Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2732/15.0YLPRT.L2-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: RECLAMAÇÃO CONTRA INDEFERIMENTO DO RECURSO
TRÂNSITO EM JULGADO
PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
DESPEJO IMEDIATO
CONDIÇÃO DE ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Sendo deduzida reclamação do despacho de não admissão de recurso o trânsito em julgado da decisão só ocorre quando se torna definitiva a decisão da reclamação (no caso de confirmação do despacho de rejeição), ou sendo aquela revogada, e admitido o recurso, quando se tornar definitiva a decisão do Tribunal Superior.
2. A pendência da causa ( ação de despejo/procedimento especial de despejo) constitui condição para a instauração do incidente de despejo imediato, mas não se exige que a decisão do incidente seja proferida na pendência daquela. Em face da tramitação autónoma do incidente e da ação, pode acontecer que a sentença do procedimento especial de despejo transite em julgado antes de decidido o incidente. E se a decisão da ação/procedimento especial de despejo for de improcedência o despejo imediato pode vir a ser decretado no incidente, na ausência de comprovação do pagamento ou depósito das rendas vencidas na pendência da ação/PED e respectiva indemnização, no prazo de 10 dias a contar da notificação para o efeito (se não estiver em discussão a existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

 M e N requereram procedimento especial de despejo contra L, com fundamento em resolução do contrato por falta de pagamento de rendas.
Por incidente deduzido os AA. requereram o despejo imediato do locado com fundamento na falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação. Para o efeito alegaram que a Ré não procedeu aos pagamentos mensais por si devidos aos Autores, correspondentes aos meses de Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2016, os quais correspondem a um valor global de € 5.592,00.
Requereram a notificação da Ré para, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 14.º, nºs 3, 4 e 5, do NRAU, em 10 (dez) dias, proceder ao pagamento ou depósito dos referidos valores, sob pena de ser determinado o seu despejo imediato.
Notificada a R. nos termos e para os efeitos do disposto no artº 14º nºs 3, 4 e 5 do NRAU, veio requerer a junção aos autos do comprovativo do depósito das quantias referentes às rendas vencidas na pendencia da ação, de julho de 2016 a fevereiro de 2017, e “respetiva indemnização, nos casos em que a mesma era aplicável “
Os AA. pronunciaram-se quanto aos documentos juntos pela R., afirmando que se verifica dos mesmos que a R. depositou as rendas vencidas, mas o valor da indemnização depositada é apenas metade do devido.
Por decisão de 07/04/2017 foi decretado o despejo imediato do locado. 
A R. interpôs recurso desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“A) O Tribunal a quo ordenou o despejo imediato de um locado cujo contrato de arrendamento está em vigor, por não ter operado a resolução pretendida pelos senhorios, aqui Recorridos, contrariando, assim, o Acórdão da Relação de Lisboa, que revogou a sentença proferido pela 1ª instância, e cujo trânsito operou antes da prolação da decisão de que ora se recorre.
B) A decisão recorrida viola os mais elementares princípios de segurança e confiança jurídica, bem como as mais elementares regras referentes ao efeito dos recursos e trânsito em julgado, nomeadamente as regras contidas nos Arts. 647º, nº 3, alínea b), e 676º, e 628º, todos do CPC, violando ainda o caso julgado, e as regras atinentes ao duplo grau de jurisdição que vigora no nosso ordenamento jurídico.
C) Ao proferir a decisão de que ora se recorre, o Tribunal a quo violou o trânsito em julgado do Acórdão de Relação de Lisboa, transito esse que ocorreu a 29.11.2016, ou seja, antes de ter sido proferido o despacho de 09.02.2017; Bem como violou as regras de efeito dos recurso, pois, o recurso interposto pelos aqui Recorridos, daquele Acórdão, para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual não veio a ser admitido por extemporâneo, tinha efeito meramente devolutivo, pelo que, na pendencia do mesmo, não poderia o Tribunal a quo ter proferido o despacho de 09.02.2017.
D) Na data de 08.11.2016 foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o qual decidiu o seguinte: “ … acorda-se julgar procedente o recurso de apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, julgando-se improcedente a ação e se absolve a R. do pedido, não decretando a resolução do contrato de arrendamento.”
E) Na data de 14.12.2016, ss AA., aqui Recorridos, interpuseram, recurso de revista, para o Supremo Tribunal de Revista, o qual não foi admitido por extemporâneo, tendo o Acórdão da Relação de Lisboa transitado em julgado na data de 29.11.2016.
F) E a 15.11.2016, os AA., aqui Recorridos, haviam requerido ao Tribunal a quo que se dignasse notificar a aqui Recorrente para proceder ao pagamento das rendas vencidas na pendencia da ação, nos termos do disposto no Art. 14º, do NRAU.
G) Por despacho datado de 09.02.2017 o Tribunal a quo determinou que a Ré efetuasse o pagamento das rendas vencidas na pendencia da ação, acrescidas da indemnização devida, no prazo de 10 dias; despacho esse notificado à Recorrida a 09.02.2017, pelo que tal prazo de 10 dias terminava a 23.02.2017.
H) Na data de 23.02.2017, a Recorrente juntou aos autos comprovativo do pagamento das rendas vencidas correspondentes aos meses de Julho a Dezembro de 2016, pagamento esse que a Recorrente realizou, muito antes de ter sido notificada, pelo Tribunal para o efeito, pois tal pagamento foi feito na data de 14.12.2016, no seguimento de uma carta dos senhorios, aqui Recorridos, e ainda, os comprovativo do pagamento das rendas vencidas referentes aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2017, aquela (referente a Janeiro de 2017) acrescida da correspondente indemnização, por ser a mesma devida. Posteriormente, na data de 07.03.2017, veio a Recorrente juntar aos autos comprovativo da indemnização devida, relativamente às rendas relativas aos meses de Julho a Dezembro de 2016.
I) O Art. 676º, nº 1, do CPC, determina que o recurso de revista apenas tem efeito suspensivo nas ações referentes ao estado das pessoas, pelo que, no caso em apreço o mesmo teria efeito meramente devolutivo.
J) Efeito devolutivo do recurso significa que apesar de interposto o recurso da decisão, esta é, ainda assim, imediatamente exequível, ou seja, permite-se a produção de efeitos jurídicos imediatos derivados da sentença proferida, ou, no nosso caso, do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
K) O que significa que, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que absolveu a aqui Recorrente do pedido e não decretou a resolução do contrato de arrendamento, era imediatamente exequível, ou seja, produz efeitos jurídicos imediatos. Pelo que, não sendo revogado o contrato, e tendo a aqui Recorrente sido absolvida, até que fosse proferida decisão que revogasse esta decisão – o que não veio a acontecer já que o recurso de revista não foi admitido – não poderia ter sido praticado pelo Tribunal a quo qualquer ato que colocasse em crise tal decisão do Tribunal ad quem, e que, no limite, viesse a esvaziar a mesma de efeito e conteúdo. Como se verificou no caso aqui em apreço atento o despacho proferido a 09.02.2017 pelo Tribunal a quo e a decisão de que ora se recorre.
L) Ao proferir o despacho de 09.02.2017, e ao proferir a decisão ora recorrida, o Tribunal a quo violou os mais elementares Princípios de certeza e segurança jurídicas, os quais são basilares no nosso ordenamento jurídico. Mais, atenta a não admissão do recurso de revista, aquele acórdão da Relação de Lisboa a data de trânsito a considerar para aquela decisão é a de 29.11.2016, ou seja, para todos os efeitos o trânsito ocorreu em data anterior ao despacho de 09.02.2017 e à decisão ora recorrida. Pelo que, aquele despacho e esta decisão violam o caso julgado que se consolidou no ordenamento jurídico.
M) Acresce que, mesmo que se ignorasse tudo o que atrás foi exposto, sempre se dirá que inexiste fundamento para o decretamento do despejo imediato do locado. Pois, o fundamento invocado pelo Tribunal a quo é o de que a Ré, aqui Recorrente, não pagou a indemnização devida, relativamente às rendas vencidas, no prazo de 10 dias determinado no despacho de 09.02.2017. Fundamento esse que não pode proceder por não corresponder à verdade.
N) Nessa data, a única renda que estava vencida e não paga, era a renda referente ao mês de Janeiro de 2017. Pois, as rendas referentes aos meses de Julho a Dezembro de 2016, já tinham sido pagas pela Recorrente, na data de 14.12.2016, ou seja, muito antes do despacho de 09.02.2017, pelo que, quando foi notificada de tal despacho, apenas estava vencida e não paga a renda de Janeiro de 2017, pelo que, apenas quanto a essa era devido o pagamento da indemnização correspondente a 50% da mesma.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência ser revogada a decisão proferida sendo substituída por outra que não determine o despejo do locado, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA”.
Os apelados apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
A factualidade com relevo para o conhecimento do objeto do presente recurso é a seguinte:
1. Os AA. requereram procedimento especial de despejo contra a R. no BNA, com fundamento em resolução do contrato por falta de pagamento de rendas, que tem por objeto fração autónoma identificada pelas letras “AG”, correspondente ao quarto andar, letra D, destinado a habitação, com estacionamento nº 68 e arrecadação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua T, nº12, freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, o qual veio a ser distribuído à Comarca de Lisboa, Juízo Local Cível – J6.
2. Deduzida oposição pela R., foi o procedimento distribuído à Instância Local Cível de Lisboa, onde, após realização do julgamento, foi proferida sentença, em 01/12/2015, que julgou procedente o pedido de despejo relativo à mencionada fração, e válida e eficaz a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes.
3. Desta decisão foi interposto recurso pela R. e, por acórdão desta Relação de 08/11/2016, foi revogada a sentença, julgada improcedente a ação e absolvida a R. do pedido.
4. Em 14/12/2016 os AA. interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, o qual não foi admitido, por extemporâneo (despacho proferido em 15/12/2016).
5. Em 21/12/2016 os AA. reclamaram do referido despacho.
6. Por despacho de 25/01/2017 foi a reclamação indeferida.
7. Os AA. reclamaram para a conferência.
8. Por acórdão proferido pelo S.T.J. em 07/03/2017, notificado à apelante em 13/02/2017,  foi indeferida a reclamação e mantida a decisão singular da relatora.
9. Em 31/03/2017 o S.T.J. certificou que o trânsito em julgado da decisão mencionada em 8 transitou em julgado em 23/03/2017.
10. Em 15/11/2016 os AA. deduziram incidente de despejo imediato, com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação, relativas aos meses de Julho a dezembro de 2016.
11. Por despacho de 09/02/2017, notificado à R. em 13/02/2017, foi a R. notificada para, no prazo de dez dias, proceder ao pagamento ou depósito das rendas em dívida e vencidas na pendência na ação, acrescidas da indemnização devida, juntando aos autos prova do pagamento ou depósito, com a advertência de que, não o fazendo, o senhorio poderá requerer o despejo imediato, (art. 14º nºs 3, 4 e 5 do NRAU).
12. Em 23/02/2017 a R. juntou aos autos documentos comprovativos de depósitos, vindo por requerimento de 27/02/2017, esclarecer em que consistem: pagamento das rendas relativas aos meses de julho a dezembro de 2016; e, ainda, a renda relativa ao mês de janeiro e respetiva indemnização, e renda relativa ao mês de fevereiro de 2017.
13. Os AA., em 24/02/2017 requereram o despejo imediato do locado, por não se mostrar depositada nem paga a indemnização devida pela mora.
14. Por requerimento de 08/03/2017 a R. juntou aos autos comprovativo do depósito da indemnização no valor de € 2.796,00.
15. Em 07/04/2017 foi proferida a seguinte decisão (objeto do presente recurso):
“Encontrando-se ainda pendente o presente processo, foi a ré expressamente notificada para proceder ao depósito das rendas em dívida, e vencidas nos meses de Julho a Dezembro de 2016, acrescidas da legal indemnização, sob pena de despejo imediato.
A ré, no prazo concedido para tanto, apenas procedeu ao depósito das referidas rendas em singelo, bem como ao depósito da renda vencida no mês de Janeiro acrescida de indemnização de 50%, e a renda vencida no mês de Fevereiro. Não depositou qualquer quantia relativa à indemnização devida pela mora das seis rendas a que se referia o despacho em crise, apenas o tendo feito após notificação de requerimento da parte contrária.
Face ao exposto, sendo o teor do despacho de 09.02.2017 cristalino – foi notificada para pagamento das rendas em dívida e vencidas, acrescida da indemnização devida, ou seja, o valor correspondente a 50% de todas as rendas vencidas – e tendo a ré realizado o depósito liberatório extemporaneamente, este não é admissível, e bem assim não susta o despejo imediato.
