Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8979/2006-8
Relator: CARLA MENDES
Descritores: INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
EXECUÇÃO
PAGAMENTO VOLUNTÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: Deve julgar-se extinta a instância executiva por inutilidade superveniente da lide, e não julgada extinta a execução pelo pagamento, verificando-se o pagamento extrajudicial de parte do crédito mutuado respeitante a prestações vencidas, o que permitiu ao credor hipotecário e executado retomarem o plano contratual de pagamento do crédito mutuado (artigos 287.º,alínea e) e 466.º do Código de Processo Civil)

(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Banco […] SA intentou acção executiva para pagamento de quantia certa contra João […] e mulher […] e Joaquim […] e mulher […].

Foram os executados citados e ordenada a penhora do imóvel identificado na p. i..

Posteriormente, fls. 71, a exequente veio solicitar a remessa dos autos à conta por inutilidade superveniente da lide alegando que, no decurso da execução, os primeiros executados efectuaram o pagamento das prestações vencidas do empréstimo concedido, tendo aquela admitido que o plano contratual fosse retomado.

A execução prosseguiu para pagamento das custas tendo sido ordenada a penhora dos bens móveis dos executados.

Pagas as custas a execução foi sustada.

Foi proferida sentença de extinção da execução nos termos do art. 919 CPC, por terem sido pagas as custas e a quantia exequenda – fls. 129.

O exequente solicitou, ex vi art. 669 nº 2 b) CPC, a reforma da sentença por ter julgado extinta a instância pelo pagamento, uma vez que, a quantia exequenda não foi paga, tendo o exequente deixado de ter interesse no prosseguimento da instância, atenta o acordo entre as partes.

O Sr. Juiz manteve a decisão com fundamento de que, por um lado, a inutilidade superveniente da lide não tem lugar em sede executiva e por outro, o exequente tem duas vias, ou desiste da execução ou dá conhecimento aos autos do pagamento daquelas quantias e nesta segunda hipótese a extinção da instância apenas pode assentar no pagamento verificados, sendo certo que se os executados incumprirem o exequente pode requerer a renovação da execução extinta, ex vi art. 920 nº 1 CPC.
Inconformados o exequente agravou tendo formulado as seguintes conclusões:

1ª. Decorre dos autos que a quantia exequenda não foi integralmente liquidada.
2ª. Na verdade, o agravante e o executado acordaram na retoma do plano contratual.
3ª. Em 14/12/2001 o agravante informou o tribunal que os executados tinham procedido ao pagamento de parte da quantia exequenda correspondente às prestações vencidas no empréstimo executado, tendo admitido o exequente que os executados retomassem o respectivo plano contratual e, em consequência requereu a remessa dos autos à conta, com responsabilidade das custas a cargo dos executados.
4ª. Não existiu qualquer novação da dívida inicialmente executada, mas  tão  só,  o  pagamento  de  prestações  já  vencidas,  tendo  o  exequente admitido o pagamento da parte restante extrajudicialmente e no futuro, tendo assim retomado o plano de amortização do empréstimo concedido, continuado a aplicar-se as taxas de juros e prazos de pagamento contratualmente previstos.
5ª. Pagas as custas foi o agravante notificado da sentença de extinção pelo pagamento da quantia exequenda.
6ª. Pelo que, requereu o agravante a reforma de sentença.
7ª. Não se verificando o pagamento integral da quantia exequenda, conforme resulta do requerimento do exequente, jamais se poderia julgar extinta a execução por pagamento da quantia exequenda.
8ª. Deve o recurso ser julgado procedente.

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Atentas as conclusões do agravante que delimitam como é regra o objecto do recurso – arts. 684/3 e 690 CPC – a questão que cabe decidir consiste em saber se, numa execução, tendo sido paga parte da quantia exequenda extrajudicialmente – prestações em atraso - pode ser proferida sentença a julgar extinta a execução pelo pagamento da quantia exequenda (totalidade), ou seja, por um pagamento que não foi efectuado.

          Factos que interessam para a decisão do recurso.

1.Por escritura pública outorgada em 25/1/2000, o exequente celebrou com os executados um contrato de mútuo com fiança.
2. O mútuo destinava-se à aquisição de habitação própria do primeiro  executado.
3. Como garantia  da obrigação emergente do empréstimo os executados constituíram uma hipoteca sobre a fracção autónoma designada pela letra “O”, a que corresponde o 3º andar direito, do prédio […] concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial […]
4. Os executados foram citados.
5. Foi ordenada e efectuada a penhora da fracção autónoma.
6. Posteriormente o exequente informou o tribunal “a quo” que “no decurso da execução os executados levaram a efeito o pagamento das prestações vencidas no empréstimo, tendo o exequente admitido que o mesmo retomasse o respectivo plano contratual, assim continuando a aplicar-se-lhe as taxas de juros e prazos de pagamento contratualmente previsto”.
7. E continuaram “Deste modo, por inutilidade superveniente da lide, uma vez que inexiste qualquer razão para o prosseguimento dos presentes autos, requer se digne ordenar a respectiva remessa dos autos à  conta,  para  determinação  das custas da responsabilidade dos executados que deram causa à presente lide, para que, pagas estas, a execução venha a ser declarada extinta”.

8. A execução foi sustada.
9. Não tendo pago as custas foi ordenada a penhora de bens móveis dos executados.
10. Pagas as custas, por iniciativa dos executados, foi proferida decisão que julgou extinta a execução, ex vi art. 919 CPC, por se encontrarem pagas as custas e a quantia exequenda.  
11. O exequente, notificado da decisão, solicitou a reforma da sentença, art. 669 nº 2 b) CPC, na parte em que se dizia que a quantia exequenda estava paga, uma vez que no seu requerimento mencionara tão só, que os executados tinham pago parte da quantia, por acordo extrajudicial.

Vejamos, então.

O exequente, uma vez que os executados regularizaram as prestações em dívida, aceitou retomar o plano contratual e solicitou a remessa dos autos à conta, por inutilidade superveniente da lide.

Para que a inutilidade da lide seja superveniente, tem necessariamente que ter lugar após o início da acção executiva.

O sentido jurídico desta expressão “inutilidade superveniente da lide” deve ser interpretado no sentido de que o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo,  tendo  sobretudo  em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada – art. 9 CC.

O art. 919 CPC estipula que: “ A execução extingue-se logo que se efectue o depósito da quantia liquidada, nos termos do art. 917 CPC, ou depois de pagas as custas, tanto no caso do art. anterior como quando se mostra satisfeita pelo pagamento coercivo a obrigação exequenda ou ainda quando ocorra outra causa de extinção da instância executiva”.

Esta norma prevê a extinção da execução quer quando seja liquidada a dívida exequenda, voluntária ou coercivamente, quer se o exequente desistir da execução ou quando ocorra outra causa de extinção da instância executiva.

Ora, uma das causas de extinção da instância executiva é a inutilidade superveniente da lide – art. 287 c) do CPC.

No caso dos autos não foi liquidada a quantia exequenda – verificou-se uma regularização da dívida quanto às prestações em atraso – nem o exequente desistiu da execução, o que aconteceu foi que, por facto imputável aos executados, o exequente/credor consentiu em “renovar” o mútuo, permitindo a continuação do pagamento regular das prestações, ou seja verificou-se uma inutilidade superveniente  da lide que é uma das causas de extinção da instância executiva – Ac. STJ 6/7/04 SJ200407060022721 in www.dgsi.pt..

Acresce ainda que “a causa de pedir nas acções executivas consubstancia-se na obrigação exequenda que consta do documento em que se traduz o título executivo – art. 45 CPC.

Na sentença declarativa de extinção da instância executiva com base no pagamento voluntário da quantia exequenda e das custas não é formulado qualquer juízo sobre os factos relativos à obrigação exequenda, nem ao direito aplicável.

Na sentença, o juiz limita-se a verificar a ocorrência  de uma causa extintiva da acção executiva, à margem de qualquer juízo de mérito, ou seja, sem declaração da existência ou inexistência do crédito exequendo que justificou a instauração da execução.

Os pressupostos da extinção da acção executiva por via da sentença de extinção não se reportam à própria obrigação exequenda, mas o mero acto processual de pagamento, voluntário ou coercivo, da quantia exequenda e das custas ou quando ocorra outra causa de extinção, nomeadamente a inutilidade superveniente da lide.

A dinâmica das acções executivas desenvolve-se essencialmente por via de actos processuais, à margem do contraditório que é próprio das acções declarativas.
A sentença que declara a extinção da execução tem sempre um conteúdo processual independentemente da causa determinante da extinção, certo que o fim do processo executivo não é decidir uma causa, mas dar satisfação efectiva a um direito constante de um título executivo ou já declarado por sentença.
Em suma, o conteúdo da sentença de extinção é de natureza processual, não envolve decisão sobre alguma relação material controvertida” – Ac. STJ de 31/5/05 in www.dgsi.pt.

Assim, a consequência processual do pedido formulado pelo exequente é a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao agravo e, consequentemente, revoga-se a sentença, julgando-se extinta a execução por inutilidade superveniente da lide (causa de extinção da acção executiva).        

Sem custas por não haver parte vencida.

Lisboa,  14 de Dezembro de 2006
Carla Mendes
Caetano Duarte
Ferreira de Almeida