Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10655/2006-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: FORO CONVENCIONAL
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2007
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: 1) O artigo 21º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12-II, não foi revogado, nem expressa, nem mesmo tacitamente (nos termos do artigo 7º, nº 2, do Código Civil), pela Lei nº 14/2006, de 26-IV, mercê da nova redacção que esta conferiu ao art. 74º-1 do CPC, visto constituir uma lei especial (cfr. o nº 3 do cit. artigo 7º do Código Civil).
2) Consequentemente, mantém-se em vigor a regra de competência territorial estabelecida, para as acções relativas aos veículos que constituam objecto do procedimento cautelar instituído no cit. DL. nº 54/75, no mencionado art. 21º deste diploma: o tribunal competente é o da sede da entidade proprietária do veículo a apreender.
3) Simplesmente, a despeito da continuação em vigor do referido art. 21º do DL. nº 54/75, uma acção intentada, não pelo vendedor dum veículo contra o respectivo comprador (a quem o mesmo foi alienado com reserva de propriedade constituída a favor do vendedor até ao pagamento integral do preço da alienação), com vista à resolução (por incumprimento) do contrato de compra e venda celebrado entre ambos, mas antes pela entidade financiadora que emprestou ao comprador o dinheiro com o qual este adquiriu a um terceiro um veículo automóvel, com vista à resolução do contrato de financiamento concluído entre ambos – não se enquadra na previsão desse preceito.
4) Consequentemente, o tribunal competente para conhecer duma tal acção não é o da residência do financiador, mas sim o do domicílio do réu, ex vi da regra geral enunciada no nº 1 do art. 74º do CPC.
5) As convenções sobre a competência (seja na modalidade de pactos de jurisdição [artigo 99º do CPC], seja na modalidade de pactos de competência [art. 100º do CPC], seja na modalidade de convenções de arbitragem [art. 1º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto]) são uma das modalidades de contratos processuais, isto é, de negócios com eficácia constitutiva ou extintiva num processo pendente ou futuro.
6) A entrada em vigor, em 1 de Maio de 2006 (cfr. o artigo 2° da Lei n.° 74/98, de 11 de Novembro), da nova redacção conferida à alínea a) do nº 1 do art. 110º do CPC pelo artigo 1º da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, em face da qual também as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso passaram a figurar no elenco das causas em que o tribunal conhece oficiosamente da incompetência em razão do território, consequencia que, a partir daquela data (1 de Maio de 2006), deixou de ser válido (para passar a ser nulo) um pacto de competência que afaste a norma legal de competência contida no art. 74º-1 do CPC, numa acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso.
7) O facto de a cit. Lei n.° 14/2006 ser uma lei processual e, ipso facto, em princípio de aplicação imediata, e a circunstância adicional de o artigo 6° do mesmo diploma mandar aplicar esta lei “às acções e aos requerimentos de injunção instauradas ou apresentados depois da sua entrada em vigor”, sendo, portanto, a "data da apresentação" em juízo da acção o momento relevante para efeitos de aplicação desta lei, não consequencia, que, mesmo quando os pactos de competência firmados entre as partes tenham sido concluídos à sombra da lei processual anterior, o tribunal possa conhecer oficiosamente da incompetência nas causas desse tipo instauradas já depois da entrada em vigor da cit. Lei nº 14/2006.
8) É que a aplicação da nova redacção conferida pela Lei nº 14/2006 à alínea a) do artigo 110º do C.P.C. (e a consequente proibição do afastamento convencional da norma legal de competência em razão do território estabelecida no cit. art. 74º-1, nas acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso) a pactos de competência anteriores à sua entrada em vigor redundaria em violação do princípio da irretroactividade consagrado, em matéria de aplicação da lei no tempo, no nº 1 do art. 12º do Código Civil (“A lei só dispõe para o futuro…”) e reafirmado e desenvolvido na 1ª parte do nº 2 do mesmo preceito ("quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos”).
9) Efectivamente, a regra de conflitos que se extrai deste art. 12º, nº 2, 1ª parte, do Cód. Civil é a de que a Lei Nova sobre o regime dos contratos não se aplica aos contratos anteriores, sendo a lei de origem ou lex contractus que regula todos os efeitos dos contratos: quer os efeitos directos, quer os chamados efeitos indirectos.
10) A nova regulamentação introduzida na disciplina dos pactos de competência pela mencionada Lei nº 14/2006, mercê da nova redacção conferida à al. a) do nº 1 do art. 110º do CPC, ao incluir no elenco das causas em que o tribunal conhece oficiosamente da incompetência em razão do território as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso incide sobre a própria validade (e não apenas sobre os efeitos) dos pactos de competência.
11) Por isso, a validade dos pactos de competência celebrados antes da entrada em vigor da cit. Lei nº 14/2006 tem de ser aferida (ex vi do cit. art. 12º, nº 2, 1ª parte, do Cód. Civil) à luz da lei processual que estava em vigor quando tais pactos foram firmados, e não à luz da nova lei processual entretanto sobrevinda.
12) Consequentemente, é válida e mantém-se em vigor - por lhe não ser aplicável a cit. Lei nº 14/2006, de 26-IV - a cláusula contratual estipulante de foro convencional contida no contrato de financiamento celebrado entre o comprador da viatura automóvel a aprender e a entidade financiadora dessa aquisição, pela qual se estipulou a competência territorial da Comarca de Lisboa para todos os litígios emergentes do aludido contrato, com expressa renúncia a qualquer outro foro.
(R.V.)
Decisão Texto Integral: 16

Acordam, na Secção Cível da Relação de Lisboa:

S, SA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra I, residente em Gavião, pedindo que seja declarada a resolução de contrato de crédito firmado entre as partes e, consequentemente, que o Réu seja condenado a restituir à Autora o veículo objecto de financiamento, sendo ainda reconhecido à Autora o direito ao cancelamento do registo averbado em nome do réu.
Fundamentando tais pretensões, alegou, nuclearmente, que celebrou com o Réu um contrato de mútuo da quantia de € 22.679,66, destinando-se a quantia mutuada à aquisição de um veículo por parte do Réu, sendo que, em garantia do bom cumprimento do contrato, foi constituído o encargo de reserva de propriedade sobre o veículo em questão (viatura automóvel da marca FORD, modelo TRANSIT).
Apesar de, nos termos da Cláusula 15ª das Condições Gerais do Contrato alegadamente celebrado entre Autora e Réu, ter sido convencionado o foro de comarca de Lisboa para a resolução de eventuais litígios decorrentes do contrato, a Autora estribou a competência do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa no Artigo 21° do Decreto-lei n° 54/75, de 12 de Fevereiro (nos termos do qual “o processo de apreensão e as acções relativas aos veículos apreendidos são da competência do tribunal de comarca em cuja área se situa a residência habitual ou sede do proprietário”).
Porém, por despacho proferido em 4SETEMBRO2006, o Exmº Juiz da 9ª Vara Cível de Lisboa (a quem a acção foi distribuída) declarou este Tribunal incompetente, em razão do território, para tramitar a presente acção e, em consequência, determinou a sua remessa ao Tribunal Judicial da Comarca de ABRANTES.
O Tribunal fundamentou assim a sua decisão:
“(…)
Flui de todo o exposto que foi intenção inequívoca do Legislador da Lei n° 14/2006, de 26.4. derrogar o Artigo 21° Decreto-lei n° 54/75, de 12.2 ( competência territorial) através do novo regime instituído no Artigo 74°, n°1 do Código de Processo Civil ( cfr. Artigo 7°, n°3 do Código Civil ).
Pelo exposto:
a) julgo este Tribunal incompetente em razão do território para a presente acção;
b) após trânsito, ordeno a remessa do processo pata distribuição no Tribunal de Abrantes por ser o territorialmente competente”.

Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de agravo, formulando, a rematar as alegações que apresentou, as seguintes conclusões:
“a) O presente recurso vem interposto de decisão que considerou o Tribunal da Comarca de Lisboa territorialmente incompetente e ordenou a remessa dos autos de acção declarativa de condenação, requerido nos temos do artigo 18a do Decreto-Lei 54/75 de 12 de Fevereiro para o Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes;
b) A Requerente alegou sucintamente os seguintes factos:
- No dia 21/01/2004 celebrou com o R. o contrato de financiamento para aquisição de uma viatura de marca FORD, modelo TRANSIT;
- Como garantia do referido contrato foi acordada e inscrita a favor do mutuante reserva de propriedade sobre a mencionada viatura;
- O R. incumpriu as obrigações que assumiu em virtude do referido contrato, nomeadamente não pagou as prestações convencionadas;
c) Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que o Tribunal da Comarca de Lisboa não seria o tribunal territorialmente competente, sendo esse o Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes, tribunal do domicílio dos R., aplicando para o efeito o art° 74° do CPC, na redacção dada pela Lei n° 14/2006, de 26/04; que revogou o art. 21° do DL 54/75, de 12/02;
d) Ora, salvo o devido respeito, discordamos deste entendimento que, em nossa opinião, não faz a correcta interpretação da Lei, não se aplicando tal regra geral de competência aos presentes autos;
e) A presente acção declarativa de condenação foi instaurada ao abrigo do art° 18° do DL n° 54/75, de 12 de Fevereiro;
f) Assim, o dispositivo legal a aplicar ao caso sub iudice para aferição da competência judicial será o DL 74/75 de 12 de Fevereiro, nomeadamente o seu art.° 21°;
g) A regra de competência plasmada o art.° 21° do referido diploma é especial face à regra geral de competência do art.° 74° do CPC e, como tal, prevalece sobre esta;
h) Deste modo, o art.° 21° do DL 74/75 de 12 de Fevereiro não foi revogado pela Lei n.° 14/2006 de 26 de Abril, permanecendo em vigor;
i) Como tal, o tribunal territorialmente competente para apreciar o caso sub iudice é o da sede da proprietária, isto é, da Recorrente, enquanto proprietária reservatária;
j) O contrato não foi cumprido, pelo que a propriedade sobre a viatura não se transmitiu para o R. adquirente;
k) Ora, o art. 7° n.° 3 do Código Civil determina que "a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador".
l) Em face da ausência de revogação expressa necessário se toma recorrer à interpretação da intenção do legislador, aquando da criação da Lei n.° 14/2006, de 26/04. Ora, determina o art. 9° n.° 1 do Código Civil que: "a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições especificas do tempo em que é aplicada".
m) A Lei 14/2006 não apresenta um preâmbulo que esclareça a real intenção do legislador, face a disposições especiais,
n) Remete o M. Juiz a quo para a Proposta de Lei 47/X e para o Plano de Descongestionamento dos Tribunais. Salvo o devido respeito, o constante em tal documento não parece revelar-se dotado de grande carácter vinculativo!
o) Falamos de trabalhos preparatórios, ideias mestras e gerais que sofreram, certamente, e ao longo do processo legislativo, adulterações!
p) Acontece que, para se verificar a revogação tácita de uma norma, é necessário verificar-se incompatibilidade entre esta e a nova lei que é criada, incompatibilidade essa que deverá revelar-se insanável!
q) Como refere Abílio Neto, no seu Código Civil Anotado, EDIFORUM, Edições Juridicas, Lda., 1996, pag. 18: "Quanto ao disposto no n.° 3, "o problema é, pura e simplesmente, de interpretação da lei posterior, resumindo-se em apreciar se esta quer ou não revogar a lei especial anterior" (Vaz Serra, RLJ, 99° - 334); na fixação dessa interpretação, dada a palavra "inequívoca", deve o intérprete ser particularmente exigente (O. Ascensão, O Direito, p. 259), (...)"
r) Nenhuma incompatibilidade se verifica entre a nova redacção do art. 74° do CPC e o art. 21 ° do DL 54/75, de 12 de Fevereiro.
s) É necessário atentar ao facto de tal diploma legal se aplicar a um conjunto de situações residuais, em face da aplicação geral do art. 74°
t) Além do que se insere a referida norma especial num DL que apresenta uma visão protectora não tanto do consumidor, mas antes do titular da reserva de propriedade!
u) Aliás, apesar de se tratar de uma alteração legislativa recente, jurisprudência já existe que considera ainda em vigor o art. 21° do DL 54/75, de 12/02, que a seguir se transcreve: Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 14/09/2006 que enuncia que "o Decreto Lei n. ° 54/75, de 12 Fevereiro considera sujeito a registo a reserva de propriedade estipulada em contratos de alienação de veículos automóveis (artigo n. ° 5°/ 1, alínea b)), permitindo, uma vez não cumpridas as obrigações que originaram a reserva de propriedade, que o titular do respectivo registo requeira em juízo a apreensão do veículo e do certificado de matrícula (art. 15°/ 1), prescrevendo que, dentro de quinze dias a contar da data da apreensão, aquele titular deve propor acção de resolução do contrato de alienação (artigo 18° / 1) e finalmente, no que respeita à competência territorial, dispondo que "o processo de apreensão e as acções relativas aos veículos apreendidos são da competência do tribunal de comarca em cuja área se situa a residência habitual ou sede do proprietário"
v) Acresce ainda que, na data da celebração do contrato de crédito foi constituído um pacto de aforamento constante da 15ª cláusula das condições gerais do contrato, o qual estabelece como foro competente a comarca de Lisboa para resolução de todos os litígios emergentes do contrato celebrado;
w) E atendendo ao disposto no artigo 100° do Código de Processo Civil (redacção do art. 110° anterior à entrada em vigor da Lei 14/2006, de 26/04) às partes "...é permitido afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de competência em razão do território..."
x) Assim, considera a Recorrente o referido pacto de aforamento contido na Cláusula 15° das condições gerais do contrato, junto aos autos, ser perfeitamente válido e eficaz, porquanto foi celebrado em momento anterior à entrada em vigor da Lei n.° 14/2006.
y) Mais, no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da irretroactividade da lei, logo, a nova Lei 14/2006, de 26/04 apenas retirou aos sujeitos jurídicos a possibilidade de celebrarem pactos de aforamento, e não que os pactos anteriormente celebrados deixariam de ser válidos, pois que isso atentaria claramente contra a segurança jurídica que subjaz ao referido principio da irretroactividade da lei, e consubstanciaria que estaríamos perante, não uma aplicação imediata da lei, mas uma aplicação retroactiva da mesma, o que não se aceita nem concebe.
z) Pelo que, a procedência do presente recurso é manifesta.
Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas, deve ser julgado procedente por provado o presente recurso, anulando-se ou revogando-se a decisão recorrida, com todas as legais consequências”.

Não houve contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

O OBJECTO DO RECURSO
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (1)(2)(3)(4).

Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pela Autora/Agravante que o objecto do presente recurso está circunscrito às questões de saber:
1) Se o despacho recorrido, ao aplicar o disposto no artigo 74º, nº 1, do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos, violou o disposto no art. 21º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, disposição que, por ser especial face à regra geral de competência contida no cit. art. 74º do CPC, prevalece sobre esta, não tendo sido revogada pela cit. Lei nº 14/2006 – o que consequencia que o tribunal territorialmente competente para apreciar uma acção como a presente seja o da sede da proprietária/reservatária;
2) Se o despacho recorrido, ao interpretar e aplicar, como o fez, a alínea a) do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela dita Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos e, consequentemente, ao não considerar válida e eficaz a escolha do foro convencional constante do contrato dos autos, apesar de o mesmo ter sido celebrado em momento anterior à entrada em vigor da Lei n.° 14/2006, numa altura em que, dado o que então se dispunha no artigo 110º do Código de Processo Civil, maxime na alínea a) do respectivo nº 1, eram válidos os pactos de aforamento nas causas referidas no nº 1 do art. 74º do mesmo diploma, violou o princípio da irretroactividade da lei consagrado no artigo 12º, nºs. 1 e 2, do Código Civil.

FACTOS PROVADOS
Estão provados documentalmente os seguintes factos, com relevância para o julgamento da procedência ou improcedência do presente recurso de agravo:
1) O contrato celebrado entre a Autora e o Réu, cujo cumprimento coercivo é exigido na presente acção, foi reduzido a escrito em documento particular datado de 21 de Janeiro de 2004;
2) A cláusula 15ª das “Condições Gerais” do aludido contrato estipula que o foro da comarca de Lisboa é o competente para a resolução de eventuais litígios decorrentes do contrato;
3) A petição inicial da presente acção deu entrada em juízo no dia 31 de Julho de 2006.
4) O Réu ora Agravado reside na área da Comarca de ABRANTES.

O MÉRITO DO AGRAVO

1) Se o despacho recorrido, ao aplicar o disposto no artigo 74º, nº 1, do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos, violou o disposto no art. 21º do Decreto-Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro, disposição que, por ser especial face à regra geral de competência contida no cit. art. 74º do CPC, prevalece sobre esta, não tendo sido revogada pela cit. Lei nº 14/2006 – o que consequencia que o tribunal territorialmente competente para apreciar uma acção como a presente seja o da sede da proprietária/reservatária.
O despacho ora recorrido recusou a competência do tribunal da comarca de Lisboa para conhecer da presente acção com base no disposto no art. 21º do DL. nº 54/75, de 12 de Fevereiro, por ter ter considerado que, em face da nova redacção conferida ao art. 74º, nº 1, do CPC pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, aquele art. 21º deveria considerar-se revogado, nos termos do art. 7º, nº 3, do Código Civil.
Isto porque, embora, em princípio, a lei geral posterior (caso da norma contida no cit. art. 74º-1 do CPC, em consequência da alteração introduzida na sua redacção pela cit. Lei nº 14/2006) não revogue a lei especial anterior (caso do cit. art. 21º do Decreto-Lei nº 54/75), já assim não sucederá se outra for a intenção inequívoca do legislador (cfr. o cit. art. 7º, nº 3, do Código Civil).
Ora – segundo o entendimento do tribunal “a quo” -, o legislador da Lei nº 14/2006 teve mesmo a intenção inequívoca de derrogar a regra especial de competência contida no cit. art. 21º do DL. nº 54/75 (nos termos da qual “o processo de apreensão [de veículo automóvel instituído neste diploma] e as acções relativas aos veículos apreendidos são competência do tribunal da comarca em cuja área se situa a residência habitual ou a sede do proprietário”), ao instituir o novo regime de competência territorial consagrado no art. 74º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Isto porque a ratio que presidiu à cit. Lei nº 14/2006 foi proteger os consumidores perante os grandes litigantes, designadamente bancos e sociedades financeiras, aproximando o centro de decisão do litigio da residência do consumidor, poupando este das despesas acrescidas e incómodos que lhe acarretaria a pendência do pleito em foro distante do da sua residência. Ora, se assim é, então aquela Lei também deve contemplar os contratos de crédito ao consumo em que a entidade financiadora se tenha, adicionalmente, garantido com reserva de propriedade sobre o veículo a cuja aquisição se destinou o financiamento concedido – como o dos autos -, por, em tal caso, o grande litigante beneficiar duma garantia acrescida e sólida como é a reserva de propriedade constituída a seu favor.
Quid juris ?
Temos por certo que – como foi posto em evidência no Acórdão desta Relação de 31/10/2006, proferido no Agravo nº 7958/06 e relatado pelo Desembargador AFONSO HENRIQUE – o cit. DL 54/75, de 12-II, constitui «uma lei especial que, não tendo sido, expressamente, revogada pela referenciada Lei 14/2006, no que ao artº21º diz respeito, mantém a regra de competência territorial aí prefigurada (sede da proprietária do veículo/Lisboa)». «O que se compreende pois, regulando o registo da propriedade automóvel, foi sucessivamente alterado pelos DL 403/88 (de 9-11) DL 178 A/05 (de 28-10) DL182/02, (de 20-8) – com a Declaração de Rectificação nº31 B/02 (de 31-10) e pelo DL107 A/05, de 28-10, mas nunca in totum» (ibidem).
«Por outro lado, no que se reporta ao artº 21º desse diploma legal, nunca o mesmo sofreu qualquer alteração, o que não foi inocente» (ibidem). «É que, estando na base da apreensão, normalmente, uma situação de reserva de propriedade, justifica-se que o Tribunal competente seja o da residência do seu proprietário» (ibidem).
O que tudo aponta no sentido da sobrevivência da regra de competência estabelecida, para as acções relativas aos veículos que constituam objecto do procedimento cautelar instituído no cit. DL. nº 54/75, no mencionado art. 21º deste diploma, que, assim, não foi revogado, nem mesmo tacitamente (já que expressamente não o foi seguramente), pela cit. Lei nº 14/2006, mercê da nova redacção que esta conferiu ao cit. art. 74º-1 do CPC.
Não acompanhamos, portanto, o tribunal “a quo” no entendimento, por este perfilhado no despacho recorrido, de que o cit. art. 21º do DL. nº 54/75 foi tacitamente revogado pelo art. 74º-1 do CPC (na redacção introduzida pela cit. Lei nº 14/2006).
Simplesmente, a despeito da continuação em vigor do referido art. 21º do DL. nº 54/75, uma acção como a presente – intentada, não pelo vendedor dum veículo contra o respectivo comprador (a quem o mesmo foi alienado com reserva de propriedade constituída a favor do vendedor até ao pagamento integral do preço da alienação), com vista à resolução (por incumprimento) do contrato de compra e venda celebrado entre ambos, mas antes pela entidade financiadora que emprestou ao comprador o dinheiro com o qual este adquiriu a um terceiro um veículo automóvel, com vista à resolução do contrato de financiamento concluído entre ambos – não se enquadra na previsão desse preceito.
Efectivamente – como certeiramente se notou no Acórdão desta Relação de 14/9/2006 (proferido no Agravo nº 6952/2006 e relatado pelo Desembargador SALAZAR CASANOVA, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt), «o proprietário a que alude este último preceito [o art. 21º do DL. nº 54/75] é o titular do registo de reserva de propriedade estipulada em contrato de alienação de veículos automóveis, o que não é o caso do titular de registo de reserva de propriedade constituído a favor do mutuante que financia ao mutuário a aquisição de veículo automóvel»(4).
«Por isso, a disposição aplicável em matéria de competência territorial para o caso de mutuante que tem a seu favor inscrita registo de reserva de propriedade de veículo automóvel é a disposição constante do artigo 74º/1 do C.P.C. (…) que prescreve que “a resolução do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu” sendo certo que essa acção é a acção de resolução do contrato de financiamento e não a acção de resolução do contrato de alienação (ibidem).
Donde que, bem vistas as coisas, conquanto o art. 21º do DL. nº 54/75 continue em vigor, como, porém, a presente acção não cabe na respectiva previsão – porque se não trata duma acção intentada pelo vendedor, contra o comprador, visando a declaração da resolução do contrato de compra e venda, mas duma acção proposta pelo financiador contra o mutuário, com vista à resolução (por incumprimento) do contrato de mútuo -, o tribunal competente para dela conhecer não é o da residência do financiador, mas sim o do domicílio do réu, ex vi da regra geral enunciada no nº 1 do art. 74º do CPC.
Eis por que, ainda que com fundamentação diversa da seguida pelo tribunal “a quo”, no despacho ora sob censura, esta Relação acabe por chegar à mesma solução final (competência do tribunal do domicílio do Réu).
Consequentemente, o agravo da Autora improcede, quanto a esta 1ª questão.

2) Se o despacho recorrido, ao interpretar e aplicar, como o fez, a alínea a) do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada pela dita Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos e, consequentemente, ao não considerar válida e eficaz a escolha do foro convencional constante do contrato dos autos, apesar de o mesmo ter sido celebrado em momento anterior à entrada em vigor da Lei n.° 14/2006, numa altura em que, dado o que então se dispunha no artigo 110º do Código de Processo Civil, maxime na alínea a) do respectivo nº 1 – para o qual remete o art. 100º, nº 1, do mesmo Código - eram válidos os pactos de aforamento nas causas referidas no nº 1 do art. 74º do mesmo diploma, violou o princípio da irretroactividade da lei consagrado no artigo 12º, nºs. 1 e 2, do Código Civil.
«A competência convencional é a que resulta de uma convenção entre as partes» (5). «As partes podem, na verdade, modificar dentro de certos limites as regras de competência fixadas na lei e usam com relativa frequência desse poder, especialmente nas cláusulas que, dentro dos chamados contratos de adesão, estabelecem um foro convencional» (6).
«Os arts. 99º e 100º [do Código de Processo Civil] regulam a competência convencional internacional e interna, isto é, regulam o princípio da liberdade contratual enquanto factor de atribuição de competência directa» (7). «O primeiro prevê os pactos de jurisdição, através dos quais as partes convencionam sobre a jurisdição nacional competente para apreciar um litígio que apresente elementos de conexão com mais de uma ordem jurídica (competência internacional), e o segundo os pactos de competência, em que as partes dispõem sobre a competência dos tribunais portugueses no seu confronto recíproco (competência interna)»(8). «Para além destes casos, podem ainda as partes, através da convenção de arbitragem, atribuir a um tribunal arbitral competência para dirimir determinado conflito (art. 1º-1 [da] LAV [Lei da Arbitragem Voluntária: Lei nº 31/86, de 29 de Agosto])»(9).
Em resumo: a convenção sobre a competência «pode regular a competência interna ou internacional ou atribuir competência a um tribunal arbitral para apreciar um determinado litígio, mesmo que eventual; atendendo à diferenciação desses objectos, a convenção sobre a competência pode ser, respectivamente, um pacto de competência (art. 100º), um pacto de jurisdição (art. 99º) ou uma convenção de arbitragem (art. 1º, nº 1, da LAV)»(10).
No caso dos autos, a cláusula 15ª das “Condições Gerais” do contrato de financiamento invocado pela Autora/Agravante (na petição inicial da presente acção), que estipula o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, para todos os litígios emergentes do mesmo contrato, constitui, tipicamente, um pacto de competência, nos termos e para os efeitos previstos no cit. art. 100º do C.P.C..
«Pacto de competência é a convenção pela qual as partes designam como competente para o julgamento de determinado litígio um tribunal diferente daquele que resulta das regras de competência interna»(11). Aqui, «diversamente do caso do art. 99º, os contraentes não escolhem entre as diversas jurisdições, mas entre os vários tribunais portugueses no seu confronto recíproco, mesmo que a relação controvertida tenha conexão com ordens jurídicas estrangeiras».(12) «Neste caso, o pacto que designe como competente determinado tribunal português diverso do que é indicado pelas regras de competência interna, quando os tribunais portugueses são por lei competentes, constitui um pacto de competência, portanto sujeito ao respectivo regime»(13).
«A celebração de convenções sobre a competência [quer de pactos de jurisdição, quer de pactos de competência, quer de convenções de arbitragem] está genericamente sujeita às mesmas regras de formação (atinentes à declaração de vontade e aspectos conexos) e aos mesmos requisitos de validade de qualquer contrato substantivo»(14). «Por regra, os elementos constitutivos da convenção são regulados pelo direito material e a sua admissibilidade e efeitos são definidos pelo direito processual»(15).
No plano processual, «as convenções sobre a competência atribuem competência a um tribunal, em exclusividade ou em concorrência com a competência (legal ou convencional) de outro tribunal»(16)(17).
«Esse é o seu efeito processual: - quando a competência convencional é exclusiva, nenhum outro tribunal é competente para apreciar a questão sobre a qual as partes celebraram a convenção; - quando a competência convencional é concorrente, subsiste intocada a competência de outro tribunal» (18).
Mas «as convenções sobre a competência também produzem efeitos obrigacionais» (19). «Esses efeitos respeitam à vinculação que é assumida por uma das partes perante a contraparte ou reciprocamente por cada uma das partes e que impõe que a acção, se vier a ser proposta, o seja no tribunal designado» (20). «Como qualquer outra vinculação negocial, o seu incumprimento justifica a indemnização pelos danos causados (art. 798º do CC)» (21). «Outro dos efeitos obrigacionais das convenções sobre a competência refere-se à sua transmissão para os terceiros adquirentes do direito relativamente ao qual foi concluída aquela convenção: assim, a vinculação a essa convenção mantém-se tanto para o herdeiro do titular activo ou passivo do direito, como para o cessionário ou para o devedor que assumiu a dívida» (22)(23).
Não se suscitam, portanto, quaisquer dúvidas quanto à natureza jurídica das convenções sobre a competência (seja na modalidade de pactos de jurisdição, seja na modalidade de pactos de competência, seja na modalidade de convenções de arbitragem): «essas convenções são uma das modalidades de contratos processuais, isto é, de negócios com eficácia constitutiva ou extintiva num processo pendente ou futuro» (24).
«A competência fundada na estipulação do pacto é vinculativa para as partes (nº 3 [do cit. art.100º do CPC]), importando a sua infracção a incompetência relativa do tribunal [onde a acção haja sido indevidamente proposta, em violação do pacto de competência])» (25): cfr. o art. 108º.
«O tribunal não pode nunca conhecer oficiosamente essa violação, a qual está, por isso, dependente de arguição da parte, nos termos do art. 109º-1, sob pena de ficar sanada a falta do pressuposto» (26).
«Em compensação, o tribunal conhece oficiosamente da nulidade do pacto de competência tendente ao afastamento das regras de competência que, segundo o nº 1 [do cit. art. 100º], não podem ser afastadas por vontade das partes e, consequentemente, da incompetência do tribunal em que, de acordo com o pacto, a acção seja proposta (arts. 102º e 110º)» (27).
«Data do diploma intercalar de 1985 [Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho] a introdução de casos de conhecimento oficioso da incompetência em razão do território, que anteriormente só era arguível pelo réu» (28). «Logicamente, não podem as partes nesses casos afastar as normais legais de competência, sendo nulo o pacto que o estipule» (29).
Porém, à data (21 de Janeiro de 2004) em que foi celebrado o contrato de financiamento a que é feita referência nos autos, o artigo 110º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil (cuja redacção era ainda a que lhe fora dada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro) ainda não incluía, no elenco das causas de conhecimento oficioso da incompetência em razão do território, as acções referidas na primeira parte do nº 1 do artigo 74º (isto é, as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso). Consequentemente, nessa data, a lei processual vigente não impedia o afastamento da norma legal de competência em razão do território estabelecida no cit. art. 74º-1, nas referidas acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso, sendo, portanto, válido (e não nulo) o pacto que o estipulasse.
Eis por que o pacto de competência contido na mencionada cláusula 15ª das “Condições Gerais” do contrato de financiamento invocado pela Autora/Agravante (na petição inicial da presente acção) - em que se estipulou o foro da comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro, para todos os litígios emergentes do mesmo contrato – era processualmente válido, à sombra da lei vigente na data em que tal contrato foi celebrado.
Simplesmente, em 1 de Maio de 2006 (cfr. o artigo 2° da Lei n.° 74/98, de 11 de Novembro), entrou em vigor a nova redacção conferida à cit. alínea a) do nº 1 do art. 110º do CPC pelo artigo 1º da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, em face da qual também as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso passaram a figurar no elenco das causas em que o tribunal conhece oficiosamente da incompetência em razão do território.
Consequentemente, a partir daquela data (1 de Maio de 2006), deixou de ser válido (para passar a ser nulo) um pacto de competência que – como o contido na mencionada cláusula 15ª das “Condições Gerais” do contrato de financiamento invocado pela Autora/Agravante - afaste a norma legal de competência contida no cit. art. 74º-1 do CPC, numa acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução do contrato por falta de cumprimento.
Já se tem, porém, ido mais longe e entendido que, como a cit. Lei n.° 14/2006 é uma lei processual e, ipso facto, de aplicação imediata, sendo que, ademais, o artigo 6° do mesmo diploma manda aplicar esta lei às acções e aos requerimentos de injunção instauradas ou apresentados depois da sua entrada em vigor, sendo, portanto, a "data da apresentação" em juízo da acção o momento relevante para efeitos de aplicação desta lei (e não a data da celebração do contrato no qual se contenha um pacto de competência), a circunstância de haver sido celebrado pacto de competência anterior não afasta o critério legal consagrado, exactamente porque tal pacto, face à opção legislativa tomada, passou desde então a não ser reconhecido, pelo legislador, como disposição susceptível de afastar o critério legal de fixação de competência em razão do território.
Donde que, no caso dos autos, como a presente acção já foi proposta depois da entrada em vigor da cit. Lei nº 14/2006, haveria que concluir que o pacto de competência [anteriormente] celebrado deixou de ser reconhecido como válvula de afastamento da competência legal, na medida em que no momento em que a A. apresenta em juizo a douta Petição, o pacto extravasa os limites da autonomia contratual, consagrada no artigo 405°, n.° 1 do Código Civil, não lhe sendo reconhecida qualquer eficácia, sendo o mesmo nulo, por impossibilidade legal.
Será assim ?
A resposta à questão de saber se a cit. Lei nº 14/2006, rectius, se a nova redacção conferida por este diploma à alínea a) do artigo 110º do C.P.C. (e a consequente proibição do afastamento convencional da norma legal de competência em razão do território estabelecida no cit. art. 74º-1, nas acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso ou a resolução do contrato por falta de cumprimento) é aplicável a pactos de competência anteriores à sua entrada em vigor, passa, necessariamente, pela aplicação ao caso vertente do critério estabelecido, em matéria de aplicação da lei no tempo, no artigoº 12º, nº 2, 1ª parte do Código Civil (31)(32)(33).
«Estipula o referido art. 12º, 1, que a lei só dispõe para futuro, quando lhe não seja atribuída eficácia retroactiva pelo legislador; e que, mesmo nesta última hipótese, se presumem ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular» (34).
«Formula-se aqui um princípio geral, digamos programático, mas um tanto vago, através do qual se pretende significar que a lei, em regra, não é nem deve ser retroactiva, incidindo apenas sobre o futuro e respeitando, pois, o passado»(35).
Porém, «o artigo 12º, depois de enunciar o princípio geral da irretroactividade, reconhece que esse princípio não vincula o próprio legislador».(36) «É um critério válido apenas para o executor da lei, o qual não deve fazer deste uma aplicação retroactiva, excepto na medida e nos termos em que a lei, convenientemente interpretada, o imponha»(37).
Acresce que, por força do disposto na parte final do cit. art. 12º, nº 1, mesmo «quando o legislador atribui eficácia retroactiva, presume-se que ele visa uma retroactividade mitigada, traduzida apenas na aplicação da lei aos efeitos pendentes, e não aos efeitos extintos (ou esgotados) na vigência da lei revogada, e por maioria de razão, embora o artigo não o diga expressamente, com ressalva dos próprios factos geradores de todos esses efeitos»(38). «A retroactividade só assumirá um cariz mais agressivo ou violento, consistente em sujeitar inclusive à regulação da lei nova os factos pretéritos ou os seus efeitos também pretéritos, se o legislador manifestar inequivocamente essa sua vontade, afastando a aludida presunção»(39).
Na 1ª parte do nº 2 do mesmo art. 12º (“Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos”), o Código reafirma, com alguma redundância, o princípio da irretroactividade, «ao explicitar que se entende, em caso de dúvida (40), que a lei só visa os factos novos, não submetendo ao seu império os factos passados nem os respectivos efeitos: o que não é mais do que repetição ou desenvolvimento do estatuído no nº 1» (41)(42)(43).
Porém, na 2ª parte do nº 2 do mesmo preceito, o Código esclarece que não há, todavia, retroactividade se a lei “dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações ou situações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem”, pois a lei abrange então as próprias relações ou situações já constituídas à data da sua entrada em vigor. Essas relações ou situações que devem ser encaradas em si próprias, desligadas da sua génese, «são as de execução duradoura ou, mais concretamente, de execução continuada ou periódica, como as relativas ao direito de propriedade ou outros direitos reais, v.g. usufruto ou servidão, ou as relativas ao estado das pessoas, v.g. o estado de casado ou o estado de filho, as quais se desprendem da sua fonte geradora e se vão sujeitando às mutações legislativas, estando em cada momento sob o império da disciplina legal vigente, sem que isso implique retroactividade»(44).
«Desenvolvendo o princípio da não retroactividade nos termos da teoria do facto passado, o art. 12º, 2, distingue dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos ou sobre os efeitos de quaisquer factos (1ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2ª parte)» (45).
«As primeiras só se aplicam aos factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: situações jurídicas) constituídas antes da Lei Nova mas subsistentes ou em curso à data do seu Início de Vigência» (46)(47).
«À parte isto, o nº 2 do art. 12º deixa entrever a possibilidade de leis que regulem o conteúdo das relações jurídicas atendendo aos factos que lhes deram origem (sem abstrair destes factos)»(48). «Tal o que acontece no domínio dos contratos, pelo menos em todos os casos em que as disposições estabelecidas pela Lei Nova tenham natureza supletiva ou interpretativa»(49).
Em resumo: «À constituição das Situações Jurídicas (requisitos de validade, substancial e formal, factos constitutivos), aplica-se a lei do momento em que essa constituição se verifica; ao conteúdo das Situações Jurídicas que subsistam à data do Inicio de Vigência da Lei Nova aplica-se imediatamente esta lei, pelo que respeita ao regime futuro deste conteúdo e seus efeitos, com ressalva das situações de origem contratual relativamente às quais poderia haver uma como que “sobrevigência” da Lei Antiga»(50).
Assim, a regra de conflitos que se extrai do art. 12º, nº 2, 1ª parte, do Cód. Civil é a de que «a Lei Nova sobre o regime dos contratos não se aplica aos contratos anteriores»(51), sendo «a lei de origem ou lex contractus que regula todos os efeitos dos contratos: quer os efeitos directos, quer os chamados efeitos indirectos»(52)(53)(54)(55).
Sintetizando: «O “estatuto do contrato” é determinado em face da lei vigente ao tempo da conclusão do mesmo contrato»(56). «Sempre que, porém, as cláusulas de um contrato celebrado na vigência da Lei Antiga e por esta consideradas válidas brigem (conflituem) com as disposições da Lei Nova com incidência sobre os efeitos dos contratos [e não sobre a validade destes], sendo o teor de tais disposições ditado por razões atinentes ao estatuto das pessoas ou dos bens, a princípios estruturadores da ordem social ou económica, estas disposições prevalecem sobre aquelas cláusulas»(57)(58)(59).
Ora, no caso de que nos ocupamos, é, a todas as luzes, evidente que a nova regulamentação introduzida na disciplina dos pactos de competência pela mencionada Lei nº 14/2006, mercê da nova redacção conferida à al. a) do nº 1 do art. 110º do CPC, ao incluir no elenco das causas em que o tribunal conhece oficiosamente da incompetência em razão do território as acções destinadas a exigir o cumprimento de obrigações e a indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso ou a resolução do contrato por falta de cumprimento – o que consequencia que, nestas acções, seja, doravante, proibido o afastamento convencional da norma legal de competência em razão do território estabelecida no cit. art. 74º-1 do CPC -, incide sobre a própria validade (e não apenas sobre os efeitos) dos pactos de competência.
Como assim, a validade do pacto de competência contido na mencionada cláusula 15ª das “Condições Gerais” do contrato de financiamento invocado pela Autora/Agravante tem de ser aferida à luz da lei processual que estava em vigor quando tal pacto foi firmado (em 21 de Janeiro de 2004), e não à luz da nova lei processual entretanto sobrevinda (a cit. Lei nº 14/2006)(60).
Assim sendo, o agravo da Autora procede, quanto a esta 2ª questão, não podendo, consequentemente, subsistir o despacho recorrido.

DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao presente recurso de Agravo, revogando o despacho recorrido e declarando válida e em vigor - por lhe não ser aplicável a Lei nº 14/2006, de 26.04 - a cláusula contratual estipulante de foro convencional contida no contrato de financiamento invocado pela Autora/Agravante, pela qual se estipulou a competência territorial da Comarca de Lisboa para todos os litígios emergentes do aludido contrato, com expressa renúncia a qualquer outro foro, em razão do que esta acção deverá prosseguir os seus termos até final no tribunal “a quo” a que foi distribuída.
Custas pela parte vencida a final.
Lisboa, 6 de Março de 2007

Rui Torres Vouga (Relator)
Carlos Moreira ( vencido, quanto à questão da aplicação do art. 74º do CPC, por entender que o mesmo se aplica, na sua actual redacção, às acções instauradas após a sua entrada em vigor, coma as legais consequências, quanto ao caso "sub judice".
Isoleta Almeida Costa
______________________________
(1) Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
(2) Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º). Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
3 O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
4 A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Proceso Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
5 Isto porque a cláusula de reserva de propriedade apenas pode ser validamente constituída a favor do alienante (cfr. o art. 409º do Código Civil) e é por isso que, pressupondo o Decreto-Lei nº 54/75 a coincidência necessária por força da lei (artigo 409º do Código Civil) entre alienante e titular do registo de reserva de propriedade, se prescreve que o titular do registo de reserva de propriedade pode requerer em juízo a apreensão do veículo e do certificado de matrícula (artigo 15º do DL 54/75), competindo a esse mesmo titular propor a acção de resolução do contrato de alienação (artigo 18º/1), sendo o tribunal da comarca em cuja área se situa a residência habitual ou sede do proprietário o tribunal competente para o processo de apreensão e para as acções relativas aos veículos apreendidos (artigo 21.º do Decreto-lei nº 54/75).
6MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns”, 1994, p. 99.
7 ANTUNES VARELA in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., 1985, p. 223.
8 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 1999, p. 178.
9 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
10 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
11 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit.., pp. 99 in fine e 100.
12 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado” cit., Vol. 1º cit., p. 186.
13 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
14 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
15 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit.., p. 100.
16 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem.
17 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit.., p. 106.
18 De facto, «a competência atribuída ex contractu ao tribunal designado pode ser exclusiva ou concorrente com a do tribunal legalmente competente» (MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit., p. 102). «Ou seja: a convenção pode excluir ou manter a competência do tribunal legalmente competente» (ibidem). Embora isto apenas esteja expressamente previsto quanto aos pactos de jurisdição (art. 99º, nº 2), nada obsta à admissibilidade da definição duma competência concorrente através dum pacto de competência ou duma convenção de arbitragem (cfr., neste sentido, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem). Efectivamente, «se as partes podem retirar totalmente competência ao tribunal competente na ordem interna através de um pacto de competência (art. 100º, nº 1), então também lhes pode ser reconhecida a faculdade de definirem como concorrente a competência do tribunal indicado» (MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem).
19 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit.., pp. 106 in fine e 107.
20 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit.., p. 107.
21 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem.
22 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem.
23 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, ibidem.
24 Cfr., no sentido de que a estipulação de foro convencional não abrange terceiro que demande um dos outorgantes, por factos relacionados com o contrato (Ac. do S.T.J. de 15/5/1942, no Bol. Oficial, 2º, pág. 156), mas é eficaz em relação aos herdeiros dos contraentes (Ac. do S.T.J. de 7/4/1970, in BMJ nº 196, pág. 226), ANTUNES VARELA in “Manual de Processo Civil” cit., p. 225, nota 2.
25 MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit.., p. 100.
26 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado” cit., Vol. 1º cit., p. 187.
27 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
28 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
29 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado” cit., Vol. 1º cit., p. 185.
30 LEBRE DE FREITAS – JOÃO REDINHA – RUI PINTO, ibidem.
31 Cfr., no sentido de que, «não havendo regra particular nem critério específico de um ramo de direito vigora o critério universal, consagrado (…) no art. 12º do Código Civil», OLIVEIRA ASCENSÃO in “O Direito. Introdução e Teoria Geral”, 9ª ed., 1995, p. 484. Segundo este Autor (ibidem), trata-se dum preceito que não é específico do Direito Civil, antes se estende tendencialmente a toda a ordem jurídica.
32 Cfr., também no sentido de que é no artigo 12º do Código Civil que «se contêm os princípios gerais sobre a aplicação da lei no tempo para todo o nosso ordenamento jurídico», BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, 1983, p. 232. «Com efeito – segundo este Autor (ibidem) -, é neste artigo [12º] e nos arts. 13º (leis interpretativas) e 297º (alteração de prazos) que se fixam os critérios aplicáveis em todos os ramos de direito (excepção feita no direito penal e com a (…) reserva da possibilidade de uma retroactividade in mitius noutros ramos de direito»).
33 Cfr., igualmente no sentido de que o artigo 12º do Código Civil, embora não estando inserido na Constituição, funciona como uma autêntica bitola profunda da ordem jurídica, MENEZES CORDEIRO in "Problemas de Aplicação da Lei no Tempo. Disposições Transitórias", A Feitura das Leis, II, 1986, p. 374 e ss.
34 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., pp. 232-233.
35 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES in “Introdução ao Estudo do Direito”, Vol. I, 11ª ed., 2001, p. 291.
36 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES in ob. e vol. citt., p. 292.
37 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, ibidem.
38 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, ibidem.
39 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, ibidem.
40 Segundo MANUEL DE ANDRADE (in “Fontes do Direito”, publicado in BMJ nº 102), esta restrição (“em caso de dúvida”) significa que a regra enunciada representa só uma indicação liminar, que deve ceder perante razões ponderosas em contrário, tiradas principalmente da consideração dos interesses em jogo. Porém – como nota OLIVEIRA ASCENSÃO (in “O Direito. Introdução e Teoria Geral” cit., p. 493) -, «a lei não diz que se entende em princípio, diz que se entende em caso de dúvida… Isto significa que, se a situação tiver uma solução categórica, se aplica tal solução; se a não tiver, se a ambiguidade se mantiver, aplica-se a regra subsidiária legal». E quando é que se pode dizer que a situação tem uma solução categórica ? Segundo OLIVEIRA ASCENSÃO (in ob. cit., p. 494), «só não há dúvida quando os dados normativos impuserem certa solução». «Se não houver nenhum preceito específico ou se os preceitos existentes não bastarem para afastar a ambiguidade, aplicam-se então as regras do art. 12º, com a mesma imperatividade de qualquer outra regra jurídica» (ibidem).
41 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES in ob. e vol. citt., p. 293.
42 «Esclarece-se que, sendo o facto pretérito um facto voluntário, isto é, um acto jurídico, como um empréstimo, haverá retroactividade se a lei nova estabelecer para ele novas condições de validade, substancial ou formal, como se por ex. faz depender de escritura pública, até aí não exigida, os empréstimos anteriores» (INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, ibidem).
43 «Assim, se se pergunta se um contrato celebrado por mero escrito particular se torna irregular se a lei nova exigir para a celebração escritura pública, a resposta deve ser negativa» (OLIVEIRA ASCENSÃO in “O Direito. Introdução e Teoria Geral” cit., p. 494). «A lei nova respeita às condições de validade formal de um facto, a celebração do contrato, e por isso os contratos já celebrados não são atingidos por esta nova exigência» (ibidem).
44 INOCÊNCIO GALVÃO TELLES in ob. e vol. citt., pp. 293-294.
45 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., p. 233.
46 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., ibidem.
47 Para distinguir os efeitos que estão previstos na primeira parte do preceito e os que caem já no âmbito da segunda parte, «o elemento decisivo está na referência à lei que dispuser sobre o conteúdo de certas situações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem» (OLIVEIRA ASCENSÃO in ob. cit., p. 494). «1) A lei pode regular efeitos como expressão de uma valoração dos factos que lhes deram origem: nesse caso aplica-se só aos novos factos» (ibidem). «Assim, a lei que determina a obrigação de indemnizar exprime uma valoração sobre o facto gerador de responsabilidade civil; a lei que estabelece poderes e vinculações dos que casam com menos de 18 anos exprime uma valoração sobre o casamento nessas condições» (OLIVEIRA ASCENSÃO in ob. cit., pp. 494-495). «2) Pelo contrário, pode a lei atender directamente à situação, seja qual for o facto que a tiver originado» (OLIVEIRA ASCENSÃO in ob. cit., p. 495). Por exemplo, «se a lei estabelece os poderes e vinculações do proprietário, pouco lhe interessa que a propriedade tenha sido adquirida por contrato, ocupação ou usucapião: pretende abranger todas as propriedades que subsistam» (OLIVEIRA ASCENSÃO, ibidem). «Aplica-se então imediatamente a lei nova» (OLIVEIRA ASCENSÃO, ibidem).
48 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., ibidem.
49 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., ibidem.
50 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., p. 234.
51 BAPTISTA MACHADO in “Sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil”, Coimbra, 1968, p. 114.
52 BAPTISTA MACHADO, ibidem.
53 «Assim, p. ex., não se aplica aos contratos de mútuo anterior a Lei Nova que vem reduzir o máximo legal da taxa de juros compensatórios» (BAPTISTA MACHADO, ibidem).
54 «É segundo a lei do tempo do contrato que deverá apreciar-se o grau de diligência a que o devedor está adstrito ou as causas modificativas da sua responsabilidade» (BAPTISTA MACHADO, ibidem). «O mesmo se diga, p. ex., relativamente ao lugar de cumprimento da obrigação e à solidariedade entre os condevedores» (BAPTISTA MACHADO, ibidem).
55 Assim, por exemplo, «a lei competente para regular as causas de rescisão ou resolução dos contratos é a lei que presidiu à celebração dos mesmos» (A. e ob. citt., p. 117).
56 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., p. 242.
57 BAPTISTA MACHADO in “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador” cit., ibidem.
58 Segundo ANTUNES VARELA (in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 114º, p. 16), «a lei reguladora dos contratos será a de que cada contrato tem em princípio como estatuto definidor do seu regime, a lei vigente à data da sua celebração». «É à luz desse pensamento que deve ser interpretada e aplicada a norma inscrita no art. 12º segundo a qual “a lei só dispõe para o futuro” sem prejuízo da outra directriz que decorre da parte final do nº 2 do mesmo artigo, quanto ao conteúdo das relações contratuais de carácter duradouro» (ibidem).
59 Segundo VAZ SERRA (in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 110º, p. 272), os efeitos dos contratos são regulados pela lei vigente no momento da sua conclusão: mas se a lei regular o estatuto legal das pessoas ou dos bens, a lei nova é imediatamente aplicável a todas as situações pendentes, mesmo que se encontrem reguladas por situações contratuais».
60 Cfr., precisamente no sentido de que a doutrina perfilhada no Ac. da Rel. de Évora de 28/1/1993 (publicado in Col. Jurispª., 1993, tomo I, p. 267) – de que a redacção dada ao art. 100º, nº 1, [do C.P.C.] pelo Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho, segundo a qual não são válidos os pactos de competência que afastam a competência territorial nos casos referidos no art. 109º, nº 2, é aplicável às convenções celebradas antes da entrada em vigor dessa alteração legislativa - «não parece conciliável com o disposto, em matéria de aplicação da lei no tempo, no art. 12º, nº 1, 1ª parte, do Código Civil», MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns” cit., p. 108.