Apesar de, entretanto, ter transitado em julgado o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, tal não tem como consequência a inutilidade do incidente de despejo imediato; este foi iniciado quando os autos ainda se encontravam pendentes, e a ré não realizou depósito liberatório válido.
Termos em que, dado o disposto no art. 14º do NRAU, se decreta o despejo imediato do locado.
Custas do incidente pela ré.
Notifique.”
*
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Do trânsito em julgado da decisão proferida no procedimento especial de despejo; da violação do caso julgado, das regras do duplo grau de jurisdição e das regras do efeito do recurso
2. Da falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação
Análise das questões:
1 Do trânsito em julgado da decisão proferida no procedimento especial de despejo; da violação do caso julgado, das regras do duplo grau de jurisdição e das regras do efeito do recurso
Estabelece o artº 628º do C.P.C. que “a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.”
Analisados os factos a considerar importa desde já afirmar que à apelante não assiste razão.
O trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em 08/11/2016, não ocorreu em 29/11/2016, mas em 23/03/2017, como resulta dos factos acima elencados.
Do acórdão proferido por esta Relação foi interposto recurso de revista, que não foi admitido. Todavia, os ora apelados reclamaram do despacho. A reclamação foi decidida em termos definitivos, por acórdão proferido pelo S.T.J. em 07/03/2017. O acórdão foi notificado às partes em 13/03/2017, pelo que o trânsito em julgado ocorreu em 23/03/2017, data que, aliás, consta da certidão de trânsito em julgado emitida em 31/03/2017 por aquele Supremo Tribunal.
Sendo deduzida reclamação do despacho de não admissão do recurso o trânsito em julgado só ocorre quando se torna definitiva a decisão da reclamação (no caso de confirmação do despacho de rejeição), ou sendo aquela revogada, e admitido o recurso, quando se tornar definitiva a decisão do Tribunal Superior.
Neste sentido, v. Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, p. 40:
Quanto à dilação do trânsito em julgado há efeitos que forçosamente se produzem mesmo quando o recurso é rejeitado, tendo em conta a necessidade de aguardar a definitividade do despacho de não admissão, o qual é sujeito a reclamação para o Tribunal Superior, nos termos do artº 643º.
Nas ações que admitam recurso ordinário, apenas a sua interposição obsta ao trânsito em julgado, o qual se consuma quando se tornar definitiva a decisão de rejeição ou a decisão que vier a ser proferida pelo Tribunal Superior.”.
Assim, aquando da prolação do despacho mencionado no ponto 11 dos factos provados não tinha ainda transitado em julgado aquela decisão.
A apelante invoca a violação dos artºs 647º, nº 3, alínea b), e 676º, e 628º, todos do CPC.. Para o efeito alegou que o recurso de revista, no caso, tem efeito devolutivo, o que significa que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que absolveu a apelante do pedido e não decretou a resolução do contrato de arrendamento, “era imediatamente exequível, ou seja, produz efeitos jurídicos imediatos, pelo que não poderia ter sido praticado pelo Tribunal a quo qualquer ato que colocasse em crise tal decisão do Tribunal ad quem, e que, no limite, viesse a esvaziar a mesma de efeito e conteúdo. Ao proferir o despacho de 09/02/2017, bem como a decisão de 07/04/2017, o tribunal violou caso julgado.
Estabelece o art. 621º do C.P.C., que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”.
 “Embora se aceite que a eficácia do caso julgado não se estende aos motivos da decisão, é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”. (Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, págs. 712 e ss).
Dispõe o n.º1 do artigo 580.º do Código de Processo Civil que as exceções de litispendência e de caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção de caso julgado.
Nos termos do n.º2 do citado normativo, as referidas exceções têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.
Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, sendo estes requisitos cumulativos (cfr. artigo 581º, n.º1, do C.P.C.).
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (cfr. n.º2).
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (cfr. n.º3).
Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (cfr. n.º4).
Como ensina Manuel de Andrade (in Noções Elementares de Processo Civil, edição 1979, pág.320), “o que a lei quer significar é que uma sentença pode servir como fundamento da exceção de caso julgado quando o objeto da nova ação, coincidindo no todo ou em parte com o da anterior, já está total ou parcialmente definido pela mesma sentença; quando o autor pretenda valer-se na nova ação do mesmo direito (...) que já lhe foi negado por sentença emitida noutro processo – identificado esse direito não só através da sua causa ou fonte.”
