Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
0035211
Nº Convencional: JTRL00042009
Relator: ADRIANO MORAIS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Nº do Documento: RL200205070035211
Data do Acordão: 05/07/2002
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: DIR CIV. DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CRP ART22.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1994/02/24 IN BMJ PÁG396. AC STJ DE 1999/09/23 IN BMJ N460 PÁG753. CJ 1999 ANO7 T3.
Sumário: I - O Estado é responsável civilmente, por omissão ilícita e culposa no exercício da função legislativa, assim violando o preceituado no artigo 22º da Constituição da República.
II - Há obrigação de indemnizar provando-se o nexo de causalidade entre a referida omissão e os danos causados.
III - Aquela norma constitucional pode ser directamente invocada pelos particulares face à omissão do legislador.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
(A) e mulher, (B) intentaram contra o Estado Português a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo a condenação do R. a pagar-lhes a quantia de 302.418.448$00, sendo 72.418.448$00 de danos patrimoniais e o restante - 230.000.000$00 de danos morais, acrescida de juros à taxa legal de 16% ao ano, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.
Alegaram em resumo, que o seu filho (C) morreu no parque aquático da cidade de Lisboa, por asfixia por submersão, por falta de legislação específica para este tipo de recintos de diversões aquáticas.
Refere ainda que o R. bem sabia e não podia ignorar que estes eram autorizados e licenciados e que funcionavam sem qualquer cobertura legal, regulamentar ou de outro tipo.
Fundamentam, assim, o pedido na responsabilidade civil do Estado por omissão ilícita e culposa no exercício da função legislativa - violação do artigo 22º da Constituição da República Portuguesa.
Citado, o Estado contestou dizendo que "... a mera ausência de legislação especifica sobre parques aquáticos não originou a ocorrência do acidente que vitimou o menor". O R. nunca reconheceu, designadamente através do Instituto do Consumidor, que a mera ausência daquela legislação pudesse provocar acidentes mortais em parques aquáticos, pois a existência de tal legislação não desencadearia o impedimento de factos impeditivos do acidente dos autos.
Concluiu que não houve omissão legislativa ilícita e que nem houve nexo de causalidade entre ela e o dano, pelo que pediu a absolvição do pedido.
Depois foi elaborado o despacho saneador e organizados a especificação e questionário.
O Mº Público reclamou do questionário, tendo a reclamação sido parcialmente atendida.
Instruída a acção teve lugar o julgamento que decorreu com a observância do formalismo legal, tendo o Mmº. Juiz respondido aos quesitos como se vê de fls. 1138 a 1159 dos autos.
As partes apresentaram as suas alegações por escrito do aspecto jurídico da causa, nos termos do art. 657º do C.P.Civil.
Foi proferida sentença em que se julgou a acção procedente parcialmente.
Inconformado com a decisão, dela interpôs recurso de apelação o Mº Público, tendo finalizado as suas alegações com estas conclusões:
1) - As respostas aos quesitos 107 e 131 deverão ser negativas; ao quesito 132 deve responder-se que apenas se provou que foi instaurada a competente acção penal junto do Tribunal de Loulé, a qual conduziu, no termo do inquérito, a uma decisão de arquivamento, a resposta do quesito 133 deverá ser afirmativa.
2) - O Estado não é civilmente responsável pelos danos causados a particulares pelo exercício, ou não exercício, da função legislativa.
3) - A responsabilidade civil do Estado por danos resultantes de alegada omissão do exercício da função legislativa, não decorre do preceituado no art. 22º da C.R.P., visto neste preceito dever considerar-se incluída apenas a função administrativa.
4) - A admitir-se que o aludido art. 22º se aplica a todas as funções do Estado, incluindo a legislativa nem assim haveria fundamento para responsabilizar o R. pelos prejuízos petecionados nesta causa, uma vez que aquela norma estabelece apenas o principio geral da responsabilidade do Estado e demais entidades públicas pelos actos dos seus órgãos, funcionários e agentes, relegando para a Lei ordinária a regulação dos pressupostos de diversos tipos de responsabilidade e os termos concretos da delimitação dos danos ressarcíveis e respectivos montantes.
5) - No que toca ao exercício da função legislativa, como aliás, à função política, mantém-se a inércia do legislador pois não existe ainda qualquer diploma que regule em concreto esta matéria.
6) - Não devendo admitir-se que face a esta inactividade do legislador pertenceria ao tribunal dar execução ao principio constitucional do artigo 22º da CRP, criando a norma mais adequada ao caso concreto, e porquanto tal inércia configuraria uma omissão inconstitucional, se se entendesse existir um verdadeiro e especifico dever de legislar, a qual não pode ser suprida pelos tribunais comuns, pois só o Tribunal Constitucional tem competência para apreciar (artigo 283º, nº 1, da CRP).
7) - Na situação dos autos, o alheamento legislativo invocado pelos Autores não traduziu a violação de qualquer imposição constitucional concreta, visto não se vislumbrar a existência de algum preceito constitucional que impusesse ao Estado o dever de produzir legislação especifica sobre parques aquáticos.
8) - Como também não havia alguma Lei, Estipulação Negocial ou Directiva Comunitária a vincular o Estado, através dos seus órgãos competentes, a legislar sobre a matéria em questão (cfr. o art. 486º do C. Civil).
9) - A alegada passividade legislativa não foi, destarte, ilícita.
10) - Face ao que se deixou dito nas anteriores conclusões nºs. 2 a 9, deveria, desde logo, o Estado Português ser absolvido do pedido.
11) - Na nossa Constituição não está previsto um direito subjectivo à Lei.
12) - Há que reconhecer que as normas técnicas, não jurídicas e meramente orientativas a que aludimos em II destas alegações, conjugadas com as normas contidas na legislação genérica sobre recintos públicos de diversão, em vigor à data do evento preveniam a violação do direito à vida e à integridade pessoal consagrados na Constituição da República Portuguesa (direitos a que se refere a douta sentença recorrida).
13) - Mesmo a admitir-se que houve um déficit regulativo por parte do Estado, não se vê que isso tenha implicado a violação subjectiva do direito à vida ou à integridade pessoal, quer se analise a questão pelo critério do fim de protecção da norma, quer pelo critério da evidência, ambas utilizadas pela melhor doutrina e jurisprudência contemporânea no exame às omissões legislativas.
14) - Não existiu, pois, repare-se, qualquer omissão legislativa ilícita por banda do Estado.
15) - Atendendo a que legislação específica sobre parques aquáticos ora extremamente minuciosa, de elaboração difícil, exigia particularidades de redacção e as referências legislativas estrangeiras eram consideradas insuficientes, e tendo ainda em consideração que o alerta para a perigosidade daqueles recintos só foi dado em Agosto de 1991, não era exigível ao Estado que a assinalada legislação já estivesse em vigor quando da ocorrência do evento em 29/07/93.
16) - Não é, assim, possível lançar um juízo de culpa sobre o R., o qual ao não produzir a legislação em causa não agiu de forma eticamente censurável.
17) - Se a Lei em vigor à data do evento tivesse sido cumprida o acidente poderia ter sido evitado.
18) - Mesmo que então vigorasse a actual legislação especifica sobre parques aquáticos não é muito provável que a morte do menor deixasse de se verificar porque mais do que a mera norma jurídica em si mesma, também ela insuficiente, o factor determinante a ocorrência de tal facto danoso dependeria sempre do grau de cuidado, do sentido de responsabilidade e da consciência cívica dos gerentes do Aquaparque.
19) - Até porque a fiscalização a efectuar é, em regra, apenas anual, a legislação sobre parques aquáticos hoje em vigor não é, por opção do legislador, exaustiva e esgotante e a mesma nunca poderá acautelar todos os riscos.
20) - Há indícios muito fortes que o dramático acidente dos autos aconteceu por causa de manifesta conduta negligente dos proprietários e dos gerentes do Aquaparque, violadora não só de elementares cuidados em relação à forma como era utilizado o Ribeirão e as suas grelhas protectoras, como também da própria Lei em vigor à época.
21) - Esta atribuição de responsabilidade é feita pelos próprios autores da presente lide na jurisdição criminal, referente ao mesmo acidente, pelo que, através desta acção os autores pretendem, em relação ao mesmo facto, receber do Estado uma indemnização de 302.418.448$00 a somar à indemnização de 405.242.166$00 que reclamam no pedido de indemnização que deduziram no processo crime; esta atitude é inaceitável, pois traduz uma duplicação da indemnização pelo mesmo facto danoso.
22) - No fundo, através desta acção os AA. visam responsabilizar o Estado por actos lesivos cometidos não pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, mas por entidades privadas, singulares ou colectivas; é a concepção do Estado como segurador universal, como responsável solidário por tais actos lesivos, a qual não pode aceitar-se.
23) - Não é de excluir liminarmente a possibilidade dos pais do menor (C) poderem também ser corresponsabilizados pelo seu eventual comportamento omissivo quando do evento.
24) - Não houve qualquer nexo de causalidade adequada entre a alegada omissão do Estado-legislador e o acidente que vitimou o filho dos Autores.
25) - Não se verificam, por consequência, todos os pressupostos da responsabilidade civil, pelo que, o R. Estado deverá ser absolvido do pedido.
26) - Ao condenar o R. por entender que este tinha cometido uma omissão ilícita, culposa e causadora de um dano de morte, a douta sentença recorrida infringiu assim o disposto nos artigos 486º, 487º, nº 2, 493º nº 2, 563º, todos do Código Civil.
27) - Sem conceder, caso se entenda, o que apenas por mera hipótese se admite, que o R. Estado deve ser condenado a indemnizar os AA., os montantes a fixar não deverão exceder:
a) 8.000.000$00, pela perda do direito à vida;
b) 4.000.000$00, pela compensação respeitante ao sofrimento pré-morte;
c) 6.000.000$00, (3.000.000$00 para cada um dos Autores) pelos danos não patrimoniais sofridos pelos pais do menor;
d) 20.000.000$00, pelos danos patrimoniais do próprio menor alusivos à perda da sua capacidade de adquirir;
e) 250.148$00, pelos danos patrimoniais dos pais do menor.
Em consequência, a importância global a título de danos patrimoniais e morais não deverá, assim, exceder a quantia de 38.250.148$00.
28) - Ao fixar montantes superiores aos acima indicados a douta sentença recorrida infringiu, destarte, o disposto no artigo 496º, nº 3, 494º e 566º, nº 3, todos do C.Civil.
Termina pedindo a revogação da decisão em causa e consequentemente a absolvição do R. do pedido ou, em alternativa, na hipótese de haver condenação, esta não ultrapassar os montantes indicados na sobredita conclusão 27.
Os apelados contra-alegaram pugnando pela manutenção da decisão.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
O Tribunal de 1ª instância deu como assente a seguinte matéria de facto:
1 - (C) nasceu em 05 de Maio de 1984, sendo descendente dos Autores.
2 - (C) faleceu no dia 30 de Julho de 1993.
3 - A respectiva morte foi provocada por asfixia por submersão.
4 - No dia 29 de Julho de 1993, ocorreu um acidente num parque aquático da cidade de Lisboa, no Restelo, designado por "Aquaparque".
5 - Por via do qual veio a falecer o (C).
6 - O governo, ouvida a Câmara Municipal de Lisboa, mandou instaurar um inquérito administrativo.
7 - Com vista ao apuramento da causa do acidente ocorrido.
8 - O inquérito mandado instaurar, ordenado por despacho conjunto dos Ministérios da Educação, da Saúde e do Comércio e Turismo, visava ser levado a efeito por uma comissão integrada pelos vários departamentos com competência nesta área de actividade.
9 - Devendo as posteriores conclusões, resultantes desse inquérito, ser levadas ao conhecimento dos órgãos ministeriais competentes.
10 - A comissão de inquérito, nomeada em 30/07/1993, foi constituída e presidida por representantes da Direcção-Geral dos Espectáculos e das Artes.
11 - Dela fazendo ainda parte representantes do Instituto do Desporto, da Administração Regional de Saúde de Lisboa e da Direcção-Geral de Turismo.
12 - Para além de dois representantes da Câmara Municipal de Lisboa, a designar pelo respectivo presidente.
13 - A comissão de inquérito em referência, no prazo de quatro dias a contar da sua constituição, teria especificadamente por missão apresentar aos membros do governo da tutela um relatório preliminar quanto aos factos apurados.
14 - Esta comissão nomeada para realização de um inquérito com vista ao apuramento das causas das trágicas ocorrências (tal como foram administrativamente adjectivadas) produziu um relatório preliminar dado a conhecer em 04/08/1993 e publicado em Diário da República.
15 - O respectivo inquérito preliminar apontava, em face do curto lapso de tempo em que o mesmo foi elaborado, para a subsistência de dúvidas várias, evidenciando-se a necessidade de aprofundar e esclarecer alguns dos factos aí relatados.
16 - Designadamente, vistorias e acção de fiscalização realizadas desde a data de entrada em funcionamento do dito Aquaparque e até à data das ocorrências.
17 - Para além de se dever proceder à indicação rigorosa do estado e da disposição dos equipamentos aquando do esvaziamento da piscina, nomeadamente:
a) - saber se as grelhas estavam devidamente posicionadas e, em caso afirmativo, como justifica-lo;
b) - saber se as bombas estavam a funcionar simultaneamente e se esse é o sistema normal de funcionamento;
c) - devendo apurar-se qual a potência das bombas e se esta é regulável;
d) - e, finalmente, saber se, antes de se iniciar o esvaziamento, a circulação da água se fazia a velocidade regular e se alguém notou, entretanto, irregularidades de circulação.
18 - Concluiu a comissão de inquérito, neste seu relatório preliminar, para além do reconhecimento da necessidade de esclarecimento das indicadas precisões e especificações técnicas, que, em qualquer caso, os factos entretanto apurados permitiam a indicação de negligência e ou deficiências nas condições de funcionamento e de vigilância do Aquaparque.
19 - Determinando-se, em conformidade, quer o encerramento das respectivas instalações, quer, em virtude de a necessária investigação, designadamente policial e judicial, não ser da competência daquela comissão, ouvido o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o envio do respectivo relatório ao Procurador-Geral da República, para o efeito de se desencadear a competente acção penal.
20 - O processo criminal foi oficiosamente instaurado, e aguarda, actualmente, a conclusão do resultado do inquérito e das investigações criminais já desenvolvidas e então apuradas, correndo termos junto do Departamento de Investigação e Acção Penal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa.
21 - O caso dos autos foi motivado pela deslocação de uma das grelhas protectoras colocadas numa das caldeiras do chamado "Ribeirão".
22 - Um dos atractivos para crianças do parque aquático do Restelo.
23 - A referida caldeira com 60090 centímetros de profundidade e cerca de 3 metros de largura, serviria para a recepção da água junto de uma bomba de aspiração aí colocada (identificada na gravura de fls. 78 por "casa da bomba 2"), a qual, por sua vez, determinará a respectiva compressão e injecção daquela água, num caudal com cerca de um milhão de litros, assim se visando tecnicamente a criação de uma corrente interna idêntica à de um rio artificial.
24 - Tratava-se de um Grupo Electrobomba com a referência SRP250246, caudal de 681 m3/hora, ????????????? 10,5 metros, 0 de aspiração e compressão 250 mm, fornecida pela firma Técnidraulica -Técnica e Bombas Hidráulicas Lda, na conformidade da sua proposta TCN-440 de 08/09/1988, à empresa Equipágua - Equipamentos para Tratamento de Água Lda.
25 - Tendo esta última entidade, por sua vez, procedido ao fornecimento e montagem de tal equipamento ao dito Aquaparque.
26 - A bomba eléctrica referida era susceptível de desenvolver uma potência de cerca de quarenta cavalos.
27 - Necessitando de uma protecção de forma a que a sua remoção, para além de difícil, fosse apenas possível por pessoal com aptidões e conhecimentos técnicos especiais.
28 - Por tal forma, deveriam as respectivas grelhas por onde se fazia o escoamento e a drenagem da água, colocadas nos orifícios respeitantes às entradas das condutas de aspiração, ser construídas em material apropriado e dotadas de juntas, caixilhos, parafusos, molas, aros ou outro modo de fixação sólida, robusta e permanente, de modo que não fossem facilmente removíveis.
29 - A conduta de aspiração, através da qual entrou o filho dos Autores, tinha um orifício de cerca de 31,5 centímetros de diâmetro ficando, depois, reduzida a respectiva tubagem a um diâmetro nominal de 25 centímetros.
30 - E a respectiva grelha não realizava as funções de protecção.
31 - O (C) penetrou pela grelha.
32 - Em 23/08/91, a Direcção Comercial do Aquaparque dirigiu à respectiva Administração, um relatório aí se referindo, e em face das recomendações do posto médico, a urgência de se tomar, de imediato, num dos locais de maior risco, determinadas acções preventivas, considerando-se, concretamente a "falta de grades protectoras do ribeirão".
33 - Nesse relatório já se evidenciavam duas coisas a existência de "um maior número de acidentes na hora do almoço" e a "falta de vigilância".
34 - O Aquaparque foi inaugurado em 08/07/1989.
35 - Tendo a autorização para a sua inauguração sido precedida por alguns pareceres negativos da Direcção-Geral dos Serviços Hospitalares, Direcção-Geral de Saúde e Direcção-Geral dos Espectáculos.
36 - No caso sub-judice a grelha que protegia as condutas de aspiração estava colocada no cimo da caldeira, e era removível.
37 - A Deco elaborou e divulgou um estudo na revista "Pro Teste", nº 127 Junho de 1993, no qual dava conta de os parques aquáticos não serem dos sítios mais seguros, pois dos sete que serviram de observação apenas dois se consideraram aceitáveis, três apresentaram um ou outro defeito que poderia originar acidentes de certa gravidade e dois teriam vários problemas de segurança.
