Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2288/09.2TBTVD.L1-1
Relator: ANA GRÁCIO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
RECUSA DA PETIÇÃO PELA SECRETARIA
TAXA DE JUSTIÇA
FALTA DE PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 - A secretaria do Tribunal deve recusar o recebimento da petição inicial, se o autor - não sendo caso de urgência previsto no art 467° n°4 do CPC - a não acompanhar do documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do beneficio do apoio judiciário exigidos no nº3 do preceito (art 474° f) do CPC) e também deve ser recusada a distribuição dessa peça processual que não se mostre acompanhada dos respectivos documento.
2 - Acabando a petição inicial por ser recebida e distribuída, não deve o juiz mandar logo desentranhar essa petição, mas antes, dar a oportunidade ao autor de, no prazo de dez dias, juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do apoio judiciário, nos termos do art 476° do mesmo Código.
3 – Se, entretanto, tiver sido deferido o benefício e junto o documento ao processo, não se justifica a notificação do autor para juntar um documento que já fora entretanto junto, considerando-se sanada a falta.
(Súmário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I – RELATÓRIO

1 - “A” instaurou, no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Torres Novas, contra o Estado Português, acção declarativa de condenação, com forma de processo ordinário, através da qual, e com base nos fundamentos aduzidos na petição inicial, requer a condenação do R. na indemnização de €190.000 por não ter transposto atempadamente uma Directiva Europeia de 30-12-1983.
A respectiva petição inicial fui acompanhada de vários documentos, e entre os quais constava cópia certificada de um requerimento dirigido ao Centro Distrital da Segurança Social Lisboa, ali entrado em 18-09-2009, em que o A. solicitava a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, em acção judicial ordinária de condenação a propor contra o Estado Português.

2 - Em conclusão aberta, pelo funcionário competente, em 02-10-2009 ao juiz do processo, é este ali informado “que me suscitam dúvidas quanto à competência deste Tribunal (…)”, são-lhe os autos conclusos para que determinasse o que tivesse por conveniente.

3 - Na sequência dessa conclusão o Mmº Juiz proferiu o seguinte despacho:
“Conclusos os autos, antes de findos os articulados, verifica-se, independentemente da questão suscitada quanto à competência deste tribunal, que pelo Autor foi junto apenas Requerimento de Apoio Judiciário para dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, sem qualquer decisão relativamente ao deferimento do pedido em causa, sendo que o dito requerimento deu entrada nos serviços de segurança social no dia 18 de Setembro de 2009, não tendo, pois, decorrido o prazo de deferimento tácito de 30 dias, previsto no art. 25.º, n.º 1 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações da Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.
Ora, nos termos do art. 467.º, n.º 3 do CPC, “O Autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”, salvo os casos referidos no n.º 5 do mesmo artigo, que não sucedem no processo em apreço.
A falta de junção do documento que comprove o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão de apoio judiciário é motivo de recusa da petição inicial.
(…)
Assim, entende-se que, numa situação como a reportada, deverá a petição inicial ser objecto de desentranhamento.
Face ao exposto e pelos motivos acima referidos, ordena-se o desentranhamento da petição inicial e a sua restituição ao autor, com todos os seus documentos, devendo dar-se baixa na Autuação.
Notifique.”

4 - Não se tendo conformado com tal decisão, o A. dela interpôs recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1 – O recorrente é VÍTIMA de acidente de viação e da transposição atempada de uma Directiva Comunitária: PRESUME-SE o APOIO JUDICIÁRIO e a INSUFICIÊNCIA ECONOMICA; apesar do ganho da causa que demorou 15 anos não recebeu um cêntimo até hoje!
2 – O recorrente litigou durante 15 anos com APOIO JUDICIÁRIO.
3 – O A. obteve APOIO JUDICIÁRIO na acção instaurada recentemente em que demanda o Estado pela morosidade processual.
4 – O desentranhamento da petição inicial e dos documentos viola o acesso à Justiça – artº 20º da Lei Fundamental e impede o acesso à Justiça e aos Tribunais por carência de meios que já foi comprovada em outros processos, sendo o recorrente alheio à não resposta de Segurança Social em tempo útil!...
5 – A tramitação processual deve prosseguir e aguardar-se que haja notícia nos autos do Apoio Judiciário que vai ser concedido tal como o foi na acção cível que correu por Lisboa.
O Douto Despacho viola os arts. 20 da Lei Fundamental e a Lei 34/2007 pelo que deve ser substituído por outro que ordene a prossecução da acção, pois o recorrente presume-se pobre, tendo sido concedido apoio judiciário desde que instaurou o P.º 10.200/1003.”

5 – Notificado nos termos previstos no art 685º-D do CPC em 30-10-2009, só em 23-11-2009 o A. juntou documento comprovativo do deferimento do apoio judiciário, sendo que tal deferimento data de 22-10-2009.

6 - Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.

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II – FUNDAMENTOS DE FACTO

Os factos relevantes, a tomar aqui em consideração para a decisão do recurso, são aqueles que supra deixámos descritos no relatório que antecede e que resultam das peças processuais e documentos que acompanharam aos autos.

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III – AS QUESTÕES DO RECURSO

À tramitação e julgamento do presente recurso é aplicável o novo regime processual introduzido pelo Dec-Lei nº 303/2007, de 24-08, porquanto respeita a acção instaurada após 01-01-2008 (cfr. art. 12º do mesmo diploma).
De harmonia com as disposições contidas nos arts 676º nº1, 684º nºs 2 e 3, e 685º-A,nºs 1 e 2 do CPC, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o apelante extrai das suas alegações, desde que reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões de que, por lei, o Tribunal deve conhecer oficiosamente (art 660º nº2 do CPC). Pelo que, dentro desse âmbito, deve o Tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art 660º nº2 do CPC).
Assim, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões formuladas pelo apelante, a questão que demandam apreciação e decisão da parte deste Tribunal tem que ver com o desentranhamento ou não da petição inicial, por não ter sido acompanhada do deferimento do apoio judiciário.

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IV – APRECIAÇÃO

Compulsados os autos, verifica-se que o A. efectivamente não juntou, com a petição inicial da acção, “documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou da concessão do benefício de apoio judiciário”, segundo exigência do art 467º nº3 do CPC.
É verdade que se mostra junto com a petição um outro documento – fls. 31 a 33 –, através do qual o A. provou que havia solicitado a concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Porém, a lei não lhe atribui relevância para o efeito de que agora tratamos, só o considerando substitutivo dos anteriores se for requerida a citação urgente, segundo o que estatui o art 467º nº4 do mesmo Código.
Mas, in casu, nem o A. requereu essa citação urgente, nem invocou uma outra qualquer razão de urgência, pelo que o documento que juntou não era suficiente para cumprir a exigência da lei, tendo que apresentar mesmo o documento comprovativo da concessão daquele apoio judiciário e não somente que o havia requerido.
Assim, devia a secretaria ter recusado o recebimento da petição inicial apresentada pela A., nos termos estabelecidos do art 474º f) do CPC, indicando por escrito o fundamento da rejeição e dando disso notícia ao seu apresentante. No entanto, não o fez.
E, pela mesma razão, não devia ter sido admitida à distribuição. Mas foi-o.
Caso tivesse havido, primeiro, recusa de recebimento pela secretaria e, depois, rejeição da distribuição, o A., ora apelante, tinha a faculdade de, nos dez dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a confirmasse, de juntar o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida, de harmonia com o preceituado no art 476º do CPC. Ou seja, a lei concede, sempre, à parte uma oportunidade de sanar a situação.
E nos casos em que a petição, indevidamente, foi recebida pela secretaria e, depois, admitida à distribuição, deve o juiz decidir logo pelo desentranhamento desta ou, pelo contrário, deve dar a oportunidade ao autor de, no prazo de dez, efectuar o pagamento em falta?
“Em algumas decisões jurisprudenciais, que consideramos conformes com o espírito do legislador, tem-se vindo a entender que, não recusando a secretaria a petição, não deve o juiz decidir logo pelo desentranhamento desta, devendo dar-se a oportunidade ao autor de, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta. Isto, porque, não recusando a secretaria o recebimento, como a lei impõe, inviabiliza-se a possibilidade de o autor lançar mão do benefício estabelecido no art. 476º. Ora, o autor não pode ser prejudicado por uma tal omissão da secretaria (art. 161º, nº6 do CPC).
No sentido exposto, vide Acs. da Rel. de Coimbra, de 31-05-2005 (Rel. Garcia Calejo) e da Rel. do Porto, de 23-05-2006 (Rel. Mário Cruz) e de 09-10-2006 (Rel. Abílio Costa) em www.dgsi.pt).
A não se entender assim, estaria criado um sistema em que, em idênticas circunstâncias, uns, conforme a actuação/omissão da secretaria, teriam a oportunidade de praticar o acto, outros veriam precludida essa faculdade e, como no caso dos autos, de forma irremediável” (Ac. da Relação de Lisboa de 16-11-2006, disponível em www.dgsi.pt).
Estamos plenamente de acordo com esta jurisprudência, porque o entendimento acabado de explanar é o que respeitará a mens legislatoris e aquele que salvaguarda o princípio do tratamento igual para situações semelhantes.
No entanto, no caso em presença, a petição não chegara a ser recusada pela Secretaria, e o Juiz decidiu desde logo pelo desentranhamento, mesmo sem dar ao A. a possibilidade de justificar a sua actuação ou de voluntariamente efectuar o pagamento da taxa de justiça. Desentranhar a petição, sem conceder ao A. a faculdade de suprirem a omissão cometida, como fez o despacho recorrido, era sancioná-lo pela falta de cuidado daqueles que, na secretaria, deviam ter recusado a petição e de quem admitiu a petição à distribuição.
Deste modo, o Mmº Juiz a quo, antes de mandar desentranhar e devolver ao A. a petição inicial, devia ter ordenado que o mesmo fosse notificado para, querendo, em dez dias, comprovasse nos autos o pagamento da taxa de justiça inicial em falta ou a concessão do benefício de apoio judiciário. E só depois disso, caso o A. nada tivesse dito ou comprovado nos autos, devia ter mandado desentranhar e devolver a petição inicial.
O problema está em que a verdade processual afinal se mostra desconforme à realidade, pois verifica-se que afinal foi concedido ao A. o benefício do apoio judiciário, na modalidade pedida de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo (fls 47 e 48).
A lei estipula mecanismos, quer de proibição da prática de actos inúteis (art 137º do CPC), quer de defesa da estabilidade da instância, precisamente em ordem a conseguir-se nos processos uma tutela jurisdicional efectiva – que acha afloramentos, por exemplo, em disposições como a do art 2º e, sobretudo, a dos arts 265º e 265º-A, todos do CPC.
Nestes termos, embora por razões não coincidentes com as alegações do A., deverá ser revogada a decisão recorrida, devendo, em 1ª Instância, ser proferido despacho em que dê prosseguimento aos autos.

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V - DECISÃO

Pelo exposto, e pelos fundamentos acima expostos, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que ordene o prosseguimento dos autos.
Sem custas, dado não existir parte vencida.

(Processado por computador e integralmente revisto pela relatora)

Lisboa, 13 de Abril de 2010

ANA GRÁCIO
PAULO RIJO
AFONSO HENRIQUE