“Quanto à eficácia do caso julgado material, importa distinguir duas vertentes:
a) – uma função negativa, reconduzida à exceção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em ação futura;
b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou noutros tribunais.
A exceção de caso julgado requer a verificação da tríplice identidade estabelecida no artigo 581.º do CPC: a identidade de sujeitos, a identidade de pedido a identidade de causa de pedir.
Já a autoridade de caso julgado, segundo doutrina e jurisprudência hoje dominantes, não requer aquela tríplice identidade, podendo estender-se a outros casos, designadamente quanto a questões que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado.
A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação ulterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.” (Ac. STJ de 30-03-2017, in www.dgsi.pt)
Revertendo ao caso dos autos.
Se não há dúvidas quanto à identidade de sujeitos, uma vez que AA. e R. assumem a parte ativa e passiva quer no procedimento especial de despejo como no incidente de despejo imediato, já o mesmo não sucede no que respeita à identidade de causa de pedir, uma vez que no primeiro o pedido se funda na falta de pagamento de rendas antes da instauração do procedimento especial e no segundo na falta de pagamento de rendas na pendência daquele. Quanto à identidade de pedido, no primeiro pede-se, além do mais, a resolução do contrato de arrendamento e a desocupação do locado, no segundo o despejo imediato do locado (e nesta parte há identidade).
Sendo os requisitos cumulativos impõe-se concluir pela não verificação de caso julgado.
Não obstante o incidente de despejo imediato apenas se poder iniciar na pendência de uma ação de despejo (ou procedimento especial de despejo), constituem meios processuais distintos, na medida em que, como sobredito, têm causas de pedir diferentes e tramitação autónoma, podendo culminar com decisões diferentes, que apenas na aparência são antagónicas, contraditórias, como no caso dos autos. Isto é, ainda que a decisão no procedimento especial de despejo seja de improcedência não tem a virtualidade de extinguir a instância incidental, que se destina exclusivamente a apreciar a questão do depósito ou pagamento das rendas vencidas na pendência daquela(e) e respetiva indemnização.
Em suma, quando, em 15/11/2016, os apelados se socorreram do meio processual regulado no artº 14º do NRAU encontravam-se vencidas e por pagar as rendas referentes aos meses de julho a dezembro de 2016 (relativas, respetivamente, aos meses de junho a novembro de 2016) e o procedimento especial de despejo encontrava-se pendente, pois o acórdão que revogou a sentença de primeira instância e julgou a ação improcedente ainda não tinha transitado em julgado (mesmo na tese da apelante). Tal como ainda se encontrava pendente aquando da prolação do despacho que determinou a notificação da R., ora apelante, para comprovar nos autos o pagamento ou depósito das rendas vencidas.
Já Aragão Seia, in “Arrendamento Urbano Anotado e Comentado”, Almedina, 2ª edição, p. 267 (em anotação ao artº 58 do RAU aprovado pelo D.L. 321-B/90, de 15 de outubro, que regulava o incidente de despejo imediato), referia:
“Para a aplicação do meio processual consignado neste preceito é irrelevante o facto da sentença proferida na respetiva ação de despejo, julgada improcedente, estar em recurso, com efeito meramente devolutivo (…).
O despejo imediato com base na falta de pagamento ou depósito de rendas vencidas na pendência da ação, constitui um meio processual que, embora tenha a estrutura de uma nova ação declarativa, pressupõe a pendência de uma ação de despejo. Não se conceberia que se iniciasse uma instância declarativa incidental para o decretamento de despejo imediato dentro de uma ação já finda, o que significa que o incidente já não é possível depois de transitada a sentença que decretou o despejo ou em ação executiva.”
A pendência da causa constitui condição para a instauração do incidente, mas não se exige que a decisão do incidente seja proferida na pendência da causa. Em face da tramitação autónoma do incidente e da ação, pode acontecer que a sentença do procedimento especial de despejo transite em julgado antes de decidido o incidente.