38 - Concluído este estudo, com um título indicado no seu cabeçalho dizendo "divertido mas arriscado", apesar da solução para a maioria dos problemas ser bastante simples.
39 - E ao longo do seu texto inicial à margem expressamente se sustentar que os parques aquáticos muitas vezes também provocam arranhões, golpes, esfoladelas e ... por vezes, acidentes mortais.
40 - O objectivo do estudo referido era saber se a concepção das instalações, a sua manutenção e limpeza e, muito especialmente, as condições de segurança estariam, de facto, aptas para que os utilizadores se divertissem sem perigo à espreita.
41 - Pode concluir-se, no final do trabalho, que os problemas de segurança verificam-se sobretudo em três áreas:
a) concepção das actividades;
b) trabalho dos vigilantes;
c) piscina infantil.
42 - Aí se sublinhando a necessidade da urgência em se tomarem medidas para que os parques fossem lugares divertidos sem que, para isso, tivessem de ser arriscados.
43 - Com o referido trabalho pretendeu-se dar conhecimento do resultado a que então se chegou, desde logo, à própria Administração Publica, para além dos responsáveis pelos parques e respectivos utilizadores, para que, no que concerne à Administração Pública, esta tomasse consciência da necessidade de elaborar Regulamentos exigentes e de pôr em marcha meios de controlo e inspecção eficazes.
44 - Este trabalho, efectuado com a colaboração de associações estrangeiras, como a Organização Internacional das Associações dos Consumidores, mereceu igualmente impacto público na nossa imprensa escrita.
45 - Os AA. suportaram as despesas do funeral do (C) no montante de 159.650$00.
46 - Mais suportaram o preço de uma palma de flores no montante de 11.020$00.
47 - Mais suportaram as despesas relativas à publicação de anúncios do funeral na imprensa no montante de 26.947$00.
48 - Houve deslocações e pagamento de parqueamentos em tratamento de assuntos relacionados com a morte do filho dos ora Autores pelo valor de 7.680$00.
49 - Verificou-se o pagamento de alimentação decorrente de deslocações correspondentes a 9.275$00.
50 - Tiveram de ser pagas quantias referentes a despesas médicas equivalentes a 23.294$00.
51 - Foi emitido um atestado para fins judiciais no valor de 100$00.
52 - Existem, ainda, diversas despesas, tais como fotocópias, selos e telefonemas, atingindo a quantia global de 12.182$00.
53 - O (C) tinha sido seguido em consulta de saúde infantil, desde o seu nascimento, era considerado como tendo tido sempre um desenvolvimento ponderal e psicomotor adequado.
54 - O jovem (C) era reputado, no respectivo meio educativo, como tendo atitudes perfeitas e organizadas, de forma impecável, no trabalho individual, elaborando todas as tarefas sem ajuda, sendo sociável, simpático e bem aceite pelo grupo e sendo em relação aos adultos considerado como extremamente meigo, educado e obediente e mostrando-se, ainda, em caso de brigas, bastante passivo, não investindo, sequer, contra os agressores.
55 - O seu aproveitamento escolar, no que concerne à língua materna, era avaliado como tendo muito boa expressão oral, escrevendo muito bem e com toda a correcção e com uma leitura muito boa, correcta e expressiva.
56 - Obtinha classificação de muito bom a Matemática, ao Meio Físico Social e Saúde, à Expressão Plástica, Movimento, Música e Drama, para além da Educação Física.
57 - Era assíduo e pontual, tinha um bom comportamento, sendo uma criança considerada educada e bem comportada, interessada em todas as matérias, curiosa e participativa.
58 - Tendo cedo iniciado a prática de ginástica, no Clube de Futebol "Os Belenenses", em classes de formação mistas infantis nas épocas de 1987/88 e até 1990/91, altura em que transitou para a classe de desportiva rapazes até à época de 1992/93.
59 - Servindo frequentemente de modelo para os seus companheiros quando se tornava necessária a observação da técnica de execução de exercícios.
60 - Uma das suas professoras qualificou-o, ainda, como sendo o companheiro de brincadeiras que todos disputavam, sempre se prontificando a prestar qualquer tipo de ajuda, conduzindo-o, o seu espírito pleno de solidariedade humana, invariavelmente, junto dos colegas que apresentavam alguma dificuldade.
61 - Manifestando igualmente, vontade e gosto na aprendizagem de outras matérias extra-curriculares e, designadamente, de línguas estrangeiras.
62 - Teria realizado e concluído estudos, de níveis primário, secundário e até superior.
63 - E uma vez obtida a respectiva e adequada licenciatura, seria susceptível de auferir, com o produto do seu trabalho, a quantia mensal de 150.000$00, sem se considerar aqui quaisquer factores de correcção monetária.
64 - O (C) era filho muito querido e desejado pelos Autores, vivendo à data dos factos para além dos seus pais, com os outros parentes próximos.
65 - De todos beneficiando do maior carinho, ternura e afectividade que o tornavam uma criança feliz e realizada.
66 - A vítima referida era de todos os familiares, incluindo os seus vizinhos e amigos, alvo de atenção, amizade e interesse.
67 - O (C) sofreu com os horrores decorrentes da asfixia provocada pela submersão que originou a sua morte.
68 - No pino do calor, perto do meio dia, verificou-se o seu desaparecimento, no chamado "ribeirão", por entre muitas crianças que ali circulavam e, de tal forma foi rapidamente aspirado que nenhuma das outras crianças que a ele se juntavam deu pela sua falta.
69 - Empurrado pela conduta de aspiração, asfixiou e foi comprimido pela redução do diâmetro que na mesma existe.
70 - Uma vez lá dentro ter-lhe-á faltado o oxigénio e qualquer possibilidade de exercer as vitais funções respiratórias, tendo, tempo depois, vindo a morrer.
71 - O (C) terá lutado entre a vida e a morte, sentindo entre dois a três minutos, a angustia de uma máquina de compressão de água contra a qual seria inadmissível a sua libertação.
72 - Dali, já foi retirado muito depois da meia noite, constando, esse elemento do respectivo certificado de óbito, o seu falecimento em estabelecimento hospitalar - Hospital de S. José - às 2 h. 40 m. do dia 30/07/1993.
73 - Os seus pais estão, para sempre, confrontados com o estigma da sua ausência e privados da sua companhia, afectividade e carinho.
74 - Os sentimentos de revolta, consternação, profunda depressão e afectação psíquica, motivados pela circunstância em que ocorreu aquela morte, foram muito intensos e jamais serão apagados com o decurso do tempo.
75 - O desgosto sofrido pelos Autores e que os acompanhará, para sempre, ao longo da sua existência - tem-se revelado, nomeadamente, na diminuição da capacidade de trabalho, na ausência de felicidade.
76 - A sua outra filha, (D), poderá ficar para sempre com a sombra de ser a irmã do (C).
77 - A filha (D) sofreu perturbações decorrentes da separação do convívio do seu irmão mais velho, disso preocupando os seus pais.
78 - Tendo havido, até, necessidade de ser acompanhada a pedido dos pais, por médica especializada, atendendo as dificuldades emocionais relacionadas com a situação traumática vivida.
79 - A observação pelo psiquiatra e os resultados dos testes psicológicos efectuados apontam, no sentido de que a irmã do (C) apresenta um estado depressivo ligeiro de característica sectiva????????????????? adequado à situação.
80 - O que afecta, por maioria de razão, os pais que tanto a amam e de quem são o único amparo.
81 - Em Agosto de 1991, o Aquaparque foi citado na comunicação social, na sequência de um estudo desenvolvido por parte do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor.
82 - Tendo o mesmo dado origem a uma resposta por parte do Aquaparque.
83 - O Instituto Nacional de Defesa do Consumidor demonstrou ter preocupação com o número de acidentes registados em parques de diversão aquáticos em Portugal, a partir do sistema EHLASS.
84 - Assim, tendo em vista obter um panorama geral dos acidentes ocorridos em parques aquáticos, procedeu o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, a uma recolha de informação, tendo como amostra os dados recolhidos durante três meses de Verão, com base no "Aquaparque", com uma frequência média diária que oscilava, então, entre os oitocentos e os mil visitantes.
85 - A elaboração do chamado «Relatório sobre Acidentes em Parques Aquáticos» foi efectuada dada a necessidade de se conhecer, com rigor, as características do equipamento e da arquitectura daquele tipo de parques, os quais eram, já naquela altura, considerados susceptíveis de constituir, de algum modo, perigo, para os seus utilizadores, assim se tendo dado início ao relatório em análise, concluído em Maio de 1992.
86 - No conjunto, foram recolhidos e caracterizados 58 acidentes, englobando esta amostra os casos que necessitaram de observação e tratamento hospitalar, assim sendo considerados como os de maior gravidade.
87 - Já que ficaram, obviamente, de fora as situações que não chegaram a dar entrada nos respectivos serviços de urgência, sendo, muitas vezes, resolvidos junto dos serviços de postos médicos eventualmente existentes.
88 - O relatório, que pretende sintetizar as principais características dos acidentes registados e contribuir para uma futura avaliação das condições de segurança dos Parques Aquáticos em Portugal, considera muito difícil a avaliação, com rigor, da dimensão da sinistralidade verificada neste tipo de estabelecimentos.
89 - Podendo, no entanto, calcular, com base nos estudos efectuados, em cerca de dois acidentes diários, o número de casos ocorridos nestes parques durante os meses de Verão, correspondentes ao período de laboração e de funcionamento.
90 - Aí se dá conta de que o grupo etário mais afectado é o compreendido entre os 10 e os 19 anos, que regista mais de metade dos acidentes ocorridos.
91 - Quanto à tipologia dos acidentes, as pancadas são consideradas as mais comuns, podendo ser de vários tipos: pancada entre pessoas nos escorregas, pancada com várias partes do corpo no escorrega, pancada decorrente de mergulhar na piscina e pancada nas bordas da piscina quando os utentes nadam na mesma.
92 - A tipologia dos acidentes causados por pancadas poderia revestir consequências graves, como traumatismos, nomeadamente cranianos, conducentes a internamento hospitalar e com uma demora de hospitalização de dois a cinco dias.
93 - Por sua vez, as lesões provocadas por este tipo de equipamento, e de acordo com a amostra dos dados recolhidos, permitiam constatar tratar-se fundamentalmente de traumatismos e feridas.
94 - Quanto aos traumatismos este afectariam sobretudo o crânio, os maxilares, as costas e os membros inferiores, respectivamente.
95 - Por sua vez, as feridas atingiram sobretudo o crânio, os pés, a face, os joelhos e as pernas respectivamente.
96 - Os produtos implicados, ou seja, os que desencadearam os acidentes registados eram, entre outros, os escorregas, o fundo, o bordo e as escadas das piscinas, incluindo equipamentos específicos tais como bóias, rolos, pavimentos, cadeias e muros.
97 - O relatório em apreciação permite concluir que a maioria dos referidos acidentes ocorreria em dois locais: o escorrega e nomeadamente a sua saída para a piscina, bem como a área marginal à piscina e sobretudo os pavimentos que a circundam.
98 - Por fim, e apesar de não revestir grande gravidade a maioria dos casos verificados, a respectiva taxa de hospitalização deste tipo de acidentes descritos seria de nove por cento, quer dizer, três vezes superior à taxa normal de hospitalização por acidente doméstico e de lazer.
99 - Este estudo deu origem a comunicações e avisos diversos e, já em Agosto de 1991, o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor emitia uma Recomendação aos Proprietários e Agentes Exploradores de Parques de Diversão Aquáticos bem como um «Aviso ao Público relativo à utilização de Parques de Diversão Aquáticos».
100 - O «Aviso ao Público» começa por constatar que desde há alguns anos se tem assistido à proliferação dos parques de diversões aquáticos, sendo a utilização deste tipo de recintos, pelas suas características específicas, susceptível de implicar riscos agravados para a segurança do utilizador consumidor.
101 - Devendo tais riscos agravados ser compensados pela existência de estritas regras de segurança, relativas, quer à instalação e funcionamento dos empreendimentos, quer à sua utilização pelos indivíduos que a eles ocorrem em períodos de lazer.
102 - Constituindo, para o INDC, o conhecimento de um elevado número de acidentes registados durante o período de funcionamento de alguns aquaparques, atingindo médias superiores a um acidente por dia, motivo de preocupação.
103 - Nesta conformidade, e no sentido de melhor se proteger a saúde e segurança dos utilizadores, de forma a reduzir o número e a gravidade dos acidentes, entendeu aquele referido Instituto, dever alertar os consumidores para a necessidade de:
a) - se informarem previamente dos riscos de utilização deste tipo de diversão;
b) - cumprirem todas as instruções e regras fixadas para utilização do recinto, bem como aquelas que são veiculadas pelos vigilantes;
c) - utilizaram as instalações do recinto com a prudência justificada pelo risco que lhe é inerente;
d) - não permitirem o acesso das crianças aos escorregas, desde que o recinto não lhe seja destinado;
e) - utilizarem o escorrega de forma a evitar o embate do crânio e extremidades dos membros com o rebordo do final do escorrega ou os lados ou o fundo da piscina;
f) - saírem rapidamente da zona da piscina onde termina o escorrega.
104 - Este aviso, dirigido genericamente ao público frequentador daquele tipo de parques de diversões, foi efectuado em 06/08/1991.
105 - Por sua vez, na «Recomendação», orientada para os respectivos proprietários e agentes exploradores dos parques aquáticos, teve na base da sua elaboração o mesmo tipo de considerações anteriormente indicadas e constantes do dito «Aviso ao Público».
106 - Pretendendo, agora, o INDC que procedessem as entidades visadas no sentido de que:
a) - cumprissem e fizessem cumprir todas as regras estabelecidas, quando da utilização do recinto, pela Direcção-Geral dos Espectáculos e Direito de Autor;
b) - mantivessem um número adequado de vigilantes de acordo com o movimento de utilização e em qualquer caso, um mínimo de dois, devendo um posicionar-se à entrada e saída do escorrega;
c) - controlassem as condições de estrutura do recinto, designadamente o revestimento antiderrapante das escadas de acesso e dos bordos da piscina;
d) - alertassem os utilizadores, através de cartazes e outros meios de informação, para a necessidade do cumprimento das regras de utilização estabelecidas e para os riscos decorrentes do seu não cumprimento.
107 - Esta «Recomendação» foi efectivamente adoptada em 06/08/1991.
108 - O trabalho antes desenvolvido pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, nos termos expostos, foi larga e amplamente divulgado nos órgãos de comunicação social, dando conta da gravidade e frequência dos acidentes verificados e fazendo sobressair o facto de um dos parques chegar a registar 89 acidentes em apenas 84 dias.
109 - Para o entendimento do Estado Português deste fenómeno, através dos estudos e trabalhos de investigação desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, a causa desta situação de frequente sinistralidade, envolvendo graves riscos para a saúde e segurança dos particulares, teria na sua origem a contribuição de diversos factores, de entre os quais se destaca a ausência de legislação específica ou de normas portuguesas aplicáveis em matéria de segurança a este tipo de recintos.
110 - O Estado bem sabia e não podia ignorar que este tipo de recintos de diversões aquáticas eram autorizados e licenciados, funcionando sem qualquer cobertura regulamentar ou de outro tipo, designadamente, quanto ao seu exercício de actividade, ao estabelecimento de condições de segurança, de vigilância e de respectiva formação técnica, para além de se considerar inadmissível qualquer tipo de fiscalização, insusceptível, por si mesma, de existir.
111 - O Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, visando a preocupação pela ausência de legislação nesta matéria e para os perigos daí potencialmente resultantes para o particular, emitiu uma Informação/Proposta referenciada internamente com o nº 20ISD/EHLASS192, de 11/03/1992.
112 - A qual teve por base a celebração de uma reunião, em 04/02/1992, sobre "Parques Aquáticos / Normas de Segurança / INDC", em que estiveram presentes, entre outras pessoas, o Dr. Wolf Vierich, na qualidade de Presidente da Associação Mundial de Parques Aquáticos, tendo, no decurso da mesma reunião, sido transmitida ao Instituto a preocupação pela não existência em Portugal de legislação que regulamente a construção e utilização de Parques Aquáticos.
113 - Este técnico, considerado um dos mais profundos conhecedores da matéria, alertou o INDC que se não fossem tomadas medidas o turismo poderia vir a ser seriamente afectado, visto que - e sempre na pressuposição de um acontecimento que fosse susceptível de ocorrer com graves dimensões - a falta de segurança é um dos factores que mais preocupa o turismo actual.
114 - Além de que ao nível da imprensa internacional é explorado este tema sempre que ocorrem acidentes, induzindo os turistas a escolherem outros destinos.
115 - Como efectivamente veio a acontecer na imprensa internacional na sequência de duas mortes verificadas em Julho de 1993, entre as quais, o filho dos Autores.
116 - Concluiu-se, na apontada reunião, que haveria «todo o interesse em que os trabalhos ao nível legislativo» fossem impulsionados, propondo-se a criação de um grupo de trabalho, em virtude de se ter conhecimento de que o INDC se encontraria a trabalhar esta temática, propondo-se que fosse o Instituto a criar tal grupo de trabalho.
117 - O documento em causa mereceu um despacho superior, datado de 10/04/1992, do seguinte teor «Visto com interesse, integrar no dossier sobre parques aquáticos em preparação para a C.S.S.B.C.».
118 - Por sua vez, em 11/06/1992, o Instituto voltou a elaborar nova Informação/Proposta, referenciada sob o nº 53/SD/EHLASS192, em que sumariam o seu tipo de informação e de demonstração - de resto, bastante conclusiva e no sentido de reforçar a necessidade concreta de se desencadear a conclusão da produção normativa então há muito em curso.
119 - Referenciando-se os primeiros dados de sinistralidade nesta matéria, recolhidos no Hospital de Faro, no ano de 1987.
120 - O que significa que, já em 1987 tinha o Estado conhecimento, através dos canais adequados de prevenção de riscos e de protecção da saúde e segurança dos consumidores, de acidentes antes verificados em parques aquáticos.
121 - Apesar de só em 1989 ter sido colocado o problema de uma forma muito mais concreta, designadamente por um cirurgião do Hospital de São Francisco Xavier que, em Novembro do referido ano, apresentou um primeiro trabalho sobre o assunto, numa reunião de coordenação do dito sistema EHLASS, que teve lugar no Hospital Distrital de Évora.
122 - Resumindo-se a acção desenvolvida pelo próprio Estado, através daquele Instituto, foi, em 1990, contactada a Embaixada dos Estados Unidos da América, só podendo conhecer-se da matéria, de forma mais aprofundada, em 1991, ano em que, como se disse já, o Hospital público de S. Francisco Xavier efectuou, propositadamente e a pedido do SNDC, um trabalho de recolha dos acidentes ocorridos num Parque Aquático, enquanto amostra meramente indicativa dos problemas que já então se levantavam.
123 - Tendo sido enviado um ofício às Câmaras Municipais, em Abril de 1991, em que se solicitava uma informação sobre a existência de parques aquáticos.
124 - Documento esse que, em resposta, já na altura referenciava a existência de dez parques em efectivo funcionamento e ao longo de todo o território.
125 - Simultaneamente, solicitou-se, para o efeito de realização de estudos meramente comparatísticos, ao Instituto Nacional de Consumo, em Espanha, informação documental e regulamentação existente sobre Parques Aquáticos para as comunidades de Madrid e Andaluzia, os quais se reportam ao ano de 1988.
126 - Em 22/06/1992, foi emitido um Parecer pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor.
127 - O estudo em causa foi apresentado como resultado de um longo trabalho de recolha de investigação levado a cabo pelo Núcleo EHLASS e pelo Gabinete de Informática do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor com o objectivo final de ser apresentado à Comissão de Segurança de Serviços e Bens de Consumo.
128 - Concluiu-se, então, no citado parecer, apenas com base num estudo sazonal então efectuado e circunscrito a três ou quatro meses, correspondentes ao período de Verão e de laboração dos parques aquáticos, reiterando-se a sólida e há muito firmada posição daquele Instituto, haver um risco superior ao "normal", medido pela média de hospitalização dos acidentados.
129 - Propondo-se, em consequência por parecer ser justificada uma intervenção adequada e em várias frentes, a criação de um grupo de trabalho interministerial, com representantes do sector de actividade, para a elaboração de um projecto que visasse regular não só a construção como todos os aspectos tendentes à prestação de um serviço efectuado de modo responsável.
130 - Apontava, ainda, o estudo em causa para a necessidade de se fazer uma visita aleatória a dez por cento dos parques, já na altura existentes e em pleno funcionamento, enumerados no Doc. nº 38, a fim de se poder efectuar uma observação cuidada dos vários parâmetros detectados como fontes de risco.
131 - Sendo, em tais parâmetros detectados como fontes de risco, incluídos quer os físico-materiais de construção e suas características - quer comportamentais - avisos de segurança, instruções de utilização e vigilância.
132 - Houve, até, a preocupação de se evidenciar que, apesar de no decurso de tal estudo não se ter conseguido saber de nenhum acidente fatal, haveria no entanto memória, que não foi possível comprovar, da morte de uma criança num Parque Aquático do Algarve.
133 - A qual se teria ficado a dever a uma deficiência de um ralo de aspiração-circulação da água.
134 - Como efectivamente aconteceu em 1988, mais concretamente em 22/08/1988 no Parque Aquático então designado "Algarve Wet'n Wild", e actualmente conhecido como "Atlântico", situado em Loulé, com uma outra criança, (E), de nove anos de idade, filho de (F), o pai, o qual se encontra emigrado em França.
135 - Esta criança estaria a brincar numa piscina de jacuzi e, tendo sido sugada por um braço por uma das condutas de água, com um diâmetro de cerca de doze centímetros, que se apurou depois não ter sido colocada a respectiva grelha de segurança, veio a morrer, em circunstâncias trágicas análogas às que ocorreram com o filho dos ora Autores, ou seja, por asfixia por submersão, tendo, seguidamente sido instaurada a competente acção penal, junto do Tribunal de Loulé, a qual conduziu, no termo do inquérito, a uma decisão de arquivamento.
Estes os factos que o tribunal deu como assentes.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, como se vê do nº 3 do artigo 684º e nº 1 do artigo 690º, ambos do C.P. Civil.
Entende o recorrente que as respostas aos quesitos 107 e 131, deverão ser negativas; a resposta ao quesito 133 deve ser positiva, e ao quesito 132 deve-se dar por provado apenas que foi instaurada a competente acção penal, junto do Tribunal de Loulé, a qual conduziu no termo do inquérito, a uma decisão de arquivamento.
Pretende, assim, o apelante a alteração das respostas aos referidos quesitos.
O quesito 107 está, assim, formulado - "O Estado bem sabia e não podia ignorar que este tipo de recintos de diversões aquáticas eram autorizados e licenciados, funcionando sem qualquer cobertura regulamentar ou de outro tipo, designadamente, quanto ao seu exercício de actividade, no estabelecimento de condições de segurança, de vigilância e de respectiva formação técnica, para além de se considerar inadmissível qualquer tipo de fiscalização, insusceptível, por si mesma, de existir.
Não podemos responder a este quesito por se tratar de matéria de direito.
O quesito 131 é deste teor: «Como efectivamente aconteceu em 1988, mais concretamente em 22/08/88, no Parque Aquático então designado «Algarve Wet'n Wild», e actualmente conhecido como "Atlântico", situado em Loulé com uma outra criança, (E), de nove anos de idade, filho de (F), o pai, o qual se encontra emigrado em França?».
O quesito 132 está, assim, redigido: «Esta criança estaria a brincar numa piscina de "jacuzi" e, tendo sido sugada por um braço por uma das condutas de água, com um diâmetro de doze centímetros, que se apurou depois não ter sido colocada a respectiva grelha de segurança, veio a morrer, em circunstancias trágicas análogas às que ocorreram com o filho dos ora Autores, ou seja, por asfixia por submersão, tendo seguidamente sido instaurada a respectiva acção penal, junto do Tribunal de Loulé, a qual conduziu, no termo do inquérito a uma decisão de arquivamento?».
A estes quesitos - 131 e 132 - mantemos a resposta, porque foi ouvida prova testemunhal que não se encontra transcrita.
O quesito 133 é do seguinte teor: «O R. nunca reconheceu, designadamente através do Instituto de Defesa do Consumidor, que a ausência de legislação, podia provocar acidentes mortais em parques aquáticos?».
Mantemos a resposta por falta de elementos que nos permitam alterá-la.
Vejamos, agora, a questão da responsabilidade civil do Estado por danos causados a particulares pelo não exercício da função legislativa.
O artigo 22º da Constituição da República Portuguesa dispõe que o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resultem violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrém.
Este preceito constitucional, apesar de já haver decorrido um período de tempo de 25 anos desde a entrada em vigor da Constituição, ainda não foi concretizado pelo legislador, o que gerou várias incertezas sobre o seu alcance e a possibilidade dos particulares o invocarem directamente, na ausência de Lei, numa acção de indemnização contra o Estado.
A interpretação dominante no artigo 22º da Constituição foi no sentido de que nele se estabelecia um principio geral de responsabilidade civil do Estado por danos causados no exercício das funções política, legislativa, jurisdicional ou administrativa, fosse na modalidade subjectiva, fosse com fundamento em sacrifício ou na criação de risco, o que pressupunha que a Constituição remetia para a Lei - definição dos pressupostos dessa responsabilidade.
Conforme dizia Moreira de Melo, na Responsabilidade Civil Extra Contratual a não cobrança de derrama pelo Estado, Col. Jurisp., Ano XI, T4 - 186 - pág. 36 - o art. 22º limitava-se a constitucionalizar o principio geral das entidades públicas, "deixando ao legislador ordinário o poder de estabelecer diferentes tipos de responsabilidade e de fixar os especiais pressupostos de cada um deles.
Este tema da responsabilidade civil do Estado no exercício da função legislativa foi objecto de dissertação do mestrado de Rui Medeiros em 1991 e publicado em 1992 - Ensaio sobre a responsabilidade civil do Estado por actos legislativos, Coimbra, 1992 - onde se reconhece aos particulares, lesados por um actuação legislativa ilícita e censurável, o direito a obter, mesmo na ausência de Lei concretizadora, a reparação dos danos causados.
Hoje a generalidade da doutrina Portuguesa não tem dúvidas em ver no artigo 22º o reconhecimento do princípio da responsabilidade por facto das Leis - Maria Luísa Duarte - o artigo 22º da Constituição Portuguesa e a necessária concretização dos pressupostos da responsabilidade extracontratual do legislador - ecos da jurisprudência comunitária recente, in Legislação, nº 17, 1996, pág. 16.
Jorge Miranda, in Manual de Direito Constitucional IV vol. - Coimbra, pág. 289, reconhece expressamente que, no artigo 22º da Constituição, o Legislador Constitucional tem justamente em vista todas as funções do Estado.
Gomes Canotilho diz, in Direito Constitucional e Teoria da Constituição - Coimbra, 1999, pág 474 a 475, que uma disposição como a do artigo 22º "está aberta à responsabilidade por factos das Leis, responsabilidade do Estado Legislador.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, em anotação à Constituição da República Portuguesa, Coimbra, 1993, pág. 168, referem que o teor literal do artigo 22º leva a considerar a responsabilidade do Estado por actos legislativos, dado que a Constituição se refere, sem quaisquer restrições a actos ou omissões praticados no exercício das suas funções ..., "no que respeita à responsabilidade por facto das Leis», esta deve admitir-se sempre que haja violação de direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para o cidadão derivados directamente das Leis.
A doutrina dominante é no sentido de que o artigo 22º, em face da omissão do legislador, que tarda em concretizar o referido preceito constitucional, pode ser directamente invocado pelos particulares.
Marcelo Rebelo de Sousa, na Responsabilidade dos Estabelecimentos Públicos de Saúde, in Direito da Saúde e Bioética, Lisboa, pág. 161 - escreve: - O artigo 22º constitui uma regra preceptiva e ainda imediatamente exequível por si própria na parte respeitante a direitos, liberdades e garantias, como resulta da conjugação com o artigo 18º, nº 1.
Também Maria da Glória Garcia e Manuel Afonso Vaz, estes, em Responsabilidade Civil do Estado, pág. 8 e 9, defendeu a aplicação imediata do artigo 22º, dizendo que "por força do artigo 22º da Constituição, de aplicação imediata porquanto consagra um direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias (artigo 17º) - direito à indemnização, verificadas as condições do artigo 22º - vigora o principio inverso - pág 13.
Na Constituição Anotada, Gomes Canotilho e Vital Moreira referem que, na falta de Lei concretizadora, o artigo 22º é uma norma directamente aplicável, cabendo aos juízes e aos tribunais criar uma norma decisão (aplicação dos princípios gerais da responsabilidade da administração, observância dos critérios gerais da indemnização e reparação de danos) tendente a assegurar a reparação de danos resultantes de actos lesivos de direitos, liberdades e garantias ou dos interesses juridicamente protegidos dos cidadãos - pág 170.
No mesmo sentido se pronunciaram Marcelo Rebelo de Sousa e José de Melo Alexandrino in Constituição da República Portuguesa Comentada, pág. 105; Maria da Glória Garcia in Responsabilidade do Estado, Maria Luísa Duarte - A Responsabilidade dos Estados Membros por Actos Normativos, pág. 89; Rui Medeiros - A decisão da Inconstitucionalidade, pág. 587.
O Supremo Tribunal de Justiça nos acórdãos de 24/02/94, 30/10/96 e 23/09/99, in BMJ pág. 396; BMJ 460, pág. 753, CJ Ano VII, 1999, T 3, respectivamente, reconhece que o Estado pode ser civilmente responsável pelos prejuízos causados ilicitamente aos cidadãos, pelo exercício da função legislativa, sendo a obrigação de reparar os prejuízos regulada pelos artigos 542 e seguintes do Código Civil, admitimos assim, que o artigo 22º da Constituição consagra (pelo menos) o tipo de responsabilidade subjectiva do Estado por actos legislativos ilícitos e culposos.
A obrigação de indemnizar do Estado pressupõe um facto ilícito imputável ao legislador e, além do nexo de causalidade, um dano é indemnizável.
Há uma conduta ilícita do legislador sempre que da inconstitucionalidade ou ilegalidade resultar a violação de qualquer direito subjectivo ou interesse legalmente protegido dos particulares - Rui Medeiros - Ensaio sobre a responsabilidade do Estado por actos legislativos - Coimbra - 1992, pág. 165 e segs..
Há culpa do legislador quando este podia e devia ter evitado a acção ou omissão ilícita - Rui Medeiros, ob. cit. pág. 188.
Os órgãos nacionais competentes para a aprovação dos actos normativos necessários e adequados à aplicação do Direito Comunitário apenas com culpa quando, atendendo às circunstâncias, podiam e deviam ter evitado a omissão do acto normativo ou a aprovação do acto normativo contrário aos preceitos comunitários - Maria Duarte - A Responsabilidade dos Estados Membros - pág. 112.
Conforme já dissemos, para a formulação de um juízo de ilicitude da omissão legislativa, não é necessário saber se os particulares têm um verdadeiro direito subjectivo à emissão de Leis protectoras dos direitos fundamentais sendo suficiente que dessa omissão legislativa resulte ofensa de interesses legalmente protegidos dos particulares.
Entre os fundamentos constitucionais do dever de legislar encontra-se o que resulta do dever que recai sobre o Estado de protecção de direitos fundamentais. Estes não se resumem a direitos de defesa que impõem proibições, mas também importam uma função protectiva, de imperativo da tutela, designadamente, impondo deveres de protecção às entidades públicas (e em particular ao Estado) - Paulo Mota Pinto - O Direito ao Livre Desenvolvimento da Personalidade, in Portugal-Brasil - Ano 2000, pág. 187 e 189.
Verifica-se, assim, que nos direitos fundamentais há a pretensão a que o Estado proteja os particulares das agressões de terceiros.
«Os deveres de protecção de direitos fundamentais não reconhecidos pela doutrina para todos os direitos de liberdade, não tendo tal imposição de deveres de protecção necessariamente a ver com uma teoria dos direitos fundamentais sociais, ou baseada no principio do Estado Social de Direito - Paulo Mota Pinto - ob. cit., pág. 189.
O Tribunal Constitucional Português, no acórdão nº 85/84, in DR - II 25/06/1985 - a propósito da questão da despenalização do aborto, considerou que os bens ou valores constitucionalmente protegidos, exigem do Estado (a começar no Legislador) pelo menos duas coisas:
a) - que ele mesmo não atente contra eles;
b) - que os proteja dos atentados de outrém.
Cardoso Costa, na declaração de voto que proferiu no acórdão do Tribunal Constitucional nº 25/84 - DR II, 414/84, afirmava que a protecção constitucional da vida humana não implica apenas para o Estado o dever de se abster de condutas que representem agressões a esse bem ou valor jurídico fundamental. Ao lado dessa dimensão negativa, perfila-se ainda uma vertente ou dimensão positiva da protecção constitucional, que se traduz na obrigação para o Estado de adoptar procedimentos e tomar medidas que salvaguardem e promovam a possibilidade de cada homem viver a sua vida, na realização de projecto ou destino pessoal único que é o seu.
No referendo sobre o aborto, o Tribunal Constitucional reconheceu também que sobre o legislador recaía uma imposição constitucional de estabelecer forma de protecção da vida humana intra-uterina - Acórdão do Tribunal Constitucional, nº 288/98 - DR - II - A, 18/04/98.
A omissão legislativa só é ilícita quando ao dever de legislar do legislador corresponde uma pretensão de protecção subjectiva do particular.
Há, assim, que ver se a imposição de um dever de protecção dos direitos fundamentais apresenta uma dimensão objectiva ou tem também uma dimensão subjectiva.
Na Alemanha, onde a questão tem sido particularmente discutida, a posição maioritária é no sentido de admitir um direito dos particulares á protecção por parte do Estado - uma Schutzanspuche (por vezes distingue-se entre um dever de protecção como decorrência objectiva - primare Shutzpflich) - e um dever de protecção com uma contraparte na qual se subjectiva uma correspondente pretensão - sekundare Schutzpflicht, Paulo Mota Pinto, ob. cit. pág 192 a 193.
Em relação a Portugal, diz o mesmo autor, Paulo Mota Pinto, na ob. cit. pág. 193, em nota, que existe uma "presunção a favor da subjectivação dos deveres de protecção dos direitos fundamentais, pois a finalidade destes é, justamente a tutela das pessoas, e não a protecção objectiva de bens.
Gomes Canotilho, Constituição dirigente, pág. 342 e 343, refere - "A Democracia, o Estado de Direito e os Direitos Fundamentais exigem a garantia de um status activus, de um status positivus e de um status activus processualis e pressupõem que, pelo menos, se presuma que os interesses dignos de protecção sejam interesses judicialmente protegidos.
Atendendo, portanto, à tutela primária das posições jurídicas subjectivas dos particulares, impõe-se o reconhecimento de que os deveres de protecção dos direitos fundamentais apresentam também uma dimensão subjectiva.
A omissão por inconstitucionalidade, ao contrário do que alega o recorrente, pode ser apreciada pelos tribunais judiciais, e não apenas pelo Tribunal Constitucional.
A este respeito, diz Jorge Miranda "a inexistência de um sistema de fiscalização difusa da inconstitucionalidade por omissão, análogo ao da inconstitucionalidade por acção,não impede o reconhecimento jurisdicional da omissão que seja pressuposto da responsabilidade - Manual do Direito Constitucional - Tomo 4, pág 298, em nota.
O Tribunal Constitucional, no acórdão nº 238/97, in DR II, 14 de Maio de 1997, numa questão de constitucionalidade fundada numa interpretação que, a partir de uma determinada leitura da al. d), do nº 1 do ETAF recusava a competência dos tribunais judiciais para conhecer de uma acção declarativa intentada contra o Estado para efectivação da responsabilidade civil por omissão legislativa, não hesitou em concluir pela inconstitucionalidade, por violação do direito de acesso aos tribunais, de uma norma que vedasse aos particulares lesados o acesso directo aos tribunais judiciais para obter o ressarcimento dos danos advenientes de omissões ilícitas e culposas do dever de legislador.
Vejamos, agora se, no caso do Aquaparque, a omissão de legislação representa uma violação clara do dever de protecção dos direitos fundamentais que recaia sobre o legislador.
Entre os direitos fundamentais, assume importante relevância o direito à vida, incumbindo ao legislador, no caso em questão, ter publicado legislação no sentido de a proteger.
Conforme vimos, o dever de protecção dos direitos fundamentais que recai sobre o Legislador tem também uma dimensão subjectiva.
Ora vejamos os factos.
No Aquaparque faleceu, em 29/07/93, (C), em consequência de acidente. O acidente deveu-se à deslocação de uma das grelhas protectoras colocadas numa das caldeiras do chamado "Ribeirão", o que permitiu que o (C) penetrasse pela grelha (nºs. 4, 5 e 21 e 31).
Em 22/08/88, no Parque Aquático então designado "Algarve Wet'n Wild", situado em Loulé, uma outra criança, (E), de 9 anos de idade, morreu em virtude de deficiência de um ralo de aspiração/circulação de água. Esta criança estava a brincar numa piscina de jacuzi e foi sugada por um braço por uma das condutas de agua, com um diâmetro de cerca de 12 centímetros, onde se apurou depois não ter sido colocada a respectiva grelha de segurança , nºs. 132 e 135.
Em Agosto de 1991, o Aquaparque foi citado na comunicação social, na sequência de um estudo desenvolvido pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, onde se revelava a preocupação com o número de acidentes, registados em parques de diversão aquáticos em Portugal.
Assim, tendo em vista obter um panorama geral dos acidentes ocorridos em parques aquáticos, procedeu o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor a uma recolha de informação, tendo como amostra os dados recolhidos durante três meses de Verão, com base no Aquaparque, com uma frequência média diária que oscilava, então, entre os oitocentos e os mil visitantes, nºs. 81 a 84.
Este estudo deu origem a comunicações e avisos diversos e, já em Agosto de 1991, o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor emitia uma "Recomendação aos Proprietários e Agentes Exploradores de Parques de Diversão Aquáticos, bem como um Aviso ao Público relativo à utilização de Parques de Diversões Aquáticas". O Aviso ao Público começa por constatar
que desde há alguns anos se tem assistido à proliferação de parques de diversões aquáticas, sendo a utilização deste tipo de recintos, pelas suas características especificas, susceptível de implicar riscos agravados para a segurança do utilizador consumidor - nºs. 99 e 100.
O trabalho então desenvolvido pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, nos termos expostos, foi larga e amplamente divulgado nos órgãos de comunicação social, dando conta da gravidade e frequência dos acidentes verificados e fazendo sobressair o facto de um dos parques chegar a registar 89 acidentes em apenas 84 dias, nº 108.
O Estado Português, baseado em estudos e trabalhos de investigação desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, entendia que a causa desta situação de frequente sinistralidade, envolvendo graves riscos para a saúde e segurança dos particulares, teria na sua origem a contribuição de diversos factores, de entre os quais se destaca a ausência de legislação especifica ou de normas portuguesas aplicáveis em matéria de segurança a este tipo de recintos, nº 109.
A Deco elaborou e divulgou um estudo na revista "Proteste", nº 127 de Junho de 1993, na qual se alertava para os riscos dos parques aquáticos em funcionamento em Portugal, chamando a atenção da Administração Pública para a necessidade de elaborar legislação especifica sobre parques aquáticos - nºs. 37 a 44.
Em 1992, o Instituto de Defesa do Consumidor, visando as preocupações pela ausência de legislação nesta matéria e para os perigos daí resultantes para os particulares, emitiu uma Informação/Proposta referenciada internamente com o nº 20ISD/EHLASS192 - nº 111.
Em 11/06/1992, voltou o Instituto a elaborar nova Informação/Proposta, referenciada sob o nº 53/SD/EHLASS1912, em que sumariava o seu tipo de intervenção e de demonstração, no sentido de reforçar a necessidade concreta de se desencadear a conclusão da produção normativa então há muito em curso - nº 118.
Em 22/06/92 foi emitido Parecer pelo Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, em que se concluía com base?????? num estudo sazonal então efectuado e circunscrito a três ou quatro meses, correspondentes ao período de Verão e de laboração dos parques aquáticos, pela existência de um risco superior ou normal medido pelas médias de hospitalização dos acidentados.
Por isso, e uma vez mais, insistiu-se na necessidade de uma intervenção adequada em várias frentes, incluindo a elaboração de um projecto que visasse regular não só a construção como todos os aspectos tendentes à prestação de um serviço efectuado de um modo responsável - nº 126 - 131.
Perante estes factos, dúvidas não há que a omissão do dever de protecção do direito à vida e à segurança das pessoas, através da não aprovação de legislação especifica sobre parques aquáticos, constitui uma grave violação do dever de protecção dos direitos fundamentais que recai sobre o legislador.
Na verdade, em face dos acidentes, alguns mortais, ocorridos em parques aquáticos, já em 1988, da chamada de atenção da Administração Pública pelo Instituto do Consumidor, logo em Março de 1992 e Junho do mesmo ano, para a falta de legislação especifica para os parques aquáticos, e pela Deco em que alertava para os riscos dos parques aquáticos e para a necessidade de legislação especifica para evitar esses riscos, não se compreende que o legislador tenha permanecido inactivo, permitindo que o licenciamento e a fiscalização destes novos locais de diversão continuasse a ser feita pelas regras gerais aplicáveis em geral aos espectáculos de divertimento públicos e Leis de 1959.
Houve, pois, violação pelo legislador do dever de protecção dos direitos fundamentais, na não aprovação de legislação sobre parques aquáticos.
O Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº 288/98, in DR I, 18/4/98, a propósito do direito à vida, afirmou que os bens ou valores constitucionalmente protegidos exigem do Estado, a começar no legislador, que os proteja dos atentados de outrém, reconhecendo que sobre o legislador recai uma imposição constitucional de estabelecer formas de protecção da vida humana intra-uterina.
Constata-se, assim, que o Tribunal Constitucional se limitou a chamar a atenção do legislador para o dever constitucional que tem de legislar para proteger o direito à vida.
No caso sub-judice - do Aquaparque - o legislador não deu cumprimento a esse dever constitucional, pelo que houve omissão ilícita.
Era omissão ilícita e culposa, perante os diversos acidentes ocorridos nos parques aquáticos, sendo pelo menos um mortal, em 1988, no Algarve, e as chamadas de atenção do Instituto do Consumidor e da Deco para os riscos que envolviam os parques aquáticos e para a necessidade de legislação própria para esses meios de diversão, devia o legislador ter aprovado legislação adequada para os parques aquáticos a fim de proteger a vida dos seus utentes.
Nexo de causalidade.
A teoria da adequação assenta num juízo de prognose póstuma - causa será apenas condição adequada à produção do dano quando este, tomadas em consideração as circunstâncias reconhecíveis à data do facto que um observador experiente e ainda as conhecidas do lesante na mesma data, fosse previsível - Antunes Varela - Da Obrigação em Geral - 2ª Edição - Vol. I, pág. 748.
Para alguns autores, o facto será causa adequada do dano, sempre que este constitua na consequência normal ou típica daquele.
Para outros, partidários duma formulação limitativa?????? mais ampla, o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua actual natureza geral, se mostrar de todo em todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas, que intercedem no caso concreto - Antunes Varela. - ob. cit. pág. 746.
A nossa Lei consagrou a teoria da causalidade adequada, ao prescrever - "A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse lesado - artigo 564º do C. Civil.
No caso sub-judice, verificou-se, por parte do Legislador, conforme já referimos, uma omissão ilícita, pelo que, no entender do Prof. Antunes Varela - ob. cit. pág. 756 - se deve adoptar a formulação negativa na interpretação da disposição legal citada.
Esta orientação já havia sido deixada exposta, a fls. 749 da ob. cit., pelo mesmo autor.
A formulação negativa devida a ---------------------- é do seguinte teor: - A condição deixará de ser causa do dano, sempre que, "segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano.
Vejamos agora se a falta de legislação adequada foi indiferente à produção do dano.
Em Agosto de 1991, O Instituto de Defesa do Consumidor emitiu uma "Recomendação aos Proprietários e Agentes Exploradores de Parques de Diversões Aquáticas", bem como um Aviso ao Público relativo à utilização de Parques de Diversões Aquáticas.
O Aviso ao Público reconhece que os riscos para a segurança dos utilizadores dos Parques Aquáticos são agravados pela inexistência de estritas regras de segurança relativas à instalação e funcionamento dos empreendimentos, bem como à sua utilização pelos indivíduos que a eles ocorrem em períodos de lazer - em 99 a 101.
A causa desta situação de frequente sinistralidade, envolvendo graves riscos para a saúde e segurança dos particulares, teria na sua origem a contribuição de diversos factores, de entre os quais se destaca a ausência de legislação especifica ou de normas portuguesas aplicáveis em matéria de segurança a este tipo de recintos - nº 109.
A Deco na revista "Proteste" de Junho de 1993, reconheceu a necessidade de se tomarem medidas urgentes para que os parques aquáticos fossem lugares divertidos sem que, para isso, tivessem de ser arriscados, devendo para tanto, ser elaborados regulamentos exigentes e de pôr em execução meios de controle e inspecções eficazes.
Por isso foram várias as propostas apresentadas no sentido de aprovação de legislação adequada à redução dos riscos da utilização dos parques aquáticos - em 111, 112, 118, 129.
No preâmbulo do D. Lei nº 65/97, de 31 de Março consta que a evolução tecnológica dos equipamentos instalados nos parques aquáticos revela a inadequação da velha regulamentação geral sobre parques aquáticos e divertimentos públicos, "sendo tal contestação dramaticamente evidenciada no Verão de 1993, por via dos graves acontecimentos ocorridos num parque em Lisboa. Daí a necessidade de "emitir legislação defensora dos utentes privilegiando as condições de segurança dos parques".
Verifica-se, assim, que o próprio legislador acabou por reconhecer, e não podia deixar de o fazer, em face da sinistralidade ocorrida nos parques aquáticos, a importância da aprovação de legislação especifica sobre aqueles meios de diversão para prevenir acidentes graves.
Em face dos factos provados transcritos, verifica-se que a ausência de legislação sobre parques aquáticos não se mostrou de todo indiferente para a produção do dano, mas foi uma das condições que concorreu para a sua produção.
Conforme diz Antunes Varela - para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano; essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano - A. Varela ob. cit., pág. 750.
Concluímos, assim, que a falta de legislação - omissão ilícita e culposa do legislador sobre parques aquáticos - foi causa adequada da morte do (C).
O R. discordou dos montantes indemnizatórios atribuídos aos AA. e propôs outros.
O Tribunal fixou os seguintes montantes indemnizatórios:
20.000.000$00 - pelo sofrimento para morte da vítima;
40.000.000$00 - pela perda da vida;
30.000.000$00 - pelos danos não patrimoniais sofridos pelos pais do menor;
30.000.000$00 - pelos danos patrimoniais do próprio menor;
250.148$00 - pelos danos patrimoniais dos pais do menor.
O artigo 496º do C. Civil dispõe:
1 - Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela, sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes, em falta destes aos pais ou outros ascendentes; e por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3 - O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vitima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos do número anterior.
Assim por força dos nºs. 1 e 2 deste artigo, os pais da vitima (autores) têm direito, como uma parcela autónoma, à indemnização pela perda do direito à vida dela, não por serem herdeiros da vitima, segundo a Lei Sucessória, mas por serem os familiares indicados no referido nº 2 (A. Varela, Das Obrigações em Geral Vol. I - 1ª Edição, pág. 604, Pires de Lima e A. Varela, C.C. Anotado, Vol. I - 4ª Edição, pág. 500.
De harmonia com o disposto no nº 3 do artigo transcrito, o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais deve ser fixada equitativamente ou seja segundo critérios de equidade (a equidade é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente dos critérios normativos fixados na Lei) com atenção aos elementos referidos no artigo 494º, pelo que o julgador deve ter em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação da realidade da vida e os padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.
Os padrões da jurisprudência, no que respeita à compensação pela perda do direito á vida, são no sentido de não ultrapassar o seu quantitativo os 5.000.000$00, como se vê dos acórdãos do S.T.Justiça citados pelo recorrente nas suas alegações de recurso.
No acórdão do S.T.J. de 10/02/98, recursos nº 847/97, pela perda do direito à vida de uma jovem de 22 anos, foi fixada a compensação em 3.500.000$00.
Atendendo a que a vítima tinha 9 anos, a jurisprudência citada no recurso pelo R., ora Apelante, e à inflação da moeda, consideramos adequada a compensação proposta pelo Apelante em 8.000.000$00.
Assim fixamos a compensação pela perda do direito à vida em 40.000 euros.
O (C) faleceu no dia 30 de Julho de 1993 por asfixia por submersão, tendo um sofrimento horroroso nos momentos em que antecederam a sua morte.
Pelo sofrimento pré-morte, atribuímos uma compensação de 20.000 euros.
Os AA. gostavam muito do seu filho (C) e a morte deste causou-lhes um grande sofrimento por se verem privados dele para sempre e ao recordarem do modo como ele morreu.
Pelos danos não patrimoniais dos Autores atribuimo-lhes uma compensação de 30.000 euros, ou seja 15.000 euros a cada um.
Quanto aos danos patrimoniais do menor respeitantes á perda da sua capacidade de adquirir, vejamos o que nos diz a Lei.
O artigo 564º do C. Civil prescreve:
1) - O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2) - Na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
O nº 3 do artigo 566º do C. Civil é do seguinte teor:
- "Se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o Tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados."
Constata-se assim que são indemnizaveis os lucros cessantes, designadamente os danos futuros, desde que previsíveis e, desde logo, determináveis.
O calculo destes danos é, conforme se diz na sentença recorrida, uma operação delicada e de resolução muito difícil. Na verdade é preciso ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, e que implica uma previsão, falível, sobre dados verificáveis no futuro. Essa a razão pela qual tais danos se devem calcular segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que no caso concreto, poderia acontecer, seguindo as coisas o seu curso normal e, se, mesmo assim não for possível apurar-se o seu valor exacto, deverá o tribunal julgar segundo a equidade (Vaz Serra, R.L.J. 122, 239 e 114, 287 e segs., Pires de Lima e Antunes Varela - Vol. I - 4ª Edição do C.C. Anotado, pág. 584, Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação.
No caso sub-judice, a vítima tinha 9 anos de idade. Deu-se como assente - nºs. 62 e 63 - dos factos provados que o (C) teria concluído um curso superior e que, uma vez licenciado, auferiria, com o produto do seu trabalho, a quantia mensal de 150.000$00.
A estes dados, e na mera conjectura que teve de se fazer, acrescentou-se que teria uma expectativa de vida de 65 anos de idade, a partir dos 25 anos e concluía o Tribunal de 1ª Instância que o dano patrimonial foi do montante de 30.000.000$00.
O Mº Público refere nas suas alegações que os 150.000$00 mensais, atingidos os 25 anos, não tece em consideração a necessidade de gastos fixos e que em casos destes se deve recorrer à equidade, pelo que a indemnização por danos patrimoniais deve ser fixada em 20.000.000$00, ou seja em 100.000 euros.
Na previsão do Tribunal de 1ª Instância e do Mº Público não se tomou em consideração que o normal é uma pessoa casar por volta dos trinta anos, depois de já se ter fixado na vida - formou-se, adquiriu emprego, trabalha uns anos e depois constitui família - casando-se.
Assim parece-nos que a indemnização que o Mº Público aceitou como indemnização pelos danos patrimoniais é excessiva, mas como foi aceite, temos de a manter.
Assim altera-se a sentença, mantendo-se quanto aos danos patrimoniais dos pais do menor, pois nesta parte não foi impugnada, em que o Estado foi condenado em 250.148$00 escudos, ou seja, em 1.250 euros e 74 cêntimos.
Acorda-se, pois em alterar a decisão recorrida, dado provimento ao recurso, e consequentemente condena-se o Estado Português a pagar aos Autores a quantia de 90.000 euros de compensação pelos danos não patrimoniais (40.000 + 20.000 + 30.000, conforme discriminado no acórdão) e 100.000 euros de danos patrimoniais e mantêm-se os 1250 euros e 74 cêntimos de danos patrimoniais dos pais, que não foram postos em causa no recurso.
Custas pelos AA. na 1ª e 2ª Instâncias.
Lisboa, 07/05/2002