Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9182/2005-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
LIQUIDAÇÃO
SENTENÇA
CONDENAÇÃO ILÍQUIDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/07/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I - Tendo sido proferida sentença em 1ª instância em 12.07.2002, não são aplicáveis as normas dos artigos 47º nº 5, 378º nº 2, 380º nºs 2, 3 e 4, 380º-A e 661º nº 2, do Código de Processo Civil, por força da redacção do artigo 21º nº 3 do DL 38/03, com a alteração introduzida pelo DL 199/03.
II - A sentença, na parte em que contem uma condenação genérica, é título executivo, sendo de aplicar regime processual derrogado pelo DL 38/03, mostrando-se assegurado ao recorrido o direito ao exercício do contraditório.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO

(D) – ---, por apenso aos autos de acção ordinária que moveu contra José ---, veio requerer o incidente de liquidação “ nos termos das disposições conjugadas dos artigos 47º nº 5, 661º nº 2, 378º nº 2, 380º nº 3 ( com a redacção que lhes foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003 de 8 de Março) e 379º, todos do C.P.C.).
Em síntese, alegou que, por sentença transitada em julgado, proferida nos autos principais, depois de declarada a cessação imediata dos benefícios constantes das cláusulas 3ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª e 9ª do contrato de fls. 204 a 217, foi o réu condenado a restituir à autora as quantias recebidas por força de tal contrato, a liquidar em execução de sentença.
A obrigação de restituição em consequência da declaração de nulidade do contrato de fls. 204 a 217 dos autos principais, relativa aos benefícios previstos nas cláusulas 3ª e 5ª do mesmo, deve ser liquidada, para efeitos de execução, em € 48.827,12, à qual acrescem os juros legais contados à taxa de 4%, desde a data da notificação do requerimento até integral e efectivo  pagamento.
Pede que, admitido o incidente de liquidação, seja o réu citado para contestar.
Foi proferido despacho liminar que rejeitou por legalmente inadmissível o incidente de liquidação, não sendo aplicáveis ao caso as normas legais citadas pela requerente do incidente de liquidação, por força do disposto no artigo 21º nº 3 do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 199/2003, de 10 de Setembro.
Não se conformando com o referido despacho, dele recorreu a requerente, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
A. Nos termos conjugados dos artigos 47° n° 5, 661°, n° 2, 378°, n° 2, 380°, n° 3, com a redacção que lhes foi introduzida pelo Decreto-Lei n° 38/2003 de 8 de Março, e 379°, todos do C.P.C., a recorrente deduziu incidente de liquidação da sentença proferida nos autos da acção declarativa, pela qual foi o réu condenado a restituir à ora recorrente, as quantias recebidas por força do contrato de fls 204 a 217 dos autos principais, a liquidar em execução de sentença.
B. Porém, por despacho, o Meritíssimo Juiz rejeitou, por legalmente inadmissível, o referido incidente de liquidação, considerando, que de acordo com o n° 3 do artigo 21° do Decreto-Lei n.° 38/2003, de 8 de Março, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n° 199/2003 de 10 de Setembro, as normas preceituadas pelos artigos 47°, n° 5, 378°, n° 2, 380° n°s 2, 3 e 4, 380-A e 661°, n° 2, todos do CPC, "aplicam-se nos ou relativamente aos processos declarativos pendentes no dia 15 de Setembro de 2003 em que até essa data não tenha sido proferida sentença em 1ª instância".
C. Tal redacção do artigo 21°, na interpretação constante do douto despacho, tomaria, assim, inaplicáveis as normas legais citadas “in casu", atendendo a que, foi proferida sentença em 1ª instância, no processo declarativo, no dia 12 de Julho de 2002, notificada às partes por carta enviada em 8 de Outubro de 2002.
D. O que impossibilitaria a liquidação da parte ilíquida da condenação vertida na sentença proferida nos autos da acção declarativa, através do recurso ao incidente de liquidação previsto nos artigos 378° a 380° - A do CPC.
E. Deste modo, instaurada a execução após o dia 15 de Setembro de 2003, a sentença, na parte em que tem uma condenação genérica, seria título executivo pela não aplicação expressa do n° 5 do art° 47°, de acordo com o n° 3 do artigo 21° do Decreto-Lei n° 38/2003, de 8 de Março, aplicando-se a lei anterior ao Decreto-Lei n° 38/2003;
F. Sendo forçoso que a liquidação da sentença seja, assim, efectuada na própria execução de sentença, ou seja, no próprio requerimento executivo, pela não aplicação do artigo 661°, n° 2 do CPC, ex vi o n° 3 do artigo 21° do Decreto-Lei n° 3812003, de 8 de Março, sendo aplicada a lei anterior às alterações introduzidas pelo referido diploma.
G. Por conseguinte, o disposto no artigo 805° do CPC seria a única forma, apesar de imprópria, de alcançar a almejada liquidação,
H. Porém, o n° 4 do artigo 805° do CPC, apenas prevê a citação do executado para contestar, em oposição à execução, "não sendo o titulo executivo uma sentença", não se encontrando, assim, assegurado o direito ao contraditório.
I. Atento o facto do título executivo ser, in casu uma sentença, estaria violado, deste modo, o principio do contraditório constante no citado n° 4 do art° 805º e, nos termos gerais, previsto no art° 3° do Código de Processo Civil.
J. Por respeito à harmonia do sistema judicial, o n° 3 do artigo 21° terá que ser interpretado extensivamente, de modo a abranger os processos declarativos pendentes no dia 15 de Setembro de 2003 em que até essa data não tenha sido proferida sentença em 1ª instância ou em que, tendo-o sido, a mesma só venha a ser executada na vigência do DL 38/2003.
K. Caso assim não se entenda, de nada terá valido à ora recorrente ter obtido sentença judicial procedente, pois não a poderá executar, a parte ilíquida, sem violação expressa das normas referentes à acção executiva introduzidas pelo DL 38/2003 de 8 de Março, maxime a norma do citado art° 805° n° 4.
L. Pelo exposto, dúvidas não subsistem, que o Meritíssimo Juiz "a quo" fez interpretação incompleta do n° 3 do artigo 21 ° do Decreto-Lei 38/2003, de 8 de Março, cingindo-se à interpretação literal do texto da norma, ignorando a tarefa de interligação e valoração que escapa ao domínio literal, e que o intérprete deverá observar, violando, por conseguinte, o n° 3 do art° 21°, o n° 4 do art° 805° e o art° 3°, ambos do C.P.C e por último, o art° 9° n° 1 do Código Civil.
Termina pedindo que seja anulado o despacho recorrido e substituído por outro, que julgue totalmente procedente o pedido formulado pela autora, ora recorrente, admitindo em juízo o incidente de liquidação deduzido nos autos.
O despacho recorrido foi tabelarmente sustentado.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A- Fundamentação de facto
Considera-se assente a seguinte matéria de facto:
1º - Por sentença de 12 de Julho de 2002, transitada em julgado, proferida nos autos principais, depois de declarada a cessação imediata dos benefícios contidos no nº 1.1 da cláusula 2ª e ainda dos benefícios constantes das cláusulas 3ª, 5ª, 6ª, 7ª, 8ª e 9ª, foi o réu condenado a restituir à autora as quantias recebidas por força do contrato de fls. 204 a 217, a liquidar em execução de sentença – fls. 369 do processo principal.

B- Fundamentação de direito

Na liquidação em execução de sentença, há que decidir pela quantificação dos danos, em função do que foi articulado pelo exequente em coerência com o título executivo e cuja responsabilidade foi imputada ao executado.

A requerente veio deduzir  o incidente de liquidação nos termos das disposições conjugadas dos artigos 47º nº 5, 661º nº 2, 378º nº 2, 380º nº 3 ( com a redacção que lhes foi introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003 de 8 de Março) e 379º, todos do C.P.C.).

O despacho recorrido rejeitou liminarmente o denominado incidente de liquidação deduzido pela agravante, da parte ilíquida da condenação constante da sentença.
O fundamento da rejeição consiste no facto de ser legalmente inadmissível o incidente de liquidação, não sendo aplicáveis ao caso as normas legais citadas pela requerente do incidente de liquidação, por força do disposto no artigo 21º nº 3 do Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 199/2003, de 10 de Setembro, já que a sentença foi proferida em 12 de Julho de 2002.
No despacho recorrido considerou-se que as normas invocadas pela requerente, ora agravante, somente se aplicam aos processos declarativos pendentes no dia 15 de Setembro de 2003, em que até essa data não tenha sido proferida sentença em 1ª instância.
Vejamos
A reforma da acção executiva, entrada em vigor no dia 15 de Setembro de 2003, apresenta um momento fundamental – a Lei de Autorização Legislativa nº 23/2002, de 21 de Agosto e o Decreto-Lei nº 38/2003, que a executou ( rectificado pela declaração de rectificação nº 5-C/2003, de 30 de Abril e alterado pelo Decreto-Lei nº 199/2003, de 10 de Setembro.
O sentido de evolução da reforma consistiu em ir moderando alguns excessos manifestos do I Anteprojecto, apresentado à discussão pública em Junho de 2001, em termos de violações do princípio do contraditório e de desproporcionada “ desjudicialização” e “ desjurisdicionalização” do processo executivo, em boa medida violadores de normas constitucionais, sendo certo que o Decreto-Lei nº 38/03 conseguiu eliminar, na sua larga maioria, as imputações de inconstitucionalidade a determinadas soluções normativas dos precedentes projectos legislativos, embora à custa de uma relativa complexidade – e elevada densidade técnica – de alguns regimes processuais.[1]
O artigo 21º nº 3 do Decreto-Lei nº 38/2003, na redacção do Decreto-Lei nº 199/2003, de 10 de Setembro, passou a ter a seguinte redacção:
“ 3 – As normas dos artigos 47º nº 5, 378º nº 2, 380º nºs 2, 3 e 4, 380º-A e 661º nº 2, do Código de Processo Civil aplicam-se nos ou relativamente aos processos declarativos pendentes no dia 15 de Setembro de 2003 em que até essa data não tenha sido proferida sentença em 1ª instância” ( sublinhado nosso).
Ora, tendo sido já proferida sentença em 1ª instância, não são de aplicar aqueles normativos, conforme ficou decidido no despacho recorrido.
Neste caso, a liquidação da condenação genérica, não se desloca obrigatoriamente para o âmbito do processo declaratório, como pretende a requerente, sendo de aplicar integralmente o regime processual derrogado.
O despacho recorrido fez correcta e adequada interpretação e aplicação do direito, não violou a norma plasmada no mencionado artigo 21º nº 3 e não provocou a rotura do sistema de equilíbrio cuidadosamente instalado pelo  Decreto-Lei nº 199/2003, não impedindo o acesso à justiça por parte da exequente.
A parte ilíquida da condenação contida na sentença proferida na acção declarativa, não poderá ser liquidada com recurso ao incidente de liquidação previsto nos artigos 378º a 380º-A do CPC.
O entendimento perfilhado no despacho recorrido, contrariamente ao alegado pela recorrente, assegura ao recorrido o direito ao exercício do contraditório.
Na verdade, sendo de aplicar o regime processual derrogado, como acima se deixou dito, o executado será sempre citado para contestar a liquidação e só depois de esta julgada é notificado para pagar ou nomear bens à penhora, conforme determinava o artigo 812º nº 2, relativamente a qualquer das diligências liminares abrangidas pelo artigo 802º .[2]
Podemos, pois, concluir no seguinte:
- Tendo sido proferida sentença em 1ª instância em 12.07.2002, não são aplicáveis as normas dos artigos 47º nº 5, 378º nº 2, 380º nºs 2, 3 e 4, 380º-A e 661º nº 2, do Código de Processo Civil, por força da redacção do artigo 21º nº 3 do DL 38/03, com a alteração introduzida pelo DL 199/03.
- A sentença, na parte em que contem uma condenação genérica, é título executivo, sendo de aplicar regime processual derrogado pelo DL 38/03, mostrando-se assegurado ao recorrido o direito ao exercício do contraditório.
III - DECISÃO
Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pela requerente.

Lisboa,  07 de Dezembro de 2005
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Sérgio Gouveia

[1] Lopes do Rego “ Papel e Estatuto dos Intervenientes no Processo Executivo”, Intervenção proferida na conferência sobre a Reforma da Acção Executiva, que teve lugar em 10 de Setembro de 2003, no Auditório do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, in LEX 2003.
[2] Lebre de Freitas, “ A Acção Executiva Depois da Reforma”, 4º edição, 2004, pág. 98.