Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
151/15.7T8MTA.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: CONTRATO DE FORNECIMENTO
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.– Tendo sido celebrado um contrato escrito mediante o qual a Autora se obriga a fornecer determinadas quantidades de café e a Ré Sociedade se obriga a comprá-las, destinando-se o café a um estabelecimento de pastelaria, é irrelevante quem assina as facturas das compras e vendas de café, na medida em que foi a sociedade que se obrigou contratualmente a tal aquisição tendo até recebido da fornecedora um adiantamento de € 3.500,00.

2.– Tendo a sociedade deixado de adquirir café à Autora em 2010, altura em que o estabelecimento de pastelaria cessou a actividade, existe um incumprimento definitivo da contraente compradora, que fundamenta a resolução contratual da contraente vendedora.

3.– Tendo assumido contratualmente a responsabilidade pessoal e solidária pelo cumprimento da Ré Sociedade, quer na execução do contrato quer na resolução do mesmo, os 2º e 3º respondem pela indemnização à Autora nos mesmos termos da Ré Sociedade.

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


JM, SA intentou acção declarativa de condenação, sob processo comum, contra G, Lda, JL e ML.

Peticionando a declaração da resolução do contrato celebrado entre a Autora e os Réus, sendo os Réus condenados na restituição da quantia adiantada, no valor de € 3.500, abatido da bonificação a que tiveram direito pelas compras de café efectuadas, no montante de € 872,20 (623 x 3.500/2.500), e ainda condenados no pagamento à Autora da importância de € 9.385 (2500-623), a título de indemnização pela não aquisição do café prometido comprar, quantias acrescidas de juros de mora, contabilizados à taxa supletiva comercial de 7,05%, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alegando, em síntese, que os Réus celebraram com a Autora um contrato de fornecimento de café, onde os Réus se obrigaram a comprar 2.500 quilos de café Torrié lote Moinho Real em quantitativos mínimos de 30 quilos, tendo-lhes no momento da celebração do contrato sido emprestada a quantia de € 3.500. Incumprido o contrato pelos Réus, é devida à Autora a supra enunciada indemnização.
 
Na impossibilidade de citação da Ré ML, foi-lhe nomeada curadora provisória, na pessoa de CL, a qual foi citada e não apresentou contestação. Foi então cumprido o plasmado no artigo 21.°/1, do Código de Processo Civil, sendo citada a Digna Magistrada do Ministério Público em sua representação, o que sucedeu em 27 de Outubro de 2016 (conforme folhas 139).

Os Réus «G, Lda e JL, citados em 4 de Maio de 2015 (conforme folhas 50), apresentaram contestação. Invocam por excepção (ilegitimidade) que o contrato em exame não foi subscrito pelo Réu JL. Mais impugnam a matéria factual vertida pela Autora.

Em sede de audiência prévia foi exarado despacho saneador, onde foi julgada improcedente por não provada a excepção de ilegitimidade processual, no que tange o Réu JL. Mais se enunciou o objecto do litígio e seleccionaram-se os temas da prova.
                                            
Procedeu-se a Audiência de Julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente provada e procedente condenando solidariamente os RR “G, Lda”, JL e ML a pagarem à Autora a quantia de € 11.308,00 acrescida de juros à taxa supletiva comercial.

Foram dados como provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa:

A)– A ora Autora, no exercício do seu comércio de venda, por grosso, de cafés, bebidas espirituosas e outros produtos, no dia 17 de Março de 2004, celebrou com os Réus um contrato onde a Ré «G, Lda se obrigou a comprar 2.500 quilos de café «Torrié» lote «Moinho Real» em quantitativos mínimos mensais de 30 quilos, ao preço de tabela à data da venda, sendo o preço no momento de celebração do contrato de € 16,47, com destino ao seu estabelecimento comercial, denominado «Pastelaria Estremadura».
B)– ( ... ) Tendo-lhe sido emprestada nessa data, a título de desconto / bonificação, a quantia de € 3.500.
C)– Os Réus JL e ML assinaram o contrato elencado em A), garantindo pessoal e solidariamente o cumprimento do mesmo pela Ré «G, Lda», assumindo as consequências derivadas do seu incumprimento.
D)– No contrato mencionado em A) previu-se que a não aquisição das quantidades de café aí assinaladas conferiria à aqui Autora o direito de o anular / resolver e o de reclamar a quantia correspondente a 20% do valor do café prometido em compra e ainda não adquirido, bem como a restituição imediata da quantia enunciada em B).
E)–  Entre Março de 2004 e Março de 2010, foram comprados 623 quilos de café, no âmbito do contrato ilustrado em A), sendo o último adquirido pelo preço por quilo de € 23.
F)– No dia 23 de Março de 2012, a Autora remeteu carta aos Réus dando conta que resolvia o contrato referido em A), devendo estes pagar àquela a importância global de € 12.012,80 ou, no prazo de 15 dias, proceder à compra e pagamento de 1877 quilos de café.
G)– Os Réus não pagaram a quantia assinalada em F) nem compraram o café aí mencionado.
H)– O Réu JL apôs a sua assinatura no contrato referido em A), por baixo de um espaço onde se escrevia «O Segundo Outorgante. Como gerente e com poderes para tanto. Que assina inteiramente ciente do teor integral deste Contrato e recebeu cópia».
                                     
Inconformados recorrem os RR “G, Lda” e JL formulando as seguintes conclusões:

- Não se encontra   provada a identidade dos administradores da autora que subscreveram o contrato, se as assinaturas apostas pela primeira outorgante” correspondem a esses administradores e se os mesmos tinham poderes bastantes para o acto;
- Está provado por documento da Autoridade Tributária e Aduaneira, não impugnado, antes aceite pela autora, que a ré G, Lda Limitada iniciou a sua actividade com a designação de comércio de retalho de carne e produtos à base de carne, ao tempo com o CAE 52220, e posteriormente eliminada, e que cessou actividade em 30/09/2002, em IR e IVA, por ser manifesto que a actividade não estava a ser exercida desde esta última data;
- Não estão assim provadas as vendas de café à ré G, Lda entre Março de 2004 e Julho de 2008, ou mais concretamente, as vendas entre 4 de Outubro de 2004 e 7 de Julho de 2005, ainda que a ela "facturadas", uma vez que em 17 de Março de 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira certifica que cessou a actividade em 30/09/2002, em IVA, quando nessas mesmas facturas se cobra IVA ás taxas de 12% e 19%;
- Está provado que o réu JL apenas assinou o contrato como gerente da ré G, Lda, como resulta do contrato, não assumindo pessoal e solidariamente o cumprimento do contrato e as consequências derivadas do seu incumprimento;
- Não está provado que a assinatura aposta por baixo da terceira outorgante” seja da autoria da ré ML, sendo certo que competia à autora provar essa autoria - artº 374º, 2 do Código Civil - e não produziu qualquer prova;
- Está de resto provado que, no seu bilhete de identidade, consta a menção de que "não pode assinar";
- Ficou igualmente por provar a capacidade da terceira ré para entender a declaração negocial, resultando antes da prova produzida ( designadamente a testemunha CL) e das circunstâncias particulares destes autos que a mesma não tinha essa capacidade;
- Está provado que apenas a ré G, Lda assumiu a obrigação ( cláusula 17) de comprar à autora a prometida venda ( cláusula 01 ) de 2 500 quilos de café} em fracções mínimas mensais de trinta quilos;
- Está provado documentalmente que a autora nunca vendeu fosse pretensamente à G, Lda, fosse aos outros clientes trinta quilos de café por mês;
- Não está alegado nem provado que a autora tenha querido vender mensalmente esses trinta quilos de café (conforme prometera} e a ré G, Lda tenha recusado a compra que prometera;                                                                               
- Não está provado que a autora tenha vendido à ré G, Lda seiscentos e vinte três quilos de café e provado está que a esta apenas" facturou" 97 quilos;
- Está provado que a partir de 7 de Julho de 2005 a autora não mais vendeu café à ré G, Lda, mas a outras pessoas que ocupavam a Pastelaria Estremadura} mas não está provado que a partir daquela data a mesma ré se recusou a comprar mais café;
- Não está assim provado que, por culpa sua, a ré não tenha adquirido café durante dois meses ou não tenha efectuado} em dois trimestres} um mínimo trimestral de compras de noventa quilos de café;
- Está provado pelo próprio extracto de vendas junto pela autora que em nenhum trimestre esta vendeu noventa quilos de café a quem quer que estivesse a ocupar a referida pastelaria;
- Não foi sequer alegado a falta de pagamento de quaisquer facturas vencidas;
- Não estão assim verificados os pressupostos da indemnização e restituição pedidas;
- Não está provado que os réus tenham sido notificados da resolução do contrato, pois não está provado que tenham recebido as cartas remetidas em 23 de Março de 2012, antes está provado documentalmente que os avisos de recepção não contêm qualquer assinatura, seja dos réus, seja de outras pessoas;
- Ao decidir como decidiu o Meritíssimo Juiz a quo, alem da violação já apontada do artigo 374º} 2 do Código Civil} vilou as invocadas normas dos artigos 874º e seguintes, 410º e seguintes, 1154º e seguintes, 1129º e seguintes, 406º, 798º e 799º do Código Civil} quer por erro na determinação das normas aplicáveis} quer por erro na sua interpretação e aplicação.

A Autora contra-alegou sustentando a bondade da decisão recorrida.

Cumpre apreciar.

O presente recurso incide sobre a decisão fáctica e sobre a sua integração jurídica.

Começando por apreciar a questão de facto.

Começam os recorrentes por afirmar que não está provada a identidade dos administradores da Autora que subscreveram o contrato, se as assinaturas apostas pela primeira outorgante correspondem a esses administradoreas e se os mesmos tinham poderes bastantes para o acto.

Há que começar por referir que no contrato em apreço não estão identificados os administradores da Autora que o subscrevem, podendo ler-se:
“Pela Primeira Outorgante, JM, SA  A Administração” seguindo-se duas rubricas.
          
Ora, os recorrentes não negam que o contrato foi celebrado com a sociedade JM, SA, sendo esta enquanto pessoa colectiva o sujeito contratual e a Autora da presente acção.
Na medida em que não foi invocada pela sociedade Autora ou pelos seus órgão sociais qualquer irregularidade na sua representação ou falta de poderes dos representantes para o acto, não se percebe qual a relevância para os autos da questão suscitada na primeira das conclusões de recurso.
Na medida em que os recorrentes não questionam o facto de o 1º outorgante do contrato ser a sociedade JM, SA a conformidade das rubricas com as dos administradores dessa sociedade só poderia ser suscitada pela própria sociedade, invocando que quem celebrou o contrato em seu nome o fez sem poderes para a representar. E tal invocação, obviamente, não foi feita.
Quem é contraente é a sociedade e não as pessoas físicas que em seu nome e representação assinam o contrato.

Alegam os recorrentes que a Ré “G, Lda” iniciou a sua actividade com a designação de comércio de retalho de carne e produtos à base de carne e cessou a actividade em 30/09/2002, em IR e IVA e que tal está provado por documento emanado da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Esta matéria não integra nem tem de integrar a factualidade provada porque não tem relevância para a apreciação da causa. O que está em causa é um contrato de fornecimento de café. Na sua contestação e depois de afirmar que o Réu Sérgio promete comprar café à Autora mas em nome da sua representada G, Lda, no art. 29º diz-se:
“Só a G, Lda, em resultado dos termos escritos no contrato dos autos, teria assumido a obrigação de celebrar contratos de compra e venda de café”.
E no artigo 45º:
“A Ré G, Lda, a partir de 2010 não comprou café à autora porque esta também lhe não vendeu café”.
A base da acção é pois um contrato de fornecimento de café, em que a Autor se compromete a efectuar tal fornecimento e a Ré G, Lda se compromete a comprá-lo (cláusula 17ª do contrato), tendo a G, Lda recebido, no âmbito desse contrato, um adiantamento de € 3.500,00 (cláusulas 4ª e 18ª).
O documento da Autoridade Tributária e Aduaneira junto aos autos é assim totalmente alheio e irrelevante para a decisão do litígio.
                                                  
A sociedade G, Lda não fora extinta, mantendo a sua personalidade e capacidade jurídicas e enquanto sujeito de direito celebrou o contrato dos autos, independentemente da dimensão da actividade que desenvolvesse ou tivesse desenvolvido.

Por outro lado, estão provadas as vendas de café para o estabelecimento “Pastelaria Estremadura” entre Março de 2004 e Março de 2010, como consta do documento de fls. 11. Independentemente de quem explorasse de facto tal pastelaria, o fornecimento de café era feito no âmbito do contrato junto aos autos e mediante o qual a “G, Lda” recebera um adiantamento de € 3.500,00. Era à sociedade JM, SA que incumbia fornecer o café nas quantidades estipuladas (cláusula 1ª do contrato) e era à “G, Lda” que incumbia a respectiva aquisição, como consta das cláusulas 3ª, 7ª (relativa aos casos de cessão ou alienação do estabelecimento comercial da “G, Lda”) e 17ª (na qual JL, em nome da “G, Lda” promete comprar os cafés identificados na cláusula 1ª e aceita o adiantamento dos € 3.500,00).

Quanto à conclusão D), o que resulta do contrato é que o Réu JL subscreveu o contrato como gerente da “G, Lda”. Contudo, na cláusula 15ª do contrato consta que:
“O segundo outorgante – ou seja, JL– responderá pessoal e solidariamente com a representada – a sociedade “G, Lda – pelo exacto e fiel cumprimento das abrigações a que esta fica adstrita, quer derivem directamente do contrato ou da sua resolução/anulação”.

Ora, os RR não lograram provar fosse o que fosse que afastasse ou modificasse o sentido de tal cláusula.

Alegam ainda os recorrentes “G, Lda” e JL que não está provado que a assinatura aposta sob a rubrica “terceira outorgante” seja da autoria da Ré ML já que está provado que no seu bilhete de identidade consta a menção “não pode assinar”.
Na sua contestação o Réu JL afirma que ignora se a assinatura foi efectuada pela sua mãe ML.

Antes do mais, face às declarações da testemunha CL, companheira do Réu Sérgio L..., não resulta que ML não fosse, fisicamente, capaz de assinar. O que a testemunha disse foi que o filho, o Réu Sérgio L..., depois da morte do pai, receava que a mãe assinasse tudo o que lhe pusessem à frente e daí que quisesse impedir tais assinaturas.

O documento – bilhete de identidade – de fls. 118, refere no espaço destinado à assinatura do titular “não pode assinar”. Ignora-se contudo, face até ao aludido depoimento de CL, que tipo de impossibilidade se tratava, se era temporária ou não. Não foi junta qualquer documentação certificando a situação de doença incapacitante de ML.
                                                                                                               
Por outro lado, a mesma CL afirmou que a ML é que dirigia o estabelecimento, servindo os clientes, recebendo os pagamento, as mais das vezes sozinha.
Esta testemunha referiu que ML padecia de “doença de Alzheimer”, desde cerca de 2002, a qual foi piorando com os anos, tendo surgido um momento em que teve de ser colocada num centro de dia. Contudo, tendo melhorado com a medicação regressou a casa e ao seu trabalho no café. A partir de 2009 ou 2010 já não estava em condições de trabalhar.
Embora o depoimento não possa provar a doença da Ré em causa – na ausência de prova adequada, nomeadamente médica – mostra pelo menos que ML estava em condições físicas e mentais de trabalhar no café, limpar o mesmo, servir os clientes, receber os pagamentos e fazer os trocos, fazer as encomendas de produtos, até 2009 ou 2010.

Assim, não se pode afirmar que ML não estivesse capacitada para compreender a declaração negocial relativamente ao contrato. Uma pessoa que está todo o dia, sozinha, a dirigir uma pastelaria, mesmo que não tendo muitos clientes, tem de possuir um nível mínimo de capacidade cognitiva. Admite-se que com o decurso do tempo a doença se fosse agravando, nomeadamente após 2009 ou 2010, mas as questões suscitadas são muito anteriores.

Sublinhe-se que na cláusula 19ª, encimada pelos dizeres “Declaração de Ciência” se pode ler:
“Declaram ainda, expressamente, o Segundo Outorgante e a Terceira Outorgante que o teor deste contrato lhes foi facultado, por cópia integral, com dez dias de antecedência em relação à data da sua outorga, tendo-lhes sido prestada explicação bastante de todos os seus termos, pelo que ficam absolutamente cientes de que o mesmo corresponde, integral e fielmente, às suas manifestações de vontade. De que assim é, dão fé e vão assinar, sem reservas quaisquer, todos os Outorgantes”.

Do conjunto destes factos, tendo ainda em conta que ML, devidamente representada pelo Ministério Público, não impugnou a autenticidade da sua própria assinatura no contrato, há que concluir, como na sentença recorrida, que ML celebrou e assinou o contrato aqui em causa.

No contrato junto a fls. 9/10 dos autos consta no ponto 2:
“JL(...) como segundo outorgante, de ora em diante designado SO e que outorga por si e simultânea representação de G, Lda - sociedade comercial  por quotas de responsabilidade limitada, com sede na Avenida XX– Lagos – pessoa colectiva (...) com estabelecimento comercial sob designação “Pastelaria Estremadura” sito na Rua PP
                                                                                                    
Destinando-se o fornecimento de café a tal estabelecimento comercial – estabelecimento atestado pela testemunha CL, que por vezes ia lá ajudar a mãe de Sérgio Louro, seu companheiro.
Deste modo, é indiferente o nome da pessoa que subscreve diversas das facturas juntas, declarando ter recebido as quantidades de café mencionadas em cada factura, já que tal fornecimento é feito pela Autora à Ré G, Lda nos termos contratados.

A testemunha CL declarou que o estabelecimento tinha sido explorado, a princípio pelo pai e pela mãe do recorrente Sérgio Louro. Depois da morte do pai, e após um período em que foi explorado por outra pessoa, o estabelecimento reabriu sendo, como já vimos, explorado pela mãe do recorrente, ML, salvo períodos em que foi explorado por uma pessoa de nome Esmeralda e por uma outra de nome Adelaide. Em 2009 ou 2010 o estabelecimento encerrou por incapacidade de a mãe do ora recorrente ali prestar actividade.

Ora, a Autora JM, SA obrigou-se contratualmente a vender à G, Lda determinadas quantidades de café, destinadas ao estabelecimento “Pastelaria Estremadura”. É irrelevante quem em cada momento ocupava ou explorava o estabelecimento: a obrigação da Autora é para com a G, Lda e o fornecimento deve ser feito nesse estabelecimento.

Sendo assim, a Autora provou o fornecimento de café tal como ficou provado que a partir de 2009/2010 a G, Lda não mais adquiriu café à Autora, uma vez que a pastelaria encerrara.

Perante isto, era ónus dos RR provarem quaisquer factos que impedissem, modificassem ou extinguissem o direito invocado pela Autora – art. 342º nº 2 do Código Civil. Nomeadamente a prova de que a cessação de compra de café se ficara a dever a causas imputáveis à Autora. Tal prova não foi feita.

Por outro lado, o incumprimento presume-se culposo nos termos do art. 799º nº 1 do Código Civil.

De sublinhar que a resolução do contrato não assentou no facto de a G, Lda não adquirir as quantidades mensais de café convenciadas ou não ter pago facturas vencidas - como se infere da conclusões m) a p) da apelação.

O fundamento da resolução está no facto de a partir de Março de 2010 a G, Lda não mais ter comprado café à Autora, fosse que quantidade fosse – ver documento de fls. 12.

De resto, no art. 51º da contestação a Ré G, Lda afirma claramente que a partir de Março de 2010 não adquiriu café à Autora. A razão que aí apresentada é que desde essa data a Autora não mais forneceu café.
                                  
Sucede que a Autora resolveu o contrato, exactamente por a Ré G, Lda ter cessado as aquisições do mesmo, logo que encerrado o estabelecimento de pastelaria.

A resolução, nas palavras de Almeida Costa – Direito das Obrigações, pág. 236 - “consiste no acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, colocando as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado”.

Dispõe o art. 436º nº 1 do Código Civil que a resolução pode fazer-se mediante declaração à outra parte.

Como se constata de fls. 12 a 17 dos autos, a Autora enviou a carta contendo a declaração de resolução para os endereços de cada um dos RR tal como figuram no contato (fls. 9).

No caso da G, Lda indica-se como morada a do estabelecimento “Pastelaria Estremadura”, local onde era fornecido o café objecto do contrato.

Não consta dos autos que o Réu SL tenha comunicado à Autora a sua mudança de residência.

Assim há que concluir que a Autora enviou as cartas contendo as declarações de resolução para as moradas dos RR constantes dos contratos, e nessa medida, colocou as mesmas na disponibilidade dos RR, ao alcance dos mesmos. Mesmo que estes não tenham recebido as comunicações, tal não afecta a perfeição ou eficácia da declaração.

Só assim não seria no caso previsto no nº 3 do art. 224º do Código Civil, ou seja, se a declaração tivesse sido enviada para morada diversa da constante do contrato ou de outra que os destinatários tivessem comunicado à declarante, colocando aqueles em situação de não poderem tomar conhecimento, sem culpa sua, do teor da comunicação.

Mas, como vimos, não foi isso que se passou.

De resto, mesmo que assim não se entendesse, os efeitos da declaração de resolução produziram-se nos presentes autos no acto de citação.

Tendo a Ré G, Lda deixado de adquirir café à Autora em 2010, ocasião em que cessou a actividade a Pastelaria Estremadura, face ao agravamento do estado de saúde da 3ª Ré, ML (como decorre do depoimento de CL), estão preenchidos os requisitos previstos na cláusula 10ª do contrato como fundamento da resolução, na medida em que configuram o incumprimento definitivo.

Os Réus SLe ML, como vimos, respondem pessoal e solidariamente pelo cumprimento das obrigações contratuais da G, Lda, quer na execução do contrato quer resultantes da sua resolução (cláusulas 14ª e 15ª do contrato).

Conclui-se assim que:

Tendo sido celebrado um contrato escrito mediante o qual a Autora se obriga a fornecer determinadas quantidades de café e a Ré Sociedade se obriga a comprá-las, destinando-se o café a um estabelecimento de pastelaria, é irrelevante quem assina as facturas das compras e vendas de café, na medida em que foi a sociedade que se obrigou contratualmente a tal aquisição tendo até recebido da fornecedora um adiantamento de € 3.500,00.
Tendo a sociedade deixado de adquirir café à Autora em 2010, altura em que o estabelecimento de pastelaria cessou a actividade, existe um incumprimento definitivo da contraente compradora, que fundamenta a resolução contratual da contraente vendedora.
Tendo assumido contratualmente a responsabilidade pessoal e solidária pelo cumprimento da Ré Sociedade, quer na execução do contrato quer na resolução do mesmo, os 2º e 3º respondem pela indemnização à Autora nos mesmos termos da Ré Sociedade.

Assim e pelo exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrentes.



LISBOA, 8/3/2018


António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais