Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
710/11.7TCFUN.L2-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: SUSPENSÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: -Suspenso o contrato de arrendamento por força da realização de obras, nos termos do DL nº 157/2006 de 08/08, é lícito ao senhorio comunicar ao arrendatário a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, desde que o faça com a legal antecedência de um ano.
-A suspensão não impede o decurso do prazo do arrendamento, renovando-se este por mais três anos se nenhum dos contraentes comunicar a sua oposição a tal renovação.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


Vem nos presentes autos S... SA pedir que se declare que os contratos de arrendamento referentes às lojas 3 e 4, do prédio situado na Avenida do ... nº ..., Funchal, celebrados com M... Lda, cessam nos dias 31/12/2012 e 31/07/2013 respectivamente.

Pede ainda que seja a Ré condenada a reconhecer tais cessações.

Contestou a Ré alegando que a partir de 23/12/1997 passou a haver um único contrato de arrendamento, a que correspondeu um aumento de renda. Além disso, na sequência do contrato de urbanização celebrado entre a Autora e a Câmara Municipal do Funchal, a Ré exerceu o direito a manter o contrato de arrendamento suspenso até final das obras.

A Ré deduziu ainda pedido reconvencional contra a Autora e todos os seus Administradores, pedindo a sua condenação a pagarem-lhe indemnização por danos resultantes de tal suspensão do contrato, a liquidar mediante perícias.

A Autora respondeu impugnando a matéria da reconvenção.

Na audiência prévia de 19/11/2014 foi proferida decisão indeferindo o pedido reconvencional.

Em 18/02/2015 foi proferida decisão, em sede de despacho saneador, julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré dos pedidos.

Foram dados como assentes os seguintes factos:

A)Em 23 de Dezembro de 1997, a Autora celebrou com M..., contrato de arrendamento, incidente sobre a loja nº 3 do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 1109.
B)O contrato referido em A) foi celebrado para promoção e venda de artigos regionais e pelo período de um ano, renovável, com início a 01 de Janeiro de 1998.
C)Em 01 de Julho de 1972, a Autora celebrou com J... contrato de cessão temporária, mediante o qual aquela se obrigava a ceder a este a exploração do estabelecimento comercial de antiguidades, instalado na loja nº 4, do prédio térreo situado dentro do parque do seu hotel denominado Hotel Savoy, à margem da Avenida do Infante;
D)O contrato referido em C) foi celebrado pelo prazo de um ano, com início a 01/08 do ano corrente;
E)Em 19 de Janeiro de 2001 foi celebrado escritura pública, denominada de "Trespasse", em que o representante da "C... S.A." declarou trespassar a M..., o estabelecimento comercial de loja de venda ao público de móveis e artigos de decoração que, por via de arrendamento, se encontra instalado na loja com o nº 4 da Galeria Comercial do Hotel Savoy, do prédio urbano sito na Avenida do Infante, Rua Imperatriz e Rua Carvalho Araújo, inscrito na matriz sob o artigo 1109;
F)Do acordo referido em C) consta que a senhoria no arrendamento é a aqui Autora;
G)A Ré comunicou à Autora ter substituído M..., na qualidade de arrendatária nos acordos referidos em A) e C), o que a Ré aceitou;
H)A Autora celebrou com o Município do Funchal um contrato de urbanização, cujo objecto é a reconstrução do empreendimento turístico "Savoy”, a instalar no prédio referido em A) e C);
I)Na sequência do referido em H), os contratos referidos em A) e C) mostram-se suspensos desde 26 de Março de 2010, tendo a Ré optado pela suspensão e recebimento de indemnização pelas despesas e danos;
J)O contrato referido em H) ainda não terminou.

Inconformada, recorre a Autora, concluindo que:

-Face ao alegado nos autos e aos documentos juntos, não deveria ter sido dado como assente e provado que:
"I.Na sequência do referido em G), os contratos referidos em A. e C. mostram-se suspensos desde 26 de Março de 2010, tendo a Ré optado pela suspensão e recebimento de indemnização pelas despesas e danos." e que "J. O contrato referido em G) ainda não terminou."
-A suspensão e a cessação dos contratos são o tema fulcral da presente acção, como tal, tais alíneas integram matéria de direito que deve ser considerada como não escrita.

- Os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa são os documentos juntos ao processo pela A. e pela R., a saber:

i)Carta enviada pela A à R., datada de 7 de Setembro de 2011, pela qual foi comunicada a oposição à renovação do contrato referente à loja 3, e que constitui o documento nº 4, junto pela A. na sua PI, e que consta de folhas 27 a 29 dos presentes autos.
ii)Carta enviada pela A. à R., datada de 7 de Setembro de 2011, pela qual foi comunicada a oposição à renovação do contrato referente à loja 4, e que constitui o documento nº 5, junto pela A no requerimento de junção de documentos à sua PI, e que consta de folhas 37 a 38 dos presentes autos.
iii)Notificação Judicial Avulsa, requerida pela A para notificação da R., relativa à oposição à renovação dos contratos referentes às lojas 3 e 4, e que constitui o documento nº 6, junto pela A no requerimento de junção de documentos à sua PI, e que consta de folhas 39 a 58 dos presentes autos.

-A decisão que deveria ter sido proferida era uma que desse total provimento ao peticionado pela A/Recorrente.

-A matéria de facto relevante para a decisão é a que consta no ponto 2 das alegações supra.

-O Tribunal a quo confundiu a figura da denúncia, com a figura da oposição à renovação (conceitos utilizados pelo NRAU, aprovado pela Lei 6/2006, de 27/02, e que se mantiveram com as sucessivas alterações a esta Lei).

-Pelo disposto no artigo 1079.° do NRAU, o arrendamento urbano cessa pelas seguintes formas: Por acordo das partes (é a revogação do artigo 1082.° do CC).

Por resolução (artigos 1083.° e seguintes do CC - com base em incumprimento pela outra parte) Por caducidade (artigo 1051.° do CC - por exemplo, por morte do arrendatário).

Por denúncia (artigo 1101.° do CC) - declaração unilateral de uma das partes para pôr fim ao contrato, por razões diferentes do incumprimento pela outra parte e com base num fundamento que por lei lhe dê esse direito.

Por outras causas previstas na lei - entre estas causas está a oposição à renovação, prevista no artigo 1096.°, nº 3 e 1097.° do CC - declaração feita por um dos contraentes, em regra com certa antecedência sobre o termo do período negocial em curso, de que não quer a renovação ou a continuação do contrato.

-A A./Recorrente não procedeu à denúncia prevista no nº 4 acima, pelo contrário, quer fazer cessar os contratos de arrendamento dos autos, nos termos indicados no nº 5 supra - por uma causa especial da lei, qual é a da oposição à renovação.

-Na terminologia adoptada pelo NRAU, a denúncia é vinculada, ou seja, só é possível nos casos em que a lei expressamente preveja, e destina-se a ter efeitos imediatos e a oposição à renovação é livre, mas destina-se a ser efectuada para o fim do prazo do contrato, ou seja, para ter efeitos no futuro.

-A oposição à renovação foi comunicada à R/Recorrida atempadamente, quer por carta quer por notificação judicial avulsa, com uma antecedência superior a um ano do termo da renovação, de acordo com as disposições combinadas dos artigos 1067.°, nº 1, 1079.°, 1110.°, nº 1, 1096.°, nº 3 e 1097°, todos do CC e dos artigos 26.° a 28.° da Lei 6/2006.

-A A./Recorrente, à data das comunicações que efectuou, pretendia opor-se à renovação e não denunciar o contrato de acordo com o previsto no regime do D.L. 157/2006, motivo pelo qual o Tribunal a quo não interpretou nem aplicou correctamente a lei ao presente caso.

-A R. /Recorrida, no desenrolar do regime do D.L. 157/2006, declarou que optava pela suspensão do contrato, ao abrigo do direito que lhe era conferido pela lei em vigor ao tempo dessa comunicação - cf. documento nº 9 junto com a contestação, que consta de folhas 276 a folhas 278.

-O Tribunal a quo fez também confusão com os termos suspensão e interrupção.

-Decorre do RJOPA que o que a lei pretende é a suspensão e não a interrupção dos contratos; e não é a totalidade da relação arrendatícia que é suspensa, mas apenas o conteúdo fundamental do contrato de arrendamento.

-O conteúdo fundamental do contrato de arrendamento corresponde aos deveres principais e correspectivos que advêm para as partes em consequência do modo como a lei configura a locação, ou seja, assegurar o gozo da coisa locada (dever do senhorio) e pagar a renda (dever do arrendatário) - cf. Artigos 1031.° e 1038.° do Código Civil (CC).

-A lei apenas pretende a suspensão durante as obras das obrigações principais das partes no contrato de arrendamento.

-O regime das obras é um regime muito específico, que serve para a protecção mútua de senhorio e arrendatário em caso de obras, mas que não pretende desonerá-los nem lhes retirar direitos, sendo esta a decorrência do artigo 9.° do D.L. 157/2006, na sua redacção originária (entretanto revogado).

-Deste regime especial para as obras necessárias no locado decorre que, caso o arrendatário aceite o realojamento proposto pelo senhorio, durante o período da suspensão, este continua a ter que assegurar o gozo do local proposto para o realojamento e o arrendatário continua a ter que pagar a renda; só no caso de o arrendatário declarar que prefere a indemnização é que durante o período da suspensão não existem aqueles dois deveres correspectivos para senhorio e arrendatário.                                                                                                      
-Quanto ao mais, tais contratos não se encontram interrompidos ou sequer findos, o que significa que todos os restantes direitos e deveres das partes, que advêm normalmente de uma relação contratual, se mantêm em curso, não sendo suspensos, ou seja, a suspensão referenciada não interrompe a contagem dos prazos decorrentes dos contratos.

-O Código Civil e o NRAU não tratam especificamente do regime da suspensão dos contratos, mas existe, no nosso sistema jurídico, um detalhado regime de suspensão no que respeita aos contratos de trabalho, impondo-se assim a aplicação por analogia dos princípios e das normas aí expressas.

-Nos contrato de trabalho, durante o período de suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes na medida em que não pressuponham a efectiva prestação do trabalho e a suspensão do contrato não prejudica a posterior resolução do mesmo, nem a resolução está dependente da verificação de qualquer prazo que haja de decorrer após a comunicação da suspensão.

-Neste sentido, confrontar os Acórdãos do STJ de 24/07/2007, proferido no âmbito do processo 07S1045, e de 14/04/2010, proferido no âmbito do processo 09S570, ambos disponíveis em www.dgsi.pt..

-Assim, igualmente, na suspensão dos contratos de arrendamento, mantêm-se para as partes o direito de transmissão da posição contratual inter vivos  ou mortis causa (dentro das condicionantes legais e contratuais), o direito do senhorio proceder à actualização da renda e à transição para o NRAU (nos casos de contratos não habitacionais celebrados antes do D.L. n 257/95, de 30 de Setembro), e, naturalmente, também o direito de denunciar e/ou se opor à renovação dos contratos.

-É exactamente no âmbito deste último direito que a A. propõe a presente acção, isto é, estando o contrato apenas suspenso quanto aos deveres principais do contrato de arrendamento, a A/Recorrente podia exercer livremente o seu direito de oposição à renovação dos mesmos contratos.

-Ainda que assim não fosse, sempre o tribunal deverá pôr termo aos contratos de arrendamento dos autos, em consequência da alteração do regime legal acontecida em Novembro de 2012, já que, depois de ter sido proposta esta acção (23/12/2011), foi alterado o RJOPA.

-Foi publicada a Lei 30/2012, de 14/08, ao abrigo da qual foram revogados os artigos 9.° e 10.° do RJOPA, que previam a possibilidade de suspensão do contrato de arrendamento com fim não habitacional, com fundamento em obras que implicassem demolição do locado, ou seja, a suspensão que está em causa no presente processo.

-Este regime (RJOPA) é parte integrante do NRAU, considerado no seu todo, e aplica-se às relações contratuais que subsistiam à data da sua entrada em vigor, como resulta da aplicação conjugada das normas constantes dos artigos 26.° a 28.° e 59.° da Lei 6/2006, na redacção que lhes foi dada pela Lei 31/2012, de 14/08 e do artigo 6.° da Lei 30/2012, de 14/08.

-As referidas leis entraram em vigor a 12 de Novembro de 2012.

-Tratando-se, como é o caso, de uma demolição feita ao abrigo de uma operação urbanística, o Plano de Urbanização do Infante, cuja deliberação da Câmara Municipal do Funchal nº 1065/2008 foi publicada na II Série do Diário da República, nº 70, de 9 de Abril, o regime hoje é diferente.

-O senhorio denuncia o contrato de arrendamento para a demolição e o arrendatário, não tendo havido acordo entre as partes, nomeadamente quanto ao realojamento, tem direito a uma indemnização equivalente a um ano de renda.

-Deve aplicar-se a lei nova à situação dos presentes autos e daí resulta que já não é possível a presente situação ser analisada e regulada por um quadro normativo que deixou de existir.

-A R/Recorrida declarou que pretendia exercer o seu direito de opção e, tendo optado por encerrar a sua actividade e receber a indemnização (cf. documentos nº 8 e 9, juntos pela R. com a sua contestação, documentos que constam de folhas 272 a folhas 277), o contrato tem de se considerar denunciado nos termos do regime vigente, devendo a R. ser condenada a reconhecer que o contrato cessou.

-De tudo resulta a validade da denúncia a qual deve ser reconhecida no presente processo.

-As leis relativas às Relações Jurídicas de arrendamento são, em princípio, de aplicação imediata por visarem não o "Estatuto Contratual" das partes, mas antes o respectivo "Estatuto Legal", atingindo-as assim não tanto como partes contratantes mas enquanto sujeitos de direito ligados por um particular e específico vínculo contratual.

-Ocorrendo a inovação legislativa na pendência da acção, esta aplica-se à relação jurídica (subsistente), julgando-se a causa, ainda que em recurso, em conformidade com a mesma.

-O princípio da estabilidade da instância é imposto apenas quanto aos sujeitos, pedido e causa de pedir, e não em relação à lei em vigor à data em que seja proferida a decisão recorrida.

-A questão da aplicação da lei no tempo, no que se refere ao arrendamento, foi tratada em diversos acórdãos do STJ - cf. Acórdão do STJ de 23/05/2012, proferido no âmbito do processo 02B130S, Acórdão do STJ de 12/02/2009, proferido no âmbito do processo 09A0033, e Acórdão do STJ de 27/05/2010, proferido no âmbito do processo 971/08.9TVPRT.P1.S1 todos disponíveis em www.dgsi.pt.

-A lei aplicável à presente situação é, assim, a lei nova, à luz da qual a presente acção deveria ter sido decidida.

-A douta sentença recorrida violou as normas jurídicas que resultam da interpretação conjugada das disposições dos artigos 12.°, 1067.°, nº 1, 1079.°, 1096.°, nº 3, 1097.°, 1110.°, nº 1, todos do Código Civil, e 26.° a 28.° e 59.° da Lei 6/2006, todos na sua redacção actual, à luz das quais a presente situação deveria ter  sido analisada.

-Violadas estão também as disposições do RJOPA - Decreto-Lei 157/2006, de 08/08.

-O Tribunal a quo está a negar à A., ora Recorrente, o exercício de um direito que lhe é assegurado por lei e a negação do exercício desse direito consubstancia a negação do direito fundamental e estruturante de acesso ao Direito e tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, que o Tribunal a quo violou.

Face ao exposto, com estes fundamentos e os mais que este Venerando Tribunal suprirá, deve ser julgado procedente por provado o presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença do Tribunal a quo, e substituída por outra que dê provimento total à presente acção e ao que nela foi peticionado e, em consequência:
- Declarar-se que os referidos contratos cessaram por oposição à renovação, o da loja 3, identificado nas alíneas A) e B) dos factos assentes e provados, no dia 31 de Dezembro de 2012 e o da loja 4 identificado nas alíneas C) a E) dos factos assentes e provados, no dia 31 de Julho de 2013.
-Ser a R. condenada a reconhecer tal cessação.

-Subsidiariamente, quando assim não se entenda, deve ser julgado procedente por provado o presente recurso e, em consequência, ser revogada sentença do Tribunal a quo, e substituída por outra que dê provimento ao peticionado e, em consequência:
-Declarar-se que com a entrada em vigor das Leis 30/2012 e 3112012, ambas de 14/08, que ocorreu a 12 de Novembro de 2012, deixou de existir fundamento jurídico para a suspensão dos contratos acima identificados, pelo que os mesmos se devem considerar cessados naquela data.
-Ser a R. condenada a reconhecer tal cessação dos referidos contratos.

Cumpre apreciar.
São diversos os pontos invocados pela recorrente, a começar pela alteração da matéria de facto assente.

Pretende a apelante que não devia ter sido dada como provada a matéria constante de I) e J) da matéria assente.

A Alínea I) refere que “na sequência do referido em H) os contratos referidos em A) e C) encontram-se suspensos desde 26 de Março de 2010, tendo a Ré optado pela suspensão e recebimento de indemnização pelas despesas e danos”.

Na alínea J) diz-se que “o contrato referido em H) ainda não terminou”.

De sublinhar que na sentença recorrida se refere a alínea G), certamente por lapso.

O contrato a que alude a alínea H) é o que foi celebrado entre a Autora e o Município do Funchal, sob a designação de contrato de urbanização, cujo objecto é a reconstrução do empreendimento turístico “Savoy” a instalar no prédio onde se situam os locados.

A alusão à suspensão dos contratos de arrendamento foi invocada pela Ré no art. 5º da contestação à petição aperfeiçoada, e aceite claramente pela Autora como se vê dos artigos 11º e 12º da resposta da Autora a tal contestação. O que a Autora discute não é a suspensão mas sim o seu conteúdo e alcance.

Pretende a recorrente que se trata de matéria de direito e como tal, insusceptível de integrar a factualidade provada.

Discordamos desta tese. A suspensão de um contrato é, tal como a sua celebração ou extinção, um facto susceptível de prova. Nem sequer consiste num juízo conclusivo, a não ser que o que se discute é a existência de tal suspensão..

E, salvo o devido respeito, nem a suspensão dos contratos de arrendamento nem a cessação do contrato de urbanização constituem o núcleo do presente litígio, dado que ambas as situações são pacificamente aceites pelas partes. O cerne do litígio consiste na extensão de tal suspensão, dos efeitos jurídicos que ela tem nos contratos e na sua aplicabilidade face às alterações legislativas ocorridas. Aqui sim, estamos perante matéria inteiramente jurídica. Contudo, a decisão factual não incorpora tal matéria mas sim, unicamente, o facto de os contratos de arrendamente estarem suspensas e de o contrato de urbanização ainda estar a decorrer.

As alíneas I) e J) mais não fazem que traçar um quadro fáctico, dentro do qual se desenrola a discussão jurídica, como de resto o presente recurso atesta exuberantemente.

Assim, nada há que alterar à decisão factual.

O segundo ponto da apelação centra-se na distinção entre denúncia contratual e oposição à renovação, figuras que, no entender da apelante foram confundidas na sentença recorrida.
Se atentarmos na definição do conceito de “denúncia” efectuada por Almeida Costa - ”Direito das Obrigações”, pág. 238/239 – verificamos que na realidade não existe diferença entre ambas as figuras:
Quanto à denúncia, esta analisa-se na manifestação da vontade de uma das partes, em contratos de prestações duradouras, dirigida à sua não renovação ou continuação”.

A oposição à renovação do contrato, prevista no art. 1097º do Código Civil é, em nosso entender, uma forma de denúncia, carecendo de autonomia conceptual e jurídica.

Além disso, a sentença recorrida usa o termo denúncia exactamente no sentido pretendido pela recorrente, ou seja, oposição à renovação do contrato de arrendamento.                                                                                                                                                       
Alega em seguida a recorrente existir confusão na sentença recorrida entre os institutos da suspensão e da interrupção.

O nosso ordenamento jurídico usa frequentemente estes conceitos, nas mais diversas situações. O art. 9º do DL 157/2006 menciona o termo suspensão a propósito da opção, concedida ao arrendatário, de suspender o contrato de arrendamento em caso de obras de remodelação ou restauro profundos, nomeadamente de conservação e reconstrução, durante a realização de tais obras, mediante o pagamento de indemnização pelos danos que daí advenham a tal locatário.

É esse o caso dos autos.

Pretende a recorrente que se aplique ao conceito de suspensão o sentido que lhe é dado na legislação laboral.

O art. 2º do DL 398/83 de 02/11 dispunha a este respeito que “durante a (...) suspensão mantêm-se os direitos, deveres e garantias das partes, na medida em que não pressuponham a efectiva prestação de trabalho (...) Durante a (...) suspensão não se interrompe o decurso do prazo para efeitos de caducidade e pode qualquer das partes fazer cessar o contrato nos termos gerais”.

Como é sabido, a dicotomia suspensão/interrupção tem frequentes vezes lugar no âmbito quer da lei substantiva quer adjectiva (suspensão da prescrição/ interrupção da prescrição, suspensão da instância/interrupção da instância etc.).

No domínio contratual, de um modo geral, pode afirmar-se que a suspensão tem como efeito a paralisação dos efeitos essenciais inerentes à execução do contrato. No caso do arrendamento, o arrendatário não pode ocupar o locado e o senhorio não pode cobrar rendas.

Mas tal não sucede com todos os elementos integrantes do contrato. Alguns deles, pela sua própria natureza, mantêm-se activos mesmo durante a suspensão, como vimos no caso da suspensão do contrato de trabalho.

A questão que se nos coloca é a de saber se, durante a suspensão, uma das partes pode denunciar o contrato e, mais concretamente, se é legítima e apta a produzir efeitos a notificação do arrendatário pelo senhorio na presente acção, comunicando-lhe que este se opõe à renovação do contrato.

A presente acção deu entrada em 21/12/2011. Os contratos de arrendamento estão suspensos desde 26/03/2010.

Em nosso entender, nada obsta ao decurso dos prazos enquanto decorre a suspensão do contrato.

Com efeito, é preciso ter em conta a razão de ser de tal suspensão. Estão em causa obras de remodelação ou restauro profundo (que excluem a demolição) e por força das mesmas tornou-se obviamente impossível a ocupação do locado pela arrendatária. Perante isto, assistia à arrendatária o direito de denúncia do contrato ou a opção pela suspensão do mesmo. Foi esta última opção que prevaleceu, suspendendo-se o contrato durante o período em que durassem as obras, mediante o pagamento de uma indemnização à Ré arrendatária pelos prejuízos suscitadas pela impossibilidade de usar o locado.

Assim, a suspensão implica que os elementos essenciais da relação de arrendamento deixam de se efectivar durante o período de impedimento, ou seja,o arrendatário deixa de usar o locado e, tratando-se de um contrato sinalagmático, deixa em contrapartida de pagar a respectiva renda ao senhorio.

Ou seja, estamos perante uma circunstância, as obras, que é impeditiva da prestação primordial do locador, a saber, conceder ao arrendatário o gozo temporário do imóvel, a que corresponde, por força do sinalagma inerente ao contrato, o ficar o arrendatário desobrigado do pagamento da renda.

Mas já não sucede o mesmo com o decurso dos prazos nomeadamente respeitantes à duração do contrato e à faculdade do locador de declarar ao arrendatário a sua vontade de não renovar o contrato. As causas que originam a suspensão não afectam em nada tal decurso do prazo. Do mesmo modo que não afectam a faculdade de locador ou arrendatário declararem ao outro contraente a vontade de não renovar o contrato, desde que o façam com a antecedência devida.

Compreende-se que o decurso de um prazo não possa produzir efeitos se o direito a que ele corresponde não poder ser exercido. Mas não é o que sucede aqui. Aliás, se o senhorio não comunicar ao inquilino a sua oposição à renovação do contrato, este renova-se por igual período, com ou sem suspensão. E porque não haveria de ser assim? A suspensão em nada obsta a que o senhorio exerça o seu direito a opôr-se a renovação; se o não faz, o contrato renova-se. O mesmo raciocínio terá de se aplicar ao caso em que o senhorio exerça tempestivamente tal direito.

E o que se diz relativamente ao senhorio é inteiramente aplicável ao arrendatário. Estará este impedido de comunicar ao senhorio a vontade de não renovar o contrato, enquanto o mesmo permanecer suspenso, tendo assim de esperar pela comunicação do fim das obras? Imagine-se que estas cessam um mês antes da data em que o contrato se renovará. Uma vez que o arrendatário tem de comunicar a sua vontade de não renovação do contrato com uma antecedência de 120 dias, ficará obrigado a cumprir um novo período contratual de três anos ou, mesmo que o não faça, a pagar as rendas dos três meses do período de pré-aviso em falta?

Pensamos que a resposta, na lógica da sentença recorrida, seria a de defender que os prazos não correm durante a suspensão. Mas, e salvo o devido respeito, isto não parece resolver o problema. Se a suspensão se inicia com as obras quando faltavam 30 dias para o termo do contrato e imaginando que tais obras durem cinco anos, o arrendatário que comunicou ao senhorio a sua vontade de não renovar o contrato e o fez tempestivamente, ficará preso a um contrato que não quer por cinco anos mais 30 dias?

Alega ainda a recorrente que, com a entrada em vigor da Lei nº 30/2012 de 14/08, que alterou o DL nº 157/2006, deixou de estar prevista a suspensão do contrato, pelo que, deverá essa nova legislação ser aplicada ao caso dos autos.

Porém, e uma vez mais seguindo a lógica da decisão recorrida, a aplicação imediata da Lei nº 30/2012, entrada em vigor em Setembro de 2012, não altera os fundamentos de tal decisão. A partir desta data já não existe suspensão, mas a comunicação da Autora visando a sua oposição à renovação dos contratos teve lugar com a propositura da presente acção, em 21/12/2011, quando ainda vigorova o regime da suspensão.

Pensamos que mesmo a considerar imediata a aplicação da Lei nº 30/2012, ela só poderia vigorar desde Setembro de 2012, ou seja, em data muito posterior à da comunicação da oposição à renovação contratual. Se se considerar, como o fez o Mº juiz a quo que tal comunicação não podia produzir efeitos por estar suspenso o contrato, a entrada em vigor da Lei nº 30/2012 poria fim à suspensão, mas, não tendo efeitos retroactivos, não podia validar aquela comunicação de oposição à renovação.

A solução do problema, em nosso entender, não tem a ver com a entrada em vigor da Lei nº 30/2012 mas sim com a interpretação do regime da suspensão que o DL nº 157/2006 previa.

Como vimos, as obras de restauro tornando impossível o gozo do imóvel pela arrendatária e consequentemente desobrigando esta do pagamento de rendas, estão na base da suspensão do contrato de arrendamento, nos termos do art. 5º desse diploma.

Sendo certo que, dada a posição assumida pela arrendatária, o senhorio não pode denunciar o contrato com fundamento na realização das obras.

Mas pode e num plano completamente diferente no âmbito da relação de arrendamento, opôr-se à renovação do contrato, direito que lhe assistiria caso não existissem obras e que não se vislumbra por que razão deixa de existir com a realização de tais obras.

Diga-se ainda que, mesmo que assistisse razão ao Mº juiz a quo, e os prazos não corressem durante a suspensão, esta última teria cessado com a entrada em vigor da Lei nº 30/2012, em Setembro de 2012.

Ora, a comunicação da vontade de não renovar os contratos de arrendamento, efectivada em 21/12/2011, podia, na perspectiva da sentença em apreço, ser ineficaz relativamente às datas do termo de cada um dos contratos, 31/12/2012 e 31/07/2013, pela razão de os prazos não estarem a correr, mas, a partir de Setembro de 2012 não existindo razão legal para a continuação da suspensão, tal manifestação de vontade de não renovação já podia produzir todos os seus efeitos. 

Sucede que o termo de cada um dos contratos ocorreu em data posterior à entrada em vigor da Lei nº 30/2012. Não nos parece adequado pretender que a comunicação de oposição à renovação dos contratos, de 21/12/2011, por ter sido feita durante a suspensão, não pode produzir efeitos. Trata-se de uma manifestação de vontade de um dos contraentes e como tal torna-se eficaz ao chegar ao conhecimento do destinatário. O que se poderia defender, na lógica, repete-se, da decisão recorrida, é que chegado o termo dos contratos eles não podiam cessar por força da suspensão do contrato. Mas a vontade de os fazer cessar foi comunicada tempestivamente e, enquanto manifestação de vontade produziu efeitos.

Como o termo dos contratos ocorre numa altura em que a suspensão já não tem suporte legal, a manifestação de vontade de os não renovar, mostra-se idónea a fazer cessar os contratos.

No entanto, e como já referimos, é nosso entendimento é que o tempo de duração do contrato de arrendamento prossegue durante a suspensão. E nada obsta a que o senhorio (ou o arrendatário) comuniquem com a antecedência legal a vontade de os não renovar, obtendo assim a cessação contratual no respectivo termo.

Na sentença recorrida argumenta-se que fazer cessar um contrato que se encontra suspenso seria “uma fraude à lei”.

Não podemos aceitar tal conclusão. Relembramos, a título de exemplo, o já mencionado regime do DL nº 398/83 de 02/11 que regulava a suspensão ou redução do contrato de trabalho. O seu artigo 2º nº 3 referia expressamente que “durante a redução ou suspensão não se interrompe o decurso do prazo para efeitos de caducidade, e pode qualquer das partes fazer cessar o contrato nos termos gerais”.

Ou seja, no nosso ordenamento jurídico, a suspensão contratual não é necessariamente impeditiva de cessação do contrato por iniciativa de uma (ou ambas) as partes. Nem é impeditiva do decurso dos prazos: a não ser assim, criar-se-iam enormes injustiças. Para não ir mais longe, e regressando ao exemplo da suspensão do contrato de trabalho por iniciativa da entidade patronal, se durante a suspensão o decurso do tempo não pudesse ter relevância, tal iria afectar a antiguidade do trabalhador. Daí que o nº 2 do art. 2º desse DL 398/83 afirmasse claramente que o tempo de suspensão se conta para efeitos de antiguidade, do mesmo modo que o art. 8º nº 1 previa que o tempo de suspensão se contava igualmente para efeitos do direito a férias.

Contudo, subsiste um problema, inerente à decisão do Mº juiz a quo de julgar o mérito da causa em sede de saneador. A Ré alegou na sua contestação que desde 23 de Dezembro de 1997 os dois espaços locados para lojas foram unidos fisicamente numa única loja, passando a existir um único contrato de arrendamento – ver artigos 9º a 17º da contestação e artigos 2º e 4º da contestação à petição inicial corrida (fls. 426). A Autora impugnou tal factualidade, como se vê dos artigos 12º e 13º da réplica, reafirmados após a petição corrigida no art. 2º da resposta à contestação (fls.452 e seguintes).

A decisão recorrida não abordou estas questões, nem a nível de facto nem de direito.

Todavia, elas mostram-se importantes na medida em que poderão impôr eventualmente a discussão sobre a natureza vinculística do contrato e mais que isso, levar a diferente contagem dos prazos relativamente ao termo de tal contrato.

As partes devem poder efectivar a prova que entendam sobre a aludida factualidade e discuti-la juridicamente.

Conclui-se assim que:
-Suspenso o contrato de arrendamento por força da realização de obras, nos termos do DL nº 157/2006 de 08/08, é lícito ao senhorio comunicar ao arrendatário a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento, desde que o faça com a legal antecedência de um ano.
-A suspensão não impede o decurso do prazo do arrendamento, renovando-se este por mais três anos se nenhum dos contraentes comunicar a sua oposição a tal renovação.

Assim e pelo exposto:
-Julga-se válida a comunicação, exercida pela Autora através da presente acção, da sua oposição à renovação dos contratos de arrendamento atingido o seu termo, independentemente da suspensão do arrendamento.

-Ordena-se o prosseguimento da acção para que as partes possam efectuar a prova que entendam e discutida e decidida fáctica e juridicamente a questão suscitada pela Ré, a saber:
a)Se os locais arrendados correspondentes às lojas nºs 3 e 4 se tornaram fisicamente um só, com uma só loja, e desde quando;
b)Se as partes acordaram, e quando, na existência de um único contrato de arrendamento;
c)Se existia uma única renda, a que correspondia a passagem de um único recibo, e desde quando;
d)Qual a data do termo do contrato (ou dos contratos) de arrendamento em apreço.

Custas pela parte vencida a final.


LISBOA, 21/4/2016


António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais
Decisão Texto Integral: