Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4064/18.2T8SNT.L1-7
Relator: CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
RESPONSABILIDADE CIVIL
INDEMNIZAÇÃO
PRESSUPOSTOS
ERRO GROSSEIRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I–De acordo com o art. 225, nº 1, do C.P.P., aquele que, designadamente, tiver sofrido prisão preventiva pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando a privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia (al. b) do nº 1), ou se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente (al. c) do nº 1);

II–O erro motivador da privação da liberdade a que se refere a al. b) do nº 1 do art. 225 do C.P.P. deve respeitar à apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, e não à aplicação do direito, e o erro tem de ser grosseiro ou indesculpável;

III–A ausência da concreta menção “fortes indícios” nas decisões judiciais que determinaram a aplicação aos arguidos da prisão preventiva ou a sua manutenção não significa forçosamente que não tenha sido realizado nas mesmas um juízo de indiciação ou que tais “fortes indícios” não existissem;

IV–As irregularidades e as nulidades processuais respeitam à legalidade dos atos correspondentes, não se integrando as questões processuais, à partida e por definição, na apreciação dos pressupostos de facto de que depende a aplicação da medida de coação;

V–O art. 27, nº 5, da C.R.P., não impõe o dever de indemnizar todo e qualquer arguido não pronunciado ou absolvido a quem haja sido anteriormente aplicada a medida de coação de prisão preventiva, visando apenas compensar situações de privação inconstitucional ou ilegal da liberdade;

VI–O legislador não estabeleceu que a concessão da indemnização ao sujeito a prisão preventiva dependeria da respetiva não acusação, não pronúncia ou absolvição final no processo-crime; fez depender essa concessão da demonstração de que o arguido não foi o agente do crime ou que atou justificadamente;

VII–Não se revela inconstitucional, por violação do art. 27, nº 5, da C.R.P., ou de qualquer outro preceito daquela Lei Fundamental, a norma constante da al. c) do nº 1 do artigo 225 do C.P.P. entendida no sentido de que não pode beneficiar da indemnização aquele que, não tendo sido pronunciado pelo crime que determinou a sua prisão preventiva, não logrou provar, designadamente na ação de indemnização, que não praticou o crime;

VIII–A conclusão, no despacho de não pronúncia, de que não se apresentavam, então, indícios suficientes para justificar a submissão dos factos a julgamento, pois seria muito mais provável a absolvição dos arguidos, pela fragilidade dos seus principais fundamentos, não se mostra suficiente para afirmar, de forma positiva, que os arguidos não foram, afinal, agentes dos crimes que lhes foram imputados, nos termos e para os efeitos previstos na al. c) do nº 1 do art. 225 do C.P.P.;

IX–Não tendo, além disso, os AA., arguidos no dito processo-crime, comprovado, como lhes incumbiria, no âmbito da ação cível interposta com fundamento na dita al. c) do nº 1 do art. 225 do C.P.P., que não praticaram os crimes que lhes haviam sido imputados, deve improceder a referida ação.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


A e B vieram, em 27.2.2018, propor contra o Estado Português ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação do R. a pagar a quantia de € 60.000,00 a favor de cada um dos AA., acrescida de juros à taxa legal a partir da citação, ao abrigo do disposto no art. 225, n° 1, als. b) e c), do Código de Processo Penal. Invocam, para tanto e em breve síntese, que, na sequência de diversos erros grosseiros do Juiz de Instrução Criminal, estiveram em prisão preventiva durante 181 dias, sob a imputação de abuso sexual da enteada do A. A e filha da A. B ......, acabando por ser libertados face a decisão de não pronúncia pela prática desses factos, decisão que veio a ser confirmada por Acórdão da Relação de Lisboa. Mais referem pretender fazer a prova da sua inocência para os efeitos de preenchimento da al. c) do nº 1 do art. 225 do C.P.P., invocando ainda que a prisão preventiva sofrida causou aos AA. profundos danos de natureza não patrimonial pelos quais devem ser ressarcidos.
O R., Estado Português, contestou impugnando, no essencial, a factualidade alegada e sustentando a inexistência dos erros grosseiros invocados. Conclui pela improcedência da ação e pela absolvição do R. do pedido.
Dispensada a audiência prévia, fixou-se o valor da causa em € 120.000,00 e foi proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, identificando-se o objeto do litígio e enunciando-se os temas da prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida sentença, em 3.3.2021, nos seguintes termos: “(...) decide este Tribunal julgar a presente ação improcedente, absolvendo-se o Réu, Estado Português, do pedido.
Custas pelos Autores - art. 527°, n° 1 e n° 2, do Código de Processo Civil.”
Inconformados, recorreram os AA., culminando as alegações por si apresentadas com as seguintes conclusões que se transcrevem:


I.–MATÉRIA DE FACTO

A.–Os Recorrentes aceitam os 84 segmentos de facto que a sentença recorrida seleccionou como factualidade provada, apenas com uma correcção, que entendem que deve ser ressalvada. É que deve considerar-se reproduzido no probatório o conteúdo dos documentos a que se reportam os seus diferentes números, o que se requer.
B.–Particularmente devem considerar-se reproduzidas as decisões judiciais de 18/03/2016, 22/04/2016, 01/07/2016, 14/09/2016, 20/09/2016 e 15/02/2017, a que aludem os factos sob os n.ºs 19 a 22 do probatório, o que se requer.

II.–PRIMEIRO ERRO GROSSEIRO OU CONDUTA TEMERÁRIA: A QUESTÃO DA FORTE INDICIAÇÃO

C.–É sabido que a prisão preventiva só pode ser decretada se existirem fortes indícios da prática dos crimes a que se reportam as diferentes alíneas do n.° 1 do artigo 202.° do CPP.
D.–Ora, nem na decisão judicial que decretou a prisão preventiva em 18/03/2016, nem na decisão que a manteve em 22/04/2016, nem no acórdão da Relação de 20/09/2016, a questão da indiciação dos crimes imputados aos ora Recorrentes foi vista na perspectiva da existência de "fortes indícios" (cfr. factos n.ºs 31, 32 e 34 do probatório).
E.–Por outro lado, quanto ao despacho de 01/07/2016, que manteve a prisão preventiva, apesar de ser feita uma referência a que a mesma fora decretada por estar fortemente indiciada a prática de um crime de abuso sexual de menores dependentes, a verdade é que o despacho que a decretara não equacionara a questão dessa forte indiciação (cfr. factos n.ºs 31 a 33 do probatório, devidamente compaginados com os textos integrais dessas decisões judiciais).
F.–A sentença recorrida desvalorizou a omissão da ponderação de uma situação de forte indiciação, considerando que essa circunstância seria insuficiente para justificar a peticionada indemnização com fundamento no artigo 225.°, n.° 1, al. b) do CPP.
G.–Se a lei impõe que o decretamento da prisão preventiva depende de uma ponderação judicial da existência de fortes indícios da prática do crime, a falta de tratamento dos indícios apurados — em termos de se apurar se eles consubstanciam ou não essa forte indiciação — consubstancia um erro grosseiro nos pressupostos de facto de que depende o decretamento da prisão preventiva.
H.–Assim sendo, salvo melhor opinião, estamos perante um erro grosseiro na apreciação de um pressuposto de facto de que dependia o decretamento ou manutenção da prisão preventiva: um juízo sobre a forte indiciação da prática do crime, o que não foi feito.

III.–SEGUNDO ERRO GROSSEIRO OU CONDUTA TEMERÁRIA:

A NULIDADE DAS DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA
I.–Aquando da tomada de declarações para memória futura (em 15/03/2016 — cfr. facto n.° 17 do probatório), os arguidos já eram alvo da denúncia de ISABELA — cfr. factos n.ºs 7 a 17 e 35 a 48 do probatório —, tendo vindo aos autos, em 09/03/2016, requerer para serem ouvidos (cfr. facto n.° 25 do probatório). Ou seja, já se podia prever a situação processual a que os ora Recorrentes iam estar sujeitos, pelo que não pode colocar-se nenhuma dúvida quanto à circunstância de que devia ter sido notificado o seu mandatário para estar presente ou, pelo menos, designado defensor para os representar, nos termos do artigo 271.°, n.° 3 do CPP.
J.–A notificação do mandatário dos arguidos para o efeito de estar presente nessa tomada de declarações era fundamental para que por ele pudesse ser cabalmente fiscalizada a fidedignidade do acto, o qual se revestia da maior importância para o decretamento da medida de prisão preventiva, como se veio a verificar — cfr. o despacho que decretou a prisão preventiva dos ora Recorrentes, fundado em grande medida nessas declarações de ISABELA, factos n.ºs 19 e 84 do probatório.
K.–No entanto, essa notificação não ocorreu e as declarações da ofendida não foram prestadas na presença de defensor constituído ou nomeado para representar os arguidos/ora Recorrentes. Tal desatenção consubstancia igualmente um erro grosseiro ou conduta temerária, por parte dos Senhores Magistrados que nele incorreram, não podendo ignorar-se a importância da presença de advogado em acto tão relevante, como se veio a comprovar que, na realidade, o era para o caso concreto.
L.–Essa desconsideração constitui, pois, outro erro nos pressupostos de facto que levaram ao decretamento da prisão preventiva, uma vez que essa decisão foi proferida no pressuposto de que a tomada dessas declarações — decisivas para a medida privativa da liberdade aplicada aos arguidos — fora efectuada na presença de advogados/defensores desses arguidos, o que não se se verificara.
M.–Pelo exposto, não vemos como é que esse erro não deva ser qualificado como grosseiro ou consubstanciando uma conduta temerária, que contribuiu, ou pode ter contribuído, para as decisões que privaram os arguidos/ora Recorrentes da liberdade.

IV.–TERCEIRO ERRO GROSSEIRO OU CONDUTA TEMERÁRIA: FALTA DE EFECTIVO REEXAME DOS PRESSUPOSTOS DA PRISÃO PREVENTIVA

N.–Admita-se, sem conceder, que as declarações para memória futura prestadas por ISABELA encerrariam em si uma indiciação suficientemente forte para justificar o decretamento da medida de prisão preventiva.
O.–Mesmo que assim se entenda, considerando a fragilidade intrínseca desse depoimento, comprovada pelos segmentos de facto dados como assentes nos n.ºs 35 a 44 do probatório — bastando que se recorde que ISABELA foi alternando o ora Recorrente, o irmão GABRIEL e IVO ..... como os responsáveis pela agressão de que teria sido vítima —, impunha-se que, aquando da revisão dos pressupostos da prisão preventiva, o juiz de instrução ponderasse a relevância dos novos elementos de prova susceptíveis de abalar a convicção inicial, como decorre do disposto nos artigos 212.° e 213.° do CPP.
P.–É assim que o depoimento de GABRIEL, irmão de ISABELA, prestado em 11/04/2016 — cfr. facto n.° 52 do probatório —, bem como o relatório pericial de 29/04/2016, que concluiu que o ora Recorrente devia ser excluído da paternidade do filho de ISABELA — cfr. facto n.° 53 do probatório —, deviam ter sido ponderados, em termos de reavaliação da substância de fortes indícios da prática do crime, aquando dos reexames da prisão preventiva efectuados pelos despachos de 12/04/022016 e 01/07/2016 (cfr. factos n.ºs 32 e 33 do probatório).
Q.–Porém, tais despachos nem sequer se referem a tais factos novos, mantendo a decisão de prisão preventiva de forma tabelar, como se nada de novo tivesse de ser ponderado. Ora, o reexame dos pressupostos da prisão preventiva não pode ser um acto tabelar ou meramente formal.
R.–Tais falhas consubstanciam novos erros grosseiros ou condutas temerárias dos despachos judicias em apreciação: falta de um efectivo reexame dos pressupostos de facto de que depende o decretamento ou manutenção da prisão preventiva. Essa situação constitui matéria subsumível ao enquadramento legal do artigo 225.°, n.° 1, al. b) do CPP.

V.–O REGIME DO ARTIGO 225.º, N.° 1, AL, C) DO CPP
S.–Mesmo quando a privação da liberdade não tenha ocorrido por erro grosseiro ou conduta temerária na avaliação dos respectivos pressupostos de facto, a alínea c) do n.° 1 do artigo 225.° do CPP estabelece igualmente o direito a uma indemnização a favor do arguido que comprove que não foi agente do crime.
T.–O problema que se coloca é o de saber se é exigível ao requerente comprovar a sua inocência, como entende a sentença recorrida, que faz depender a aplicação deste regime à comprovação de que o acórdão absolutório penal tenha concluído que o arguido não praticou o crime, ou que isso tenha sido provado na acção de indemnização.
U.–Entre dois extremos, sustentamos que o regime em pauta deve ser aplicado àquelas situações em que é razoável presumir, com verosimilhança, à luz dos dados do processo e de acordo com um critério de experiência comum, que o requerente não foi agente do crime ou que existe uma baixa probabilidade de o ter sido.
V.–Bastará ter presente que os arguidos não chegaram a ser pronunciados, porque o juiz de instrução que decidiu a não pronúncia — decisão confirmada pela Relação de Lisboa — concluiu que, em face das manifestas incongruências do processo, não havia sequer condições para levar os ora Recorrentes a julgamento, defendendo que existiria uma baixíssima probabilidade de virem a ser condenados: «Em conclusão, neste momento da investigação, em que se encontra totalmente afastada a eventual prova objectiva da paternidade do Renato pelo arguido, o contexto, a natureza e o ambiente exterior das declarações da menor, não se apresentam já como indícios suficientes para justificar a submissão do feito a julgamento, pois seria muito mais provável a absolvição dos arguidos, pela fragilidade acima demonstrada dos seus principais pilares.» - cfr. facto n.° 21 do probatório, bem como o texto do despacho de não pronúncia que integra o doc. 10 junto à PI.
W.–Assim sendo, in casu, a decisão de não pronúncia, devidamente confirmada por um tribunal superior, assegura, com um grau de probabilidade elevado, que efectivamente os ora Recorrentes não foram agentes do crime.
X.–Não é aceitável que quem nem chega a ser pronunciado tenha de vir a fazer a prova — insofismável — da sua inocência. E, no caso dos autos, isso seria de sobremaneira irrazoável. Deste modo, mesmo que os ora Recorrentes não vissem a sua situação inscrita no âmbito do regime da alínea b), do n.° 1, do artigo 225.° do CPP, sempre teriam direito a essa indemnização por força do regime da alínea c) do mesmo preceito legal.
De resto, o entendimento normativo dado ao artigo 225.°, n.° 1, al c) do CPP —no sentido de que o regime em causa não é aplicável a quem, não tendo sido sequer pronunciado pelo crime que determinou a sua prisão preventiva, não logrou provar, na acção de indemnização, que efectivamente não praticou o crime — é inconstitucional, por violação do art 27.°, n.° 5 da CRP.
Y.–O entendimento normativo em apreço seria manifestamente desproporcionado, tendo em conta que, não tendo sequer havido pronúncia, não tem justificação razoável estabelecer esse ónus a cargo da vítima do erro ocorrido.

VI.–DO MONTANTE INDEMNIZATORIO
Z.–Considerando os factos n.ºs 54 a 63 do probatório, particularmente o intenso sofrimento de que os ora Recorrentes continuam a padecer, as trágicas consequências que isso teve para a sua vida pessoal e familiar, o sentimento de vergonha, injustiça, desespero e revolta que sentiram e sentem, julga-se adequado fixar a indemnização prevista no artigo 226.° do CPP, em sede de danos não patrimoniais, no valor de €60.000,00 a cada um dos ora Recorrentes, considerando um valor médio de €10.000,00 por cada mês de prisão.”
Pedem a condenação do Estado Português como peticionado.

O Ministério Público apresentou contra-alegações, pedindo a confirmação do julgado, e oferecendo as seguintes conclusões que também se transcrevem:

1-A presente acção fundamenta-se no regime legal de responsabilidade civil extracontratual do Estado, previsto no art.° 225.° n.° 1 b) e c) do CPP.
2-Nos termos do disposto no art.° 607, n.° 3 CPC o juiz deve discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
3-E, nos termos do n.° 4 deve declarar quais os factos que julga provados e não provados que se e mostrem relevantes para a decisão da causa devem constar
4-Assim, só os factos podem ser objecto de prova, pelo que só estes podem integrar o elenco da matéria de facto
5-Nos pontos 19 a 22 da matéria de facto encontra-se referida a factualidade decisiva e essencial que resulta das decisões judiciais aí referidas e que se mostra relevante para a apreciação da matéria controvertida na presente acção.
- (repetida a numeração) O que basta para cumprir o estabelecido no disposto no art.° 607.° do CPC
- (repetida a numeração) A reprodução integral desses documentos, pela sua dimensão, não só seria inútil como desnecessária e em nada contribuiria para alterar o sentido da decisão proferida
6-As respostas constantes daqueles três concretos pontos cumprem as exigências do art.° 607.° n. 3 e 4 do CPC, não contendo a matéria de facto apurada qualquer deficiência ou insuficiência de factos essenciais que cumpra suprir
7-O processo crime continha um conjunto de elementos indiciários suficientemente sólidos para a indiciação dos factos aos arguidos e para fundamentar a prisão preventiva
8-A decisão que decretou a prisão preventiva não é omissa quanto à ponderação desses elementos indiciários, contendo a enumeração dos factos e a análise crítica e conjugada de todos os elementos probatórios
9-Permitindo a conclusão de que tais índicos eram suficientemente sólidos para fundamentar a medida de coação de prisão preventiva decretada
10-O despacho de 18-3-2016 não evidencia qualquer erro grosseiro de avaliação
11-A sentença recorrida não desvalorizou essa omissão de ponderação, resultando precisamente o contrário, ou seja, que fez uma análise detalhada dos elementos probatórios constantes do processo crime, apreciou e analisou criticamente os indícios existentes
12-A sentença recorrida não evidencia erro de julgamento na avaliação que fez do conjunto indiciário constantes do processo crime e do despacho que decretou a prisão preventiva
13-A falta de representante legal dos arguidos nas declarações para memória futura constitui matéria que extravasa o fundamento da presente acção
14-Não consubstancia um erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia o decretamento da prisão preventiva
15-A questão da legalidade de tal acto mostra-se definitivamente assente, com o transito em julgado do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-9-2016
16- O depoimento do irmão da ofendida encerra subjectividade, revela contradição e tensão emocional, circunstâncias que o descredibilizam, não sendo idóneo a pôr em crise a avaliação indiciária da decisão que decretou a prisão preventiva
17-Pelo que não tem a relevância probatória pretendida pelos recorrentes no sentido de conduzir à revogação da medida de prisão preventiva
18-A circunstância de o recorrente ter sido excluído da paternidade do filho da ofendida também não põe em crise a credibilidade do depoimento desta, pelo contrário, só reforça a convicção de que a mesma não mentiu quando atribuiu a paternidade do seu filho quer a Ivo quer ao recorrente, por lhe ser manifestamente impossível atribuir a paternidade a um com exclusão do outro
19-Pelo que não tem a relevância probatória que os recorrentes lhe conferem de conduzir à revogação da medida de prisão preventiva
20-É condição do direito à indemnização, a que se refere a previsão do art.° 225.° n. 1 c) do CPP a comprovação de que o arguido não praticou o crime pelo qual foi sujeito a prisão preventiva ou que actuou justificadamente
21-Da factualidade dada como provada resulta que os recorrentes não lograram provar qualquer facto susceptível de configurar a situação prevista naquela norma.
22-Não só não ficou provado que os recorrentes foram absolvidos dos crimes que lhes eram imputados no processo crime em causa, como também não ficou provado que não foram os autores dos factos que lhes eram imputados.
23-Ficou provado que não foram pronunciados pela pratica dos crimes que lhes eram imputados, porque os indícios existentes a essa data não eram suficientemente sólidos para os submeter a julgamento, como exigido no art.° 308.° do CPP.
24-O juízo indiciário contido na decisão de não pronuncia e na sentença de absolvição não são equivalentes
25-A decisão de não pronuncia dos recorrentes não comprova que os mesmos foram absolvidos dos crimes e muito menos que o processo crime foi arquivado porque ficou demonstrado que os não praticaram
26-Apenas comprova que não foram recolhidos indícios suficientes da pratica dos crimes que lhes eram imputados, o que não satisfaz o requisito previsto no art.° 225.° c) do CPP
27-O art.° 27.° da CRP não prevê um dever indemnizar em todas as situações de privação da liberdade, mas apenas nos casos em que esta tiver sido decretada fora do quadro legal ou constitucional
28-O dever de indemnizar previsto nesta norma decorre da constatação da ilegalidade da privação da liberdade, porque aplicada fora do quadro legal e constitucional
29-E não em todas as outras situações de privação da liberdade legalmente imposta, em que, por circunstâncias posteriores, não se veio a confirmar o juízo indiciário inicial que fundamentou aquela medida privativa de liberdade, seja, porque processo crime terminou com um despacho de não pronuncia, seja porque ocorreu uma absolvição
30-Situação que a ocorrer não impõe o dever de indemnizar, ao abrigo do princípio constitucional previsto no art.° 27.° n. 5 da CRP
31-A situação em apreço, em que não está em causa uma prisão preventiva inconstitucional, nem ilegal, mas a falta de comprovação do juízo indiciário que levou ao decretamento da prisão preventiva, não se enquadra na previsão do art.° 27.° n. 5 da CRP, e, como tal, não confere o direito à indemnização aí prevista
32-Pelo que, não se mostra violado o art.° 27.° 5 da CRP
33-Da matéria dada como provada, não resultam verificados os pressupostos da responsabilidade civil com base no regime previsto no art.° 225.° n. 1 alíneas e b) e c) do CPP
34-Não ficou provado que a prisão preventiva dos recorrentes foi ilegal ou foi devida a erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos
35-Também ficou por demonstrar a previsão do art.° 225.° n. 1 c) do CPP
36-Não resultam demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado em que assenta a causa de pedir da presente acção.”

O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***

II–Fundamentos de Facto:

A sentença fixou como provada a seguinte factualidade:
1)-Os ora Autores casaram um com o outro, na Conservatória do Registo Civil de Sintra, em 19 de novembro de 2005.
2)-A ora Autora é mãe de Isabela ......, nascida em 12 de dezembro de 1998; e de Gabriel ........  .
3)-A Autora é natural de Galileia, Estado de Minas Gerais.
4)-Os aqui Autores viveram, certo período de tempo, no Brasil, após o seu casamento, tendo vindo viver definitivamente para Portugal em 2007.
5)-Mais tarde, juntaram-se aos Autores, os acima identificados Isabela e Gabriel, com quem viviam na mesma casa; o que, no caso da Isabela, ocorreu cerca do ano de 2009 e, no caso de Gabriel, mais tarde.
6)-À data da sua gravidez, Isabela já tinha tido relações sexuais com três rapazes.
7)-Pelo menos, em abril de 2015, os Autores tomaram conhecimento de que Isabela estava grávida, então, com 4/5 meses de gravidez, desconhecendo-se quem era o pai da criança.
8)-Nessa sequência, a Autora decidiu encaminhar Isabela para uma instituição, tendo começado por levá-la à Ajuda de Mãe, que a reencaminhou para internamento na Santa Casa da Misericórdia do Barreiro.
9)-Já durante esse internamento, nasceu Renato ......, em setembro de 2015, filho de Isabela.
10)-Em 19.05.2015, na Ajuda de Mãe, ISABELA terá referido que o pai do bebé ainda não sabia que ela estava grávida, e que a gravidez era fruto de encontros pontuais que manteve com essa pessoa num curto espaço de tempo.
11)-Em 26.05.2015, ISABELA terá revelado, no atendimento da CPCJ de Sintra Ocidental, que o pai de Renato era IVO ...... 
12)-Em 29.06.2015, na Santa Casa da Misericórdia do Barreiro, ISABELA terá dito —após ter sido perguntada pela psicóloga CIDÁLIA ...... se Renato seria filho do padrasto — que o ora Autor não era o pai da criança, mas sim o seu irmão GABRIEL.
13)-Em 03.07.2015, terá confidenciado a uma auxiliar da instituição onde estava internada que a psicóloga CIDÁLIA ...... a havia obrigado a dizer que era GABRIEL, o pai de Renato, afirmando, novamente, que o pai de Renato era IVO .......  .
14)-Mais tarde, em 30.11.2015, no âmbito do processo de averiguação oficiosa da paternidade do menor Renato ...... (Processo n.° 3957/15.3T9BRR, a correr termos na Comarca de Lisboa — MP — Barreiro — Procuradoria Inst. Central — Fam. Menores), ISABELA torna a afirmar que o pai de Renato era IVO ......, com quem namoraria e com quem teria tido relações sexuais em 23 de dezembro de 2014, em casa deste.
15)-Em 02.02.2016, na Santa Casa da Misericórdia do Barreiro, terá dito que o padrasto, ora A., A, era o pai de Renato.
16)-Em 11.02.2016, na mesma instituição, terá ainda dito que a mãe, ora Autora, B, tinha conhecimento dos abusos, porque os viu.
17)-Isabela foi chamada a prestar declarações, na Polícia Judiciária, em 16.02.2016; e no Tribunal de Instrução Criminal, em declarações para memória futura, em 15.03.2016.
18)-Nestas últimas declarações, Isabela manteve a versão dos factos segundo a qual o aqui Autor abusava dela sexualmente, do que a Autora teria conhecimento, nada fazendo para impedir que tais abusos ocorressem.
19)-Em 16.03.2016, os aqui Autores foram detidos para serem presentes ao Juiz de Instrução Criminal, tendo, depois de prestarem declarações em 18.03.2016, sido ordenada a sua prisão preventiva, à ordem do NUIPC 90/16.4JDLSB, com fundamento na existência de indícios de abuso sexual perpetrado sobre a referida ISABELA e perigo de fuga.
20)-Essa situação de prisão preventiva foi mantida por despacho do Juiz de Instrução de 22.04.2016 e de 01.07.2016.
21)-Por despacho de não pronúncia proferido em 14 de Setembro de 2016, confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa por Acórdão de 15 de Fevereiro de 2017 (que não se mostra ter sido alvo de recurso) vieram os autos a ser arquivados e os Autores restituídos à liberdade, por terem sido considerados não suficientemente indiciados os factos de que se mostravam acusados.
22)-Em 20.09.2016, a Relação de Lisboa veio a julgar improcedente o recurso interposto pelos Autores, do despacho de 18.03.2016, que ordenara a prisão preventiva, mas tal aresto acabou por não ter efeitos práticos, uma vez que os AA. tinham sido restituídos à liberdade em 14.09.2016.
23)-Os arguidos foram detidos em 16.03.2016, à ordem de um mandado de detenção, que não ostentava data.
24)-Em sede de decisão que fixou a medida de coação em primeiro interrogatório de arguido detido, o Juiz de Instrução não se debruçou concretamente sobre este vício, constando da decisão: "tendo sido respeitadas as formalidades legais nenhuma invalidade foi cometida que cumpra declarar".
25)-Os ali arguidos recorreram, em 6 e 7 de Abril de 2016, do despacho que decretou a prisão preventiva, invocando, no que ora releva: A desnecessidade de tais mandados, urna vez que os ali arguidos, em 09.03.2016, e depois de terem recebido ameaças telefónicas de ISABELA, dizendo-lhes que "estavam lixados" porque ela tinha sido abusada por LUÍS e iria contar tudo, fizeram um requerimento pedindo que lhes fossem imediatamente tomadas declarações, em face da gravidade das ameaças de ISABELA; tal requerimento, apesar de datado de 09.03.2016, e nessa data recepcionado, só foi junto aos autos em 17.03.2016.
26)-O Tribunal da Relação de Lisboa, em 20.09.2016, conclui que foram respeitados os critérios legais, não estando tais mandados feridos por qualquer vício.
27)-Os aqui Autores e seu Ilustre mandatário não foram notificados para comparecer na sobredita diligência de "declarações para memória futura".
28)-Do auto de declarações para memória futura, consta que esteve presente um defensor oficioso, Dr. PM, com substabelecimento com reserva de colega nomeada para o ato, PL.
29)-Do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20-9-2016, certificado nos autos a fls. 465 a 478, consta, designadamente: "Conforme resulta dos autos — fls. 144 dos presentes —, as declarações da ofendida foram prestadas na presença de defensor oficioso nomeado para representar e defender os arguidos, tendo-lhe sido dada palavra para inquirir a mesma, pelo que, não estão tais declarações feridas por nulidade que cumprisse ao Tribunal a quo declarar".
30)-Conforme Substabelecimento certificado nos autos a fls. 423, datado de 15 de março de 2016, PL, Advogada, declara substabelecer no seu Ilustre Colega, Dr. PM, Advogado, os poderes que lhe foram conferidos por nomeação para patrocinar Ivo ..... nos autos sob o nº 90/16.4JDLSB.
31)-Do teor do despacho que fixou a medida de coação prisão preventiva, não consta a expressão "fortes indícios".
32)-Do teor da decisão judicial certificada nos autos a fls. 439 (verso)/440, datada de 22-4-2016, em que se decidiu manter a prisão preventiva aos aí arguidos não consta a expressão "fortes indícios".
33)-Do teor da decisão judicial certificada nos autos a fls. 441, datada de 1-7-2016, em que se decidiu manter a prisão preventiva aos aí arguidos, consta: "Os arguidos (...) encontram-se sujeitos à medida de coação de prisão preventiva desde 18-3-2016, tendo-se considerado estar fortemente indiciada a prática (...) de:"
34)-Do teor do Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de setembro de 2016 certificado aos autos a fls. 465 a 478 não consta a expressão "fortes indícios".
35)-Em 30-11-2015, no âmbito do processo de averiguação oficiosa da paternidade do menor Renato ...... (Processo n.° 3957/15.3T9BRR, a correr termos na Comarca de Lisboa — MP — Barreiro — Procuradoria Inst. Central — Fam. Menores) Isabela, referiu que, em Março de 2015, teria mantido relações sexuais com RENATO ......., altura em que estava já grávida, apesar de, então, ainda não o saber.
36)-Isabela, nesse momento, referiu ainda que tinha a certeza que o pai de Renato era IVO ....., porque, além dele, a última vez que tinha tido relações sexuais com "outro indivíduo" teria sido em janeiro de 2014.
37)-E aí concluiu dizendo que uma sua amiga, JOANA ......, com morada na Rua ....., n.°..., B....., 2...-..., S..... J..... L....., teria conhecimento de toda esta factualidade.
38)-Em 02.02.2016, no âmbito desse processo de averiguação oficiosa da paternidade, foi ouvido IVO .... que referiu que, tanto quanto se pode recordar, não se terá envolvido sexualmente com ISABELA, "muito menos em sua casa", não excluindo totalmente a hipótese de um envolvimento, referindo poder estar embriagado na altura, uma vez que, segundo os relatos de ISABELA, tudo se terá passado na altura das festas de fim de ano.
39)-No dia 2-2-2016, em contexto de sessão de acompanhamento psicológico com a Psicóloga da Santa Casa da Misericórdia do Barreiro, Isabela terá indicado que Renato era filho do ora Autor, fruto de violações deste.
40)-No dia 11.02.2016, ISABELA terá relatado àquela psicóloga que a ora Autora, Wânia, tinha conhecimento dos abusos sexuais, porque os teria visto.
41)-Em 29 de março de 2016, Isabela afirma que era a ora Autora que a obrigava a ter relações sexuais com o padrasto, ficando a assistir na sala onde tudo aconteceria.
42)-Em 3 de julho de 2015, Isabela terá dito a uma auxiliar que a psicóloga acima referida, a tinha obrigado a dizer que GABRIEL era o pai de Renato; e que ela nunca teria relações sexuais com o irmão, "até porque ele é feio".
43)-Assim que teve conhecimento deste facto, a Psicóloga CIDÁLIA ..... conversou com ISABELA, que disse que o pai de Renato era IVO ..... e não GABRIEL.
44)-Em 2 de fevereiro, Isabela referiu que os abusos levados a cabo pelo ora Autor eram frequentes à noite, independentemente de GABRIEL se encontrar ou não em casa.
45)-Em sede de declarações para memória futura, Isabela prestou declarações durante cerca de 19 minutos; e, desses, cerca de 14 minutos, sobre os concretos factos que imputava aos ora Autores.
46)-Isabela começou por referir que a primeira vez aconteceu quando estava sozinha em casa; mais tendo referido que das "outras vezes" acontecia "quando não estava quase ninguém em casa" ou quando "estava o irmão no quarto distraído a jogar computador".
47)-Depois, refere que a mãe sabia porque "passava pela sala", "como se nada fosse".
48)-Além disso, afirma que as relações sexuais forçadas pelo seu padrasto eram mais raras perto dos seus 13 anos, mas, que aconteceu muitas vezes até fazer 14 anos; mais referindo que eram mais frequentes em 2014, porque o padrasto acharia que ela sabia mais coisas; e mais tarde, que, essas situações, eram mais frequentes quando ainda tinha 13 anos; respondendo, depois, instada pela Senhora Procuradora, que era mais raro acontecer perto dos 13 anos.
49)-E quanto à participação de sua mãe, a dado passo, referiu "via-a sempre a passar".
50)-Do despacho de 18-3-2016, em que a Mma. Juiz de Instrução Criminal fixou as medidas de coação (certificado nos autos a fls. 429 a 435) quanto aos problemas de saúde de que o arguido “disse padecer”, consta, ademais, que este arguido terá dito que "foi acometido por um AVC e desde então faz medicação com anticoagulantes e medicação para a tensão arterial que o impossibilitam de ter uma erecção" e que disse ainda que "padecia de uma prostatite". Mais constando, desse despacho, que, os documentos que o arguido foi convidado a juntar e juntou "não permitem ter por fundadas as suas afirmações, mormente quanto aos problemas da próstata"; e que "em resultado da busca domiciliária, verificaram os investigadores que existiam inúmeros vestígios de sémen e objetos para satisfação sexual de ambos" (os arguidos) "no quarto da arguida e na sala onde o arguido pernoita e onde a ofendida diz que tiveram lugar os factos, reveladores de uma atividade sexual que" (os arguidos) "negaram".
51)-Do "Auto de Busca e Apreensão" à residência dos arguidos, aqui Autores, datado de 18 de março de 2016 (certificado nos autos a fls. 293 a 294) consta a menção da apreensão de objetos de caráter "sexual"; e a menção à realização de exame pericial "ao sofá da sala onde o arguido referiu dormir".
52)-Em 11 de abril de 2016, em depoimento prestado perante o Ministério Público, Gabriel ..... afirmou que, na sua opinião, era impossível, o A, com o conhecimento da sua mãe, abusar sexualmente da sua irmã, porque "ele sempre nos deu carinho e amor de pai"; e que "a sua irmã, está a vingar-se pelo facto de a terem institucionalizado". Mais tendo afirmado, então, que, quando eram pequenos, por vezes, o ora Autor os obrigava a ajoelharem-se e a levantarem os braços; e que aquele mesmo Autor chamava Gabriel de "macaco preto e filho da puta" o que Gabriel disse não achar ofensivo e que também lhe chamava "velho chato e velho estúpido".
53)-Em 29-4-2016 chegou aos autos o relatório pericial que conclui que o aqui Autor deve ser excluído da paternidade do filho de Isabela.
54)-Os Autores sofreram intensamente com a situação de prisão preventiva a que foram sujeitos e com a interposição de recurso da decisão instrutória de 14.09.2016 pelo Ministério Público, que os fez temer por uma reviravolta processual que os pudesse levar novamente à prisão.
55)-Mais revoltados se sentiram ao perceber que eram totalmente impotentes perante tal acusação, em razão das declarações de Isabela.
56)-A prisão preventiva dos Autores foi do conhecimento do meio familiar onde se inserem, pessoas que tomaram conhecimento de que as imputações que lhes eram dirigidas tinham a ver com abusos sexuais cometidos sobre a menor ISABELA, enteada do Autor A e filha da Autora B .
57)-Os Autores sentiram uma enorme vergonha pela situação em que se encontravam, temendo que as pessoas não acreditassem neles e os julgassem responsáveis por esses atos de abuso sexual.
58)-Os Autores sentiram-se injustiçados e desesperados.
59)-Os Autores recearam ir passar anos na prisão, com a comunidade a julgá-los responsáveis por crimes que não assumiram cometer.
60)- Os Autores sentiram uma grande revolta contra os poderes do Estado e uma grande descrença na vida.
61)-O Autor foi agredido na prisão por um guarda prisional que veio a ser condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de um ano e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos; e pela prática de um crime de injúria agravada na pena de multa de 60 dias, à taxa diária de 10 euros.
62)-Atualmente os Autores continuam a sofrer com a experiência por que passaram, a qual os traumatizou para o resto da vida.
63)-Os Autores sentem que vão continuar a sofrer as sequelas da prisão a que foram submetidos.
64)- Os sobreditos autos n° 90/16.4JDLSB iniciaram-se com comunicação da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Sintra Ocidental, datada de 3-2-2016, sinalizando a situação de Isabela ..... tendo em conta informação, nessa data, remetida pela comunidade em que aquela se encontrava inserida que evidenciava abuso sexual à menor Isabela por parte do padrasto.
65)-Dessa comunicação constava, designadamente, que, na instituição, "a menor tem demonstrado instabilidade emocional e evidenciou sinais de recusa e/ou negligência para com o bebé" entretanto nascido, e que a aqui Autora manifestou vontade de ficar com o bebé, juntamente com o Autor, mas não pretendiam que a Isabela voltasse para casa.
66)-Em 12.2.2016, a CPCJ dá conhecimento ao Ministério Público, que o fez constar em despacho, que a menor Isabela estava a ser conduzida ao Hospital do Barreiro devido a um surto de agressividade; e que gritava que a mãe sabia de tudo e assistia aos abusos sexuais do seu padrasto.
67)-No relatório clínico desse episódio de urgência pode ler-se: episódio de auto e hétero-agressão na instituição com suposta ideação suicida por estrangulamento com atacadores no dia anterior, no próprio dia, episódio de ausência e auto-agressão, queimou a fotografia do filho.
68)-Em 22.2.2016 o Ministério Público faz constar no processo que lhe foi dado conhecimento que a menor tentou o suicídio em 21.2.2016 e encontrava-se no hospital D. Estefânia, tendo sido solicitado o envio urgente da documentação clínica.
69)-Resultava do relatório do Hospital do Barreiro, para onde Isabela foi depois transferida, que na véspera terá escrito uma carta de despedida ao filho, realizado vários cortes no antebraço com uma lâmina e tentado o suicídio por enforcamento com atacadores, tendo sido proposto o internamento para contenção dos actos impulsivos.
70)-No relatório de diligência externa elaborado pela Polícia Judiciária, com data de 16-2-2016, fez-se constar que:
a)-aquando do acolhimento da Isabela esta indicava como pai do seu filho Ivo ....., com quem teria mantido relações sexuais consentidas em 30.12.2014;
b)-em 2.2.2016 numa sessão de acompanhamento com a psicóloga revelou que Renato era fruto de violações/abusos sexuais cometidos pelo padrasto A;
e)-mais revelou que esses crimes ocorreram desde os 13/14 anos e que a mãe os chegou a presenciar, nada fazendo para a proteger;

d)-a psicóloga Cidália ..... apontou alguns indicadores no comportamento da Isabela que evidenciam suspeitas de abuso sexual, a saber:
- dualidade de sentimentos perante a gravidez, ora manifestando desejo de ficar com o filho, ora rejeitando-o;
- sentimento de revolta e abandono relativamente à progenitora;
- sentimento de repulsa relativamente ao padrasto que sempre referenciou como maltratando-a e ao irmão;
- afirmações de traição do padrasto relativamente à mãe;
- ausência de referência ao Ivo;
e)-em 10.2.1016 em sessão de terapia confidenciou que já realizou várias tentativas de suicídio;
f)-em 11.2.2016 tem surto psicótico, agride funcionários e utentes da instituição, auto agride-se, concretiza ideação suicida, escreve uma mensagem ao filho, queima fotos suas de infância com a mãe e esconde os atacadores com os quais pretendia enforcar-se;
g)-em 12.12.2016 tem novo surto.

71)-Foi ainda mencionado no relatório de diligência externa da PJ que do contacto da Isabela com a mãe e o padrasto resultarão riscos para a estabilidade emocional e integridade física da menor.
72)-Os inspectores da PJ fizeram, também, constar no relatório que se procedeu à inquirição da Isabela que tentou conter o choro mas nem sempre conseguiu e que aparentava encontrar-se em sofrimento emocional revelando fragilidade em situação de confronto com a mãe e o padrasto.
73)- Do auto de inquirição da Isabela feita nesse dia 16 de fevereiro de 2016, perante a inspetora da Polícia Judiciária, Cláudia ....., consta que Isabela refere que o pai do Renato poderá ser uma de duas pessoas, o seu padrasto ou Ivo ..... .
74)-Mais constando que, com Ivo ....., manteve relações sexuais consentidas e que para além dele já mantivera relações sexuais com Diogo ......, mas, usaram preservativo; e que, para além destes dois parceiros sexuais, manteve relações sexuais contra sua vontade com o padrasto que foi o seu primeiro parceiro sexual que, em data que não sabe precisar, quando tinha 13 anos, o Luís manteve consigo relações sexuais de cópula completa contra a sua vontade, sendo que este comportamento se repetiu muitas vezes ao longo dos anos, a última das quais em 29.12.2014.
75)-E continuou declarando que a primeira vez ocorreu durante o período letivo, numa tarde em que mais ninguém estava em casa "eu estava no meu quarto a estudar, ele chegou lá e começou a despir-me...disse para eu ficar calada e para não contar a ninguém...depois apertou-me o pescoço, mandou-me para o chão e começou a fazer..."
76)-E constando, ainda, desse auto de inquirição, que, ao longo do tempo foi sempre pedindo para ele não praticar tais atos, que começou a fechar a porta do quarto para o impedir de entrar e que as restantes práticas ocorreram sempre na sala, num sofá-cama ali existente onde o Luís pernoitava há já alguns anos.
77)-E prossegue nas suas declarações referindo que julga que a progenitora tem conhecimento porque "a mãe viu ele a fazer o que fazia sempre...ele em cima de mim", explicando que enquanto o padrasto mantinha consigo relações sexuais a mãe passava no corredor parava em frente à sala e "olhava para mim".
78)-Em 18.2.2016 a psicóloga da Santa Casa da Misericórdia do Barreiro elabora relatório dirigido ao processo dando conta dos comportamentos e relatos por parte da Isabela que, de acordo com a referida profissional, indiciavam que a mesma podia ser vítima de abuso sexual, suspeita essa que foi confirmada pela Isabela.
79)-Na referido relatório, elaborado com base na observação do comportamento da Isabela na instituição e das várias sessões com a psicóloga, é relatada a situação de grande instabilidade emocional em que a Isabela sempre esteve, a dificuldade em aceitar a gravidez e em estabelecer vínculo com o filho, a aparente necessidade de revelar algo e, após, a revelação de que o pai da criança é o seu padrasto que a obrigava a ter relações sexuais consigo, que os abusos ocorriam por norma na sala, no sofá onde o padrasto habitualmente dormia, e que eram frequentes à noite independentemente de a progenitora e o irmão estarem em casa ou não, e que a mãe tem conhecimento dos abusos por os ter presenciados e que gostaria de uma explicação por parte da mesma.
80)-Mais é referido o comportamento da mãe perante a instituição, que numa ocasião quando lhe disseram que se iria aferir da paternidade do menor Renato através de exames de ADN deitou a cabeça na mesa e de repente perguntou: "e se o meu marido adotar a criança?", reação que foi interpretada pela equipa da SCM como sendo suspeita.
81)-E ainda é mencionado que a Isabela refere nunca mais querer ver a progenitora, mas pretender telefonar-lhe para obter uma explicação.
82)-Em 23.2.2016 a PJ fez constar contacto com a CPCJ e o relato por parte da técnica Ligia ..... das entrevistas em sede de processo de promoção em proteção à mãe e ao irmão da Isabela, que segundo a técnica revelaram sinais de disfuncionalidade na dinâmica do agregado familiar, e que durante a entrevista o irmão apresentou um olhar agressivo denotando tensão emocional e a Autora Wânia adotou comportamentos de preferência do marido em detrimento dos filhos, não revelando afetividade pela Isabela que não pretendia ver reintegrada no seu agregado familiar, pretendendo, sim, a adoção plena do filho da Isabela em conjunto com o marido. E faz referência à vontade de abandonar a casa de Lisboa e mudar-se para o Algarve ou Alentejo.
83)-A perícia sobre a personalidade da Isabela, concluiu:
- que, à menor, não foram observadas incapacidades, ao nível cognitivo dos seus processos mnésicos para conservar e reproduzir de forma coerente acontecimentos por si evidenciados, embora as suas características de personalidade e emocionais possam afetar a sua eficiência para relatar acontecimentos stressantes como parecem ser os em apreciação;
- que a menor tem capacidade para compreender, relatar e avaliar os factos.
84)-Em sede de declarações para memória futura, prestadas perante a Mma. Juiz de Instrução Criminal em 16 de março de 2016, Isabela afirmou que a primeira vez que o seu padrasto, contra a sua vontade, teve relações sexuais com esta, Isabela tinha 13 anos de idade; que tinha acabado de chegar da escola e que estava no seu quarto; que o padrasto a chamou à sala, que lhe disse para não dizer nada, se não contava a toda a gente; que a despiu da cintura para baixo; que, se gritasse, a matava; e que, ele, baixou os seus boxers, fez penetrar o pénis na vagina daquela, com movimentos para a frente e para trás; que, nessa altura, nunca tinha estado com namorado; que teve dores e deitou sangue.

Deu-se ainda como não provado que:
1.– Desde que Isabela e Gabriel vieram viver com os ora Autores e até 2015, o ora Autor tratou Isabela e Gabriel, dando-lhes o carinho próprio de um pai e procurando educá-los e ajudá-los a serem o melhor deles próprios.
2.–Isabela sempre foi uma jovem problemática, conflituosa e mentirosa, mas os AA. procuravam fazer os possíveis para que ela se endireitasse.
3.–Isabela deixou de viver com o pai, no Brasil e veio para Portugal viver com a mãe, a ora Autora, porque criava muitos problemas ao pai, que já não queria que ela vivesse com ele.
4.–Ao longo da sua adolescência e pré-adolescência, Isabela tinha atitudes e comportamentos desviantes, criando desacatos na escola e mentindo constantemente acerca do seu paradeiro.
5.–Os Autores consideraram que a irresponsabilidade de engravidar tão jovem e o facto de ter ocultado a gravidez durante tanto tempo era a "gota de água" num mar de problemas que Isabela desde sempre criara.
6.–A ora Autora referiu que o marido ficou "praticamente impotente" e que se Luís (ora Autor) deixasse de tomar a medicação durante dois ou três dias conseguiria ter uma ereção normal.
7.–Nas suas declarações, a Autora referiu que, por vezes, ele estava "no meio das pernas" dela e "nada acontecia", ao que a Senhora Juíza respondeu que "talvez isso seja porque a senhora tem a idade que tem".
8.–Nas suas declarações, o aqui Autor não escondeu sentir desejo sexual, apesar de não ter capacidade para ter uma ereção completa, por causa da medicação que tomava, razão pela qual não tinha relações sexuais com a mulher há 3 anos.
9.– Já depois da libertação dos Autores, ISABELA voltou ao Brasil, para onde foi viver junto do pai.
10.–Depois dos Autores terem sido libertados, ISABELA escreveu-lhes, pedindo desculpa pela mentira que tinha inventado e assumindo a falsidade das imputações que atribuíra a um e a outro.
11.–O Autor sentiu-se especialmente revoltado pela imputação de que foi vítima por parte da enteada, por a ter acolhido como filha, em sua casa e a ter procurado educar e guiar, orientando-a quando se parecia desviar do bom caminho.
12.– A Autora sentiu-se especialmente atingida na sua dignidade de mãe, que sempre fez pela filha o melhor que pôde e soube.
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                               *
III–Fundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.

De acordo com as conclusões, em causa está apreciar:
- da decisão sobre a matéria de facto;
- dos erros grosseiros na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia o decretamento ou manutenção da prisão preventiva dos arguidos, ora AA.;
- da prova de que os arguidos, ora AA., não foram agentes do crime que lhes foi imputado e da interpretação inconstitucional da al. c) do nº 1 do art. 225 do C.P.P.;
- do montante indemnizatório devido.

A)– Da decisão sobre a matéria de facto:

Dizem os apelantes que, estando conformados com o elenco dos 84 factos julgados assentes na sentença, deve considerar-se reproduzido o conteúdo dos documentos a que se reportam os seus diferentes números, particularmente devem considerar-se reproduzidas as decisões judiciais de 18.3.2016, 22.4.2016, 1.7.2016, 14.9.2016, 20.9.2016 e de 15.2.2017, a que aludem os pontos 19 a 22 provados.
Em resposta, o M.P. refere que os aludidos pontos 19 a 22 contêm a factualidade decisiva e essencial, em conformidade com o disposto no art. 607 do C.P.C., e que a reprodução integral desses documentos, pela sua dimensão, não só seria inútil como desnecessária e em nada contribuiria para alterar o sentido da decisão proferida.
Afigura-se-nos, em primeiro lugar, que os apelantes não pretenderão a reprodução integral dos documentos que mencionam, mas apenas que se considere reproduzido o respetivo teor nos pontos mencionados, embora não situem em concreto nos autos tais documentos.
Diga-se que a reprodução integral das aludidas decisões seria, aliás, rigorosamente inviável atenta a sua extensão.
Também é inquestionável que tais documentos constam de certidão junta aos autos e basearam a decisão da matéria de facto, conforme consta da respetiva motivação dos factos provados e não provados, pelo que a referência expressa ao seu teor integral não acrescenta nem altera, em bom rigor, o decidido, não estando dispensada, em qualquer caso, a consulta desses documentos de suporte na análise da matéria de facto e na decisão do recurso.
Admitindo-se, ainda assim, que a menção à reprodução do respetivo teor das decisões indicadas permite uma referência direta e mais esclarecida ao respetivo texto integral afastando quaisquer dúvidas sobre a relevância do mesmo, procederemos a esse aditamento, todavia em exclusivo nos pontos 19 a 22 que foram indicados, de forma expressa, pelos apelantes.

Assim, os ditos pontos 19 a 22 provados passam a ter a seguinte redação:
19)–Em 16.03.2016, os aqui Autores foram detidos para serem presentes ao Juiz de Instrução Criminal, tendo, depois de prestarem declarações em 18.03.2016, sido ordenada a sua prisão preventiva, à ordem do NUIPC 90/16.4JDLSB, com fundamento na existência de indícios de abuso sexual perpetrado sobre a referida ISABELA e perigo de fuga, conforme “Auto de Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido” a fls. 429v a 435 cujo teor aqui se reproduz integralmente.
20)–Essa situação de prisão preventiva foi mantida por despacho do Juiz de Instrução de 22.04.2016 e de 01.07.2016, conforme despachos de fls. 439v/440 e 441/441v cujo teor aqui se reproduz integralmente.
21)–Por despacho de não pronúncia proferido em 14 de Setembro de 2016, cujo teor, a fls. 442 a 449v, aqui se reproduz integralmente, confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa por Acórdão de 15 de Fevereiro de 2017, a fls. 450 a 464 cujo teor aqui se reproduz integralmente (que não se mostra ter sido alvo de recurso) vieram os autos a ser arquivados e os Autores restituídos à liberdade, por terem sido considerados não suficientemente indiciados os factos de que se mostravam acusados.
22)–Em 20.09.2016, a Relação de Lisboa veio a julgar improcedente o recurso interposto pelos Autores, do despacho de 18.03.2016, que ordenara a prisão preventiva, conforme Acordão de fls. 465 a 478 cujo teor aqui se reproduz integralmente, mas tal aresto acabou por não ter efeitos práticos, uma vez que os AA. tinham sido restituídos à liberdade em 14.09.2016.

B)– Dos erros grosseiros na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia o decretamento ou manutenção da prisão preventiva dos arguidos, ora AA.:
Dizem os apelantes que foi cometido um primeiro erro grosseiro na decisão de 18.3.2016 que decretou a prisão preventiva, na decisão de 22.4.2016 que a manteve, e ainda no Acordão da Relação de 20.9.2016 (que julgou improcedente o recurso interposto pelos arguidos do despacho de 18.03.2016), pois em nenhum deles a indiciação dos crimes imputados aos ora recorrentes foi vista na perspetiva da existência de “fortes indícios” como impõe o nº 1 do art. 202 do C.P.P., aludindo aos pontos 31, 32 e 34 provados. Dizem ainda que no despacho de 1.7.2016 que manteve a prisão preventiva, apesar de ser feita uma referência a que a mesma fora decretada por estar fortemente indiciada a prática de um crime de abuso sexual de menores dependentes, o despacho que a decretara não equacionara a questão dessa forte indiciação, mencionando os pontos 31 a 33 provados.
Concluem que se trata de um erro grosseiro na apreciação de um pressuposto de facto de que dependia o decretamento ou manutenção da prisão preventiva: um juízo sobre a forte indiciação da prática do crime que não foi feito.

Na sentença, após desenvolvida análise sobre os pressupostos da aplicação do art. 225 do C.P.P. e subsunção jurídica dos factos no caso em análise, concluiu-se, a este propósito: “(…) Deste modo, em face da matéria apurada nos autos (que consiste, quanto a este ponto, essencialmente, nos elementos objetivos constantes do processo crime e certificados neste processo) não logramos concluir que, por via do despacho de 18 de março de 2016, em que foi aplicada a medida de coacção: prisão preventiva, tenha ocorrido aquele erro grosseiro ou ato temerário (com o conteúdo que acima se descreveu) de que depende o funcionamento do mecanismo indemnizatório previsto pelo art. 225°, n° 1, al. b), do Código de Processo Penal.
Caberá, ainda, salientar que, ainda que se considerasse a invocada inexistência de fortes indícios, tal consideração, por si só, sempre se mostraria insuficiente para justificar a concessão da peticionada indemnização com fundamento no art. 225°, n° 1, al. b), do Código de Processo Penal.
Conforme se decidiu em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-9-2008, relatado pelo Conselheiro Santos Bernardino: "A inexistência de indícios bastantes para integrar o conceito legal de «fortes indícios», exigido, além doutros requisitos, para que a prisão preventiva possa ser decretada, configura — se a prisão preventiva for decretada — uma ilegalidade, e o despacho que a decreta é ilegal, não sendo o erro (grosseiro ou não) o vício que o inquina. Todavia, para fundar o direito à indemnização, nos termos do n.° 1 do art. 225° do CPP (redacção anterior à introduzida pela Lei 48/2007), não basta a ilegalidade da prisão preventiva: exige-se que tal ilegalidade seja manifesta, tendo em conta as circunstâncias em que foi aplicada, pelo que, em tal situação, também só a manifesta inexistência de «fortes indícios» confere direito a indemnização.".
Ora, no caso em apreço, independentemente, de se usar, ou não, no despacho que fixa a prisão preventiva a expressão "fortes" indícios, não estamos em condições de afirmar que a Mma. Juiz de Instrução Criminal que fixou, aos arguidos, aqui Autores, a medida de coação, prisão preventiva, ao ancorar os factos indiciados nos elementos de prova acima referidos, era manifesta a fragilidade de tais indícios e, assim, que era manifesta a inexistência de fortes indícios; de modo a que pudéssemos concluir pela existência de erro grosseiro ou pela prática de ato temerário consistente na aplicação da prisão preventiva com tais indícios factuais.
Deste modo, continuamos a concluir pela não verificação do erro grosseiro ou ato temerário na fixação da medida de coação prisão preventiva dos arguidos, de modo a integrar a previsão do art. 225°, n° 1, al. b), do C.P.Penal; e, consequentemente, de forma a fazer funcionar o mecanismo da indemnização aí prevenido, mas, dependente do preenchimento da previsão do correspondente preceito legal.”

Vejamos.

Conforme se recordou na sentença recorrida, dispõe o art. 22 da Constituição da República Portuguesa que: “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”

Na situação em análise está em causa a responsabilidade extracontratual do Estado por ato de função jurisdicional, baseando-se o pedido dos AA. no art. 225, als. b) e c), do Código de Processo Penal.

De acordo com o referido art. 225 do C.P.P.: “1 - Quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando:
a)- A privação da liberdade for ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 220.º, ou do n.º 2 do artigo 222.º;
b)- A privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia; ou
c)- Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente.
2- Nos casos das alíneas b) e c) do número anterior o dever de indemnizar cessa se o arguido tiver concorrido, por dolo ou negligência, para a privação da sua liberdade.”

Trata-se de um regime especial expressamente salvaguardado no art. 13 da Lei n.º 67/2007, de 31.12 (que aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas): “1- Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
2- O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.”

Conforme se explica no Ac. do STJ de 23.10.2014([1]): “(…) A Lei nº 67/2007, que passou a contemplar, de uma forma global e unitária, a responsabilidade civil extracontratual do Estado decorrente do exercício das suas diversas funções, incluindo, como se disse, a função jurisdicional, prevê, concretamente, no artigo 13º a responsabilidade por erro judiciário, responsabilizando civilmente o Estado pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro. Ressalva, porém, o regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade regulados, respectivamente, nos artigos 449º e 462º e 225º, 226º do Código de Processo Penal, relativas à indemnização por privação da liberdade injustificada ou ilegal e à condenação injusta, concretizadoras do estabelecido nos artigos 27º nº 5 e 29º nº 6 da Constituição.(…).”

Quanto ao erro motivador da privação da liberdade a que se refere a al. b) do nº 1 do art. 225 do C.P.P. deve o mesmo, por um lado, respeitar à apreciação dos pressupostos de facto de que dependia e não à aplicação do direito, tal como se entendeu na sentença.

Por outro lado, como também aí se afirma, o erro tem de ser grosseiro ou indesculpável, isto é, o erro deve ser “escandaloso, crasso, supino, que procede de culpa grave do errante; aquele em que não teria caído uma pessoa dotada de normal inteligência e circunspecção.”([2])

A propósito do erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto a que se refere o nº 1 do art. 13 da Lei n.º 67/2007, mas cuja definição aproveita à previsão da al. b) do nº 1 do art. 225 do C.P.P., diz-se no Ac. do STJ de 12.7.2017([3]): “(…) O erro só pode traduzir uma desconformidade entre a decisão e a realidade, fáctica ou normativa, desconformidade que deve ser manifesta, patente e incontestável, no sentido de conduzir a conclusões absurdas ou ilógicas, sendo estas as que são contrárias à normalidade do processo de tutela e garantia dos direitos[12].
Porém, a lei refere-se a pressupostos de facto e não a pressupostos de direito, afastando, assim, o cometimento de um erro de direito, em qualquer uma das suas modalidades, isto é, erro na aplicação, erro na interpretação ou erro na qualificação, com o objetivo, aliás, de preservar a independência dos juízes na administração da justiça.
E o erro de facto é aquele que versa sobre qualquer circunstância que não seja a existência ou o conteúdo de uma norma jurídica [erro na interpretação] ou ainda sobre a sua aplicação, sendo o erro grosseiro aquele que é indesculpável, no sentido de escandaloso, crasso, supino, cometido contra todas as evidências e no qual incorre quem atua sem os conhecimentos ou a diligência exigíveis, que procede de culpa grave do errante, em que não teria caído uma pessoa dotada de normal inteligência, experiência e circunspeção[13].
Erro grosseiro será, igualmente, o ato temerário, isto é, aquele que, perante a factualidade exposta aos olhos do jurista e contendo uma duplicidade tão grande no seu significado, uma ambiguidade tão saliente no seu lastro probatório indiciário, não justifica uma medida gravosa de privação de liberdade.(…).”

Também no Ac. do STJ de 22.3.2011([4]), embora por referência à anterior redação do art. 225 do C.P.P. (logo, anterior à que lhe foi conferida pela Lei 48/2007, de 29.8), se refere com pleno interesse para a compreensão da atual redação do preceito: “(…) O disposto no art. 225, nº2, do C.P.P. aplica-se a quem tiver sofrido prisão preventiva que, não sendo ilegal, venha a revelar-se injustificada por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia.
O erro relevante para o efeito que agora interessa é o erro de facto, ou seja, aquele que incidiu sobre a apreciação dos pressupostos de facto e não sobre os fundamentos de direito.
Como é sabido, o erro, em geral, consiste no desconhecimento ou na falsa representação da realidade fáctica ou jurídica que está subjacente a uma determinada situação e será erro de facto quando incide sobre outra qualquer circunstância que a não existência ou conteúdo de uma norma jurídica (Ac. S.T.J. de 22-1-08., Rev. 2381/2007, 1ª Secção).
No caso do nº2, do aludido art. 225, estamos perante uma prisão preventiva com cobertura legal, pelo que o erro só pode incidir sobre a factualidade que o julgador considerou para fundamentar a decisão de aplicar a medida de prisão preventiva ( art. 202 do C.P.P.).
Mas não releva qualquer erro, pois a lei exige que se configure como erro grosseiro.
Como ensina Manuel de Andrade ( Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, pág. 239), o erro grosseiro é “o erro escandaloso, crasso, supino, que procede de culpa grave do errante ; aquele em que não teria caído uma pessoa dotada de normal inteligência, experiência e circunspecção”,
É grosseiro o erro indesculpável, isto é, aquele que uma pessoa dotada de normal capacidade de pensar e de agir tinha obrigação de não cometer.
Tem sido entendido pela jurisprudência que, apesar da lei falar apenas em erro grosseiro, o art. 225, nº2, também comporta o chamado acto temerário, ou seja, “aquele que - perante a factualidade exposta aos olhos do jurista e contendo uma duplicidade tão grande no seu significado, uma ambiguidade tão saliente no seu lastro probatório indiciário – não justificava uma medida gravosa da privação de liberdade, mas sim uma outra mais consentânea com aquela duplicidade ambígua “ ( Ac. S.T. J. de 12-10-00, Rev. 2321/2000, 2ª Secção.
Por outro lado, há ainda a registar que a apreciação a fazer no sentido de qualificar o eventual erro como grosseiro ou temerário, terá de reportar-se, necessariamente, ao momento em que a decisão impugnada teve lugar.
Por isso, como bem se salienta no Acórdão recorrido, será com base nos factos, elementos e circunstâncias que ocorriam na altura em que a prisão foi decretada ou mantida que ele tem de ser avaliado e qualificado como erro grosseiro ou temerário, sem a omnisciência que o decurso do tempo permite (Ac. S.T.J. de 19-10-04; Ac. S.T.J. de 22-1-08 ; Ac. S.T.J. de 11-9-08, já citados).
É irrelevante, para tal qualificação, o facto do arguido, mais tarde, ter sido absolvido ou ter sido objecto de não pronúncia pelos crimes de que se encontrava acusado.(…).”

Como vimos, os apelantes sustentam que foram sujeitos a prisão preventiva por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia a aplicação daquela medida, pois não foi feito um juízo sobre a forte indiciação da prática do crime nos despachos de 18.3.2016, 22.4.2016, 1.7.2016 e no Ac. da Relação de Lisboa de 20.9.2016. Aludem à ausência da expressão “fortes indícios” nos dois primeiros despachos e no dito Acordão, mais referindo que no despacho de 1.7.2016 que manteve a prisão preventiva é feita referência a que a mesma fora decretada por estar fortemente indiciada a prática de um crime de abuso sexual de menores dependentes quando o despacho que a decretara não equacionara essa indiciação.

Recorde-se que a aplicação da prisão preventiva pressupõe que o juiz considere inadequadas ou insuficientes as medidas de coação previstas nos arts. 196 e ss. do C.P.P. e houver fortes indícios da prática dos crimes dolosos indicados nas als. a) a e) do nº 1 do art. 202 do C.P.P. ou se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.

Além disso, e de acordo com o previsto no art. 204 do C.P.P., tal medida de coação – como as demais, salvo a prevista no art. 196 do C.P.P. (termo de identidade e residência) – só pode ser aplicada se em concreto se verificar, no momento da aplicação da medida:
“a)- Fuga ou perigo de fuga;
b)- Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
c)- Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.”

O primeiro aspeto a assinalar é que a ausência da concreta menção “fortes indícios” nas decisões indicadas não significa forçosamente que não tenha sido realizado nas mesmas esse juízo de indiciação ou que tais “fortes indícios” não existissem. Isto é, a circunstância de não ter sido utilizado o concreto adjetivo “fortes” a qualificar os indícios julgados apurados, nomeadamente no despacho de 18.3.2016, não significa que não tenha sido ponderada uma situação de forte e consistente indiciação.

Com efeito, o mencionado despacho de 18.3.2016, a fls. 432 a 435, proferido em “Auto de Primeiro Interrogatório Judicial de Arguido Detido” (a fls. 429v a 435) que aplicou a medida de prisão preventiva aos ora AA., evidencia que foi realizada pelo tribunal efetiva e desenvolvida apreciação sobre a existência, ao tempo, dos indícios da prática dos crimes que no final são imputados aos ali arguidos, enunciando-se os factos indiciados e fazendo-se análise detalhada e crítica dos meios probatórios de suporte. Por sua vez, a justificada relevância ou desvalorização que nesse despacho é atribuído a certos depoimentos e/ou condutas são de molde a expressar o efetivo convencimento do tribunal de que os factos aí descritos estavam inequivocamente indiciados nos autos. Explica-se, aliás, a credibilidade atribuída ao depoimento prestado pela aí ofendida em 15.3.2016, para memória futura, cuja narração se considera “coerente e circunstanciada” associada, além do mais, a alterações comportamentais “que as informações juntas aos autos dão nota são compatíveis com as observadas em vítimas de crimes sexuais”.

Na sentença recorrida faz-se, entretanto, aturada análise desse despacho de 18.3.2021 e dos seus fundamentos que aqui nos escusamos de reproduzir, reconhecendo-se, no essencial, que, à data, os elementos probatórios disponíveis em que o tribunal ancorou os factos indiciados permitiam o juízo levado a cabo sobre a aplicação da medida de prisão preventiva.

Concordamos com tal entendimento, salientando, uma vez mais, que a questão nunca poderia colocar-se na ausência da menção “fortes indícios” (como sugerem os apelantes) mas, quando muito, na eventual ausência desses “fortes indícios” em concreto, uma vez que só terá direito a indemnização pelos danos sofridos, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 225 do C.P.P., aquele que tiver sofrido, designadamente, prisão preventiva e essa privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia.

Ou seja, o dito erro grosseiro, clamoroso ou crasso teria de reportar-se à apreciação dos pressupostos de facto enquanto indiciadores da prática dos crimes e não à respetiva subsunção jurídica, não podendo reconduzir-se à simples ausência do adjetivo “fortes” reportado aos indícios.

De notar ainda que os apelantes não invocam que esses “fortes indícios” não existissem realmente, mas, tão somente, que o tribunal os não equacionou.

Não pode, todavia e como vimos, afirmar-se que no aludido despacho em 18.3.2021 não tenha sido feita adequada ponderação sobre a existência de indícios suficientemente consistentes e fortes da prática dos factos aí atribuídos aos arguidos, sendo que o despacho de 22.4.2016, a fls. 439v/440, bem como o de 1.7.2016, a fls. 441/441v, que mantiveram a prisão preventiva, fundamentaram-se na inexistência de alteração de fundamentos de facto e de direito que haviam determinado a aplicação daquela medida.

Já o Ac. da RL de 20.9.2016, a fls. 465 a 478, que julgou improcedente o recurso interposto pelos aqui AA. do despacho de 18.3.2016, foi apenas chamado a pronunciar-se, neste tocante, sobre a inexistência de indícios do cometimento do crime imputado à arguida B ..... na perspetiva da qualificação da conduta omissiva desta e não exatamente sobre a falta de indícios que permitissem tal imputação factual. De todo o modo, este aresto acabou por não ter efeitos práticos, uma vez que os AA. tinham sido restituídos à liberdade em 14.9.2016 (ponto 22 supra).

Em suma, e tal como se entendeu na sentença recorrida, não pode sequer afirmar-se que tais fortes indícios não existissem e que o tribunal os tenha ignorado ou desconsiderado ao ajuizar sobre a aplicação da medida de prisão preventiva aos aqui AA. em qualquer das decisões referidas.

Ocioso se mostra, por isso, discutir se a eventual inexistência desses fortes indícios seria, do mesmo modo, insuficiente para justificar a concessão da indemnização peticionada ao abrigo do normativo indicado.

É, pois, evidente que não se deteta erro grosseiro ou indesculpável na valoração dos factos considerados indiciados nas aludidas decisões que determine a aplicação do disposto na al. b) do nº 1 do art. 225 do C.P.P..

Dizem também os apelantes que foi cometido um segundo erro grosseiro quando, tendo sido tomadas declarações à ofendida Isabela para memória futura em 15.3.2016, não foi notificado o mandatário dos arguidos e aqui AA. para estar presente nem, pelo menos, designado defensor para os representar para que o mesmo pudesse fiscalizar o ato, da maior importância para o decretamento da medida de prisão preventiva dos arguidos como veio a verificar-se. A falta cometida, defendem, consubstancia igualmente um erro grosseiro ou conduta temerária na apreciação dos pressupostos de facto que levaram ao decretamento da prisão preventiva, uma vez que essa decisão foi proferida no pressuposto de que a tomada dessas declarações – decisivas para a medida privativa da liberdade aplicada aos arguidos – fora realizada na presença de advogados/defensores desses arguidos, o que não se se verificara.

Tal como se refere na sentença e o M.P. assinala nas contra-alegações, as irregularidades e as nulidades processuais respeitam à legalidade dos atos correspondentes, não correspondendo a eventual nulidade assinalada pelos apelantes a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia a aplicação da medida de prisão preventiva.

Por outras palavras, as questões processuais não se integram, à partida e por definição, na apreciação dos pressupostos de facto de que depende a aplicação da medida de coação.

Mesmo que pudesse afirmar-se que para a aplicação da prisão preventiva foi decisiva essa tomada de declarações realizada nas devidas condições legais – o que não terá sido, por si só, determinante, como resulta do despacho de 18.3.2016 – ainda assim se afigura que tal não constituiria verdadeiramente um pressuposto de facto, mas um pressuposto de direito.

Assinala-se ainda que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20.9.2016, que julgou improcedente o recurso interposto pelos arguidos do despacho de 18.03.2016 (embora sem efeitos práticos por estes já terem sido, entretanto, restituídos à liberdade), concluiu pela inexistência da referida nulidade processual em virtude das declarações da ofendida terem sido prestadas na presença de defensor oficioso nomeado para representar e defender os arguidos (ver ponto 29 supra), estando, por isso, a discussão sobre a referida nulidade, a nosso ver, definitivamente encerrada.

Por conseguinte, também aqui não se deteta erro grosseiro ou indesculpável na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia a aplicação da medida de prisão preventiva, nos termos e para os efeitos previstos na al. b) do nº 1 do art. 225 do C.P.P..

Afirmam, por último, os apelantes que foi cometido um terceiro erro grosseiro porque foi omitido um efetivo reexame dos pressupostos de facto de que depende o decretamento ou manutenção da prisão preventiva. Dizem que o depoimento de Gabriel, irmão de Isabela, prestado em 11.4.2016 (ponto 52 supra), bem como o relatório pericial de 29.4.2016 que concluiu que o ora recorrente devia ser excluído da paternidade do filho de Isabela (ponto 53 supra) deviam ter sido ponderados, em termos de reavaliação da substância de fortes indícios da prática do crime, aquando dos reexames da prisão preventiva efetuados pelos despachos de 22.4.2016 e 1.7.2016 (pontos 32 e 33 supra), que, todavia, nem sequer se referem a tais factos novos, mantendo a decisão de prisão preventiva de forma tabelar, como se nada de novo tivesse de ser ponderado.

Tais falhas, concluem, consubstanciam novos erros grosseiros ou condutas temerárias dos despachos judicias em apreciação, subsumíveis ao enquadramento legal do artigo 225, nº 1, al. b), do C.P.P..

Uma vez mais, retomamos a questão da falta de ponderação, agora nas decisões que mantiveram a prisão preventiva, dos novos elementos probatórios entretanto adquiridos para o processo, em confronto com a circunstância de, por erro grosseiro do julgador, estes terem sido desvalorizados quando justificariam a alteração da medida de coação aplicada.

Antes de mais, não pode concluir-se que tais elementos probatórios não foram sido efetivamente equacionados quando se afirma nos aludidos despachos que se mantêm inalterados os pressupostos, de facto e de direito, que determinaram a aplicação da prisão preventiva. Ou seja, não é possível concluir, perante os despachos proferidos, que faltou um efetivo reexame dos pressupostos da prisão preventiva.

Em todo o caso, inevitável é concluir que nem o indicado depoimento de Gabriel ....., irmão da ofendida, (ponto 52) nem a conclusão pericial de exclusão da paternidade do filho desta por parte do aqui A. (ponto 53) seriam, por si só, bastantes para abalar os indícios já ajuizados no despacho de 18.3.2016, muito menos podendo afirmar-se que só por erro grosseiro do tribunal assim não foi entendido.

No que respeita ao depoimento do irmão da ofendida porque exprime apenas uma opinião deste sobre a existência dos alegados abusos do A., descobrindo até uma relação de algum desrespeito entre o padrasto e os enteados([5]). Quanto ao resultado pericial porque a proposta exclusão da paternidade do A. não era, em si mesma, demonstrativa de que tais alegados abusos não teriam ocorrido, na medida em que a ofendida assumia, já antes de 22.4.2016, ter mantido convívio sexual pelo menos com mais dois indivíduos (vejam-se os pontos 6, 10, 11, 36 e 74).

Subscrevemos, pois, o que a tal propósito se entendeu na sentença recorrida: “(…) É verdade que o erro grosseiro pode não existir aquando do acto inicial do decretamento da medida de prisão preventiva mas cometer-se no decurso ou a partir de certo momento do período em que tal situação se mantenha.
Veja-se, contudo, no caso em apreço, que o invocado aspeto do depoimento da testemunha Gabriel se trata de uma opinião desse irmão de lsabela, filho da arguida; e que o revelado "carinho e amor de pai" não se apresenta concretizado em quaisquer circunstâncias de facto que o revelem, tratando-se de expressão conclusiva; ao que se junta a circunstância de o próprio Gabriel ter admitido que o padrasto lhe chamava "macaco preto e filho da puta", o que, pelo menos, objetivamente, não pode afirmar-se que se trate de expressão verbal reveladora desse "carinho e amor de pai"; de forma a que se tomem por razoáveis e reveladoras da verdade dos factos, estas afirmações do irmão de Isabela.
Assim, na verdade, não podemos afirmar que, por via deste depoimento, hajam sido carreadas para esse processo crime circunstâncias de facto que, evidentemente, "com mediana diligência e linear bom senso" devessem conduzir necessariamente à revogação da medida de coação prisão preventiva, sob pena de, não o fazendo, se estar perante o tal erro grosseiro ou ato temerário.
E, portanto, também, por esta via, fica por preencher a previsão daquele art. 225°, n° 1, al. b), do Código de Processo Penal.
Outro tanto, pode afirmar-se quanto ao despacho de 1-7-2016, já que o facto de o filho de Isabela não ser, também, filho do aí arguido, conforme apurado por via do correspondente exame pericial; e porque Isabela já afirmara ter tido relacionamentos sexuais com outras pessoas; não conduz necessariamente à conclusão de que Isabela faltara à verdade nos seus depoimentos em que relatou os abusos sexuais de que teria sido alvo do arguido.
E, assim, também, quanto à prolação deste despacho, não logramos concluir pela existência de erro grosseiro ou ato temerário na manutenção da prisão preventiva; de modo a que se considere preenchida a previsão do art. 225°, n° 1, al. b), do Código de Processo Penal e, assim, com fundamento legal, a indemnização peticionada.”

Em suma, não descortinamos, também aqui, erro grosseiro ou indesculpável na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia, no caso a manutenção, da medida de prisão preventiva, nos termos e para os efeitos previstos na al. b) do nº 1 do art. 225 do C.P.P..

Improcede, neste tocante, o recurso.

C)– Da prova de que os arguidos, ora AA., não foram agentes do crime que lhes foi imputado e da interpretação inconstitucional da al. c) do nº 1 do art. 225 do C.P.P.:
Defendem os apelantes que, em qualquer caso, lhes é devida indemnização ao abrigo da al. c) do nº 1 do art. 225 do C.P.P.. Argumentam que o preceito não implica a prova da inocência na ação penal ou no processo de indemnização, como se entende a sentença recorrida, sendo suficiente para tanto que seja razoável presumir, com verosimilhança, à luz dos dados do processo e de acordo com um critério de experiência comum, que o requerente não foi agente do crime ou que existe uma baixa probabilidade de o ter sido, como sucede no caso, em que os arguidos não chegaram a ser pronunciados, concluindo-se no processo crime que não havia sequer condições para os levar a julgamento e que existiria uma baixíssima probabilidade de virem a ser condenados.
Concluem que o entendimento dado ao art. 225, nº 1, al. c), do C.P.P., no sentido, manifestamente desproporcionado, de que o regime em causa não é aplicável a quem, não tendo sido sequer pronunciado pelo crime que determinou a sua prisão preventiva, não logrou provar, na ação de indemnização, que efetivamente não praticou o crime, é inconstitucional, por violação do artigo 27, nº 5, da C.R.P..
Contrapõe o M.P. que o juízo indiciário contido na decisão de não pronúncia e na sentença de absolvição não são equivalentes, comprovando apenas o primeiro que não foram recolhidos indícios suficientes da prática dos crimes imputados, o que não satisfaz o requisito previsto no al. c) do nº 1 do art. 225 do C.P.P.. Mais refere que o art. 27 da C.R.P. não prevê um dever indemnizar em todas as situações de privação da liberdade, mas apenas nos casos em que esta tiver sido decretada fora do quadro legal ou constitucional.

Na sentença, após transcrição de excerto do Ac. da RL de 30.9.2014([6]), concluiu-se sobre este tema: “(…) Na situação de que ora nos ocupamos, o que sucedeu foi que os aqui Autores foram alvo de decisão de arquivamento do processo crime em razão de uma decisão de não pronúncia pelos crimes que lhes eram imputados, por terem sido considerados não suficientemente indiciados os factos de que se mostravam acusados; o que, como é consabido, diverge da absolvição dos arguidos por se ter provado a sua inocência.
Para além disto, na presente ação, não foi demonstrado que os ali arguidos não tenham, efetivamente, praticado os crimes em apreço.
Assim, à face de toda a factualidade apurada, não logrou identificar-se fundamento que permitisse considerar a prisão preventiva fixada, ilegal ou injustificada por erro grosseiro, nem se comprovou que os arguidos não tenham sido agentes do crime.(…).”

Vejamos.

Recordamos que o art. 225, nº 1, al. c), do C.P.P., estabelece que quem, designadamente, tiver sofrido prisão preventiva pode requerer indemnização pelos danos sofridos quando se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou atuou justificadamente.
No caso, temos como assente que, por despacho de não pronúncia proferido em 14.9.2016, a fls. 442 a 448, confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa por Acórdão de 15.2.2017, a fls. 450 a 464 (que não se mostra ter sido alvo de recurso) foram os autos arquivados e os AA. restituídos à liberdade, por terem sido considerados não suficientemente indiciados os factos de que se mostravam acusados (ponto 21 supra).

Assim, afirmou-se, além do mais, no aludido despacho de não pronúncia de 14.9.2016: “(…) neste momento da investigação, em que se encontra totalmente afastada a eventual prova objetiva da paternidade do Renato pelo arguido, o contexto, a natureza e o ambiente exterior das declarações da menor, não se apresentam já como indícios suficientes para justificar a submissão do feito a julgamento, pois seria muito mais provável a absolvição dos arguidos, pela fragilidade acima demonstrada, dos seus principais pilares.
Importa, assim, extrair as devidas consequências, não pronunciando os arguidos e determinando a imediata libertação destes em consequência do disposto no art. 214º, nº 1, al. b), do CPP.(…).”

De acordo com o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 27 da C.R.P., todos têm direito à liberdade e à segurança e ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança. Por sua vez, o nº 3 alude às exceções daquele princípio.

Finalmente, estabelece o nº 5 do mencionado art. 27 que: “A privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei constitui o Estado no dever de indemnizar o lesado nos termos que a lei estabelecer.”

Este nº 5 do art. 27 da C.R.P. não impõe, por isso, o dever de indemnizar todo e qualquer arguido não pronunciado ou absolvido a quem haja sido anteriormente aplicada a medida de coação de prisão preventiva, visando apenas compensar, na verdade, situações de privação inconstitucional ou ilegal da liberdade.

Por sua vez, uma prisão preventiva legal e devidamente fundamentada quanto aos respetivos pressupostos no momento em que é determinada, não deixa de o ser em virtude de o arguido que a ela foi sujeito não chegar a ser pronunciado ou vier a ser absolvido a final.

De todo o modo, como se refere no Ac. da RL de 30.9.2014 citado na sentença, a interpretação e aplicação da al. c) do nº 1 do art. 225 do C.P.P. suscita controvérsia, defendendo uns uma interpretação literal do preceito, por não ser de considerar a mesma contrária à Constituição, e defendendo outros que a norma é inconstitucional ao exigir que o arguido tenha de fazer prova, na ação de indemnização, de que não cometeu o crime ou que atuou justificadamente, uma vez que o arguido não tem que provar a sua inocência. Vejam-se, a propósito, o Ac. do TC nº 185/2010, de 12.5.2010, e o Ac. do TC nº 284/2020, 28.5.2020, que versam, em sentido diverso, sobre a sentença absolutória com fundamento no princípio in dubio pro reo.

Como também se diz no mesmo aresto de 30.9.2014, não se afigura muito razoável que o arguido tenha de provar, na ação de indemnização, que não cometeu o crime, até porque nem sempre será fácil fazê-lo, mas também seria pouco razoável que o Estado fosse condenado a indemnizar todos os arguidos presos preventivamente e que depois fossem absolvidos, ou – acrescentamos nós – não acusados ou não pronunciados.

Além do mais, o nº 5 do art. 27 da C.R.P. apenas prevê a obrigação de indemnizar do Estado se a privação da liberdade contrariar a Constituição e a lei, sendo a indemnização ao lesado “nos termos que a lei estabelecer” aqui se remetendo para a lei ordinária.

O legislador ordinário entendeu, por sua vez, que é devida a indemnização desde que se prove que o arguido não foi o agente do crime ou que atou justificadamente.

O legislador não estabeleceu, assim, que a concessão da indemnização ao sujeito a prisão preventiva dependeria da respetiva não acusação, não pronúncia ou absolvição final no processo-crime. Fez depender essa concessão da demonstração de que o arguido não foi o agente do crime ou que atou justificadamente.

E tal demonstração há-de ocorrer no próprio processo-crime ou, pelo menos, na ação de indemnização cível a interpor junto do tribunal competente, cabendo aí ao próprio lesado o ónus da prova quanto aos pressupostos de que depende o seu direito à indemnização, como decorre genericamente do disposto no art. 342, nº 1, do C.C., e como sucede no domínio da responsabilidade civil por ato ilícito (cfr. arts. 483 e 487 do C.C.).

Deste modo, e contra o defendido pelos apelantes, não consideramos inconstitucional, por violação do art. 27, nº 5, da C.R.P., ou de qualquer outro preceito daquela Lei Fundamental, a norma constante da al. c) do nº 1 do artigo 225 do C.P.P. entendida no sentido de que não pode beneficiar da indemnização aquele que, não tendo sido pronunciado pelo crime que determinou a sua prisão preventiva, não logrou provar, designadamente na ação de indemnização, que não praticou o crime.

Revertendo para o caso em análise, é manifesto que a não pronúncia dos arguidos não se baseia na circunstância de ter sido feita prova positiva de que aqueles não cometeram os crimes que lhes haviam sido imputados([7]).

O que sucedeu é que, no referido despacho, se consideraram não suficientemente indiciados os factos de que aqueles se encontravam acusados, nos moldes acima indicados, o que constitui realidade bem distinta.

Ainda que, como defendem os apelantes, não sejamos muito exigentes na apreciação da prova quanto ao não cometimento dos crimes pelos ora AA., face às inerentes dificuldades dessa mesma prova, cremos que o texto do despacho de não pronúncia não permite a afirmação positiva de que aqueles não foram agentes dos crimes que lhes eram imputados.

O que aí se concluiu foi que não se apresentavam, então, indícios suficientes para justificar a submissão dos factos a julgamento, pois seria muito mais provável a absolvição dos arguidos, pela fragilidade dos seus principais fundamentos, o que não será, a nosso ver, suficiente para afirmar, de forma positiva, que os arguidos não foram, afinal, agentes dos crimes que lhes foram imputados, nos termos e para os efeitos previstos na al. c) do nº 1 do art. 225 do C.P.P..

Acresce que, como se salienta em contra-alegações, estamos perante um despacho de não pronúncia, de natureza estritamente processual que não conhece de mérito, e não perante uma sentença absolutória, de natureza claramente diversa.

Conforme se afirmou no Ac. do STJ de 27.9.2006([8]), a propósito do despacho de não pronúncia: “(…) Entendemos que o despacho de não pronuncia não determina o fim da relação substantiva consubstanciada na referida relação jurídica processual.
Na verdade, invocando Germano Marques da Silva, (1) há que dizer que, «em todos os casos de não-pronúncia, o tribunal não conhece do mérito da causa, mas simplesmente da não verificação dos pressupostos necessários para que o processo possa prosseguir ..., [tratando-se] sempre, pois, de uma decisão de conteúdo estritamente processual» (fls. 209). Por outro lado, mesmo no caso de despacho de não pronúncia final (com o sentido de despacho que determina o arquivamento do processo) nada impede que este (o processo arquivado) possa ser reaberto se surgirem novos factos ou elementos de prova que invalidem os fundamentos daquele arquivamento, nos mesmos termos prescritos pelos artigos 277º e 279º do CPP para a reabertura do inquérito arquivado pelo Ministério Público (fls. 213).
Quer dizer, o despacho de não pronúncia não põe termo à causa precisamente porque, como se decidiu no Acórdão deste Tribunal, de 26.06.03, Pº 2396/03-decisão que põe termo à causa é aquela que decide definitivamente a questão substantiva que constitui o objecto do processo.(…).”

De igual modo, e percorrendo a demais factualidade julgada assente na sentença, temos de concluir que os AA. não comprovaram, no âmbito da presente ação, como lhes incumbiria, que não praticaram os crimes em apreço, o que conduz à inevitável improcedência da causa, conforme decidido em 1ª instância.

Em suma, o R. Estado Português, não pode ser condenado no pagamento de qualquer indemnização, a título de responsabilidade civil extracontratual, em favor dos AA., por ausência de fundamento legal que o justifique, ficando, assim, prejudicada a última questão suscitada no recurso.
***

IV–Decisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
*


Lisboa, 7.12.2021



Maria da Conceição Saavedra
Cristina Coelho                  
Edgar Taborda Lopes


                                                                 
[1]Proc. 1668/12.0TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt.
[2]Manuel A. Domingues Andrade, “Teoria Geral da Relação Jurídica”, Vol. II, 3ª reimpressão, 1972, pág. 239.
[3]Proc. 3346/14.7TBALM.L1.S2, em www.dgsi.pt.
[4]Proc. 5715/04.1TVLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt.
[5]O referido Gabriel Soares afirmou, no seu depoimento de 11.4.2016 perante o M.P., que, quando eram pequenos, por vezes, o padrasto os obrigava a ajoelharem-se e a levantarem os braços, e que o padrasto chamava ao Gabriel “macaco preto e filho da puta” o que este disse não achar ofensivo e que também lhe chamava “velho chato e velho estúpido” (ponto 52 supra).
[6]Proc. 2208/11.4TVLSB.L1-7, disponível em www.dgsi.pt.
[7]Não fazendo sentido, atentas as concretas infrações em apreço, falar de uma eventual atuação justificada dos agentes.
[8]Proc. 06P2798, em www.dgsi.pt.