre o qual o faz incidir, não sendo, portanto, suficiente qualquer declaração de intenção vaga ou genérica de exercício de direito ou direitos contra o mesmo. É que o efeito interruptivo do mesmo, baseia-se, precisamente, em que, a partir dele, o devedor fica a ter conhecimento do direito ou direitos que o credor exerce ou pretende exercer judicialmente.
O processo administrativo invocado como acto interruptivo da prescrição, apresenta-se em termos assaz vagos ou genéricos, e não totalmente coincidentes com o pedido formulado nestes autos (SUBSÍDIO DE AGENTE ÚNICO), e insusceptíveis de conduzirem, minimamente, à mencionada eficácia, sendo portanto insuficiente para produzir a interrupção da prescrição dos créditos que o autor agora pretendeu reclamar através da presente acção.
Assim, tendo a relação laboral entre o autor e a ré cessado com efeitos desde 26/8/2010, tendo o A. proposto a presente acção em 28/9/2011, sem dúvida que o fez numa altura em que já se havia esgotado o prazo de prescrição de um ano a que se reporta o art. 337º do CT2009.
Assim julgo procedente a excepção da prescrição dos créditos laborais deduzida pela R. e absolvo-a do pedido formulado pelo A.»
          O recorrente  manifesta a sua discordância deste entendimento, que a seu ver decorre de uma errada interpretação da lei, sustentando que carece de fundamento a exigência de maior   concretização do que aquela que consta do processo administrativo, o qual reúne todas as condições para que se considere interrompido o prazo prescricional.
          Salvo o devido respeito, não tem razão, não tanto pelo motivo invocado pela Srª Juíza (excepto no que se refere à pretensão do subsídio de Agente Único), mas fundamentalmente porque a notificação da R. no âmbito do processo administrativo organizado nos serviços do Ministério Público junto dos Tribunais do Trabalho de Lisboa não pode, rigorosamente, ser considerada uma notificação judicial e só essas, como explicitamente decorre do nº 1 do art. 323º do CC, têm a virtualidade de interromper a prescrição.
          Com efeito, a lei é bem clara, no nº 1 do art. 323º, quando refere “citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente” E mesmo o nº 4, quando determina “É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.”
O processo administrativo organizado pelos serviços do M.P., no âmbito do qual teve lugar uma tentativa de conciliação para a qual o R. e recorrido foi notificado, pode ter sido preparatório do processo judicial, mas não é, de forma alguma, um processo judicial. Processos judiciais são apenas aqueles que correm termos num tribunal. Os serviços do Ministério Público não se confundem com o tribunal. Dão apoio ao Ministério Público, que funciona junto do tribunal.
A notificação efectuada pelos serviços do Ministério Público, não tendo sido realizada no âmbito de um processo jurisdicional que estivesse em curso, é pois extra-judicial e, como tal, não preenche um dos pressupostos indispensáveis para poder interromper o prazo prescricional, ainda que, relativamente aos créditos relativos a férias, subsídio de férias e de Natal, bem como a retribuição pelo trabalho suplementar, fosse o bastante para dar a conhecer ao ex-empregador a intenção de exercer o direito. Mas isso não é suficiente para interromper o prazo, como já ensinava Pessoa Jorge[1]: “A interrupção resultante do exercício do crédito está sujeita a condicionalismo mais apertado, uma vez que terá de fazer-se através de acto de carácter judicial, …”
Por isso, sem necessidade de maiores desenvolvimentos, se entende, embora com diverso fundamento, manter a decisão recorrida, uma vez que na data em que a R. foi citada para a acção – 18/10/2011 – se encontrava esgotado o prazo prescricional (de um ano a contar do dia seguinte ao da cessação do contrato - art. 337º nº 1 CT 2009), tendo pois ocorrido em 29/9/2011 a prescrição dos créditos laborais reclamados.

Decisão
Pelo exposto se acorda em julgar improcedente o recurso, confirmando, embora com fundamento diferente, a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 10 de Outubro de 2012

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
Filomena de Carvalho
-------------------------------------------------------------------------------------
[1] Lições de Direito das Obrigações, Edição da Associação Académica da FDL, 1975/1976, pag. 678.
Decisão Texto Integral: