Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7884/2007-4
Relator: FERREIRA MARQUES
Descritores: DESPEDIMENTO COLECTIVO
IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
RETRIBUIÇÃO-BASE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: 1. No processo especial de impugnação de despedimento a lei equipara, para todos os efeitos, o relatório dos assessores à prova pericial no processo declarativo comum, mas naquele nunca há lugar a uma 2ª perícia.
2. Se as partes discordarem das conclusões do relatório dos assessores, os seus técnicos podem apresentar nos cinco dias seguintes declaração fundamentada das razões da sua discordância, não podendo, para além desta, apresentar pareceres de outros técnicos a rebater as conclusões dos assessores ou para suprir eventuais erros ou omissões dessas conclusões.

3. A condenação extra vel ultra petitum é uma decorrência natural do princípio da irrenunciabilidade, da inalienabilidade e da impenhorabilidade de determinados direitos do trabalhador.

4. Cessada a relação de trabalho, mesmo que se trate de uma cessação de facto, o trabalhador adquire plena autonomia, podendo sem qualquer pressão, dispor livremente dos seus direitos de natureza pecuniária.

5. No processo de impugnação de despedimento colectivo o controlo judicial pode exercer-se não só sobre a verificação dos motivos invocados para o despedimento e sobre a existência de nexo de causalidade entre essa motivação e o despedimento dos trabalhadores abrangidos, mas também sobre a proporcionalidade entre a motivação apresentada e a decisão de proceder ao despedimento colectivo e à racionalidade desta decisão.

6. A entidade empregadora não pode invocar como fundamento do despedimento colectivo o “desequilíbrio económico-financeiro” e a “redução de pessoal por motivos estruturais”, e em simultâneo proceder à contratação de novos profissionais, cujos encargos superam os dos primeiros.

7. Retribuição base é aquela que corresponde ao montante fixo mensal auferido pelo trabalhador e que, nos termos do contrato ou do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, corresponde ao exercício da actividade por ele desempenhada, de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido; é aquela que está apenas relacionada com a actividade desempenhada pelo trabalhador e não com as condições ou circunstâncias desse desempenho.

8. Para verem reconhecido o direito à indemnização por danos não patrimoniais provocados pelo despedimento colectivo, não basta aos trabalhadores alegar e demonstrar que este lhes causou desgosto, mágoa, tristeza, incómodos, frustrações, angústia, depressão, receio e intranquilidade. É necessário que cada um deles caracterize, com elementos de facto concretos, a situação em que se encontrava antes do despedimento e a situação em que ficou após o despedimento; é necessário que cada um deles especifique e concretize, com elementos de facto, a gravidade dessa situação e os danos concretos que sofreu com essa situação.

(sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

            I. RELATÓRIO

            A…, B…. C… e D…, , instauraram acção declarativa, com processo especial, contra
E. com sede… em Lisboa.
(…)

Chamados a intervir, vieram os trabalhadores F…, G…, H… e I… apresentar os seus articulados nos quais alegaram o seguinte:
(…)

Como foi formulado pedido de declaração de improcedência dos fundamentos invocados para o despedimento, o tribunal designou a fls. 1067 um assessor qualificado na matéria e por deE...cho de fls. 1091 nomeou como técnicos de parte para prestarem assistência a assessor, os técnicos indicados a fls. 1074 e 1081.
A fls. 1112 foram nomeados mais dois assessores e a fls. 1122 procedeu-se à substituição do Dr. ….pelo Dr…..
A fls. 1150 foi junto aos autos o relatório elaborado pelos assessores (fls. 1150 a 1180 – 7º volume); a fls. 1217 o técnico de parte dos AA veio emitir parecer favorável ao relatório apresentado e a fls. 1249 veio o técnico de parte nomeado pela R. apresentar declaração de discordância com o relatório apresentado.
Por deE...cho de fls. 1328 a 1330, foi ordenado que os senhores assessores completassem o relatório que apresentaram, respondendo a questões concretas colocadas pelo tribunal, tendo os mesmos dado cumprimento ao que lhes foi ordenado a fls. 1348.

A Ré juntou a fls. 1440, 1448, 1473 a 1478, dois pareceres técnicos, um subscrito pela :…..., SA e o outro pela…, Lda.
Os AA. opuseram-se a essa junção.
Por deE...cho de fls. 1546, a Mma juíza a quo ordenou o desentranhamento desses pareceres por entender que os mesmos consubstanciam uma 2ª assessoria, que a lei não admite.
Inconformada, a R. interpôs recurso de agravo deste deE...cho, no qual formulou as seguintes conclusões:
(…)
Terminou pedindo a revogação do decisão recorrida e a sua substituição por outra que admita a junção dos referidos pareceres.

Os AA., na sua contra-alegação, pugnaram pela confirmação do deE...cho recorrido e pelo não provimento do recurso.

A Mma juíza a quo sustentou o deE...cho impugnado e admitiu o recurso com subida diferida.

No deE...cho saneador/sentença, proferido a fls. 1961 a 2012, o tribunal recorrido decidiu:
a) Julgar improcedentes os fundamentos invocados para o despedimento colectivo;
b) Julgar improcedentes parte dos pedidos formulados pelo A. D…., tendo a R., em relação a este A., sido absolvida:
1) do pedido formulado na alínea b);
2) do pedido formulado na alínea c);
3) parcialmente do pedido formulado na alínea d), na parte em que excede a retribuição base (incluindo complemento de retribuição) e diuturnidades que efectivamente a R. pagava ao A. à data da cessação do contrato;
4) parcialmente do pedido formulado na alínea e), caso não opte pela reintegração, de condenação da R. no pagamento de uma indemnização de valor entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção, a fixar pelo Tribunal nos termos do disposto no art.º 439º do Código do Trabalho, na parte em que excede a retribuição base (incluindo complemento de retribuição) e diuturnidades que a R. pagava ao A. à data da cessação do contrato, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento;
5) parcialmente do pedido formulado na alínea f) de condenação da R. na parte em que excede o diferença entre a remuneração mensal auferida actualmente pelo A e aquela que auferiria se estivesse ao serviço da R., no montante de € 1.576,65, a título de retribuição base, € 17,40 de anuidade, € 818,52, a título de complemento de retribuição, € 394,16, a título de isenção de horário de trabalho, e € 8,80 a título de subsídio de alimentação, por cada dia útil de trabalho prestado, por cada mês contado a partir do 30º dia anterior ao da data de propositura da presente acção até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da data da citação para a presente acção até integral pagamento.

Irresignada, a Ré interpôs recurso de apelação desta decisão, na parte em que julgou improcedentes os fundamentos invocados para o despedimento colectivo, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
(…)
Terminou pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue procedentes os fundamentos invocados para o despedimento colectivo com as devidas consequências processuais e legais.

Os AA., na sua contra-alegação, pugnaram pela confirmação da decisão, no que respeita aos fundamentos do despedimento, e pelo não provimento do recurso.

O A. D…. também não se conformou com a referida decisão, na parte em que julgou cumpridas as formalidades do despedimento colectivo e na parte respeitante aos créditos vencidos e exigíveis em virtude da cessação e na parte em que absolveu a R. dos pedidos formulados nas alíneas b) e c) e parcialmente dos pedidos formulados nas alíneas d) e e) da p.i., e interpôs recurso de apelação dessa parte, no qual formulou as seguintes conclusões:
(…)
Terminou pedindo a revogação da decisão recorrida na parte impugnada e a sua substituição por outra que, nessa parte, julgue procedentes os referidos pedidos.

A Ré, na sua contra-alegação, pugnou pela confirmação da decisão, na parte impugnada, e pelo não provimento deste recurso.

Os AA optaram pela reintegração, com excepção do A. D…. que optou pela indemnização de antiguidade.

O conhecimento dos demais pedidos e das questões de direito a eles respeitantes foi relegado para a decisão final.

Instruída e julgada a causa, em relação a estas questões e aos demais pedidos, foi proferida sentença na qual se decidiu:
a) condenar a R. a reintegrar o A. A…., bem como a pagar-lhe as retribuições que se venceram desde o 30º dia anterior à data da propositura da acção, à razão mensal de € 1.532,76, vencimento base, acrescido de € 63,80 de anuidades, € 383,16 de isenção de horário de trabalho e € 8,80 de subsídio de refeição por cada dia útil de trabalho até à data da reintegração, efectuando-se os descontos mencionados nos n.ºs 2 e 3 do art. 437º do CT;
b) condenar a R. a pagar ao A. A…. a quantia de € 2.000,00, a título de indemnização por danos morais;
c) condenar a R. a reintegrar a A. B..., bem como a pagar-lhe as retribuições que se venceram desde os 30 dias que antecederam a propositura da acção, à razão mensal de € 848,73 de remuneração base, acrescido de € 92,80 de anuidades, € 127,31 de prémio de presença e€ 8,80 de subsídio de refeição por cada dia útil de trabalho até à data da reintegração, efectuando-se os descontos mencionados nos nºs 2 e 3 do art. 437º do CT;
d) condenar a R. a pagar à A. B... a quantia de € 2.000,00, a título de indemnização por danos morais;
e) declarar ilícito o despedimento do A D….;
f) condenar a R. a pagar ao A. D… o montante que resulta da diferença entre a remuneração mensal auferida actualmente por si e aquela que auferiria se estivesse ao serviço da Ré e que era de 1.576,65, a título de remuneração base, € 818,52, a título de complemento de retribuição, € 394,16, a título de isenção de horário de trabalho, € 17,40, a título de anuidade e € 8,80 a título de subsídio de refeição por cada dia útil em que deveria ter trabalhado, desde os 30 dias que antecederam a propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença, procedendo-se aos descontos consignados no n.º 3 do art.º 437º do CT, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação relativamente ao montante das retribuições que se venceram antes da citação e desde o seu vencimento, relativamente ao que se venceu após a data da citação, à taxa legal, até integral pagamento;
g) condenar a R. a pagar ao A D… a título de indemnização por danos não patrimoniais a quantia de € 2.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, desde a data da decisão;
h) condenar a R. a pagar ao A. D… uma indemnização nos termos do art. 439º do CT, à razão de 30 dias de retribuição base no montante de € 1.576,65 e € 17,40 de anuidades, por cada ano ou fracção de antiguidade, atendendo-se a todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento, desde a data da citação;
i) condenar a R. a reintegrar o A. C…, bem como a pagar-lhe as retribuições que se venceram desde os 30 dias que antecederam a propositura da acção à razão mensal de € 746,00, a título de remuneração base, até à data da reintegração, procedendo-se aos descontos consignados nos nºs 2 e 3 do art. 437º do CT, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento das retribuições, até integral pagamento;
j) condenar a R. a reintegrar A. Margarida Dias, bem como a pagar-lhe as retribuições que se venceram desde os 30 dias que antecederam a propositura até à reintegração, à razão mensal de € 929,93, a título de retribuição base, acrescida de anuidades no montante de € 81,20 e subsídio de refeição no montante € 8,80 de subsídio de refeição, por cada dia útil de trabalho, procedendo-se aos descontos consignados nos nºs 2 e 3 do art. 437º do CT acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;
l) condenar a R. a pagar à A. I… a quantia de € 2.250,00 a título de danos morais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da decisão, até integral pagamento;
m) condenar a R. a reintegrar A. F…, bem como a pagar-lhe as retribuições que se venceram desde os 30 dias que antecederam a propositura da acção até à reintegração, à razão mensal de € 1.008,50, a título de indemnização base, acrescida de anuidades no montante de € 58,00 e subsídio de refeição no montante € 8,80, por cada dia útil de trabalho, procedendo-se aos descontos consignados nos nºs 2 e 3 do art. 437º do CT, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;
n) condenar a R. a pagar ao A. F… a quantia de € 2.750,00, a título de danos morais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da decisão, até integral pagamento;
o) condenar a R. a reintegrar o A. G…, bem como a pagar-lhe as retribuições que se venceram desde os 30 dias que antecederam a propositura até à reintegração, à razão mensal de € 855,44, a título de indemnização base, acrescida de anuidades no montante de € 58,00 e subsídio de refeição no montante € 8,80, por cada dia útil de trabalho, procedendo-se aos descontos consignados nos nºs 2 e 3 do art. 437º do CT acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;
p) condenar a R. a pagar ao A. G… a quantia de € 2.750,00, a título de danos morais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da decisão, até integral pagamento;
q) condenar a R. a reintegrar o A. H…., bem como a pagar-lhe as retribuições que se venceram desde os 30 dias que antecederam a propositura até à data da reintegração, à razão mensal de € 665,82, a título de indemnização base, acrescida de anuidades no montante de € 14,40 e subsídio de refeição no montante € 8,80, por cada dia útil de trabalho, procedendo-se aos descontos consignados nos nºs 2 e 3 do art. 437º do CT, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento;
r) condenar a R. a pagar ao A. H… a quantia de € 2.000,00, a título de danos morais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da decisão, até integral pagamento.

Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação desta sentença, no qual formulou as seguintes conclusões:
(…)

O A. D…, por não se ter conformado com a referida sentença, na parte em que fixou o valor da indemnização a pagar pela Ré apenas em função da retribuição base de € 1.576,65 e € 17,40 de diuturnidade, por cada ano ou fracção de antiguidade, interpôs recurso de apelação dessa parte, no qual formulou as seguintes conclusões:
(…)
.

Admitidos os recursos na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a esta Relação onde, depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. QUESTÕES A APRECIAR

As questões que se suscitam nestes recursos são as seguintes:
1. Saber se os dois pareceres técnicos que a R. juntou a fls. 1440, 1448, 1473 a 1478 dos autos devem ser admitidos e levados em consideração pelo tribunal;
2. Saber se houve erro na apreciação da prova e, na afirmativa, se a decisão da matéria de facto deve ser alterada nos pontos impugnados;
3. Saber se a sentença recorrida enferma da nulidade prevista nos arts. 661º, n.º 1 e 668º, n.º 1, al. e) do CPC;
4. Saber se o tribunal recorrido emitiu considerações sobre a gestão da Ré que lhe estavam vedadas, ao apreciar os fundamentos do despedimento colectivo,
6. Saber se procedem ou não os fundamentos invocados pela R. para o despedimento colectivo;
7. Saber se o A. D… tem direito às diferenças salariais reclamadas e com base em que retribuição deve ser calculada a sua indemnização de antiguidade;
8. Saber se, em consequência do despedimento colectivo, os AA. sofreram danos não patrimoniais graves que justifiquem as indemnizações que lhes foram arbitradas pela 1ª instância.

III. FUNDAMENTOS DE FACTO

A). - A 1ª instância considerou provada, no deE...cho saneador, a seguinte matéria de facto, com interesse para a apreciação do cumprimento das formalidades legais do despedimento colectivo e alguns pedidos formulados pelo A. D…:

IV. FUNDAMENTOS DE DIREITO
           
            1.Recurso de agravo. Impugnação do deE...cho exarado a fls. 1.546 e 1547.
Comecemos por apreciar, como determina o art. 710º, n.º 1 do CPC, o recurso de agravo interposto pela Ré do deE...cho exarado a fls. 1.546 e 1.547.
Como dissemos atrás, a questão que se suscita neste recurso é a de saber se os dois pareceres técnicos que a R. juntou a fls. 1440, 1448, 1473 a 1478 dos autos devem ser admitidos e levados em consideração pelo tribunal.
A Mma juíza a quo não admitiu a sua junção e ordenou o seu desentranhamento por entender que os mesmos consubstanciam uma 2ª assessoria, que a lei não admite.
A Ré insurgiu-se contra este deE...cho, alegando que no processo especial de impugnação de despedimento colectivo, o resultado esperado da tarefa dos assessores é a realização de um relatório que habilite o juiz a conhecer da questão em todas as suas vertentes técnicas e a decidir em conformidade com o direito. Como o relatório dos assessores apresenta conclusões pouco claras e inclusive erróneas, e omitiram algumas questões solicitou dois pareceres técnicos com o intuito de auxiliar o tribunal no esclarecimento de alguns desses pontos e contribuir para a busca da verdade e clarificação das questões a apreciar e nunca com o intuito de impulsionar uma “segunda perícia”, tanto mais que a assessoria técnica não constitui uma perícia, nem o trabalho dos assessores é equivalente ao realizado pelos peritos, nem essa assessoria se desenvolve em conformidade com o disposto nos arts. 580º e segs. do CPC, mas sim em conformidade com o disposto nos arts. 157º, 158º e 159º do CPT. O seu propósito, ao juntar tais pareceres técnicos, ao abrigo do disposto no art. 525º do CPC, foi tão somente o de contribuir para que o julgador possuísse o maior número de elementos possíveis para que na sua apreciação de prova pudesse proceder ao juízo que lhe compete.
Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste qualquer razão.
A lei criou, para apreciação da impugnação do despedimento colectivo, um processo especial (art. 48º, n.ºs 2 e 3 do CPT e Título VI do CPT), cuja tramitação vem regulada no Capítulo II - arts. 156º a 161º - do CPT. Correspondendo ao despedimento colectivo um processo especial o pedido deverá ser deduzido e a acção desenvolvida de acordo com a tramitação estabelecida naquelas normas e não de acordo com as normas que regulam o processo declarativo comum. E quando nesse processo é formulado pedido de declaração de improcedência dos fundamentos invocados para o despedimento – como sucedeu no caso em apreço - o juiz tem de analisar os motivos económicos (de mercado, estruturais ou tecnológicos) que foram invocados pelo empregador para o decretar e decidir se o mesmo se justifica. E como o juiz não possui conhecimentos técnicos aprofundados sobre a realidade macroeconómica em que a empresa se insere e sobre os aspectos estruturais, tecnológicos ou conjunturais que determinaram tal despedimento, nomeia uma ou, na situação prevista do n.º 2 do art. 157º, três pessoas com conhecimentos técnicos especializados sobre a matéria para o assessorar, as quais irão elaborar um relatório onde constarão as verificações materiais realizadas, as informações recolhidas e a sua origem e um parecer sobre os factos que fundamentaram o despedimento colectivo e sobre se este encontra ou não justificação nesses factos, relatório esse que vai ser essencial para que o juiz forme a sua convicção sobre a validade substantiva do despedimento colectivo.
É isso que resulta dos arts. 157º e 158º do CPT, nos quais se estabelece ainda que é aplicável aos assessores o regime de impedimentos, suspeições, escusa e dispensa legal previsto no CPC para os peritos e nos quais se prevê também que cada parte pode designar um técnico para assistir o assessor ou assessores no desempenho das suas funções, os quais, se não se conformarem com as conclusões do relatório, podem apresentar nos cinco dias seguintes declaração fundamentada das razões da sua discordância.
A lei equipara, assim, para todos os efeitos, a função dos assessores à dos peritos, no processo comum, mas, na impugnação do despedimento colectivo, por se tratar de um processo especial de natureza urgente (art. 26º, n.º 1, 156º a 161º do CPT), a lei estabelece uma composição e uma tramitação diferente para realização desta diligência (de prova) e para a elaboração do respectivo relatório, não permitindo a realização de segunda perícia.
Se as partes discordarem das conclusões do relatório dos assessores, os seus técnicos podem apresentar nos cinco dias seguintes declaração fundamentada das razões da sua discordância, não podendo, para além desta, apresentar pareceres de outros técnicos a rebater as conclusões dos assessores ou para suprir eventuais erros ou omissões dessas conclusões.
O legislador entendeu que os interesses das partes ficam suficientemente acautelados com a presença dos seus técnicos e com a faculdade que lhes confere, caso não concordem com as conclusões do relatório apresentado, de consignarem no processo as razões da sua discordância.
Estes técnicos actuam como auxiliares ou mandatários de quem os designa, não partilhando por isso a posição processual dos assessores e não se encontrando, designadamente, sujeitos ao regime de impedimentos e suspeições próprios destes (art. 157º, n.º 5 do CPT). A sua intervenção mais relevante esgota-se na possibilidade de emitir declaração fundamentada das razões de discordância face ao relatório dos assessores (art. 158º, n.º 3 do CPT), substituindo-se às partes no comentário directo à fundamentação e conclusões daqueles que estas não podem fazer.
No caso em apreço, a Ré discorda das conclusões do relatório dos assessores. E para sustentar a sua posição, além do parecer apresentado pelo seu técnico, juntou mais dois pareceres – um emitido pelos seus Revisores Oficiais de Contas (…), desde 1999 – fls. 1440 a 1448 - e outro emitido pela sua testemunha …. (da …) – fls. 1473 a 1478 – nos quais foram analisados os mesmos factos que foram analisados pelos assessores (os factos que fundamentaram o despedimento) e com os quais a recorrente procura contrariar as conclusões dos assessores e convencer o tribunal das razões da sua discordância, alegando que o relatório dos assessores apresenta omissões e conclusões pouco claras e erróneas.
Muito embora, a Ré afirme que a força probatória destes pareceres é nula, no fundo, o que ela pretende é exactamente o contrário, isto é, juntar ao processo, além do parecer do seu técnico, mais dois pareceres e através deles tentar convencer o tribunal que as conclusões dos assessores estão erradas e que a decisão do despedimento foi correcta. O que a recorrente fez, foi servir-se duma norma do processo declarativo comum - o art. 525º do CPC - para contornar as normas do processo especial de impugnação do despedimento colectivo sobre esta matéria, procurando desta forma, juntar aos autos, em vez de um, mais dois pareceres, sobre os fundamentos do despedimento, com conclusões contrárias às dos assessores, e convencer o tribunal que as conclusões dos assessores estão erradas e que a sua decisão foi correcta.
Apesar da lei não admitir no processo especial de impugnação de despedimento colectivo a realização de segunda perícia sobre os factos que fundamentaram o despedimento, a recorrente, através deste expediente, mais não visa do que contornar esse obstáculo e conseguir tal objectivo, ou seja, que além do relatório dos assessores e do parecer do técnico da Ré, o tribunal leve também em consideração os relatórios que os seus revisores de contas e a sua testemunha …. elaboraram sobre os mesmos factos, depois de serem conhecidas as conclusões do relatório dos assessores.
O deE...cho que não admitiu a junção de tais “pareceres” e ordenou o seu desentranhamento dos autos não merece, assim, qualquer reparo.

2. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
(…)

3. Nulidade da sentença
Vejamos, agora, se a sentença recorrida violou o disposto no art. 661º, n.º 1 do CPC e enferma da nulidade prevista no art. 668º, n.º 1 al. e) do mesmo código.
A Ré sustenta que a sentença recorrida, ao condená-la a pagar aos AA. A… e B... montantes superiores aos que foram por estes peticionados, enferma de nulidade por violação do princípio do dispositivo previsto nos arts. 3º, 661º, n.º 1 e 668º, n.º 1, al. e) do CPC.
Os AA. A… e B... sustentam que a sentença não enferma da referida nulidade e que a Mma juíza a quo procedeu em conformidade com o disposto no art. 74º do CPT ao condenar a R., nesta parte, em montante superior à que figura no pedido.
A… (1º A.) alegou na p.i. que auferia o vencimento base mensal de € 1.915,95 e B... (2ª A.) alegou que auferia o vencimento base mensal de € 848,73.
Na parte final da sua petição inicial, estes AA., em consequência do despedimento, que consideram ilícito, formularam vários pedidos, tendo, na parte que agora importa, pedido a condenação da Ré a pagar-lhes “as remunerações que se vierem a vencer até final como se tivessem estado ininterruptamente ao serviço, no valor mensal de € 1.915,95”, para o A. A…, e “de € 848,73” para a A. B....
Ao proferir a sentença recorrida, a Mma juíza a quo, por ter concluído que os 1º e 2º AA. auferiam retribuições globais superiores às que foram por eles alegadas (o 1º A., uma retribuição mensal de € 1.532,76, acrescida de € 63,80 de anuidades, € 383,16 de isenção de horário de trabalho e € 8.80 de subsídio de refeição por cada dia útil de trabalho; a 2ª A., uma retribuição mensal de € 848,73 acrescida de € 92,80 de anuidades, € 127,31 de prémio de presença e € 8.80 de subsídio de refeição por cada dia útil de trabalho) e, por considerar que os seus contratos de trabalho não cessaram e que os direitos que os mesmos invocam nesta acção constituem, por essa razão, direitos indisponíveis, condenou a R. a reintegrar o A. A…, bem como a pagar-lhe as retribuições que se vencerem desde o 30º dia anterior à data da propositura da acção, à razão mensal de € 1.532,76, vencimento base, acrescido de € 63,80 de anuidades, € 383,16 de isenção de horário de trabalho e € 8,80 de subsídio de refeição por cada dia útil de trabalho até à data da reintegração. E condenou a R. a reintegrar a A. B..., bem como a pagar-lhe as retribuições que se vencerem desde o 30º dia anterior à propositura da acção, à razão mensal de € 848,73 de remuneração base, acrescido de € 92,80 de anuidades, € 127,31 de prémio de presença e€ 8,80 de subsídio de refeição por cada dia útil de trabalho até à data da reintegração.
Vejamos quem tem razão.
A condenação em quantidade superior ou em objecto diverso dele atenta gravemente contra o princípio do dispositivo que, no processo civil comum, corresponde ao poder reconhecido aos particulares de disporem, nos quadros da lei, da sua esfera jurídica própria. Contraria e ofende o princípio básico da disponibilidade das partes que a ordem jurídica substantiva aceita serem livres para, dentro daqueles limites, disporem dos seus direitos subjectivos.
Porém, no mundo do trabalho, essa liberdade e essa livre disponibilidade não existe, na vigência do contrato de trabalho. Daí que, no processo do trabalho, aquele princípio não tenha, em todas as situações, carácter absoluto.
O art. 74º do CPT consagra o princípio da condenação “extra vel ultra petitum” e impõe ao juiz o dever de “condenar em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso dele, quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do art. 514º do CPC, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
Enquanto no domínio do processo civil vigora o princípio da proibição da condenação em quantia superior ou em objecto diverso do pedido (arts. 3º, n.º 1, 661º, n.º 1 e 668º, n.º 1, al. e) do CPC), no domínio do processo laboral, esse princípio não vigora, sempre que esteja em causa a aplicação à matéria de facto provada de preceitos inderrogáveis de leis ou de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.
A condenação ultra petitum é uma decorrência natural do princípio da irrenunciabilidade, da inalienabilidade e da impenhorabilidade de determinados direitos do trabalhador.
Com disposto no art. 74º do CPT, o legislador teve sobretudo em vista proteger a parte mais fraca, a parte mais desfavorecida – o trabalhador – que se encontra numa relação de subordinação relativamente à sua entidade patronal, e é nessa orientação que se insere o nosso direito positivo laboral.
Mas o problema reveste aspecto diferente quando se quebra o vínculo de subordinação. É que, com o despedimento, opera-se a resolução do contrato de trabalho, cessando, assim, o estado de subordinação relativamente ao empregador e, a partir desse momento, já nada se opõe à renúncia do direito às retribuições que, porventura, sejam devidas. E isto é válido não só no caso do despedimento efectivo, como da simples cessação de facto da relação de trabalho, devido a acto ilícito da entidade empregadora. Em ambos os casos o trabalhador adquiriu plena autonomia, podendo sem qualquer pressão, dispor livremente dos seus direitos de natureza pecuniária.
Que a indisponibilidade só tem relevância durante o período de subordinação à entidade patronal resulta do preceituado no n.º 1 do art. 381º do Código do Trabalho, a propósito da prescrição, segundo o qual os direitos de crédito dos trabalhadores sobre a entidade empregadora são imprescritíveis durante a vigência do contrato, funcionando a prescrição apenas após a cessação deste.
Na verdade, só depois da resolução do contrato de trabalho desaparece aquele particular estado de sujeição, ou, dizendo de outra forma, cessa a subordinação jurídica do trabalhador em relação ao empregador que tem sempre a virtualidade de retirar espontaneidade e autenticidade à declaração de vontade através da qual o trabalhador dispõe do direito.
Nesta conformidade, pode concluir-se que, uma vez cessado o contrato de trabalho, mesmo que se trate de uma cessação factual, deixa de se justificar a aplicação do regime previsto no art. 74º do CPT, em relação ao salário.
Portanto, preceitos inderrogáveis são apenas aqueles que o são absolutamente, isto é, aqueles que reconhecem um direito a cujo exercício o seu titular não pode renunciar, como será o caso do direito à indemnização por acidente de trabalho ou doença profissional ou do direito ao salário na vigência do contrato.
Se, em vez disso, os preceitos são inderrogáveis apenas no plano jurídico porque o exercício do direito que reconhecem está confiado à livre determinação da vontade das partes, a possibilidade de condenação em quantidade em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido formulado tem de considerar-se excluída, devendo nestes casos a decisão condenatória ter por limite o pedido formulado nos aspectos quantitativo e qualitativo. É o que sucede, por exemplo, se o autor reclama o pagamento de retribuição depois da cessação do contrato.
Nestes casos a decisão condenatória deve ter por limite o pedido formulado no aspecto quantitativo e qualitativo[1].
Por outro lado, as prestações devidas desde o despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença, já não revestem verdadeiramente a natureza de salários. Além do art. 437º do Código do Trabalho falar em compensação, e de em muitos casos não haver uma total correspondência entre essa compensação e os salários que o trabalhador normalmente auferiria nesse período, essas prestações pecuniárias já não são uma contrapartida da prestação de trabalho e, não o sendo, já não recebem desta a sua fisionomia de prestação alimentícia tão relevante para a sua caracterização como indisponível.
Não repugna, assim, também por este motivo, conceder-lhe uma protecção diferente daquela que é concedida ao salário.
Assim, quando o exercício do direito depende da livre determinação das partes, como acontece no caso do pedido de pagamento de salários, após a cessação de facto do contrato de trabalho, a condenação deve manter-se nos limites qualitativos e quantitativos do pedido.
A sentença recorrida violou, assim, o disposto nos arts. 74º do CPT, 661º, n.º 1 e 668º, n.º 1. al. e) do CPC, pois devia manter-se dentro dos limites qualitativos e quantitativos do pedido formulado pelos AA. A… e B..., não incluindo as anuidades, a isenção de horário de trabalho, o subsídio de refeição e o prémio de presença, nas retribuições devidas desde o 30º dia anterior à propositura da acção e o trânsito em julgado da sentença, por não terem sido pedidas.
A sentença recorrida deve, portanto, ser alterada, devendo a Ré, nessa parte, ser apenas condenada a pagar, no período compreendido entre o 30º dia anterior à propositura da acção e o trânsito em julgado da sentença, a retribuição de € 1.915,95 ao A. A… e de € 848,73 à A. B..., com dedução dos descontos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 437º do Código do Trabalho.

4. Fundamentos do despedimento colectivo
Debrucemo-nos, agora, sobre o despedimento colectivo: se a decisão recorrida ao decidir como decidiu, emitiu considerações sobre a gestão da Ré que lhe estavam vedadas e se procedem ou não os fundamentos invocados pela R. para decretar o despedimento colectivo.
Na doutrina e na jurisprudência começa a impor-se um entendimento que praticamente esvazia a necessidade de fundamentação do despedimento colectivo, o qual é apresentado como um acto de gestão praticamente insindicável pelo tribunal, ao ponto de converter em puro ritualismo, formal e inteiramente despido de sentido útil, tanto o processo de negociações que deveria preceder a eventual decisão de despedir, como a própria motivação desta[2]. Para o efeito, invocam-se razões que respeitam à competência e à legitimidade dos juízes, alegando que estes não são gestores ou economistas, faltando-lhes competência e habilidade técnicas, para conhecer dos fundamentos da decisão que decretou o despedimento colectivo, e legitimidade para proceder ao controlo do mérito dessa decisão, na medida em que isso corresponderia a uma funcionalização da empresa privada, a uma violação da liberdade da iniciativa económica a uma intromissão dos tribunais numa área de competência exclusiva dos empresários, tão exclusiva como exclusivo é o risco que assumem.
Esta argumentação - que radica numa concepção da empresa como coisa do empregador e só dele, dentro da qual todo o poder lhe pertence - é, desde logo, praticamente inconciliável com a exigência constitucional de justa causa (comprovada) para que haja despedimento (art. 53º da CRP): se a justa causa puder consistir numa decisão de gestão insindicável – por exemplo, na afirmação do empregador de que o despedimento colectivo é o meio necessário para aumentar o lucro que a empresa vem obtendo – não vislumbramos qualquer utilidade na referida exigência constitucional. Desemboca-se, assim, num sistema verdadeiramente paradoxal em matéria de cessação do contrato de trabalho a que, a uma relativamente grande dificuldade de alegar e comprovar a justa causa disciplinar, se contrapõe uma justa causa “objectiva” extremamente lassa. Que sentido faz apresentar o despedimento disciplinar como ultima ratio quando em relação ao despedimento colectivo essa exigência não se verifica?
É evidente que muitas decisões do empregador são decisões de gestão: é o que sucede quando este altera o local de trabalho, muda o horário de trabalho, altera o plano de férias, etc. Tal nunca impediu os tribunais de verificarem se tais medidas são tomadas com respeito pelos direitos dos trabalhadores e até, por vezes, se são tomadas no interesse da empresa. Ao fazê-lo os tribunais não estão, obviamente, a substituir-se ao empregador, ou a imiscuir-se na gestão da empresa; estão apenas a manifestar que a liberdade económica e a propriedade privada (que também têm uma função social) não são os únicos valores constitucionalmente consagrados e têm de se conciliar com outros valores e direitos, entre os quais o direito ao trabalho e o reconhecimento da necessidade de tutela da personalidade do trabalhador. Os trabalhadores podem ter que sofrer uma certa compressão dos seus direitos e liberdades, em homenagem ao interesse do credor da sua prestação; mas o mesmo também é verdade para o empregador e até se pode, porventura, afirmar que a ideia de solidariedade não é estranha ao próprio mecanismo do contrato.
As decisões do empregador podem e devem ser analisadas pelos tribunais à luz deste necessário equilíbrio e ponderação dos interesses e dos valores em jogo; seria totalmente incompreensível e inadmissível que os tribunais pudessem apreciar as decisões de gestão corrente e quotidiana, mas já estivessem arredados das decisões mais importantes para a vida da empresa e dos trabalhadores, como a de proceder a um despedimento colectivo.
Impõe-se, assim, a existência de um controlo judicial não só sobre a verificação dos motivos invocados para o despedimento colectivo e sobre a existência de nexo de causalidade entre essa motivação e o despedimento dos trabalhadores abrangidos, mas também sobre a proporcionalidade entre a motivação apresentada e a decisão de proceder ao despedimento colectivo e à racionalidade desta decisão.
No caso em apreço, a Mma juíza a quo, na sua sentença, limitou-se a verificar, tal como a lei determina, se foram cumpridas as formalidades legais do despedimento colectivo, se os fundamentos invocados pela Ré para decretar o despedimento são ou não procedentes e se existe nexo de causalidade entre os fundamentos invocados e o despedimento, pelo que não ultrapassou os limites dos seus poderes cognitivos, nesta matéria.
O despedimento colectivo consiste num acto jurídico extintivo do contrato de trabalho, por iniciativa do empregador. Caracteriza-se pelo facto de abranger uma pluralidade de trabalhadores da empresa e pelo facto de a ruptura dos contratos se fundar em razões comuns a todos eles, inerentes à organização produtiva e, portanto, exteriores às relações de trabalho.
A disciplina legal nesta matéria revela uma clara preocupação de evitar que, sob a capa de um despedimento colectivo, possa estar um conjunto de despedimentos individuais irregulares, sem justa causa.
Como afirma Monteiro Fernandes[3], o que importa é que o objectivo da entidade patronal – na medida em que seja externamente controlável – se não possa reduzir à extinção dos contratos e que esta (extinção) seja uma consequência e não um fim. Exige-se que esteja em causa a extinção de uma pluralidade de vínculos; que existam motivos económicos (estruturais, de mercado ou tecnológicos) que tornem indispensável ou inevitável o despedimento e que exista um nexo de causalidade entre os motivos invocados e o despedimento decretado. (arts. 397º, n.ºs 1 e 2 e 422º, n.º 1 do Código do Trabalho). Entre os motivos invocados e o despedimento terá, necessariamente, que existir uma relação de causalidade, para que os motivos invocados possam ser julgados procedentes[4].
No caso em apreço, a R./Apelante para fundamentar o despedimento colectivo, invocou como motivo o desequilíbrio económico-financeiro, nos termos do art. 397º, n.º 2, al. b) do Código do Trabalho.
No exercício relativo a 2003, os capitais próprios da Cooperativa, segundo a recorrente, eram negativos, cifrando-se em - € 12.435.131,00.
Como factor responsável por grande parte da situação de desequilíbrio económico-financeiro, invocou o peso respeitante aos encargos com o pessoal que, segundo a recorrente, se traduziam no ano de 2003 em € 6.405.679,00 e que correspondiam a 111,81% dos proveitos da cooperativa, acrescentando que os corpos directivos da E… cientes desta situação, decidiram “encetar um Plano de Equilíbrio Económico-Financeiro da E… que passa pelo incremento das receitas e redução dos custos” e que neste “último ponto enquadra-se o da racionalização do número de colaboradores bem como a reengenharia organizacional dos departamentos que possibilite a prestação de um serviço de qualidade idêntica ou superior, mas com um menor número de trabalhadores”.
Porém, logo imediatamente a seguir, a recorrente confessa que com os trabalhadores despedidos poupa cerca de € 262.150,64, ou seja, consegue uma redução de 4,092% dos referidos encargos, o que evidencia falta de nexo de causalidade entre os motivos invocados e o despedimento.
Como afirmam os Senhores Assessores no seu relatório “não existe nexo de causalidade (relação causa – efeito) entre a poupança de custos derivados do despedimento colectivo (cerca de € 250.000,00 anuais) e as eventuais necessidades de saneamento económico e financeiro da Cooperativa”.
Segundo as contas apresentadas pela recorrente na Assembleia Geral, realizada em 7/6/2004, o activo líquido da Cooperativa, em 31/12/2003, era de € 42.805.396 e o passivo de € 55.240.527. O passivo excedia o activo em € 12.435.131 (correspondente a 25,4% do activo). Porém, nas “contas” apresentadas pela recorrente, em Março de 2004, (que mereceram a Certificação e o parecer favorável do seu Conselho Fiscal e que, segundo seu o próprio Administrador-Delegado, “reflectem, com o maior rigor contabilístico, a situação económico, financeira e patrimonial da cooperativa”), o activo líquido da R., em 31/12/2003, era de € 42.805.396 e o passivo de € 47.546.537, ou seja, entre aquele e este verificava-se apenas um desnível de € 4.741.141 (correspondente a 11% do activo) – o que está longe de configurar uma situação de “falência técnica”.
Verifica-se ainda que a diferença de valores nas rubricas de “Resultados transitados” e “Fornecedores”, tanto nas “contas de Março de 2004”, como nas contas de Junho de 2004 é exactamente a mesma, ou seja, € 6.497,339. Segundo a auditoria realizada entre as duas datas, esta verba corresponde a “direitos a distribuir e ainda pendentes de identificação que foram afectados à cobertura do prejuízo do período 1998-2000”, o que, segundo os auditores, “não teria fundamento”. Porém, os direitos cujos titulares não foram identificados são considerados irrepartíveis ao fim de três anos e segundo as regras aplicáveis a todas as Sociedades de Autores, aprovadas pela respectiva Confederação Internacional (CISAC) em 1937, em Sevilha, ratificada em Paris em 1949, esses direitos devem ser repartidos proporcionalmente pelos autores depois de retirada a quantia necessária para cobrir os custos de administração. O que significa que a verba de € 6.497.339 que aparece duplicada nas contas apresentadas em Junho de 2004, não corresponde a “saldos credores de fornecedores” nem a “resultados transitados”, pelo que haveria que a deduzir ao passivo.
Decorre do relatório dos Senhores Assessores que existe um desequilíbrio formal mas não substancial. De acordo com tal relatório, uma das rubricas que demonstra a viabilidade financeira de uma empresa são os fluxos financeiros das actividades operacionais e a Ré sempre registou fluxos financeiros altamente positivos, tendo entre 1999 e 2004 aumentado as suas disponibilidades em cerca de treze milhões de euros. Ao longo do referido período, a R. acumulou na Conta de Fornecedores valores que têm características de Reservas Ocultas (Direitos de Autor por identificar) e tais valores (resultantes de Direitos de Autor que são por si cobrados, mas que não são pagos por não serem reclamados por quem de direito) deveriam ser considerados como Dívidas a Médio e Longo Prazo e componentes de Capitais Permanentes, podendo vir a constituir (se tal for deliberado pela Assembleia) Reservas não Distribuíveis e pertencentes aos Capitais Próprios da E....
Alega a R./Apelante que os valores por si recebidos durante um exercício não correspondem a serviços efectivamente prestados, que, desses valores, apenas a parte que corresponde a comissões, é efectivamente sua, e que a dívida originada aos Autores é exigível.
Não obstante esta argumentação, o certo é que na data em que a E… iniciou o processo de despedimento colectivo, a Cooperativa apresentava um fluxo de actividades operacionais bastante positivo (como a própria reconhece). Independentemente de saber como podem, ou devem, tais valores ser contabilizados, é um facto inquestionável que a apelante dispõe de tais fluxos financeiros – uma parte dos quais lhe pertence (a título de comissões) e a outra não se prevê quando (ou mesmo se) virá a ser exigida, podendo ser por isso aplicada para gerar riqueza.
Por outro lado, não se pode olvidar, que a R./Apelante invocou como fundamento para proceder ao despedimento colectivo o desequilíbrio económico-financeiro, indicando como principal factor dessa situação o peso respeitante a encargos com o pessoal. Ao basear o despedimento no desequilíbrio económico-financeiro motivado em grande parte nos encargos com pessoal, o tribunal deve verificar se os factos alegados ocorreram e se os mesmos justificam a medida tomada.
Ora, se confrontarmos os fundamentos invocados pela E… com aquilo que efectivamente sucedeu, verificamos que existe uma flagrante contradição entre a fundamentação invocada e a realidade. Por um lado, a R. justifica a redução de pessoal com fundamento no facto de os encargos com essa rubrica constituírem o principal factor que contribuiu para desequilíbrio económico-financeiro da Cooperativa; por outro, procede em simultâneo à contratação de novos profissionais, cujos encargos no exercício de 2004 foram superiores às alegadas poupanças conseguidas com o despedimento colectivo.
A Ré fundamenta o despedimento numa redução de custos com o pessoal em € 262.150,64, mas tal redução não se repercutiu nos custos com o pessoal no exercício de 2004. Em 2003, os custos com o pessoal totalizaram € 6.405,679 e, em 2004, totalizaram € 6.504,314.
Alega a apelante que as novas contratações se impuseram por a gestão da Cooperativa necessitar de “profissionais com créditos firmados, capazes de trazer um valor acrescentado” e que tais profissionais têm o “seu respectivo preço no mercado”. Mas esta argumentação não procede, uma vez que a E… invocou como fundamento do despedimento o “desequilíbrio económico-financeiro”, a “redução de pessoal por motivos estruturais”. A recorrente não pode impor a medida de redução pessoal, ou seja, dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento, invocando aquele fundamento, e em simultâneo proceder à contratação de novos profissionais, cujos encargos superam os dos primeiros.
Alegar que a Cooperativa necessita de “profissionais com créditos firmados”, com o “seu preço no mercado”, em detrimento dos trabalhadores despedidos, equivale a empreender um despedimento por motivos que a lei não prevê, nem tutela. Caso contrário, estaria encontrada a forma de a empresa substituir trabalhadores sempre que, por qualquer motivo decidisse dispensá-los. Bastaria, para tanto, alegar que encontrou profissionais mais qualificados e melhor preparados para exercer as suas funções, em detrimento daqueles que dispõe no seu quadro de pessoal.
Alegar que os novos profissionais exercem funções para o desenvolvimento do plano de recuperação da Cooperativa, também não procede. Além dessa alegação não estar demonstrada e de resultar dos n.ºs 126, 127, 129, 130 e 131 da matéria de facto provada que os trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo podiam assegurar, perfeitamente, as funções que alguns dos trabalhadores contratados foram desempenhar, não se pode olvidar que a E… fundou o despedimento colectivo na redução de pessoal por motivos estruturais, no seu desequilíbrio económico-financeiro, e não em motivos de mercado, tecnológicos ou na substituição de produtos dominantes. Afigura-se-nos, por isso, abusivo vir, agora, tentar justificar a contratação desses novos profissionais e os elevados encargos que tais contratações implicaram, invocando tais fundamentos.
Verifica-se, ainda que a recorrente indicou, de forma vaga, genérica e abstracta, como critério de escolha dos departamentos a abranger, a acessoriedade do departamento à actividade principal da Cooperativa, não tendo especificado as razões que a levaram a considerar o Departamento de Apoio Logístico e o Departamento de Apoio Administrativo como acessórios. E, neste caso, era fundamental que o fizesse, já que nenhum dos departamentos da E... cria directamente receitas. Grande parte das receitas da Ré são obtidas através das comissões dos direitos de autor cobrados e, por esta ordem de ideias, todos os departamentos da recorrente se podem considerar acessórios.
O critério indicado é tão vago, genérico e abstracto, que nem a própria recorrente o entendeu. Com efeito, ficou provado que o trabalhador V… integrava o Departamento de Apoio Administrativo, com a categoria de Chefe de Serviços, que corresponde ao Nível de Qualificação e que, por essa razão, estava entre as categorias abrangidas pelo despedimento colectivo, mas a recorrente não procedeu ao despedimento deste trabalhador (cfr. n.ºs 102 e 103 da matéria de facto provada). Não obstante o trabalhador V… pertencer ao Departamento de Apoio Administrativo e tanto ele como os trabalhadores recorridos estarem incluídos nas categorias a abranger pelo despedimento colectivo, não se conhecem as razões que levaram a R., no final, a incluir no despedimento os recorridos e a excluir dele o V…. Assim como não se compreendem as razões que levaram a R. a incluir no referido despedimento o A. C… que exercia funções na Tesouraria, no Departamento de Contabilidade, desde Abril de 2001, cuja categoria profissional (contínuo) não figurava do elenco de categorias daquele Departamento a abranger pelo despedimento colectivo. A recorrente alega que o recorrido C… estava inserido no Departamento de Logística com a categoria de Contínuo de 1º, mas essa alegação não corresponde à verdade. Pode estar em correspondência com o organigrama, mas não está em correspondência com a realidade. O que releva não é organigrama da Ré, mas sim o Departamento onde o A. prestava, diariamente, desde Abril de 2001, o seu trabalho, por determinação e com conhecimento da recorrente.
A enunciação e procedência da motivação do despedimento colectivo tem uma importância fundamental desde a fase inicial do processo, que se inicia depois de o empregador, internamente, ter decidido proceder ao despedimento colectivo, e que se desenvolve até à cessação dos contratos dos trabalhadores abrangidos. Por isso mesmo, nos termos do disposto no artigo 419°, n.° 2 do Código do Trabalho, a comunicação prévia da intenção de proceder ao despedimento deve ser acompanhada, além do mais, da descrição dos motivos invocados para o despedimento colectivo [al. a)] e da indicação dos critérios que servem de base para a selecção dos trabalhadores a despedir [al. c)].
Do mesmo modo, o artigo 422° do Código do Trabalho impõe que, após a fase de informações e negociação e na falta de acordo, a decisão do despedimento seja comunicada por escrito a cada trabalhador a despedir com menção expressa do motivo e da data da cessação do respectivo contrato e, por fim, o artigo 429°, alínea c), comina com a ilicitude qualquer tipo de despedimento (incluindo o colectivo) se forem declarados improcedentes os motivos justificativos invocados.
No caso em apreço, na comunicação prévia da intenção de proceder ao despedimento, além da motivação económico-financeira que globalmente sustenta a necessidade da redução de pessoal, a R. indica como critérios de escolha dos departamentos a abranger, a acessoriedade do departamento à actividade principal da cooperativa, acrescentando que se pretende “a extinção do Departamento de Apoio Logístico e do Departamento de Apoio Administrativo, e a inclusão dos seus integrantes no presente despedimento, com excepção dos Níveis de Quadro Médio e Altamente Qualificado e dos trabalhadores com categoria de recepcionista e de empregado de limpeza".
Porém, na comunicação da decisão do despedimento, posteriormente efectuada, a recorrente limitou-se a referenciar os motivos económico-financeiros que estiveram na base daquilo que apelida de "necessidade de redução de pessoal por motivos estruturais" e a repetir o que fizera constar da comunicação prévia. Nada mais ali fez constar, não fornecendo quaisquer elementos que permitissem aos recorridos analisar a congruência da motivação relativamente ao seu concreto posto de trabalho, nem sequer referenciando a razão da selecção dos recorridos como trabalhadores a despedir, em aplicação dos critérios anteriormente enunciados na comunicação prévia.
A questão que se coloca é a de saber se esta circunstância é susceptível de inquinar o despedimento dos recorridos. Saber se a causa de ilicitude prevista na alínea c) do artigo 429° do Código do Trabalho se reporta apenas à enunciação (na decisão do despedimento) e à demonstração (na acção de impugnação do despedimento) dos fundamentos económico-financeiros que justificam a medida de gestão relacionada com a redução de pessoal, ou se abarca também os motivos que levaram à escolha em concreto de cada um dos trabalhadores que o empregador fez incluir no despedimento colectivo (ao concretizar, através deste, tal medida de gestão).
A única interpretação do preceito que se nos afigura em conformidade com a Constituição é a segunda, uma vez que a primeira potenciaria a existência de despedimentos individuais sem motivação, em desconformidade com a exigência constitucional constante do artigo 53° da Constituição. Na verdade, ao prescrever que "são proibidos os despedimentos sem justa causa", o artigo 53.° da CRP proíbe os despedimentos imotivados, ultrapassando o conceito restrito de justa causa subjectiva relacionada com o comportamento culposo do trabalhador[5].
Quer se considere que a justa causa a que alude o artigo 53° da Constituição se relaciona com o conceito de direito civil de justa causa como "motivo atendível" que legitima a não prossecução de uma relação jurídica duradoura[6], quer se considere que a única exigência constitucional é a de que o despedimento tenha sempre uma motivação "justa, capaz, socialmente adequada e, dentro do possível, judicialmente controlável"[7], é incontestável que a Constituição não admite a denúncia discricionária por parte do empregador e apenas possibilita a cessação do contrato de trabalho por vontade do empregador se existir uma justificação ou motivação, ainda que a justa causa possa resultar de causas objectivas relacionadas com a empresa nos termos da lei.
Assim se compreende que a comunicação prevista no artigo 422° do Código do Trabalho, através da qual o empregador comunica a cada um dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento colectivo a decisão do seu despedimento individual, deva conter a "menção expressa do motivo (...) da cessação do respectivo contrato", o que deve entender-se como constituindo uma referência quer à fundamentação económica do despedimento, comum a todos os trabalhadores abrangidos, quer ao motivo individual que determinou a escolha em concreto do trabalhador visado, ou seja, a indicação das razões que conduziram a que fosse ele o atingido pelo despedimento colectivo e não qualquer outro trabalhador.
Só deste modo se mostra efectivamente motivado o despedimento de cada um dos trabalhadores despedidos e se torna possível ao trabalhador concretamente abrangido pelo despedimento colectivo contestar a decisão que o individualiza como um dos destinatários da medida de gestão empresarial. E só, assim, pode o tribunal controlar a adequação do despedimento de cada um dos trabalhadores à fundamentação económica comum ao despedimento colectivo. Embora do texto dos artigos 419°, 422°, n.°l, e 429 alínea c), do Código do Trabalho, não conste qualquer referência expressa à relação entre a motivação económica comum e a cessação de cada um dos contratos individuais de trabalho, é manifesto que a motivação apresentada tem que ser congruente com o redimensionamento efectuado.
Na apreciação dos fundamentos do despedimento colectivo, importa ter em conta, para além da verificação objectiva da existência dos motivos estruturais, de mercado ou tecnológicos, a existência de um nexo entre tais motivos e os despedimentos efectuados, por forma a que aqueles sejam suficientemente fortes para que, determinando uma diminuição de pessoal, conduzam, sem mais, ao despedimento colectivo de certos e determinados trabalhadores[8].
Assim, a falta de explicitação, na comunicação a que alude o n.° l do artigo 422° do Código do Trabalho do motivo que esteve na base da selecção do trabalhador efectivamente despedido no âmbito do despedimento colectivo, ou, pelo menos, a ausência de uma clara interrelação entre a situação funcional desse trabalhador e os motivos económicos-financeiros que justificaram a redução de pessoal, implica uma violação desse preceito e determina a ilicitude do despedimento individual desse trabalhador.
Deve, portanto, manter-se a decisão que julgou improcedentes os fundamentos invocados para o despedimento e considerou ilícito o despedimento dos recorridos.

5. Diferenças salariais reclamadas por D….
(…)

6. Retribuição base do A. D….:
Passemos à outra questão suscitada pelo recorrente D….
Com base em que retribuição deve ser calculada a indemnização de antiguidade que lhe é devida pela cessação do contrato de trabalho em consequência do despedimento colectivo ser considerado ilícito? Com base na retribuição de € 1.576,65, como decidiu a Mma juíza a quo ou com base na retribuição € 2.412,57 (1.576,65 + 818,52 + 17,40), como sustenta o recorrente? A quantia de € 818,52 que o recorrente recebia a título de complemento de retribuição deve ou não ser levada em consideração no cálculo dessa compensação?
Em relação a esta questão, o recorrente alega que a retribuição base corresponde à parte certa da retribuição que é definida em função da categoria profissional do trabalhador e do tempo de trabalho que ele se obrigou a prestar e que o processo contém elementos suficientes que impõem considerar como parte integrante da sua retribuição base, o valor de € 818,52 que lhe era pago como complemento de retribuição.
A Ré, na sua contra-alegação, sustenta que a referida compensação deve ser calculada apenas com base na retribuição de € 1.576,65, tal como se decidiu na sentença recorrida.
Vejamos quem tem razão, nesta parte.
Com interesse para a apreciação desta questão consta na cláusula 3ª do contrato de trabalho celebrado pelas partes, aquando da admissão do A. ao serviço da Ré, que o valor da remuneração mensal ilíquida é de esc. 440.234$00 (€ 2.195,88), acrescida da remuneração a título de isenção de horário de trabalho. Além disso, está provado nos autos que à data do despedimento, o recorrente auferia: € l.576,65, a título de remuneração base, € 818,52, a título de complemento de retribuição, € 394,16, a título de isenção de horário de trabalho; € 17,40, a título de anuidade e € 8,80 por dia útil de trabalho, a título de subsídio de refeição.
A solução desta questão deve ser encontrada nos artigos 249º, 250º, 252º e 439º, n.º 1 do Código do Trabalho.
O art. 249º dispõe o seguinte:
1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. Na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
O art. 250º estabelece no seu n.º 1 que quando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades.
E o seu n.º 2, al. a) diz-nos que para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por retribuição base, aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido.
Finalmente, o art. 439º estabelece no seu n.º 1 que em substituição da reintegração pode o trabalhador optar por uma indemnização, cabendo ao tribunal fixar o montante, entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude decorrente do disposto no art. 429º.
Resulta deste preceito que a indemnização de antiguidade do recorrente deve ser calculada em função da retribuição base e das diuturnidades.
Mas o que se deve entender por retribuição base?
Retribuição base é aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido.
É aquela que corresponde ao montante fixo mensal auferido pelo trabalhador; é aquela retribuição de carácter certo, que é paga pelo empregador, como contrapartida do trabalho prestado e que é calculada em função do período normal de trabalho estabelecido; é aquela que está apenas ligada ou relacionada com a actividade desempenhada pelo trabalhador e não com as condições ou circunstâncias desse desempenho.
Entre as prestações salariais que o recorrente auferia mensalmente, o pagamento da prestação de € 394,16 tinha uma causa específica: a isenção de horário de trabalho; mas o pagamento da quantia de € 818,52 não tinha. Tratava-se de uma prestação certa, mensal, sem qualquer causa diferente que não fosse o trabalho normalmente prestado pelo recorrente. Pelo menos, não foi alegada nem demonstrada a existência de qualquer causa específica, nem se vislumbra que tal pagamento tenha uma causa diferente da do pagamento da contrapartida do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho ou esteja relacionado com as condições ou com as circunstâncias em que o trabalho do recorrente era prestado.
Aliás, não se compreende que na data da celebração do contrato e da admissão do A., em 2001, as partes tenham estabelecido como contrapartida do trabalho normal uma retribuição certa de 440.234$00, ou seja, uma retribuição base de € 2.195,88 e que, três anos depois, o recorrente estivesse a auferir, como contrapartida desse trabalho normal, uma retribuição inferior (€ l.576,65). Por outro lado, não se nos afigura coerente que a R. venha agora sustentar que tal prestação não faz parte integrante da retribuição base do recorrente, quando antes, no mapa de pessoal, junto com a comunicação preliminar de despedimento (doc. n.º 2 junto com a p.i.) integrou a referida prestação na sua retribuição base e levou-a em consideração no cálculo da compensação que colocou a sua disposição. Naquela comunicação, considerou aquela quantia parte integrante da retribuição base do recorrente, na sua alegação de recurso sustenta o contrário.
A referida prestação deve, portanto, ser considerada parte integrante da retribuição base do recorrente D… e, consequentemente, a indemnização correspondente à sua antiguidade deve ser calculada com base na retribuição de € 2.412,57 [1.576,65 + 818,52 + 17,40 (de anuidade)].
           
7. Reparação dos danos não patrimoniais sofridos
Vejamos, agora, se, em consequência do despedimento colectivo decretado pela R., os AA. sofreram danos não patrimoniais graves que justifiquem as indemnizações arbitradas pela 1ª instância.
A sentença recorrida condenou a R. a pagar a importância de € 2.000,00 a cada dos AA. A…., B..., D… e H…; a importância de € 2.250,00 à A. I… e a quantia de € 2.750,00, a cada um dos AA. F… e G…, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos em consequência do despedimento.
A Ré/apelante insurgiu-se contra este segmento da sentença, alegando que a gravidade do dano deve medir-se por um padrão objectivo e não há luz de factores subjectivos, cabendo ao tribunal, em cada caso, dizer se determinado dano é ou não merecedor de tutela jurídica, não devendo considerar-se merecedores de reparação os simples incómodos ou contrariedades. Alegou ainda a apelante que em relação aos AA. A… e B... provou-se apenas que sofreram mágoas, tristezas e frustações, mas não foi alegado, nem consequentemente provado que os mesmos precisavam do salário para prover ao seu sustento. As mágoas, tristezas e frustrações, só por si, constituindo embora um dano não patrimonial, não revestem gravidade bastante para merecer tutela do direito. Mesmo que o fossem, o que só por mero dever de patrocínio se equaciona, a sua conduta não é censurável, por não se ter apurado a existência de culpa e de nexo de causalidade entre o despedimento e os danos não patrimoniais considerados provados.
Adianta-se, desde já, que a Ré têm razão, nesta parte.
Com efeito, não só não constam na sentença elementos de facto que consubstanciem danos não patrimoniais graves, como se desconhece o critério que a Mma juíza utilizou para determinar o montante que arbitrou a cada um dos AA., a este título.
Em relação aos AA. A… e B..., a juíza recorrida limita-se a afirmar que “as mágoas, tristezas e frustrações sofridas (por estes AA.) são danos que merecem a tutela do direito, pelo que tendo em conta os factos enunciados e o disposto nos arts. 496º/3 e 566º/2 do CC, considera adequada uma indemnização no montante de € 2.000,00.”
Em relação ao A. D…, afirma que após a readmissão da M…., esta comunicou àquele que tinha perdido a confiança que nele depositava, a título pessoal e que este comportamento e os factos os factos referidos nos n.ºs 119,122,123 e 124 provocaram nele desgosto, ansiedade e abatimento. Afirma ainda que a comunicação preliminar do despedimento colectivo, em 20/10/2004, provocou ao A. uma grande angústia e que durante o período em que procurou novo emprego andou ansioso e desanimado, esclarecendo que apenas podem ser considerados, em relação a este pedido, os danos provocados pela R. e não os provocados por M…, uma vez que se desconhece se esta actuava com o acordo e conhecimento daquela, considerando adequada uma indemnização no montante de € 2.000,00.
Em relação à A. I…, afirma que em consequência do despedimento, esta passou a sofrer de angústia e depressão, pelo que tendo em conta os factos enunciados considera adequada uma indemnização no montante de € 2.250,00.
Em relação aos AA. G…. e H…, afirma que estes em consequência do despedimento sentiram angústia, receio e intranquilidade que transmitiram ao seu agregado familiar, pelo que considerou adequada uma indemnização, a cada um deles, no montante de € 2.000,00.
A sentença, nesta parte, não contém motivação de facto suficiente que legitime a condenação da Ré nos referidos montantes, não contém a enunciação das premissas do raciocínio lógico do julgador que nos permitam aquilatar da justeza do montante indemnizatório arbitrado a cada um dos AA., surgindo a condenação da R./apelante nos referidos montantes, como um corpo estranho da sentença.
A reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelos trabalhadores, em consequência de despedimento ilícito, encontra-se expressamente prevista no art. 436º, n.º 1. al. a) do Código do Trabalho, havendo lugar a ela sempre que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil previstos no art. 483º, n.º 1 e 496º, n.º 1 do Cód. Civil, ou seja, sempre que o despedimento seja considerado ilícito, culposo e cause danos não patrimoniais ao trabalhador que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Para tal não basta alegar e provar que o despedimento causou danos não patrimoniais, não basta alegar e demonstrar que o despedimento causou desgosto, mágoa, tristeza, incómodos, frustrações, angústia, depressão ou grande depressão, receio e intranquilidade. Por regra, todos ou quase todos os trabalhadores vítimas de despedimento ficam magoados, tristes, frustrados, ansiosos, angustiados e deprimidos, mas estas situações não justificam, só por si, a atribuição de uma indemnização. É necessário que essa mágoa, essa angústia, essa ansiedade, essa depressão sejam graves, e para aferir essa gravidade é necessário caracterizar, com elementos de facto concretos, cada uma destas situações; é necessário alegar e demonstrar que cada uma destas situações causou ao trabalhador danos relevantes, isto é, danos graves, pois, como resulta do art. 496º, n.º 1 do Cód. Civil, o juiz na fixação da indemnização deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Quer isto dizer que só quando o trabalhador demonstre que sofreu danos não patrimoniais graves, em consequência de um despedimento declarado ilícito ou da violação culposa dos deveres contratuais, por parte da entidade patronal, é que o mesmo tem direito a ser indemnizado, por força do disposto nos arts. 436º, n.º 1. al. a) do Código do Trabalho, 483º e 496º, n.º 1 do Cód. Civil.
No caso em apreço, está provado que os AA. foram ilicitamente despedidos pela Ré; está provada a culpa desta (uma vez que não foi ilidida a presunção prevista art. 799º, n.º 1 do Cód. Civil), está provado que o despedimento causou mágoa, tristeza, incómodo e frustração a uns e ansiedade, desânimo, angústia e depressão a outros, mas em relação aos danos concretos provocados por essas situações e à gravidade destes danos nada foi alegado nem provado. Não existem elementos de facto nos autos que nos permitam determinar os danos concretos, a dimensão, a duração e a gravidade desses danos em relação a cada um dos AA..
Como referimos atrás, para responsabilizar judicialmente a demandada e para conseguir a sua condenação no pagamento de indemnização reclamada por cada um dos demandantes, não bastava a estes alegar e provar que o despedimento lhes causou mágoa, tristeza, incómodo, frustração, desgosto, ansiedade, desânimo, abatimento, angústia, depressão, receio e intranquilidade. Para a sua pretensão proceder, nesta parte, era essencial que cada um deles caracterizasse, com elementos de facto concretos, a sua situação, era necessário que os mesmos alegassem e provassem com elementos de facto a situação em que se encontravam antes do despedimento e a situação em ficaram após o despedimento; era essencial que eles especificassem e concretizassem, com elementos de facto, a gravidade dessa situação e os danos concretos que sofreram com essa situação; era essencial que os AA. provassem esses danos e as suas circunstâncias, a fim de se poder aferir a duração e a dimensão desses danos; era essencial ainda conhecer a situação económica do lesante e dos lesados.
Ora, como os AA. nada alegaram nem demonstraram a este respeito, a sua pretensão tem necessariamente de improceder, devendo revogar-se a sentença, nesta parte, e absolver a R./apelante deste pedido.
           
            V. DECISÃO
           
            Em conformidade com os fundamentos expostos, decide-se:
            1. Negar provimento ao recurso de agravo interposto pela R. a fls. 1565 a 1576 e confirmar o deE...cho nele impugnado;
2. Negar provimento ao recurso de apelação interposto pela R. do despacho saneador/sentença, na parte em que julgou improcedentes os fundamentos invocados para o despedimento colectivo, confirmando-se a decisão recorrida, nessa parte;
            3. Negar provimento ao recurso de apelação interposto pelo A. D… do despacho saneador/sentença, na parte em que julgou improcedente o pedido de diferenças salariais por ele formulado, confirmando-se a decisão recorrida, nessa parte;
            4. Conceder parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela R. a fls. 2531-2563 e, em consequência:
a) Revoga-se a sentença recorrida, na parte respeitante às quantias arbitradas aos AA., a título de indemnização por danos patrimoniais, absolvendo-se a R. desses pedidos;
b) Altera-se a sentença recorrida, na parte respeitante aos salários intercalares devidos aos AA. A… e B..., condenando-se a R. a pagar-lhes, no período compreendido entre o 30º dia anterior à propositura da acção e o trânsito em julgado da sentença, respectivamente, a retribuição mensal de € 1.915,95 e de € 848,73, com dedução dos descontos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 437º do Código do Trabalho.
            5. Conceder provimento ao recurso de apelação interposto pelo A. D… da sentença, na parte em que fixou a sua retribuição base mensal em € 1.576,65, e altera-se a decisão, nessa parte, fixando-se essa retribuição base em € 2.412,57, para efeitos de cálculo da indemnização de antiguidade que lhe é devida.
            As custas dos 1º, 2º e 5º recursos serão suportadas pela R; as do 3º recurso pelo A. D… e as do 4º pelos AA. e pela R. na proporção de 90% para os AA. e 10% para a R.

            Lisboa, 16 de Janeiro de 2008

Ferreira Marques
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes


[1] João de Castro Mendes, Pedido e causa de pedir no processo do trabalho, in Curso de Direito Processual do Trabalho, págs. 132 e 133; Prof. Raúl Ventura, Curso de Direito Processual do Trabalho, Suplemento à Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1964, págs. 31 e segs; Alberto Leite Ferreira, Código de Processo do Trabalho Anotado, 4ª edição, 1966, pág. 353 e segs.; Ac. do Tribunal Constitucional, de 13/12/1994, in Diário da República, 2ª Série, n.º 27, de 1/2/1995 e in BMJ 446º, pág. 55; Ac. do Tribunal Constitucional, de 29/9/1992, BMJ 419º, pág. 759; Acs. do STJ, de 29/9/1999, Acórdãos Doutrinais 461º, pág. 779; de 10/2/1999, Acórdãos Doutrinais, 452º/453º, pág. 136; de 13/5/1998, BMJ 477º, pág. 251; de 26/9/1990, Acórdãos Doutrinais 349º, 132; de 4/4/1986, BMJ 356º, pág. 183; Ac. da Relação de Coimbra, de 29/3/2001, JTRC9078/dgsi/Net; Ac. da Relação do Porto, de 12/3/2001, JTRP00029855/dgsi/Net; Ac. da Relação de Évora, de 8/7/1999, Col. Jur., 1999, Tomo 4º, pág. 301; Ac. da Relação de Lisboa, de 27/11/1985, BTE, 2ª Série, n.ºs 3-4/88, pág. 541).
[2] No Ac. do STJ de 2/11/2005, Acórdãos Doutrinais n.º 532, pág. 735 diz-se que “o despedimento colectivo é, basicamente, uma decisão de gestão”, que “traduzindo-se a decisão judicial numa intervenção na gestão da empresa (com relevo no próprio dimensionamento desta já que se trata de um despedimento que abrange uma pluralidade de trabalhadores) só se justificará um juízo de improcedência se a conduta da empresa for abusiva, simulada ou de má fé, ou se o juiz constata que a motivação invocada para o despedimento é manifestamente inaceitável e susceptível de indiciar um intuito fraudulento da entidade patronal; Bernardo Lobo Xavier, in O Despedimento Colectivo no Dimensionamento da Empresa, Verbo, Lisboa, 2000, pág. 43 e segs.
[3] Direito do Trabalho, 12ª edição, Almedina, pág. 597.
[4] Cfr. entre muitos outros, Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2ª edição, Almedina, pág. 953 e Acs. do STJ, de 173/2000, Revista n.º 221/99 – 4 Secção; de 21/9/2000, Revista n.º 24/2000 – 4ª Secção.
[5] Sobre as posições do Tribunal Constitucional relativamente à concretização do conceito de justa causa, vide Ac. de 31/10/1995, Rec. 581/95, BMJ 451º, pág. 497.
[6] Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, 3.a edição, pág. 875
[7] Bernardo Xavier, A extinção do contrato de trabalho, in RDES 1989, n.°s 3/4, págs. 434 a 437.
[8] Neste sentido os Acórdãos do STJ de 1/2/2001 (Revista n.° 124/00, da 4.a Secção); de 21/9/2000 (Revista n.° 24/00, da 4.a Secção); de 2/11/2005 (Revista n.° 1458/05 – 4 Secção) e de 24/5/2006 (Revista n.º 379/06 – 4ª Secção).