Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
696/13.3PDCSC.L1-9
Relator: FERNANDO ESTRELA
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PROGENITORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO
Sumário: 1 - O crime de violência doméstica pune a violência na família, violência praticada na maior parte das vezes a recato de olhares de terceiros e, por isso mesmo, mais difícil de detectar.

2 - “a ratio do tipo não está na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional ou laboral, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana”.

3 - são vítimas do crime as pessoas particularmente indefesas, isto é, aquelas que se encontram numa situação de especial fragilidade devido à sua idade precoce ou avançada, deficiência, doença física ou psíquica, gravidez ou dependência económica do agente (por exemplo, a empregada doméstica que resida no mesmo domicílio do agressor). Estas pessoas têm de coabitar com o agente.

4 - resultando à evidência que a arguida exerceu sobre a sua filha menor, violência, a qual assumiu a forma de palavras e de ofensas à integridade física e ameaça à sua integridade físicas, bem como de injúrias dirigindo palavras formulando juízos ofensivos da sua honra e consideração, demonstrando elevado grau de descontrolo - a arguida teve tais propósitos e quis o seu resultado, agindo livre e conscientemente, sabendo que as condutas empreendidas são proibidas por lei - mostram-se preenchidos os elementos, objectivo e subjectivo, do crime de violência doméstica.

5 - Com efeito, da factualidade provada, constata-se que a arguida, de forma consciente e reiterada, colocou seguramente em risco, de modo relevante, a saúde física e psíquica da ofendida – sua filha menor – tornando-a vítima de um tratamento incompatível com a sua dignidade enquanto ser humano, conduzindo necessariamente os “maus-tratos” infligidos à sua “degradação” enquanto pessoa.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
Acordam na 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - No Processo Comum n.º 696/13.3PDCSC, da Comarca de Lisboa Oeste, Instância Local de Cascais, Secção Criminal, Juiz 1, por sentença de 21 de Junho de 2016, foi decidido julgar a pronúncia improcedente por não provada e consequentemente:
1. Absolver a arguida H... da prática do crime de violência doméstica pelo qual vinha pronunciada.
2. Julgar o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante improcedente e, em consequência, absolver a demandada do mesmo.

II – Inconformado, o assistente J... interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
A) Na óptica do Assistente, o tribunal a quo andou mal ao proferir sentença de absolvição da Arguida, pelos seguintes motivos: i) porque não deu como provados factos cuja ocorrência foi demonstrada em sede de julgamento; e, mesmo que assim não se considerasse, ii) porque os factos provados, só por si, são suficientemente atentatórios da dignidade da M..., e consubstanciam, sem margem para dúvida, um crime de violência doméstica.
B) Nesta medida, o Assistente impugna não só a matéria de facto, mas também a orientação jurídica seguida pelo tribunal a quo na sentença de que se recorre.
C) A impugnação da matéria de facto dirige-se ao facto considerado provado sob o n.° 4, e aos não provados, supra reproduzidos no número 7 da motivação do recurso, os quais deviam, e devem, ser considerados provados nos seguintes termos:
i) Em relação ao facto provado sob o n.° 4, em vez do que consta da sentença, deve dar-se como provado o seguinte: em número não apurado de vezes, mas com uma frequência em regra semanal, desde pelo menos 2007, e até 2013, a Arguida, quando se desentendia com a filha M... (ou porque esta não fazia o que ela queria, ou por qualquer outro motivo), dirigindo-se a ela, apelidava-a de "cabra", "estúpida", "burra", `"porca" e "nojenta", tendo-a ainda, pelo menos por duas vezes, apelidado de "puta";
ii) Em relação aos factos não provados que dizem respeito às agressões dirigidas à filha, deve dar-se como provado o seguinte: em número não apurado de vezes, mas com uma frequência em regra semanal, desde pelo menos 2007, e até 2013, a Arguida, quando se desentendia com a filha M... (ou porque esta não fazia o que ela queria, ou por qualquer outro motivo), batia-lhe, com pontapés nas pernas e no rabo e pancadas com as mãos, designadamente na nuca, na cabeça, nas costas e na cara;
iii) Em relação aos factos não provados que dizem respeito à intenção das ofensas e das agressões, deve dar-se como provado o seguinte: ao agir da forma descrita, tendo a arguida o propósito conseguido e reiterado de humilhar e maltratar física e psiquicamente a filha M..., com quem coabitava, bem sabendo que, por força da sua tenra idade, esta esta não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à actuação da arguida, circunstância de que se prevaleceu, agindo sempre livre, voluntária e conscientemente.
D) Os concretos meios de prova em que se funda a supra referida impugnação da matéria de facto são os seguintes:
i) Queixa apresentada pelo Assistente, em 19 de Novembro de 2007, à CPCJ, constante de fls. 71, e subsequente desistência, de fls. 72;
ii) Declarações para memória futura da Ofendida M..., prestadas em 09 de Julho de 2014, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, conforme consignado em Auto de declarações para memória futura do mesmo dia, as quais se encontram integralmente transcritas no Anexo A, que faz parte integrante desta motivação de recurso;
iii) Declarações do Assistente, em representação da Ofendida, J..., prestadas em audiência de julgamento de 25 de Fevereiro de 2016, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, conforme consignado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do mesmo dia, as quais se encontram integralmente transcritas no Anexo D, que faz parte integrante desta motivação de recurso;


iv) Declarações finais da arguida, prestadas em audiência de julgamento de 23 de Maio de 2016, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, conforme consignado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do mesmo dia, as quais se transcrevem integralmente infra;
v) Declarações da testemunha MF..., prestadas em audiência de julgamento de 1 de Março de 2016, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, conforme consignado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do mesmo dia, as quais se encontram integralmente transcritas no Anexo C, que faz parte integrante desta motivação de recurso;
vi) Declarações da testemunha H..., prestadas em audiência de julgamento de 8 de Março de 2016, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, conforme consignado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do mesmo dia, as quais se encontram integralmente transcritas no Anexo B, que faz parte integrante desta motivação de recurso;
vii) Declarações da testemunha I..., prestadas em audiência de julgamento de 7 de Abril de 2016, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, conforme consignado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do mesmo dia, as quais, nos segmentos relevantes, se encontram transcritas infra;
viii) Declarações da testemunha S..., prestadas em audiência de julgamento de 7 de Abril de 2016, gravadas através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, conforme consignado na Acta de Audiência de Discussão e Julgamento do mesmo dia, as quais, nos segmentos relevantes, se encontram transcritas infra.

E) Sumariando a argumentação utilizada pelo tribunal a que, é referido o seguinte:
• A acusação apenas relata factos posteriores a 2007, os quais foram, no essencial, confirmados por M... e J..., não tendo, no entanto, as pessoas inquiridas presenciado qualquer agressão, à excepção da testemunha H..., que viu a Arguida desferir dois socos no ombro da Ofendida;
• Nenhum dos inquiridos viu qualquer marca no corpo da menor (à excepção daquela que resultou do episódio de 28 de Outubro de 2013, dado como provado), o que seria estranho, uma vez que se estaria num contexto de alegadas agressões reiteradas;
• Os vizinhos da Arguida e do Assistente nunca teriam ouvido nada de anormal, pese embora a má insonorização do local;
• O depoimento de J... teria a sua credibilidade abalada, porque: i) a situação dos autos está directamente relacionada com a regulação do poder paternal e por isso repleta de subjectividades; ii) o Assistente e a Arguida têm uma relação que é tudo menos pacífica, sendo a questão das responsabilidades parentais motivo de grande litigiosidade; iii) o facto de ser estranho o Assistente, no dia do episódio de 28 de Outubro, ter decidido tocar primeiro à campainha dos vizinhos, e só depois inteirar-se da situação da filha;
• O depoimento de M... teria a credibilidade abalada "por arrasto" da falta de credibilidade do depoimento do Assistente, uma vez que vivem juntos e mantêm uma relação privilegiada, e ainda porque o tribunal não ficou convencido de que "a menor tenha conseguido reproduzir com rigor e isenção os factos ou que deles tivesse urna noção exacta quanto ao seu significado e alcance".
F) A argumentação despendida não convence, porquanto:
• Relativamente à circunstância de apenas a testemunha H... ter presenciado uma agressão, não pode retirar-se qualquer conclusão relativamente à inexistência de outras agressões, atendendo ao enquadramento doméstico em que elas ocorriam, muitas vezes apenas com a presença da vítima, como é comum em crimes de violência doméstica;
• Como é sabido, o crime de violência doméstica é um crime muitas vezes "silencioso", de que terceiros não têm conhecimento, ou só têm conhecimento quando as situações chegam a um tal extremo que não é mais possível à vítima esconder a violência de que é alvo;
• Nos crimes de violência doméstica, a vítima tem sempre a "esperança" de que o agressor mude, tentando desculpar a sua conduta violenta ("é só uma fase", "é normal, está chateado", etc);
• A regra é a de que os actos de violência doméstica são praticados em casa, longe do olhar de familiares, amigos ou outras pessoas, sendo natural que, na grande maioria dos casos, não haja testemunhas directas dos factos ocorridos;
• Relativamente à questão da ausência de marcas, a argumentação despendida ainda menos se compreende, atendendo a que, em grande parte, as agressões eram verbais, noutra parte, porque pontapés nas pernas ou no rabo, pancadas na nuca, nas costas, na cabeça ou na cara, frequentemente não deixam qualquer marca;
• Relativamente ao facto de os vizinhos não terem ouvido nada de anormal, também não se vislumbra a estranheza, porque, no dia-a-dia, pais a falarem alto com os filhos ou o choro destes, pode não significar (e geralmente não significa) qualquer situação de maus-tratos;
• Relativamente à falta de credibilidade de J..., pela circunstância de existir um conflito com a arguida, relativamente a uma questão de responsabilidades parentais, a queixa apresentada em 2007 é por si só esclarecedora quanto ao facto das suas denúncias nada terem a ver com a disputa sobre a regulação do poder paternal, situação que na altura nem se colocava;
• Quanto à concreta questão suscitada de "se estranhar que ao chegar a casa e ao pôr a chave à porta, o queixoso tenha imediatamente tocado à porta dos vizinhos. mesmo antes de se inteirar da situação da filha", a explicação é muito simples e foi dada pelo Assistente: a então mulher, ao contrário do habitual, tinha-lhe ligado duas vezes num curto espaço de tempo, insistindo para que ele fosse para casa, sem lhe explicar a razão; o Assistente, que ouvira choros de criança nesses telefonemas, temendo o pior, tocou à porta dos vizinhos logo após ter posto a chave à sua porta, porque poderia necessitar da sua ajuda (tendo inclusive cogitado que a menor V... pudesse já estar com os vizinhos);
• Relativamente à falta de credibilidade da menor, a argumentação do tribunal não teve em conta a genuinidade manifesta do depoimento da M..., e só pode ter constado da sentença "por arrasto" dos outros argumentos, que já vimos que são insubsistentes, de que o tribunal lançou mão.
G) O problema está numa errónea avaliação da prova efectuada pelo tribunal, que não teve em conta o seguinte:
• A genuinidade e credibilidade do depoimento da M..., que se expressou de forma espontânea, consistente e sincera, como pode ser avaliado por um critério de experiência comum;
• A corroboração que as declarações da M... tiveram por parte do pai, ora Assistente, as quais se revelaram igualmente credíveis e consistentes, sendo ademais congruentes com a participação feita à CPCJ de Cascais, em 2007 (de que desistiu por acreditar na reversibilidade da situação);
• As corroborações que essas mesmas declarações da M... tiveram, em relação a questões pontuais, por parte das testemunhas H... e MF...;
• O quadro de medo em que a M... vivia, que foi confirmado pelas suas professores I... e S...:
• A ausência de qualquer declaração da arguida em audiência de julgamento, que permita sustentar uma versão distinta daquela que foi apresentada pela M... e pelo Assistente, tendo-se limitado a sublinhar o seu próprio sofrimento em face da factualidade com que era confrontada.
H) Ponderando este acervo probatório, muito particularmente as declarações da M... e do Assistente - consistentes, credíveis e genuínas -, devidamente corroboradas, a um tempo, pela participação feita à CPCJ, em 2007, a outro tempo, em questões pontuais e devidamente concretizadas, pelos depoimentos das testemunhas H... e MF..., deve dar-se como provado que ocorreram as agressões verbais e físicas supra identificadas na conclusão C), nos termos aí relatados, quer quanto à sua natureza, modo e sequência, quer quanto à intenção da arguida.
O elemento intencional retira-se da própria factualidade apurada e do contexto das ocorrências, considerando um critério de experiência comum. Para tal conclusão, deve ainda considerar-se, embora marginalmente, o teor do depoimento das professoras I... e S..., pertinentes para se definir o quadro de medo em que a menor se encontrava.
Finalmente, muito relevante deverá ser a ausência de qualquer elemento probatório que contrarie a versão da M... e do Assistente, uma vez que a arguida não produziu qualquer prova em favor da versão narrada na contestação.
1) Em função de tudo o que antecede, deve ser dada como assente a seguinte factualidade, que corresponde ao que já consta da sentença, com as alterações supra identificadas na conclusão C):
1. A arguida e J... casaram um com o outro em 20 de Setembro de 1997.
2. São progenitores comuns de M..., nascida a 6 de Setembro de 2004 e de V..., nascida a 28 de Maio de 2012.
3. A arguida, J... e as duas filhas coabitavam na Rua x., área desta comarca.
4. Em número não apurado de vezes, mas com uma frequência em regra semanal, desde pelo menos 2007, e até 2013, a Arguida, quando se desentendia com a filha M... (ou porque esta não fazia o que ela queria, ou por qualquer outro motivo), dirigia-se a ela, apelidando-a de "cabra", "estúpida ", "burra ", "porca" e "nojenta", tendo-a ainda, pelo menos por duas vezes, apelidado de "puta".
4.A. Em número não apurado de vezes, mas com uma frequência em regra semanal, desde pelo menos 2007, e até 2013, a Arguida, quando se desentendia com a filha M... (ou porque esta não fazia o que ela queria, ou por qualquer outro motivo), batia-lhe, com pontapés nas pernas e no rabo e pancadas com as mãos, designadamente na nuca, na cabeça, nas costas e na cara.
5. No dia 28 de Outubro de 2013, pelas 19h00, a arguida agarrou e torceu o braço direito da filha M..., empurrando-a de seguida contra uma cadeira.
6. Como consequência directa e necessária de tal actuação da arguida, M... Sertão sofreu dores nas zonas atingidas, bem como equimose com três por cinco centímetros na face externa do braço direito, lesão que lhe determinou para cura vinte dias de doença, sem impossibilidade para o trabalho.
6. A. Ao agir da forma descrita, tendo a arguida o propósito conseguido e reiterado de humilhar e maltratar física e psiquicamente a filha M..., com quem coabitava, bem sabendo que, por força da sua tenra idade, esta esta não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à actuação da arguida, circunstância de que se prevaleceu, agindo sempre livre, voluntária e conscientemente.
7. No dia 6 de Novembro de 2013, o queixoso saiu da casa mencionada em 3) dos factos provados, levando consigo as duas filhas do casal.
8. A arguida não tem averbada qualquer condenação no respectivo Certificado do Registo Criminal.
J) Em face de tudo quanto se disse, fica contextualizado um quadro de violência doméstica exercido pela arguida sobre a sua filha M..., pelo menos desde os seus 3 anos de idade.
L) Nos termos do art. 152.° do Código Penal, comete o crime de violência doméstica "quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos" "d) a pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade (...) que com ele coabite", estando em causa a protecção da dignidade humana.
M) No caso em apreço, a arguida insultava a filha M... de forma constante, quase diária, sem critério e sem filtros, chamando-lhe cabra, porca, nojenta, puta, burra e estúpida.
N) As expressões utilizadas pela arguida, especialmente por serem dirigidas a uma menor, com idade compreendida entre os 3 e os 9 anos de idade, são aptas a atingir a sua dignidade humana, como fizeram, sendo injuriosas e humilhantes, e causando-lhe particular sofrimento por lhe serem dirigidas pela sua própria mãe.
O) O facto de a arguida, de forma reiterada, pontapear a filha M... e dar-lhe pancadas com a mão na nuca, cabeça, costas ou cara, muito para além daquilo que socialmente deve ser aceite como actos de educação, atingiu a dignidade humana da ofendida, que era tratada pela mãe como se de um objecto de tratasse, com um enorme desprezo e desconsideração pela sua condição humana.
P) As repetidas injúrias e agressões de que a menor M... foi vítima, idóneas a afectar o seu bem-estar, tanto físico como psicológico – como afectaram –, eram humilhantes e susceptíveis de rebaixar quem fosse vítima delas, sendo igualmente susceptíveis de ofender a dignidade de qualquer pessoa a quem se dirigissem, como, in casu, ocorreu.
Q) Estão preenchidos os elementos do tipo legal em causa, por cuja prática a arguida deve ser condenada, uma vez que, de forma reiterada, infligiu maus tratos físicos e psicológicos à sua filha M..., menor, com idade compreendida entre os 3 e os 9 anos de idade, que com ela coabitava, com o propósito de a humilhar e maltratar, bem sabendo que a filha não tinha capacidade para se lhe opor.
R) Ainda que não procedesse a impugnação da matéria de facto, a circunstância de ter ocorrido a agressão referida no n.° 5 dos factos provados, e muito particularmente as expressões que a arguida dirigia à filha, apelidando-a de "cabra", "porca", "burra" e "estúpida", são suficientemente atentatórios da dignidade da criança para merecerem tutela penal.
S) Uma vez procedente a impugnação da matéria de facto levada a cabo e dado como provada a prática do crime da pronúncia, deve igualmente julgar-se procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Assistente, o qual tem um valor sobretudo simbólico.
Termos em que o recurso deve ser julgado procedente, com as legais consequências.

III – Em resposta, veio o Ministério Público na 1.ª instância dizer, formulando as seguintes conclusões:
1) O Tribunal “ a quo “ fez um correcto apuramento e valoração da matéria de facto, segundo as regras da experiência comum, em obediência ao preceituado no art.º 127º do C.P.P..
2) A prova que serviu de base à formação da convicção do Tribunal, designadamente no que concerne ao depoimento das testemunhas arroladas pela acusação, e bem assim à demais prova pericial e documental junta aos autos, é manifestamente suficiente para fundamentar a decisão de facto que foi proferida.
3) Do teor da decisão recorrida é possível apreender, com precisão e clareza, os motivos pelos quais foi dada credibilidade ao depoimento das testemunhas arroladas pela acusação , sendo perceptível o raciocínio lógico seguido pelo Tribunal , e a razão pela qual , apesar de o arguido os não ter confirmado na sua globalidade , tais factos terem sido dados como provados.
4) A conclusão que a Mma. Juíza alcançou quanto à verificação dos factos dados como provados e não provados é logicamente aceitável e, como tal, não nos merece qualquer censura.
5) Igualmente, não nos merece qualquer censura o enquadramento jurídico que foi realizado desses mencionados factos, sendo evidente, da motivação do recurso interposto, que a discordância do recorrente está, em bom rigor, relacionada com a valoração da prova e os factos que foram dados como assentes e não assentes em consequência dessa valoração, e não propriamente com a qualificação jurídica desses mesmos factos.
6) É assim evidente que não existe qualquer violação do disposto nos preceitos legais invocados.
7) Somos, pois, de parecer que a douta sentença recorrida deverá ser mantida, negando-se provimento ao recurso.
Resta-nos aguardar a decisão de V.Exas. que é, por certo, a mais Justa.

IV – Em resposta, a arguida H... dizer, formulando as seguintes conclusões:
A. Todo este processo tem provocado um enorme sofrimento à Arguida, ora Recorrida, uma vez que, ao longo dos últimos dois anos (sensivelmente), o Assistente, ora Recorrente, com base em mentiras e distorções da realidade, tem logrado afastar as menores da própria mãe, procurando, desta forma, castigar a Recorrida, por ter ousado quebrar os laços matrimoniais que os uniam.
B. O presente processo apenas surge, não por os factos em causa terem qualquer fundo de verdade, mas somente para servir de instrumento ao processo de regulação das responsabilidades parentais.
C. Nem assim se compreende que continue o Assistente a insistir na condenação da Arguida, sua ex-mulher e mãe das suas duas filhas, quando é absolutamente notório que tais crimes nunca foram praticados.
D. A impugnação da matéria de facto apresentada pelo Recorrente, baseia-se na inexistência de prova de que a Arguida não cometeu os crimes e na não concordância com a apreciarão da prova testemunhal realizada pela Mma. Juíza do Tribunal a quo, entendendo o Recorrente, aberrante e censuravelmente, que a Arguida deveria ter sido condenada, por um lado, porque não prova que é inocente e, por outro lado, porque os factos de que vem acusada poder-se-ão eventualmente ter verificado — o que de todo se rejeita —, o que é combatido pelo princípio garantístico da presunção de inocência, consagrado no artigo 32.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa e pelo principio da livre apreciação da prova, segundo as regras da experiência do julgador.
E. Está em causa, por parte do Recorrente, uma mera mas injustificada discordância com a apreciação da prova feita pela Mma. Juíza do Tribunal a quo.
F. Quanto à queixa crime apresentada pelo Assistente e quanto às suas declarações prestadas em sede de julgamento, tal como refere — e bem — a Mma. Juíza do Tribunal a quo, "das declarações do queixoso e de todo o processado resulta que a relação entre a arguida e o queixoso é tudo menos pacífica e que a regulação do exercício do poder paternal, particularmente na parte referente à guarda das crianças, é um factor de grande conflito e litigiosidade. (…) Tais circunstâncias abalam a credibilidade do depoimento do queixoso".
G. O Recorrente tem o reprovável interesse em ver a mãe das suas filhas condenada, para, dessa forma, garantir a atribuição, exclusivamente a si, da guarda das menores, sendo o seu depoimento não só encaminhado nesse sentido e eivado desse censurável propósito, como ainda, por norma, é sintomaticamente incoerente.
H. O argumento apresentado pelo Recorrente de que "a queixa apresentada em 2007 é por si só esclarecedora quanto ao facto das suas denúncias nada terem a ver com a disputa sobre a regulação do poder paternal" não procede, pois a queixa apresentada na CPCJ de Cascais em 2007 tem em comum com a queixa-crime que originou os presentes autos, o facto de já então a Recorrida ter transmitido ao Recorrente que não lhes restava senão divorciarem-se.
I. Tal queixa de 2007 é completamente inconsistente com o facto de o ofendido ter pedido expressamente à Arguida em 2010 para terem mais um filho, o que veio a ocorrer, por fertilização in vitro.

J. Conforme referido nas diversas peças submetidas pela Arguida ao longo destes autos e, bem assim, ao longo do processo de regulação das responsabilidades parentais, a menor M... (bem como a menor V..., ex "ofendida"), tem vindo a ser sujeita a manipulações constantes por parte do Recorrente, no sentido de odiarem e temerem a própria mãe, o que, tal como decidido – e bem – pela Mma. Juíza do Tribunal a quo desvaloriza e fere o depoimento só aparentemente sincero prestado pela Ofendida para memória futura.
K. O depoimento prestado pela Testemunha MF..., foi correctamente valorado pela Mma. Juíza do Tribunal a quo, uma vez que, tal como se refere na sentença recorrida, a Testemunha manteve durante muitos anos uma relação de dependência laborai com o ora Recorrente, sendo certo que tal dependência laborai é ainda existente, não se podendo considerar atenuada só porque passou a trabalhar para o irmão do Recorrente, a Testemunha H....
L. As Testemunhas I... e S..., que, tal como decorre da douta sentença recorrida, disseram nunca ter presenciado uma situação igual ou idêntica à relatava por H..., irmão do Recorrente (situação essa que, contudo, nunca poderá ser perspectivada como tendo a gravidade própria do crime de violência doméstica).
M. Quanto à matéria de direito, importa referir o seguinte:
N. Dispõe o artigo 152.° do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 59/07 de 04 de Setembro: "Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais (...) é punido com pena de prisão (...),,.
O. Na anotação que faz a este artigo, Paulo Pinto de Albuquerque (em "Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem", Dezembro de 2008, Universidade Católica Editora, p.p. 403 e seguintes) refere que "os bens jurídicos protegidos pela incriminação são a integridade física e psíquica, (...). O crime de violência doméstica é um crime específico impróprio cuja ilicitude é agravada em virtude da relação familiar, parental ou de dependência entre o agente e a vítima".
P. Refere ainda o Autor que "o tipo objectivo inclui condutas de «violência» física, psíquica, verbal (...)", sendo certo que "os «maus tratos físicos» correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples".
Q. Ora, na anotação que faz ao crime de ofensa à integridade física simples, Paulo Pinto de Albuquerque refere que "não é condição da relevância típica a provocação de dor ou mal-estar corporal, incapacidade da vítima para o trabalho, aleijão ou marca física (...). Mas é condição dessa relevância típica que o ataque assuma um grau mínimo de gravidade, descortinável segundo uma interpretação do tipo à luz do critério de adequação social" (em idem, p. 385).
R. Posto isto, claramente se infere que o comportamento adoptado pela Arguida para com a Ofendida, claramente que não pode ser entendido como um crime de ofensa à integridade física simples, se interpretado à luz do critério da adequação social.
S. Os factos em causa nos presentes autos aconteceram no âmbito de situações familiares normais, em que a mãe, mediante "birras" da filha, procurou corrigi-la, educando-a, tendo, na sequência dessas mesmas "birras", dado uma "palmada" na menor, como muitos dos verdadeiros pais fazem no seu dia-a-dia, precisamente com o intuito de corrigir comportamentos menos correctos dos filhos.
T. Considerar tais comportamentos por parte da Arguida, ora Recorrida, como consubstanciando um crime de ofensa à integridade física simples, ou considerar que chamar "cabra", "estúpida", "burra" ou "porca" – sobretudo atendendo aos contextos em que tais designações foram adoptadas – consubstancia uma situação de violência psíquica e, consequentemente, atendendo à relação familiar existente entre a Arguida e a Ofendida, que estamos perante um crime de violência doméstica previsto e punível pelo artigo 152.° do Código Penal, é desprovido de sentido, indo contra todos os fins e princípios deste ramo do Direito.
U. Refere ainda Paulo Pinto de Albuquerque na anotação que faz ao artigo 152.° do Código Penal que o tipo subjectivo deste crime "só pode ser preenchido dolosamente" (p. 404).

V. Ora, atendendo ao contexto em que as alegadas "agressões" se verificaram, torna-se por demais evidente que a Arguida não actuou em conformidade com o disposto no artigo 14.° do Código Penal.
W. De facto, quando adoptou os comportamentos que foram dados como provados, o único objectivo da Arguida era controlar o reiterado mau comportamento da filha, nunca tendo, porém, pretendido "ofender o corpo ou a saúde" da menor, ou atingir a sua Dignidade.
X. Atendendo ao exposto, facilmente se conclui que nem o elemento objectivo, nem o elemento subjectivo do crime de violência doméstica, contemplado no artigo 152.° do Código Penal, se encontram preenchidos, devendo, consequentemente, as presentes Alegações de recurso ser julgadas não procedentes.
Y. Nestes termos, o recurso apresentado pelo Recorrente deve ser julgada improcedentes, por não provadas, mantendo-se a sentença absolutória proferida pelo Tribunal a quo, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA.

V – Transcreve-se a decisão recorrida.
I – RELATÓRIO
Em processo comum com intervenção do Tribunal Singular, foi pronunciada (a fls. 454):
H..., divorciada, consultora externa, desempregada, nascida a 8 de Agosto de 1972,…;
Pela prática de um crime de violência doméstica (na pessoa da vítima M...), previsto e punido pelo artº 152º, nº 1, alínea d) e nºs 2 e 4, do Código Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 59/07, de 4 de Setembro, conforme a matéria constante da acusação de fls. 117 a 122, que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais.
*
M..., representada pelo seu pai J..., deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida/demandada, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €5000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vincendos até integral pagamento (fls. 296 a 299).
Fundamentou, em suma, a sua pretensão:
- Na circunstância da arguida ter vindo a ignorar as suas responsabilidades financeiras ao nível paternal, como sejam as alimentares, de saúde e de edução, o que causa impacto a nível da auto-estima da menor M...;
- Que apesar de ter aceitado partilhar tais custos, a arguida não pagou a sua parte nas consultas de psicologia clínica da menor M..., que ascenderam ao valor total de € 650, consultas essas fixadas na decisão proferida pelo Tribunal de Família e Menores no âmbito da regulação das responsabilidades parentais.
- Que a menor continua privada de diversos bens pessoais, entre os quais fotografias, tendo ficado sem as prendas que, no Natal de 2013, lhe foram oferecidas pela mãe e depois retiradas.
- Que a Menor foi sujeita a todo o tipo de agressões físicas, por parte da mãe, as mais graves pontapés e uma agressão sexual, e que em consequência não deseja estar, nem com sua mãe, nem com a família materna.
- Que em consequência da conduta da arguida, mais concretamente, de acontecimentos passados e recentes, a menor M... tenha sofrido e ainda sofra de insónias, pesadelos e outras “perturbações emocionais” visíveis e sentidas.
*
A arguida contestou a acusação (fls. 586) e o pedido de indemnização civil (fls. 600), em suma, negando a prática dos factos, salientando jamais ter insultado, ofendido ou agredido física ou verbalmente as filhas, e pugnando pela respetiva absolvição e improcedência.
Mais, alega, em suma, que os presentes autos mais não são do que o culminar de um processo de manipulação da menor e propaganda direta contra a mãe, para assegurar a guarda das filhas em caso de divórcio.
Ainda, que a menor está influenciada pela “campanha sistemática empreendida pelo pai”, num caso de verdadeira alienação parental.
Também, que a ter chamado porca à menor M... fê-lo porque frequentemente tirava secreções do nariz e colocava-as na boca e porque, apesar dos seus 9 anos de idade, ainda usava fraldas para dormir e optava por a usar mesmo quando já estava acordada e ficava no sofá a ver televisão.
E, que a ter chamado cabra à M..., fê-lo porque aquela tinha por hábito saltar no sofá.
Quanto ao episódio do dia 28 de Outubro, estava a ajudar a filha com os trabalhos de casa e tinha-a chamado várias vezes à atenção para que se sentasse direita na cadeira e fizesse os trabalhos com caligrafia adequada. Porém, porque tal como vinha ocorrendo há meses, a M... ignorou o que lhe dizia, viu-se obrigada a endireitar a filha na cadeira, sendo que ao fazê-lo aquela bateu com o braço numa saliência da cadeira, fazendo um pequeno hematoma.
Ainda, arrolou testemunhas.
(…)
II. FUNDAMENTAÇÃO:
1. Factos provados
Produzida a prova e discutida a causa, encontra-se assente a seguinte factualidade:
1. A arguida e J... casaram um com o outro em 20 de setembro de 1997.
2. São progenitores comuns de M..., nascida a 6 de Setembro de 2004 e de V..., nascida a 28 de Maio de 2012.
3. A arguida, J... e as duas filhas coabitavam na Rua x, área desta comarca.
4. Em número não apurado de vezes e em contexto também não concretamente apurado, a arguida dirigiu-se à filha M..., apelidando-a de “cabra”, “estúpida”, “burra” e “porca”.
5. No dia 28 de Outubro de 2013, pelas 19h00, a arguida agarrou e torceu o braço direito da filha M..., empurrando-a de seguida contra uma cadeira.
6. Como consequência direta e necessária de tal atuação da arguida, M... sofreu dores nas zonas atingidas, bem como equimose com três por cinco centímetros na face externa do braço direito, lesão que lhe determinou para cura vinte dias de doença, sem impossibilidade para o trabalho.
7. No dia 6 de Novembro de 2013, o queixoso saiu da casa mencionada em 3) dos factos provados, levando consigo as duas filhas do casal.
8. A arguida não tem averbada qualquer condenação no respetivo Certificado do Registo Criminal.
*
2. Factos não provados
Da acusação e do pedido de indemnização civil:
- Que desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o ano de 2007, com frequência variável, em alguns períodos quase diária, as mais das vezes no domicílio comum, a arguida tenha dirigido maus-tratos a M....
- Que nesse contexto a arguida se dirigisse à filha M..., apelidando-a de “nojenta e puta”, dizendo-lhe “não quero saber de ti, não me interessas para nada”.
- Que nesse contexto, de viva voz e com foros de seriedade, a arguida declarasse à filha M... “Levas uma chapada que ficas colada à parede”, bem como que ia bater-lhe com um cinto, e colocá-la num colégio interno.
- Que a arguida não se coibisse nesse âmbito de atingir o corpo da filha M... com pontapés e pancadas com as mãos.
- Que a arguida não se coibisse de declarar a J... que se este não batesse na filha M..., a arguida bateria em J....
- Que ao agir da forma descrita, tenha tido a arguida o propósito conseguido e reiterado de humilhar e maltratar física e psiquicamente M..., sua filha, com quem coabitava, bem sabendo que, por força da sua tenra idade, esta não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à atuação da arguida, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir a sua ação criminosa.
- Que a arguida tenha agido sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
- Que em consequência direta e necessária da conduta da arguida a menor M... não deseje estar, nem com sua mãe, nem com a família materna.
- Que em consequência direta e necessária da conduta da arguida, a menor M... tenha sofrido e ainda sofra de insónias e pesadelos.
**
Da contestação:
- Que a menor M... seja uma criança com alguma dificuldade em aceitar regras, problema para o qual a arguida e o seu marido, na qualidade de pais, foram desde cedo alertados.
- Que em Fevereiro de 2013 a arguida tenha comunicado ao queixoso a sua intenção de se divorciar.
- Que a arguida visse frequentemente, a filha M... tirar secreções do nariz e pô-las na boca, pelo que a repreendia, dizendo-lhe, por exemplo: "Não faças porcarias" ou "Não faças isso que é uma porcaria", sendo usual e imediatamente desautorizada pelo marido, que dizia à criança afirmações semelhantes a: "M..., não faz mal, o Pai também fazia quando era pequeno".
- Que a M... ainda usasse fralda para dormir, optando, frequente e deliberadamente, por utilizar a fralda e fazer xi-xi na fralda mesmo quando já estava acordada, no sofá, a ver televisão.
- Que tal situação gerasse, por vezes, repreensões por parte da mãe à filha, como sendo, “fazer xixi na fralda, com a tua idade, é uma porcaria” ou “Não sejas porca”.
- Que a menor M... tivesse também por hábito saltar no sofá, deslizando de cabeça até ao chão, fazendo-o inclusivamente na presença da irmã mais nova que, com cerca de 17 meses, queria já imitar este seu comportamento.
- Que com medo que as filhas se magoassem, a arguida, frequentemente, repreendesse a M..., para parar de fazer aquilo, dizendo por vezes, qualquer coisa como "Estás sempre aos pulos, pareces uma cabrita, está quieta, se faz favor."
- Que no dia 28 de Outubro, a arguida - tal como acontecia com uma regularidade quase diária - estava a ajudar a filha M... com os trabalhos de casa, tendo-a chamado por diversas vezes à atenção, para que a mesma se sentasse direita e fizesse os trabalhos com uma caligrafia adequada.
- Que, no entanto, tal como vinha ocorrendo nos últimos meses, a M... ignorasse frequentemente as chamadas de atenção da Mãe, pelo que a arguida se viu obrigada a endireitar a filha na cadeira, sendo que ao fazê-lo a M... bateu com o braço numa saliência da cadeira (entre as costas e o apoio da cadeira), fazendo um pequeno hematoma.
*
No mais, não existem factos não provados, nem da acusação, nem do pedido de indemnização civil, nem da contestação, sendo certo que não foi considerada a matéria conclusiva, de Direito e sem relevância para a boa decisão da causa.
Designadamente, não foi considerada a matéria alegada nos artigos 9) a 14) do pedido de indemnização civil por se referirem a obrigações decorrentes das responsabilidades parentais e não a uma consequência direta e necessária da conduta concretamente imputada à arguida nestes autos.
Igualmente, pelas mesmas razões, por ser vaga e conclusiva e respeitar a um período temporal posterior ao da acusação, não se considerou a matéria contida no artigo 16) do pedido de indemnização civil.
Ainda, por se tratar de matéria conclusiva e de Direito, por respeitarem, alguns, ao domínio das responsabilidade parentais e por traduzirem, outros, mera matéria probatória não foi considerado, entre outros, o alegado nos artigos 9) a 13), 19) a 23), 25) a 32), 33) a 49), 53 a 57), 67) a 78), 82) a 85) e 88) a 91), da contestação.
*
3. Motivação da decisão
(…)
Ora, tudo visto e ponderado, verifica-se que a prova produzida foi apenas suficiente para comprovar os factos descritos na acusação dados por assentes.
Desde logo, cumpre referir que resulta claramente do texto da acusação que os factos imputados à arguida teriam sido praticados após 2007, de forma contínua durante o período da coabitação do casal, coabitação essa que segundo referiu o queixoso, findou em 06/11/2013, sendo o último facto relatado na acusação o do dia 28 de Outubro de 2013.
No essencial, os factos alegados foram confirmados pela menor e pelo pai desta.
Por outro lado, apenas a testemunha H..., irmão do queixoso, refere que a arguida desferiu dois socos no ombro da queixosa, facto que, nem esta, nem o queixoso referem de forma clara.
No mais, nenhum dos inquiridos presenciou qualquer agressão ou, exceção feita ao episódio do dia 28 de outubro de 2013, viu a menor com qualquer marca, o que não pode deixar de se estranhar perante um cenário de agressões constantes como as descritas pela menor e pelo pai, tanto mais que aquela frequentava a escola.
Por outro lado, apesar da descrição dos factos feita pelo queixoso, as testemunhas F… e L…, vizinhos do casal desde 2005/2006, assevera.m nunca terem ouvido nada de anormal vindo da casa da arguida, nem mesmo quando estavam mais atentos, pese embora a péssima insonorização do local.
Igualmente, a testemunha FR..., vizinho do casal, também nada ouviu ou viu de anormal.
Quanto às testemunhas D… e F..., depuseram, sobretudo, sobre factos que se prendem com a regulação das responsabilidades parentais e que respeitam a um período temporal posterior ao da acusação.
A testemunha C… não tem conhecimento direto de qualquer facto tendo-se limitado a ouvir o queixoso e a arguida.
As testemunhas I..., S..., Ma… e Mar… não têm conhecimento direto dos factos descritos na acusação.
Igualmente, as testemunhas Pe…, Na…, Ma…, Mar…, H… e MG… não presenciaram os factos e, no essencial, depuseram sobre factos que se prendem com a regulação das responsabilidades parentais.
Acresce que nenhuma destas testemunhas, na verdade, assistiu a qualquer agressão verbal ou física por parte da arguida, sendo que a testemunha MF... também não descreveu qualquer agressão física.
Por outro lado, não pode deixar de se ter em conta que a situação dos autos está diretamente relacionada com a matéria da regulação do exercício do poder paternal, e, como tal, repleta de subjetividades.
Por outro lado, das declarações do queixoso e de todo o processado, resulta que a relação entre a arguida e o queixoso é tudo menos pacífica e que a regulação do exercício do poder paternal, particularmente na parte referente à guarda das crianças, é um fator de grande conflito e litigiosidade.
A título de exemplo, note-se a conversa que o queixoso teve com F… e L… a propósito da sua vida familiar /íntima e do depoimento da testemunha MF... quando refere as razões pelas quais deixou de trabalhar para aquele.
Também, quando ao episódio de 28 de outubro, não pode deixar de se estranhar que ao chegar a casa e ao pôr a chave à porta o queixoso tenha tocado imediatamente à porta dos vizinhos, mesmo antes se inteirar da situação da filha.
Tais circunstâncias abalam a credibilidade do depoimento do queixoso e acabam por abalar o depoimento da menor que vivia à data e vive atualmente com o pai e com quem tem vindo ao longo dos anos a manter uma relação privilegiada, conforme resulta dos depoimentos prestados.
Na verdade, pese embora o caráter emotivo do seu depoimento, a que o Tribunal não ficou indiferente, não ficou este convencido de que a menor tenha conseguido reproduzir com rigor e isenção os factos ou que deles tivesse uma noção exata quanto ao seu significado e alcance.
Assim, exceção feita à situação do dia 28 de Outubro de 2013, que é parcialmente corroborada pelas testemunhas F… e L…, não foi possível concluir com rigor que a arguida tenha atingido por qualquer forma o corpo da menor M..., ou que lhe tenha dirigido as expressões “não quero saber de ti, não me interessas para nada” e as constantes do artigo 13) constantes da acusação.
Porém, quanto às expressões dirigidas pela arguida à Menor, conjugado o depoimento das testemunhas MF... e H... com o depoimento da menor e do queixoso, tem-se por provado que efetivamente a arguida dirigiu à filha as expressões “cabra”, “estúpida”, “burra” e “porca”, ainda que não se tenha apurado, nem o número de vezes, nem o contexto, nem as datas.
Aliás, em sede de acusação, apenas é expressamente indicada uma data e relatada uma situação concreta – 28 de Outubro.
De resto, em caso de dúvida, subsistindo dúvidas não ultrapassadas em sede de audiência de julgamento, não podem as mesmas deixar de ser tidas em conta na apreciação e indicação da matéria de facto provada, em seu favor. Tal é o imperativo do direito processual penal –“in dubio pro reo”.
Por tudo quanto se disse, não se tendo apurado o exato contexto em que os factos dados por assentes ocorreram, também não se têm por provados os factos alegados na acusação que integram o elemento subjetivo.
Os factos alegados no pedido de indemnização civil dados por não assentes resultam de tudo quanto já se deixou dito e concomitantemente da ausência de prova bastante que os comprove.
Relativamente ao artigo 14) da contestação, não está o mesmo suficientemente comprovado porquanto a avaliação junta pela arguida com a contestação, a fls. 604, remonta a 21 de Junho de 2007, e os registos de avaliação juntos a fls. 606 a 611 contém apenas observações genéricas referentes ao comportamento da menor em ambiente escolar.
Quanto aos demais factos não provados e alegados na acusação, os mesmos resultam de tudo quanto já se deixou dito, pois que também aqui, no entender do Tribunal, a prova testemunhal e documental não foi suficiente para os comprovar exato com rigor.
Quanto aos antecedentes criminais da arguida foi tido em conta o teor do Certificado do Registo Criminal junto aos autos.
*
4. Enquadramento jurídico-penal
Vem a arguida acusada da prática de um crime de violência doméstica (na pessoa da vítima M...), previsto e punido pelo artº 152º, nº 1, alínea d) e nºs 2 e 4, do Código Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 59/07, de 4 de Setembro.
(…)
Assim, no caso dos autos, não se tendo provado qual o exato contexto em que os factos ocorreram, as circunstâncias ou como os mesmos ocorreram, não é possível concluir que a arguida tenha excedido, o poder dever de correção/educação.
Por outro lado, o meio empregue no contacto físico também não permite concluir, por si só, pela inaceitabilidade da sua conduta à luz da consciência ético-social.
Acresce que também não está provado que a arguida tenha agido o propósito conseguido e reiterado de humilhar e maltratar física e psiquicamente M..., sua filha, com quem coabitava, bem sabendo que, por força da sua tenra idade, esta não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à atuação da arguida, e que se tenha prevalecido de tal circunstância para prosseguir a sua ação criminosa.
Igualmente, também não está provado que a arguida agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Termos em que deverá a arguida ser absolvida da prática do crime de violência doméstica pelo qual vinha acusada, não havendo, igualmente, lugar à sua condenação pela prática do crime de ofensa à integridade física simples.
Quanto às expressões dirigidas pela arguida à queixosa, não só as mesmas não estão delimitadas no tempo, como também o procedimento criminal por tais factos sempre dependeria de acusação particular, atenta a natureza particular do crime de injúria.
De todo o modo, ainda que se tivesse provado que a arguida tivesse dirigido à menor M... os restantes nomes constantes da acusação, sempre ficaria por comprovar o número de vezes e em contexto.
*
5. Do pedido de indemnização civil deduzido pela demandante M...:
Dispõe o artº 129º do Código Penal que a indemnização por perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil.
“O pedido de indemnização civil deduzido no processo penal é uma verdadeira acção civil transferida para o processo penal por razões de economia processual e cautela no que respeita a possíveis decisões contraditórias se as acções civil e penal fossem julgadas separadamente” – Germano Marques da Silva .
Estatui o art.º 483º, do Código Civil:
“1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei».
Assim, constituem pressupostos da responsabilidade civil subjectiva extra-contratual: o facto ilícito, a culpa do agente, a existência de danos e de um nexo de causalidade adequada entre esses danos e a conduta ilícita do agente (artigo 483º e seguintes do Código Civil).
Ora, no caso vertente, sendo certo que o pedido de indemnização civil deduzido em processo penal tem por fundamento a prática de um ilícito – um crime – e não resultou provada a prática pela arguida dos factos que lhe são imputados e, consequentemente, do crime pelo qual vem acusada, constata-se a inexistência dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
(…)
III. DECISÃO
Face ao exposto, julgo a pronúncia improcedente por não provada e consequentemente:
A) Absolvo a arguida H... da prática do crime de violência doméstica pelo qual vinha pronunciada.
Julgo o pedido de indemnização civil formulado pela demandante improcedente e, em consequência, absolvo a demandada do mesmo.
(…)

VI – O Exmo Procurador-Geral Adjunto nesta Relação teve vista do processo (vd. art.º 416 .º n.º 2 do C.P.Penal).

VII - Cumpre decidir.
1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na CJ (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo I, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).
2. O recurso será julgado em audiencia, atento o disposto no art.º 419.º n.º 3 alínea c) do C.P.Penal, por tal ter sido requerido pelo assistente.
3. O assistente, no seu recurso, colocar em crise as seguintes questões:
- Erro na apreciação e valoração da prova produzida em julgamento – questão de facto;
- Enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provados;
- Pede a condenação da arguida pela prática de um crime de violência doméstica (na pessoa de M...), previsto e punido pelo artº 152º, nº 1, alínea d) e nºs 2 do Código Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 59/07, de 4 de Setembro.
4. De um erro de julgamento.
Nos termos do artigo 127.° Código de Processo Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Do referido preceito decorre o princípio da livre apreciação da prova.
A livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão (...) Com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim.
A convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre "uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.
A sentença condenatória, na sua fundamentação, enumera os factos provados e não provados, faz uma exposição completa dos motivos de facto e de direito, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, tal como estatui o artigo 374.° do Código de Processo Penal.
É da fundamentação invocada para a decisão que se afere da correcção do juízo crítico sobre as provas produzidas.
Deste modo, tal juízo só poderá ser valorado pela razoabilidade da fundamentação da decisão de facto.
Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir [ “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011, in www.dgsi.pt)].
O tribunal pode e deve lançar mão de presunções.
Sob a epígrafe “Presunções”, diz o Artigo 349.º (Noção) do Código Civil: Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
E nas anotações ao Código Civil, de Abílio Neto refere-se:
3. As presunções pressupõem a existência de um facto conhecido (base das presunções) cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita por meios probatórios gerais; provado esse facto, intervém a Lei (no caso de presunções legais) ou o julgador (no caso de presunções judiciais) a concluir dele a existência de outro facto (presumido), servindo-se o julgador, para esse fim, de regras deduzidas da experiência da vida (RLJ, 108.0-352).(…)
6."Estas presunções são afinal o produto de regras de experiência: o juiz, valendo-se de certo facto e de regras de experiência conclui que aquele denúncia a existência doutro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência ou, se se quiser, vale-se de uma prova de primeira aparência" (A. Lopes Cardoso, RT, 86.0-112).
E ainda o Acórdão do S.T.J. de 11 de Outubro de 2007, proc.º 07P3240 , Relator: SIMAS SANTOS in www.dgsi.pt :
“4 - Como tem sido jurisprudência deste Tribunal, é admissível a prova por presunção, o sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.”
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17 de Março de 2004, in “www.dgsi.pt”, os meios de prova directos não são os únicos a poderem ser utilizados pelo julgador. Existem os meios de prova indirecta, que são os procedimentos lógicos, para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um (ou vários) factos conhecidos, ou seja as presunções. As presunções, cuja definição se encontra no artigo 349º do Código Civil, são também válidas em processo penal, importando, neste domínio as presunções naturais que são, não mais que o produto das regras de experiência: o juiz valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. O juiz utiliza a experiência da vida, da qual resulta que um facto é consequência de outro, ou seja, procede mediante uma presunção natural. Na passagem do facto conhecido para a aquisição do facto desconhecidos, têm de intervir procedimentos lógicos e intelectuais que permitam, com fundamento, segundo as regras da experiência que determinado facto anteriormente desconhecido, é a natural consequência, ou resulta com probabilidade próxima da certeza de outro facto conhecido.
" O juiz não tem que aceitar ou recusar cada um dos depoimentos na globalidade, cabendo-lhe a difícil tarefa de dilucidar em cada um deles o que lhe merece crédito. - Ac. Rel. Porto, de 2009-06-17 (Rec. n° 229/06.8TAMBR.P1, rel. Borges Martins, in www.dgsi.pt).
Relativamente ao conhecimento da ilicitude, sempre se dirá relativamente à intenção criminosa que: “ os actos interiores (ou “factos internos” como lhes chama Cavaleiro de Ferreira), que respeitam à vida psíquica, a maior parte das vezes não se provam directamente, mas por ilação de indícios ou factos exteriores (Germano Marques da Silva, Curso de Proc. Penal, II, pag101)”.
De facto, conforme jurisprudência do STJ “os elementos subjectivos do crime pertencem à vida íntima e interior do agente. Contudo, é possível captar a sua existência através e mediante a factualidade material que os possa inferir ou permitir divisar, ainda que por meio de presunções ligadas ao princípio da normalidade ou às regras da experiência comum”(Ac. STJ de 25/09/97 no Processo nº 479/97, citado por Leal H...s e Simas Santos in Código Penal Anotado I Vol. 2002 p. 224).
Assim, entendemos, com o devido respeito, que o tribunal a quo errou ao não dar como provados no essencial os factos constantes da acusação.
As declarações para memória futura da menor M..., cuja gravação ouvimos na íntegra, são de facto impressionantes quer pela autenticidade quer ainda pelo facto de, pese embora não olhássemos a criança nos olhos, ressaltar o sofrimento da mesma ao descrever o comportamento da sua mãe para consigo e dizer “nunca pensei que ía ter uma mãe assim”, tendo o seu depoimento de cerca de 30 minutos passado quase inteiramente a chorar e, às vezes, de forma convulsa.
Deste modo, o que está em causa não é o conteúdo das declarações e depoimentos transcritos mas antes a sua valoração, pelo que se transcrevem os mesmos tais como constam da decisão recorrida:
Fundamentação da decisão de facto:
A arguida não prestou declarações, nem quando à matéria da acusação, nem quanto às suas condições económicas e pessoais.
Porém, em sede de declarações finais declarou que, apesar de não o demonstrar, a situação lhe tem causado muito sofrimento.
O queixoso J... confirmou os factos dados por assentes em 1) e 2) dos factos assentes, os quais, sendo dados objetivos, estão também comprovados pelos documentos de fls. 15 (certidão nascimento da menor M...), de fls. 123 e 124 (assento de nascimento do queixoso e averbamento referente ao casamento) e de fls. 125 (certidão de nascimento da menor V...).
Relativamente à residência do casal (dada por assente em 3)), confirmou-a também, referindo que assim foi até ao dia 6/11/2013, data em que saiu de casa levando consigo as duas filhas.
Descreve a filha M... como uma criança extremamente meiga, sensível, responsável e com um excelente desempenho escolar.
Salienta que a arguida manifestou desinteresse pela filha M... quando esta era ainda bebé e que lhe batia.
Assim, a arguida desferiu um pontapé na filha M..., entre o rabo e a zona lombar, quando esta tinha 6 anos de idade e tinha acabado de vir da sua festa de aniversário, o que sucedeu porque aquela continuou a rodar o cinto de pano do seu vestido após a mãe lhe ter dito para parar.
Entre o dia 22 de fevereiro e o dia 22 de setembro de 2012, foram ao Porto e enquanto esperavam num consultório, a filha M... estava a brincar consigo, de “forma inocente”. A dada altura a arguida, que tinha a V... ao colo, enervou-se por a M... estar a brincar e desferiu-lhe um pontapé que a atingiu no rabo e na perna.
No dia 22 de setembro de 2013, a M... tinha acabado de sair do banho e dirigiu-se para junto da mesa da sala de jantar. Começou a pentear-se e salpicou a toalha onde iam ser colocados os pratos e os talheres para o jantar. De repente, a arguida ficou descontrolada e começou a dirigir insultos à filha e pontapeou-a, mais do que uma vez, acertando-lhe no lado direito da perna. Nessa ocasião a arguida chamou puta à M..., mais do que uma vez e outros nomes de que não se recorda.
A M... era sistematicamente agredida pela mãe, no banho. A mãe batia-lhe na cabeça, com a mão aberta, sobretudo na nuca. Ainda, a mãe usava o braço da própria filha para alavancar e assim a agredir. Tal sucedeu ao longo dos anos, particularmente entre 2012 e 2013, porque a filha não se despachava e estava a gastar muita água.
Quando era pequenina a mãe tirava-a do banho, sentava-a no colo e batia-lhe no rabo porque não estava quieta para se vestir.
Esclarece que as palmadas eram com força, que lhe deixavam marcas nas nádegas, e que a M... começava a chorar.
Em 2009 estavam na sala e a M... estava sentada consigo no sofá. Por qualquer desagrado, de que nem se apercebeu, a mãe empurrou a filha da parede da sala até ao ombro do sofá, numa distância de 1 a 1,5 m, fazendo com que batesse no sofá e abrisse o lábio.
Por andar com as botas da arguida calçadas esta disse-lhe que lhe esmagava a cabeça na parede.
Não presenciou o facto descrito na acusação referente ao dia 28/10/2013, mas entre as 19h00 e as 20h00, a arguida telefonou-lhe muito nervosa a perguntar onde estava e a pedir-lhe para chegar a casa. Nesse telefonema ouviu o choro de uma criança ao fundo, razão pela qual percebeu que se tinha passado alguma coisa. Nessa conformidade, assim que chegou a casa e pôs a chave à porta tocou imediatamente à campainha dos vizinhos F… e L….
Perguntado sobre o motivo pelo qual tocou à campainha dos vizinhos, esclareceu que o fez por pretender que estes o ajudassem.
Quando chegou a casa a M... desceu as escadas agarrada ao braço direito e a queixar-se da cabeça e do rabo, correu para o seu colo e descreveu-lhe o que se tinha passado, dizendo-lhe que tinha sido agredida na cabeça.
Ficou combinado com o vizinho que em situação de choro ou gritos aquele interviria imediatamente para interromper a situação de “ataque” ou da “agressão”.
Quando o episódio ocorrido no dia 28 de Outubro pediu também ajuda a outro vizinho, a testemunha FR….
Relativamente a esse episódio, viu uma nódoa negra no braço direito da filha M... e um vergão num tom escuro no braço.
A M... contou-lhe que a mãe também a agrediu com socos.
Em 2010 a M... estava muito triste e chorosa e disse-lhe que a mãe lhe tinha desferido um murro na vagina.
A M... disse-lhe que que a mãe lhe deu murros nas costas com os nós dos dedos.
A arguida disse à M... que lhe ia bater com o cinto.
A arguida chamava à M... “cabra”, se não todos os dias, dia sim dia não. Também porca, nojenta, estafermo, estúpida, que não a ia buscar à ginástica porque cheirava mal. A arguida chamava nomes à filha pelo menos 2 a 3 vezes por semana.
A arguida dizia também à M... que a ia pôr num colégio interno e que não lhe interessava para nada.
Dizia também “só tenho merdas na minha vida” e expressões de desdém, de desprezo, “chiça penico”, contra a filha. Dizia-lhe, ainda, “tu não me interessas para nada”, “não quero saber de ti”.
Entre o dia 28 de Outubro e o dia 6/11/2013 a arguida deixou de falar com a M... e pô-la muitas vezes na rua, dizendo-lhe “vai-te embora, não te quero cá”.
Confrontado com o documento de fls. 499 e com a frase ali constante - “Não te vou nunca trair” referiu que M... lhe disse não o ter escrito.
Não reconhece a letra do escrito de fls. 499 como sendo da filha, salientando que a arguida tinha uma técnica de pintura e decalque por cima de papel vegetal, o que poderá ter sucedido para fabricar este postal.
Confrontado com fls. 612 referiu não se recordar e não ter a certeza de que possa ser seu. Porém, o documento não está datado e parece incongruente, o que o leva a crer que possa não ser seu, apesar da letra parecer sua. Tal documento pode resultar de decalque ou ser uma proposta.
A arguida não fala com a M... desde 30/11/2015 e é felicíssima, está muitíssimo bem.
A testemunha MF..., empregada doméstica, referiu ter sido empregada do casal durante muitos anos, mesmo antes das crianças nascerem, e que após a separação continuou a ser empregada do queixoso J....
Trabalhava na residência do casal às terças e sábados, todas as semanas, entre as 7h e as 13h e aos sábados das 09h às 13h00.
Do que observou, a convivência do casal era pacífica.
Porém, quando as filhas nasceram as coisas começaram a complicar-se porque a arguida andava mais nervosa e havia muita gritaria.
Ouviu a arguida chamar burra à M... uma vez em que teve má nota. A arguida também chamava cabra à M.... Tal sucedia quando a M... saltava em cima do sofá e a mãe lhe ordenava que parasse, o que não fazia. Nessa ocasião também lhe chamava estúpida. Esclarece que “quanto a saltar para cima do sofá”, foi já no fim da relação do casal.
Uma vez viu a M... com uma marca no braço.
Em 2005 quando estava no piso de baixo ouviu a arguida dizer que qualquer dia a atirava da janela abaixo, mas não subiu ao andar de cima, nem se inteirou do que se passava.
Assistiu a discussões entre o casal, o que, no final, sucedia quase todas as semanas.
Por vezes, antes de ir para a escola a arguida ralhava com a filha e empurrava-a para sair de casa.
Deixou de trabalhar para o queixoso em 2015 porque aquele lhe deu a conhecer que a Juíza não estava a acreditar no que estava a dizer. Assim, decidiu que para o bem das crianças devia sair para poder depor sem estar a trabalhar para o queixoso.
Atualmente trabalha para uma senhora e para o irmão do arguido, Dr. H....
A testemunha F…, vizinho do casal desde 2005/2006, altura em que adquiriu a sua casa e os conheceu.
Vivia paredes meias com o apartamento do casal e nada tem contra os dois.
Não era visita da casa do casal.
No dia em que pensa ser o do episódio da cadeira, entre as 18h e as 19h00, estava em casa quando o queixoso lhe tocou à campainha. Abriu a porta e viu o queixoso com a filha mais nova ao colo, calma, e a mais velha junto do pai, a chorar, e o queixoso muito alterado dizendo que a arguida tinha batido na filha.
O queixoso dizia que a filha mais velha tinha sido agredida pela arguida por questões relacionadas com o estudo ou os trabalhos de casa que estava a fazer.
Então, a arguida retirou a filha mais nova do colo do queixoso e, em tom normal, pediu para entrarem para a habitação e falarem, dizendo “José vamos para dentro, resolvemos as nossas coisas lá dentro”.
Entretanto a mais velha continuava a chorar e o queixoso dizia “explica, explica o que se passou” e a filha dizia que a mãe lhe tinha batido e que tinha tocado ou batido na cadeira. Porém, garantidamente, não lhe foi dito que a arguida tivesse atirado com a cadeira à filha.
O queixoso estava completamente alterado e a filha mais velha também. O queixoso estava nervoso, irritado, num estado em que nunca o tinha visto antes.
Depois foram para casa.
Cerca de meia hora depois, o queixoso voltou a tocar-lhe à campainha, sendo que durante esse período não ouviu qualquer alarido.
Nessa ocasião o queixoso pediu-lhe para o acompanhar a sua casa para ver uma marca que a filha mais velha teria. Para o efeito, levou-o até à casa de banho, onde viu uma marca no braço da M..., quando esta estava na banheira.
Estranhamente, no dia seguinte, saíram os quatro normalmente de casa.
Na sua opinião o queixoso chamou-o na sequência de uma conversa que teve consigo em momento anterior.
Com efeito, cerca de 3 a 4 semanas antes o queixoso, aproveitando a ausência da arguida, chamou-o a casa e contou-lhe a história da sua vida, que incluía agressões verbais e físicas da mulher para consigo e para com as filhas.
Ficou perplexo porque sempre tinha visto uma família normalíssima e porque o que o arguido lhe relatou é o tipo de conversa que não contaria a ninguém, muito menos a pessoas com quem não tem intimidade e de quem é só vizinho.
Ficou com a perceção de que a conversa do vizinho era um desabafo e também no sentido de pedir ajuda e para estar atento para qualquer situação que pudesse ouvir durante a sua ausência no trabalho. O queixoso deu-lhe o seu número de telemóvel para o contactar se ouvisse alguma situação que fugisse ao normal, mas nunca viu. Pereceu-lhe que havia uma tomada de medidas para se precaver no futuro, tendo-lhe inclusivamente falado em gravações de supostas agressões.
Observou várias vezes a criança só com a mãe e a relação era normal.
Para além daquela conversa, após a separação do casal, o queixoso enviou-lhe cartas para que se encontrasse consigo. Mas não respondeu a nenhuma.
Antes do queixoso ter tocado à campainha não se tinha apercebido de qualquer alarido na casa do vizinho.
Têm paredes contíguas e ouve-se muito bem de uma casa para a outra. A insonorização é péssima. Até o interruptor da casa do vizinho se ouve a ligar e a desligar. Porém, não ouviu nada no dia dos factos.
Nunca ouviu, nem a arguida, nem o queixoso, dirigirem más palavras às filhas.
Dentro de casa só ouviu gritos que considera normais dados pelo pai e pela mãe.
Assim, nunca ouviu nada de anormal, só o ralhar normal com os filhos, como faria com os seus.
A testemunha L…, mulher da testemunha F… e vizinha do casal, começou por referir que a ideia que tem é que se tratava de um casal normal.
Eram pessoas bastante reservadas com quem não tinham qualquer tipo de contacto a não ser o normal de vizinhos que se encontram no prédio.
A insonorização dos apartamentos é péssima e ouve-se muito os vizinhos, porque as “paredes são fracas”.
Quando estava em casa podia ouvir, uma vez ou outra, o choro das crianças ou uma chamada de atenção dos pais, dos dois, para com as crianças, mas tudo normal, como faz com os seus filhos.
Numa ocasião o queixoso chamou o marido a sua casa e teve uma conversa cujo teor, que lhe foi relatada pelo marido, a deixou perplexa, porque não estava a contar.
Também, noutra ocasião, à noite e após aquela conversa, o queixoso veio a sua casa e contou o que já tinha contado ao marido, relatando agressões físicas e verbais da arguida para consigo e para com as filhas.
Após o que ouviram do queixoso tentaram ficar mais atentos mas, de facto, não ouviram nada.
Noutra ocasião, ao fim do dia, início da noite, o queixoso tocou à campainha com a bebé ao colo, bastante alterado e com a M... a chorar, a dizer que a arguida tinha batido nesta.
Nessa altura a arguida tentou fazer com que o queixoso entrasse em casa para conversarem e resolverem a situação.
A M... chorava e dizia que a mãe lhe tinha batido, mas não relatou pormenores, pelo menos na sua presença, até porque entretanto foi para dentro.
Posteriormente o queixoso voltou a tocar à campainha para que o marido fosse a sua casa ver uma marca na filha, o que fez.
Depois não se apercebeu de mais nada nessa noite, a não ser um silêncio total.
Sempre que via as crianças com qualquer um dos pais, via uma relação normal e, por vezes, até de riso e brincadeira.
Nunca viu as crianças com marcas ou feridas no corpo.
O queixoso mandou-lhe uma carta para que ela e o marido se encontrassem consigo. O queixoso também lhe enviou, pelo menos, um cartão de boas festas a si e ao marido, mas não respondeu porque se nunca antes de ter saído de casa lhe havia batido à porta para dar as boas festas, “para quê os cartões”?
Nunca ouviu nada de anormal, nem antes, nem depois da conversa do queixoso.
Ouvidas as declarações para memória futura da menor M..., esta referiu que a mãe lhe batia todos os dias e que quer ficar com o pai porque a mãe lhe batia muito, por “coisas insignificantes”, “por tudo e por nada”.
A mãe por vezes batia-lhe na mão e outras vezes com muito mais violência. Por vezes batia-lhe na nuca, na cabeça, nas costas, na cara, e desferia-lhe palmadas no rabo.
A última vez, antes de sair de casa, só por não estar a fazer a letra que queria, agarrou-a no braço e magoou-a contra a cadeira. A mãe bateu-lhe na nuca e torceu-lhe o braço para trás e foi contra o bico da cadeira, deixando uma nódoa negra. A mãe batia-lhe com as mãos e com os pés.
Uma vez a mãe deu-lhe pontapés num corredor de um Hotel.
A mãe chamava-lhe porca, estafermo, nojenta, puta (pelo menos duas vezes) e cabra.
A mãe ameaçava que a ia pôr num colégio interno, porque já não a aturava e lhe ia bater.
A mãe mandava em tudo, tinham que fazer as coisas às escondidas.
A mãe ameaçava o pai, dizendo que o ia pôr na rua e que lhe batia se não lhe batesse a ela quando fosse preciso.
Uma vez a mãe disse-lhe que se não parasse lhe esmagava a cabeça contra a parede.
Numa ocasião, antes de sair de casa, a mãe começou a dizer-lhe que lhe ia bater com o cinto.
Que nunca pensou que ía ter uma mãe assim.
Este comportamento da sua mãe ocorreu desde muito pequena (“da idade da V...”), e que situa antes dos 4 anos de idade.
A testemunha H..., irmão do queixoso, referiu que após a separação do casal as visitas da mãe à M... passaram a ter lugar em sua casa, sendo que esta não pretendia receber a visita da mãe. A primeira visita foi a 20 de Dezembro de 2013, inícios de 2014.
Relatou factos referentes às visitas da mãe à menor.
Relatou, ainda, outras situações, de 2015, que têm sobretudo a ver com factos relacionados com a relação de mãe e filha e com a forma como têm decorrido as visitas e que relevariam eventualmente para o processo de regulação das responsabilidades parentais.
Antes da separação do casal ouviu a arguida chamar à filha M... estúpida, parva e bruta. Tal sucedeu quando a arguida achava que que a filha se tinha portado mal. Chamava-lhe estes nomes para a censurar.
No dia 17 de Janeiro de 2013, no dia dos anos da mãe, foram jantar a um restaurante e no momento em que as crianças se levantaram da mesa para irem para junto da avó, para cantar os parabéns, viu a arguida desferir dois murros, de mão fechada e com muita violência, no ombro da M..., facto para o qual chamou a atenção do irmão.
A M... é uma excelente aluna.
Atualmente a M... está muito feliz.
O irmão tentava desculpar muito a M... e a arguida tentava acusá-la muito. O irmão tinha uma atitude protetora. A arguida é uma pessoa disciplinadora quanto às filhas.
Tem conhecimento de que o irmão saiu de casa no dia 6 de Novembro porque a arguida lhe telefonou a perguntar se sabia dele.
A testemunha D…, amigo do queixoso, referiu ter conhecido a arguida quando casaram.
Esteve algumas vezes em casa do casal.
A única situação que presenciou ocorreu no Natal de 2014, quando o casal já estava separado. A M... estava muito nervosa, porque não queria ir com a mãe.
Nunca assistiu a qualquer comportamento agressivo ou agressões.
A testemunha F…, mulher da testemunha D…, referiu que conhecia o casal e que por vezes iam a casa uns dos outros.
Nunca assistiu a qualquer comportamento menos próprio da arguida para com a filha M.... Nunca viu nada que não fosse normal.
A arguida era um bocadinho ríspida mas acha que era a sua maneira de educar.
Trabalhava no pré-escolar e via a arguida ir buscar a filha, o que também decorria de forma normal.
O queixoso brincava mais com as crianças.
No Natal de 2014 a M... estava com medo de ir com a mãe.
A testemunha FR..., vizinho do casal, referiu que conhecia o casal há muitos anos.
Numa ocasião em que estava na garagem, o queixoso disse-lhe que precisava falar consigo. Nessa altura, o queixoso pediu-lhe opinião sobre o que deveria fazer porque a arguida tinha agredido a filha com uma cadeira.
Esclarece que morava na cave e nunca ouviu nada, “nadinha”. Na sua opinião tratava-se de uma família estruturada.
Nunca viu nada.
Cruzava-se com a arguida e com as meninas e era tudo normal.
A testemunha C..., técnica da CPCJ, referiu que o processo chegou à Comissão em 2013, na sequência de sinalização feita pelo pai.
Conhece a arguida e o queixoso mas nunca falou com as menores.
As únicas informações que recolheu foram as prestadas pela arguida e pelo queixoso.
A ideia que tem do processo é de que a arguida assumiu ter tido uma atitude menos correta como mãe, facto que considerou positivo. Essencialmente a mãe reconheceu alguns insultos verbais e que gritava. Porém, não reconheceu agressões físicas.
A arguida também lhe transmitiu que a dada altura passou a haver o quase criar de uma situação limite e uma provocação por parte do queixoso para que as coisas acontecessem.
O processo foi arquivado por já não subsistir uma situação de perigo.
Confrontada com fls. 40 referiu tratar-se do documento que deu início ao processo junto da Comissão.
Confrontada com fls. 43 referiu tratar-se da decisão da Comissão.
Percebeu que havia discordância quanto ao poder educativo. O pai é mais permissivo e a mãe quer impor mais regras.
De salientar que a testemunha prestou esclarecimentos com dispensa de sigilo.
A testemunha I..., professora, referiu ter sido professora da M... durante o ano letivo de 2013/2104.
A M... chegou a referir que a mãe não tinha muita paciência para ela.
A M... dizia que a mãe gritava muito e que às vezes a puxava pelo braço e era um pouco mais agressiva.
A M... é muito boa aluna, bem-educada, respeitadora e não é provocadora. Acata as regras com facilidade. Está no quadro de mérito e foi proposta para o quadro de honra.
A testemunha S..., professora, referiu ter sido professora da M... entre 2010 e 2013.
A M... é muito boa aluna, carinhosa, boa menina, educada e respeitadora.
A M... dizia que tinha que ter boas notas porque se não tinha que sair do Colégio, mas não sabe para onde ia.
A testemunha Ma… referiu ter sido educadora da M.... A M... era uma criança muito educada, muito bem comportada, participativa.
A testemunha Mar… referiu conhecer o queixoso há cerca de 30 anos.
O queixoso contou-lhe que a arguida tinha comportamentos agressivos para com as crianças, mas ficou com a ideia de que seriam mais verbais do que físicos.
A testemunha P…, irmão da arguida, referiu nunca ter assistido a qualquer agressão verbal ou física da irmã para com as filhas.
Via a irmã chamar a atenção à filha mais velha para corrigir o que a mesma fazia de errado.
A irmã chamava a atenção das filhas e o queixoso desautorizava-a.
A irmã é uma pessoa doce e pacífica e o queixoso é uma pessoa cordial mas também calculista e premeditado.
Após a separação não mais teve contacto com o queixoso ou com a M..., exceto no Natal. A M... era uma criança inteligente, comunicativa a participativa.
Pode não parecer mas a irmã é uma mulher destroçada ou partida, que tem sofrido muito com o afastamento das filhas.
A testemunha Na…, irmã da arguida e madrinha da M..., referiu que a relação desta com a arguida e com o queixoso era normal, de carinho, de afeto e preocupação.
A M... sempre teve muito carinho e atenção dos dois progenitores.
Nunca assistiu a qualquer agressão verbal da irmã para com a M....
Após a separação não mais tem mantido contacto com a M..., que considera como a filha que nunca teve.
Pensa que o casal não se entendia na forma de educar as crianças. O queixoso desacreditava a mãe.
A testemunha Mar… referiu que começou por ser advogada da arguida, esclarecendo que o seu depoimento não iria incidir sobre factos de que tivesse tido conhecimento enquanto Advogada.
Não presenciou qualquer ato de violência para com a menor.
Apenas acompanhou a arguida a uma diligência de inquirição para memória futura, da M....
Quando a menor saiu perguntou-lhe se queria ir dar um beijinho à mãe, o que aquela fez. Foi, sentou-se no colo da mãe e deu-lhe um beijinho, ficando no seu colo.
Entretanto o pai, que tinha estado presente durante a prestação das declarações da M..., chamou-a e foram-se embora.
A testemunha Ma…, empregada da mãe da arguida há cerca de 23 anos, referiu nunca ter assistido a “coisas menos próprias” entre o casal.
A M... era uma criança normal, que brincava muito. Era educada e respeitadora.
A testemunha Mari…, amiga da arguida, referiu que convivia com o casal e que passaram muitos Natais e aniversários juntos.
Esclareceu ser familiar do queixoso, pois que o seu marido é ainda seu primo.
O casal tinha um convívio ternurento.
Quanto às filhas, sempre viu a arguida a tentar educar e o queixoso a desautorizar a mãe.
A mãe dizia “não”, o pai dizia “sim” à frente da filha e “a menina ficava feliz da vida”.
Prevalecia a vontade do pai e era como se a mãe não existisse.
Nunca viu a arguida chamar nomes às filhas ou bater-lhes.
Dececionou-se muito com o arguido até porque soube através do ciclo familiar que tirou as crianças de casa e que quando a arguida chegou a casa as filhas não estavam lá.
A testemunha H…, amiga da arguida, referiu que convivia muito com o casal. Frequentavam as festas uns dos outros.
Nunca viu a arguida dirigir palavrões à menor.
O queixoso era mais tolerante.
A testemunha N…, psicólogo, prestou esclarecimentos sobre a alienação parental.
Quanto à lesão apresentada pela menor e suas consequências foi tido em conta o teor do auto de exame direto de fls. 30.
A fls. 663 está junta informação, datada de 18/02/2016, prestada pelo Dr. L…, médico pediatra, de onde consta que nos últimos anos a M... foi sempre acompanhada só pelo pai e que nas consultas anteriores, algumas das quais eram acompanhadas só pela mãe, ou pela mãe e pai, nunca observou qualquer marca física de maus tratos.”
Concluindo:
Deste modo, juízo do Tribunal a quo só poderá ser valorado pela (ir)razoabilidade da fundamentação da decisão de facto, o que no caso ocorreu.
Não pode a arguida deixar de conceber e entender que o seu comportamento relativamente á sua filha M... era criminalmente censurável por diversas razões, nomeadamente, pelo facto de a arguida ter formação académica superior (Economista), ser chamada á atenção pelo marido e assistente relativamente ao seu comportamento, este ser reiterado e perdurar por cerca de 6 anos e ainda face aos insultos (“cabra”, “estúpida”, “burra” ,“porca”, “estafermo”, e “puta”) não poderem deixar de ferir a dignidade enquanto ser humano da sua filha M..., uma criança. Por outro lado, o depoimento da menor M... é absolutamente seguro no sentido de ser dada como provada a reiteração (que não é necessária, bastando a verificação de acto isolado desde que assuma gravidade e relevância criminal) de condutas que integram a prática de crime de violência domestica.
De facto, as declarações para memória futura da menor M... “cruzadas” com as declarações do pai J..., da empregada doméstica MF... e, ainda, o exame médico de fls 30 a 32, corroboradas pelo depoimento C..., técnica da CPCJ, bem como de H..., irmão do assistente, conduziram a que dessemos como provados os factos constantes da acusação e pronuncia infra descritos.
O depoimento do pai da menor, J…, que descreveu de forma convincente em consonância com a M..., nos termos provados, os factos imputados e as circunstâncias dos mesmos – as agressões físicas, ameaças e injurias perpetradas pela arguida contra a filha de ambos. Não temos razões nenhumas para deixar de acreditar no seu depoimento, sendo certo que juntamente com as declarações da vítima e da empregada domestica MF... constituem um todo lógico segundo as regras da experiência da vida (sendo que esta ultima, alem do mais, destacou que tem filhos e não trata os filhos “daquela forma”, como presenciou a arguida fazer com as suas filhas).
Sobre as condições pessoais a arguida, fundou este Tribunal a sua convicção no depoimento do assistente, que mencionou a situação de desemprego da arguida, e da empregada domestica MF.... Relativamente aos factos pessoais da menor M... relevaram os documentos do colégio de fls.606 a 611, e ainda a declaração do medico pediatra Dr. L… de fls. 663.
Repetindo, disse a menor M...:
“…Que a mãe lhe batia todos os dias e que quer ficar com o pai porque a mãe lhe batia muito, por “coisas insignificantes”, “por tudo e por nada”.
A mãe por vezes batia-lhe na mão e outras vezes com muito mais violência. Por vezes batia-lhe na nuca, na cabeça, nas costas, na cara, e desferia-lhe palmadas no rabo.
A última vez, antes de sair de casa, só por não estar a fazer a letra que queria, agarrou-a no braço e magoou-a contra a cadeira. A mãe bateu-lhe na nuca e torceu-lhe o braço para trás e foi contra o bico da cadeira, deixando uma nódoa negra. A mãe batia-lhe com as mãos e com os pés.
Uma vez a mãe deu-lhe pontapés num corredor de um Hotel.
A mãe chamava-lhe porca, estafermo, nojenta, cabra e, pelo menos duas vezes, puta.
A mãe ameaçava que a ia pôr num colégio interno, porque já não a aturava e lhe ia bater.
Numa ocasião, antes de sair de casa, a mãe começou a dizer-lhe que lhe ia bater com o cinto.
Que nunca pensou que ía ter uma mãe assim”.
Também tiV...m algum relevo as declarações da testemunha C..., técnica da CPCJ, pela corroboração de elementos dos autos, referindo que “a ideia que tem do processo é de que a arguida assumiu ter tido uma atitude menos correta como mãe, facto que considerou positivo. Essencialmente a mãe reconheceu alguns insultos verbais e que gritava. Porém, a arguida não reconheceu agressões físicas”, pese embora que “também lhe transmitiu que a dada altura passou a haver o quase criar de uma situação limite e uma provocação por parte do queixoso para que as coisas acontecessem”.
Ainda relevou o depoimento da testemunha MF..., empregada doméstica, empregada do casal durante cerca de 11 anos, mesmo antes das crianças nascerem.
Trabalhava na residência do casal às terças e sábados, todas as semanas, entre as 7h e as 13h e aos sábados das 09h às 13h00.
Porém, quando as filhas nasceram as coisas começaram a complicar-se porque a arguida andava mais nervosa e havia muita gritaria e a chamar nomes à M... (cabra e burra).
Ouviu a arguida chamar burra à M... uma vez em que teve má nota. A arguida também chamava cabra à M.... Tal sucedia quando a M... saltava em cima do sofá e a mãe lhe ordenava que parasse, o que não fazia. Nessa ocasião também lhe chamava estúpida. Esclarece que “quanto a saltar para cima do sofá”, foi já no fim da relação do casal.
Uma vez viu a M... com uma marca no braço.
Em 2005 quando estava no piso de baixo ouviu a arguida dizer que qualquer dia a atirava da janela abaixo, mas não subiu ao andar de cima, nem se inteirou do que se passava.
Assistiu a discussões entre o casal, o que, no final, sucedia quase todas as semanas.
Por vezes, antes de ir para a escola a arguida ralhava com a filha e empurrava-a para sair de casa.”
Relevou ainda a queixa efectuada pelo assistente em 19 de Novembro de 2007 à CPCJ constante de fls.71 ( e desistência de fls.72).
E docs. de fls 15 e 17 (assento de nascimento /identificação civil) , e exame médico de fls. 30 a 33.
Assim, julgam os juízes que constituem este tribunal da relação, provados os seguintes factos:
II. FUNDAMENTAÇÃO:
1. Factos provados
Produzida a prova e discutida a causa, encontra-se assente a seguinte factualidade:
1. A arguida e J... casaram um com o outro em 20 de setembro de 1997.
2. São progenitores comuns de M..., nascida a 6 de Setembro de 2004 e de V..., nascida a 28 de Maio de 2012.
3. A arguida, J... e as duas filhas coabitavam na Rua x, área desta comarca.
4. Desde, pelo menos, 2007 a Outubro de 2013, as mais das vezes no domicílio comum, em número não apurado mas em alguns períodos em frequência quase diária, e em contexto não concretamente apurado, a arguida dirigiu-se à filha M..., apelidando-a de “cabra”, “estúpida”, “burra”, “porca” e, pelo menos duas vezes, “puta”.
5. Que a arguida não se coibisse nesse âmbito de atingir o corpo da filha M... com pontapés e pancadas com as mãos.
6. Que nesse contexto, de viva voz e com foros de seriedade, a arguida declarasse à filha M... “que ia bater-lhe com um cinto, e colocá-la num colégio interno”.
7. No dia 28 de Outubro de 2013, pelas 19h00, a arguida agarrou e torceu o braço direito da filha M..., empurrando-a de seguida contra uma cadeira.
8. Como consequência direta e necessária de tal atuação da arguida, M... sofreu dores nas zonas atingidas, bem como equimose com três por cinco centímetros na face externa do braço direito, lesão que lhe determinou para cura vinte dias de doença, sem impossibilidade para o trabalho.
9. Ao agir da forma descrita, a arguida teve o propósito conseguido e reiterado de humilhar e maltratar física e psiquicamente M..., sua filha, com quem coabitava, bem sabendo que, por força da sua tenra idade, esta não tinha qualquer capacidade séria de oferecer oposição à atuação da arguida, circunstância de que se prevaleceu para prosseguir a sua acção.
10. A arguida agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
11. No dia 6 de Novembro de 2013, o queixoso saiu da casa mencionada em 3) dos factos provados, levando consigo as duas filhas do casal.
12. A arguida não tem averbada qualquer condenação no respetivo Certificado do Registo Criminal.
Mais se prova que:
13. A arguida tem formação académica universitária, sendo Economista.
14. Em 2011 a arguida ficou na situação de desemprego, a receber subsídio da Segurança Social, o que lhe determinou uma acrescida situação de stress.
15. A arguida começou a registar comportamentos emocionais mais “agressivos/descontrolados” depois do nascimento da segunda filha, V..., em 2012.
16. Por motivos e desentendimentos não concretamente apurados, a relação conjugal com J..., o assistente nestes autos, desde aproximadamente o ano de 2011 sofreu uma crescente deterioração, até á data referida em 11) supra.
17. A menor M... nos anos de 2012 e 2013 teve bom aproveitamento escolar, sendo-lhe apenas referenciados problemas de disciplina, não relevantes.
18. O pediatra da menor M..., Dr L..., nunca lhe detectou qualquer problema de caracter físico ou emocional ou “sinal de maus-tratos”.
*
2. Factos não provados
Da acusação e do pedido de indemnização civil:
- Que a arguida se dirigisse à filha M... dizendo-lhe “não quero saber de ti, não me interessas para nada”.
- Que nesse contexto, de viva voz e com foros de seriedade, a arguida declarasse à filha M... “Levas uma chapada que ficas colada à parede”.
- Que a arguida não se coibisse de declarar a J... que se este não batesse na filha M..., a arguida bateria em J....
- Que em consequência direta e necessária da conduta da arguida a menor M... não deseje estar, nem com sua mãe, nem com a família materna.
- Que em consequência direta e necessária da conduta da arguida, a menor M... tenha sofrido e ainda sofra de insónias e pesadelos.
**
Da contestação:
- Que a menor M... seja uma criança com alguma dificuldade em aceitar regras, problema para o qual a arguida e o seu marido, na qualidade de pais, foram desde cedo alertados.
- Que em Fevereiro de 2013 a arguida tenha comunicado ao queixoso a sua intenção de se divorciar.
- Que a arguida visse frequentemente, a filha M... tirar secreções do nariz e pô-las na boca, pelo que a repreendia, dizendo-lhe, por exemplo: "Não faças porcarias" ou "Não faças isso que é uma porcaria", sendo usual e imediatamente desautorizada pelo marido, que dizia à criança afirmações semelhantes a: "M..., não faz mal, o Pai também fazia quando era pequeno".
- Que a M... ainda usasse fralda para dormir, optando, frequente e deliberadamente, por utilizar a fralda e fazer xi-xi na fralda mesmo quando já estava acordada, no sofá, a ver televisão.
- Que tal situação gerasse, por vezes, repreensões por parte da mãe à filha, como sendo, “fazer xixi na fralda, com a tua idade, é uma porcaria” ou “Não sejas porca”.
- Que a menor M... tivesse também por hábito saltar no sofá, deslizando de cabeça até ao chão, fazendo-o inclusivamente na presença da irmã mais nova que, com cerca de 17 meses, queria já imitar este seu comportamento.
- Que com medo que as filhas se magoassem, a arguida, frequentemente, repreendesse a M..., para parar de fazer aquilo, dizendo por vezes, qualquer coisa como "Estás sempre aos pulos, pareces uma cabrita, está quieta, se faz favor."
- Que no dia 28 de Outubro, a arguida - tal como acontecia com uma regularidade quase diária - estava a ajudar a filha M... com os trabalhos de casa, tendo-a chamado por diversas vezes à atenção, para que a mesma se sentasse direita e fizesse os trabalhos com uma caligrafia adequada.
- Que, no entanto, tal como vinha ocorrendo nos últimos meses, a M... ignorasse frequentemente as chamadas de atenção da Mãe, pelo que a arguida se viu obrigada a endireitar a filha na cadeira, sendo que ao fazê-lo a M... bateu com o braço numa saliência da cadeira (entre as costas e o apoio da cadeira), fazendo um pequeno hematoma.
*
“No mais, não existem factos não provados, nem da acusação, nem do pedido de indemnização civil, nem da contestação, sendo certo que não foi considerada a matéria conclusiva, de Direito e sem relevância para a boa decisão da causa.
Designadamente, não foi considerada a matéria alegada nos artigos 9) a 14) do pedido de indemnização civil por se referirem a obrigações decorrentes das responsabilidades parentais e não a uma consequência direta e necessária da conduta concretamente imputada à arguida nestes autos.
Igualmente, pelas mesmas razões, por ser vaga e conclusiva e respeitar a um período temporal posterior ao da acusação, não se considerou a matéria contida no artigo 16) do pedido de indemnização civil.
Ainda, por se tratar de matéria conclusiva e de Direito, por respeitarem, alguns, ao domínio das responsabilidade parentais e por traduzirem, outros, mera matéria probatória não foi considerado, entre outros, o alegado nos artigos 9) a 13), 19) a 23), 25) a 32), 33) a 49), 53 a 57), 67) a 78), 82) a 85) e 88) a 91), da contestação.” (da decisão recorrida que se mantém).
Nada mais se apurou.
6. Da qualificação jurídico-penal.
Encontram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos que permitem integrar a prática, pela arguida, em autoria material, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.° n.º 1 alínea d) e n.º 2 do Código Penal, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 59/07, de 4 de Setembro.
Nos termos do disposto no artigo 152°, do Código Penal: "quem, de modo reiterado ou não, infligir maus-tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga á dos cônjuges, ainda que sem coabitação (...) é punido (...)".
A ratio teleológica que enformou a criação legislativa deste tipo legal é a da protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, princípio constitucional primário que domina a nossa Lei Fundamental. Neste âmbito, pode ainda afirmar-se que "(...) o bem jurídico protegido por este tipo de crime é a saúde - bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal e saudável desenvolvimento da personalidade da criança ou do adolescente, agrave as deficiências destes, afectem a dignidade pessoal do cônjuge (...)" (CARVALHO, Taipa de, in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 332).
Trata-se de um crime específico, uma vez que pressupõe a existência de uma determinada relação do agente para com o sujeito passivo, vítima dos comportamentos daquele. Relação esta, de subordinação existencial, laboral ou de coabitação conjugal ou análoga.
Estamos, pois, perante um ilícito que pune a violência na família, violência praticada na maior parte das vezes a recato de olhares de terceiros e, por isso mesmo, mais difícil de detectar.
As condutas em causa consideradas, separada e singularmente, representam iter criminis autónomos, concretamente poderíamos configurar, em concreto, factos consubstanciadores dos crimes de ofensas à integridade física simples, ameaça e injúrias – batia-lhe com frequência, nomeadamente pontapés, e causou-lhe no dia 28 de outubro de 2013 e chamava-a porca, estupida, burra, cabra e puta, “ameaçava-a” que “lhe batia com um cinto” e que “punha num colégio interno” .
Relativamente ao crime de violência doméstica “a ratio do tipo não está, pois, na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional ou laboral, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana” (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Ed.,1999, vol I , pag 332).
E ainda que o Ac. do STJ de 17 de Outubro de 1996, “ o art.º 152.º do CP não exige, para a verificação do crime nele previsto, uma conduta plúrima e repetitiva dos actos de crueldade” (in CJ, Acs STJ, IV , Tomo 3, pag. 170), embora pressuponha em regra, alguma reiteração de condutas” (vd. Maia Gonçalves, C.C.Penal Anotado, Ed Almedina, 2004, pag.545), o que no caso se verifica ( a reiteração).
O tipo subjectivo deste ilícito criminal pressupõe por parte do agente uma conduta dolosa, em qualquer das modalidades de dolo previstas no artigo 14°, do Código Penal, podendo configurar, quer um crime de resultado, que de mera conduta.
3. O crime de violência doméstica é um crime específico impróprio, cuja ilicitude é agravada em virtude da relação familiar, parental ou de dependência entre o agente e a vítima.
4. O tipo objectivo inclui as condutas de "violência" física, psicológica, verbal e sexual que não sejam puníveis com pena mais grave por força de outra disposição legal. O novo elenco legal de maus-tratos é exemplificativo, concretizando o conceito legal de maus tratos, mas não o esgotando. A Lei n.° 59 /2007 apenas visou esclarecer que as "privações da liberdade" e as "ofensas sexuais" se incluem entre os maus tratos e os maus tratos não têm de ser reiterados, podendo tratar-se de um acto isolado.(…)
6. Também são vítimas do crime as pessoas particularmente indefesas, isto é, aquelas que se encontram numa situação de especial fragilidade devido à sua idade precoce ou avançada, deficiência, doença física ou psíquica, gravidez ou dependência económica do agente (por exemplo, a empregada doméstica que resida no mesmo domicílio do agressor). Estas pessoas têm de coabitar com o agente.
7. Os "maus-tratos físicos" correspondem ao crime de ofensa à integridade física simples e os "maus tratos psíquicos" aos crimes de ameaça simples ou agravada, coacção simples, difamação e injúrias, simples ou qualificadas (também, em sentido amplo, CATARINA SÁ GOMES, 2002: 59, FERNANDO SILVA, 2008: 303, e SÁ PEREIRA e ALEXANDRE LAFAYETTE, 2008: 401, anotação 6.ª ao artigo 152.º, incluindo toda e qualquer perturbação psíquica, tenha ou não reflexos físicos). O emprego de formas mais graves de ofensas corporais dolosas ou coacção é punível pelas respectivas incriminações, por força da regra da subsidiariedade. (vd. Paulo Pinto de Albuquerque, Código Penal Anotado, 2008, Ed Univ. Católica, pag.405).
Do descrito resulta à evidência que a arguida exerceu sobre a sua filha M..., violência, a qual assumiu a forma de palavras e de ofensas à integridade física e ameaça à sua integridade físicas, bem como de injúrias dirigindo palavras formulando juízos ofensivos da sua honra e consideração, demonstrando elevado grau de descontrolo.
Acresce que, a arguida teve tais propósitos e quis o seu resultado, agindo livre e conscientemente, sabendo que as condutas empreendidas são proibidas por lei.
Pelo exposto, mostram-se preenchidos os elementos, objectivo e subjectivo, do ilícito penal que lhe é imputado – crime de violência doméstica.
De realçar ainda o preenchimento no caso em apreço de circunstância qualificativa que no caso se verifica-se, ou seja, o facto dos comportamentos da arguida terem sido praticados na residência da vítima (vd. artigo 152°, n.º 1 al. d) (pessoa particularmente indefesa em razão da idade) e n.º 2 (no domicílio da vitima menor), do Código Penal).
Não se verificam quaisquer causas de exclusão de ilicitude e/ ou da culpa, nem falta qualquer condição de punibilidade.
Com efeito, da factualidade provada, constata-se que a arguida, de forma consciente e reiterada, colocou seguramente em risco, de modo relevante, a saúde física e psíquica da ofendida – sua filha M... – tornando-a vítima de um tratamento incompatível com a sua dignidade enquanto ser humano, conduzindo necessariamente os “maus-tratos” infligidos à sua “degradação” enquanto pessoa.
Estão assim preenchidas das circunstâncias da alínea d) do n.º 1 e do n.º 2 do art.º 152.º do C.Penal.
7. Da medida da pena.
A moldura penal abstracta do crime imputado é de 2 a 5 anos de prisão.
Há que passar à operação seguinte que será a determinação da medida concreta da pena.
Sobre essa operação, diz-nos logo o art. 71° do CP que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, circunstâncias essas de que aí se faz uma enumeração exemplificativa e podem relevar pela via da culpa ou da prevenção.
À questão de saber de que modo e em que termos actuam a culpa e a prevenção responde o já referido art. 40°, ao estabelecer, no n° 1, que "a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" e, no n° 2, que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa".
Assim, a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe um papel limitador, constituindo a sua medida um tecto que não pode ser ultrapassado.
Estas regras vêm sendo explicitadas na obra de Figueiredo Dias, podendo afirmar-se na esteira dos seus ensinamentos: A pena tem como finalidade primordial a tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto, traduzida na necessidade de tutela da confiança e das expectativas comunitárias na manutenção da vigência da norma violada. Por outras palavras, a aplicação de uma pena visa acima de tudo o "restabelecimento da paz jurídica abalada pelo crime". Uma tal finalidade identifica-se com a ideia da "prevenção geral positiva ou de integração" e dá "conteúdo ao princípio da necessidade da pena que o art.º 18.° n° 2, da CRP consagra de forma paradigmática".
Há uma "medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar", mas que não fornece ao juiz um quantum exacto de pena, pois "abaixo desse ponto óptimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem perda da sua função primordial".
Dentro desta moldura de prevenção geral, ou seja, "entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de defesa do ordenamento jurídico)" actuam considerações de prevenção especial, que, em última instância, determinam a medida da pena. A medida da "necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial", mas, se o agente não se "revelar carente de socialização", tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em "conferir à pena uma função de suficiente advertência" (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2007, páginas, 79 a 82).
Noutra obra, sintetizando estes ensinamentos, o mesmo autor escreveu: "(...) o modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é aquele que comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico: e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente" (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, Abril-Dezembro 1993, páginas 186 e 187).
Para avaliar da medida da pena no caso concreto, Anabela Miranda Rodrigues, in A determinação da pena privativa da liberdade, Coimbra Editora, 1995, pág. 658 e segs, entende que há que indagar factores que se prendem com o facto praticado e com a personalidade do agente que o cometeu.
Como factores atinentes ao facto e por forma a efectuar-se uma graduação da ilicitude do facto, podem referir-se o modo de execução deste, o grau da ilicitude e a gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo, o grau de perigo criado e o seu modo de execução.
Relativamente à medida da pena, atente-se naquilo que a esse respeito se refere no Ac. do S.T.J. de 6/05/1998 in B.M.J. n°477, p.100:
" 1 — Sendo a culpa, o juízo de censura dirigido ao agente pela conduta que livremente assumiu, na definição da medida da pena cumpre ter presente que não há pena sem culpa e que a medida da pena não pode ultrapassar a da culpa."
"2 — As exigências da prevenção geral, considerada esta como prevenção positiva ou de integração, definem o limite mínimo da medida concreta da pena"
" 3 — A prevenção especial, no sentido positivo de reintegração do agente na sociedade determina a fixação da medida concreta da pena num "quantum" situado entre o limite mínimo exigido pela prevenção geral e o máximo ainda adequado à culpa .
Face às finalidades das penas, em caso algum pode a pena ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º n.º 2 do C.Penal).
Concordamos com a decisão do Tribunal a quo que optou pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade em detrimento de uma pena de prisão – vd art.º 70.º do C.Penal - , por satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial.
Feita a opção, importa agora determinar a pena concreta a aplicar à arguida. Na determinação desta, recorre-se ao critério global previsto no n.° 1 do artigo 71° do Código Penal, que dispõe que tal determinação da medida da pena se fará em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.
Contra a arguida há a considerar a relativa gravidade objectiva e subjectiva dos factos; a ilicitude é relevante como o é o grau de culpa.
As necessidades de prevenção especial são prementes, como o são as necessidades de prevenção geral.
A arguida não quis prestar declarações quer no que respeita aos factos imputados quer relativamente às suas condições pessoais.
Resulta do alguns depoimentos que a arguida começou a ter comportamentos “agressivos” depois do nascimento das filhas, sendo que em 2011, terá estado em situação de stress por questões relacionadas com a sua actividade profissional, com uma hipótese de desvinculação da relação laboral, e uma expectável indemnização; e depois, já numa situação de desemprego, da aproximação do terminus de recebimento do subsidio de desemprego; e por último, desentendimentos com o seu cônjuge, o assistente nestes autos.
Por outro lado, pese embora a reiteração de comportamento criminalmente censurável por parte da arguida sobre a sua filha menor M..., o certo é que quer o médico pediatra Dr. L..., quer os relatórios da escola que frequentava – fls.606 a 611 - não registam relevante alteração da sua personalidade.
Há a ponderar a ausência de confissão e de uma verdadeira assunção dos factos praticados por parte da arguida, a sua condição económica, social, as habilitações académicas superiores, mas por outro lado tendo em consideração que a situação de algum descontrole emocional será resultante da situação de desemprego da arguida, o que não justifica de forma alguma a sua conduta.
Assim, entende-se, nos termos do disposto nos art ºs 70.º e 71.º e 40.º, todos do C.Penal, ser de aplicar á arguida a pena de 2 (dois) anos de prisão atendendo-se a todos os factos e elementos relevantes maxime à gravidade da conduta e considerando: (i) a gravidade do crime praticado; (ii) as fortes necessidades de prevenção, quer gerais quer especiais que se impõem no caso, à culpa da arguida, ao dolo directo, à inexistência de confissão dos factos provados, e às respectivas condições pessoais.
6. Sobre uma eventual suspensão de execução da pena.
Nos termos do disposto no art.º 50.º, n.º 1 do Código Penal “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime, e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Ou seja, o tribunal, perante a determinação de uma medida da pena de prisão não superior a cinco anos, terá sempre de fundamentar especificamente a denegação da suspensão da execução da pena de prisão nomeadamente no que toca:
a) Ao carácter desfavorável da prognose (de que a censura do facto e a ameaça da prisão não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição); e
b) Às exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (na base de considerações de prevenção geral) – cfr., neste sentido, Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 523.
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da execução da pena de prisão é clara e determinante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, e não qualquer «correcção», «melhora» ou – ainda menos – «metanóia» das concepções daquele sobre a vida e o mundo. Decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».
Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada.
Conforme escreveu Jescheck, citado pelo Ac. STJ de 30.06.93, in BMJ 428, 353, " na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se integrar na sociedade. O Tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente; mas, se existirem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa".
Por outro lado, “ não são considerações de culpa que interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidade preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto da suspensão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas”. (ac. STJ de 10 de Novembro de 1999, proc. 82.3/99-3.ª; SASTJ, 35, 74).

A arguida, embora não viva já com as suas filhas sob o mesmo tecto, não regista comportamentos idênticos aos descritos na matéria de facto provada. Nada nos diz, por isso, que a arguida não esteja apta a aproveitar a oportunidade da suspensão da execução da pena para empreender eficazmente a sua ressocialização alterando a sua conduta.
Pesem embora as necessidades de prevenção geral e especial, positivas e negativas, que são especialmente relevantes, a pena aplicada será suspensa na sua execução por idêntico período (vd art.º 50.º n.º 5 do C.Penal).
8. Do pedido cível.
M..., representada pelo seu pai J..., deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida/demandada, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €5000, a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vincendos até integral pagamento (fls. 296 a 299).
Nos termos do Art°. 129° do CP " a indemnização de perdas e danos emergente de crimes é regulada pela lei civil".
E dispõe o art.° 483.° do C. Civil que, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação (vd ainda art.ºs 562.º, 563.º, 566.º, e 559.º todos do C.Civil).
O derradeiro pressuposto da responsabilidade civil por factos ilícitos - nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima - encontra igualmente eco na matéria de facto apurada.
Na obrigação de indemnizar incluem-se, além dos danos patrimoniais, os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito - art.º 496° do C.Civil.
A este propósito, será útil ter presente o que escreveu o Professor Vaz Serra in B.M.J. n°83, p.83: "Satisfação ou compensação dos danos morais não é uma verdadeira indemnização no sentido de um equivalente do dano, isto é, de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão. Trata-se de dar ao lesado uma satisfação ou compensação do dano sofrido, uma vez que este, sendo ofensa moral, não é susceptível de equivalente". Daí resulta que é difícil e extremamente delicada a operação de quantificação dos danos de carácter não patrimonial, pois o sofrimento não tem expressão numérica directa. Por isso mesmo, haverá que recorrer à equidade (arts.496.° n° 3 e 494° do C.C.) e, apesar das múltiplas outros factores, nomeadamente a ocasião em que os factos ocorreram, desvalorização da moeda e situação patrimonial do lesante e do lesado.
A indemnização civil deve ser fixada equitativamente, conforme dispõe o n.º 3 do art.º 496.º do C. P. Penal, tendo em conta em qualquer caso as circunstâncias referidas no art.º 494.º do C. Civil (vd. Ac. STJ.de 22.11.1977, BMJ.271,212; Ac. RC de 3.7.1979,BMJ.291,545; Ac.RE de 27.11.1979CJ1979,Tomo5; Ac STJ de 22.1.1980, BMJ. 293,327).
A quantia pedida pode considerar-se meramente simbólica, já que a reiteração da conduta apurada por parte da arguida/demandada durante largo período justificaria uma indemnização por danos morais mais elevada, pois não podemos olvidar que a ofendida neste caso é uma menor que, pela sua idade e do ascendente que sobre ela tinha a sua mãe, estava numa situação particularmente indefesa.
Os comportamentos ilícitos reiterados da demandada contra a sua filha M..., maxime agressões físicas e injúrias – dores, sofrimento, humilhação - constituem notóriamente danos não patrimoniais, que merecem tutela jurídica.
Pelo exposto, condenam a arguida/demandada H... no pedido cível formulado e, em consequência, no pagamento de €5.000 (cinco mil euros) de indemnização a título de danos não patrimoniais à menor M..., acrescida de juros á taxa legal desde a notificação do pedido até integral e efectivo pagamento.

VIII - Termos em que, concedendo parcial provimento ao recurso interposto pelo assistente, se revoga - parcialmente - a decisão recorrida, alterando e fixando a matéria de facto nos termos descritos supra, pelo que em consequência:
1. Condenam a arguida H... pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152.°, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código Penal, cuja execução declaram suspensa por igual período (2 anos).
2. Condenam a arguida/demandada H... no pedido cível formulado e, em consequência, no pagamento de €5.000 (cinco mil euros) de indemnização a título de danos não patrimoniais à menor M..., acrescida de juros á taxa legal desde a notificação do pedido até integral e efectivo pagamento.
3. Custas pela arguida e demandada, sendo de 3UC a taxa de justiça, bem como nas custas cíveis.
(Acórdão elaborado e revisto pelo relator - vd. art.º 94 º n.º 2 do C.P.Penal)
Lisboa, 2 de Março de 2017


Fernando Estrela

Guilherme Castanheira

António Alexandre Trigo Mesquita, presidente da secção