Acresce afirmar que é irrelevante o efeito do recurso de revista, que no caso seria devolutivo (artº 676º do C.P.C. a contrario). O efeito devolutivo, por oposição ao efeito suspensivo, apenas significa que a decisão produz efeitos, é exequível, apesar de ainda não ter transitado em julgado. Mas a exequibilidade apenas assumiria pertinência se a decisão tivesse sido no sentido de julgar procedente o procedimento especial de despejo, confirmando a resolução do contrato e a consequente desocupação do locado. Não é este o caso. Na decisão de improcedência não há declaração, reconhecimento ou condenação de qualquer obrigação que se possa executar.
Como ensina Armindo Ribeiro Mendes, in “Recursos em Processo Civil”, p. 178:
“Quanto aos efeitos da interposição do recurso, a nossa lei distingue entre efeito devolutivo (ou meramente devolutivo) e efeito suspensivo.
O efeito devolutivo ou meramente devolutivo consiste na concessão ou atribuição ao tribunal ad quem do poder de conhecer da decisão impugnada, ou seja, de exercer a sua competência de revisão ou de reponderação (…) dir-se-á que o efeito suspensivo em sentido próprio “toma fundamentalmente o aspeto de efeito consistente na paralisação da execução da decisão recorrida (Castro Mendes). Quer dizer, se existir qualquer condenação na decisão impugnada, havendo recurso com efeito suspensivo não é possível instaurar ação executiva com base nessa decisão”
Em conclusão, não ocorreu violação de caso julgado, das regras do duplo grau de jurisdição nem das regras dos efeitos dos recursos.
2 Da falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação
A apelante considera não estarem verificados os pressupostos do despejo imediato, uma vez que defende que a única renda que se encontrava por pagar, em 09/02/2017 (data da prolação do despacho que determinou a sua notificação nos termos do artº 14º do NRAU) era a renda referente ao mês de Janeiro de 2017, dado que as rendas referentes aos meses de Julho a Dezembro de 2016, já tinham sido pagas, na data de 14.12.2016, ou seja, muito antes do despacho de 09.02.2017, pelo que, apenas quanto a essa era devido o pagamento da indemnização correspondente a 50% da mesma.
Importa ter presente o seguinte: a apelante foi notificada para, “no prazo de dez dias, proceder ao pagamento ou depósito das rendas em dívida e vencidas na pendência na ação, acrescidas da indemnização devida, juntando aos autos prova do pagamento ou depósito, com a advertência de que, não o fazendo, o senhorio poderá requerer o despejo imediato”; em cumprimento do ordenado a apelante juntou, em 23/02/2017, além do mais, comprovativo do depósito das rendas relativas aos meses de julho a dezembro de 2016, em singelo; e em 08/03/2017 juntou comprovativo do depósito da indemnização correspondente a 50% das rendas de julho a dezembro de 2016.
Face ao teor da notificação que lhe foi dirigida não restam dúvidas de que a apelante foi notificada para pagar ou depositar rendas vencidas e respetiva indemnização, no prazo de 10 dias. Ainda que tenha procedido ao depósito das rendas devidas (em singelo) em 14/12/2017 (antes do aludido despacho), fê-lo após a dedução do incidente, e uma vez que esse depósito se referia a rendas vencidas na pendência do procedimento, como a mesma acaba por admitir, estava obrigada a efetuar o depósito ou pagamento da indemnização devida pela mora, nos termos do disposto no artº 1041º do C.C., na redação então vigente. Não tem qualquer sustentação a tese da apelante de que apenas tinha que comprovar o pagamento ou depósito da única renda vencida e não paga à data da prolação do despacho (a referente ao mês de janeiro de 2017) e respetiva indemnização. A apelante bem sabia que não tinha pago pontualmente as rendas referentes aos meses de julho a dezembro de 2016, sendo, pois, devida a indemnização. Nem se compreende que tivesse junto comprovativo do depósito das rendas de julho a dezembro de 2016, em face da notificação do despacho de 09/02/2016, se tivesse sido esse o seu entendimento.
Para o caso irreleva que os AA. não tenham exigido a indemnização na missiva que lhe dirigiram.
O depósito da parte restante da indemnização era devido, foi realizado extemporaneamente, pelo que não pode constituir facto impeditivo do decretamento do despejo, uma vez que nos autos não estava em discussão a existência ou exigibilidade do dever de pagar renda.
“Assim, por força do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição, o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação não é automático, sendo o livremente apreciado pelo juiz nos casos em que na ação de despejo persista controvérsia quanto à existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda, seja por que fundamento for (inexistência de contrato de arrendamento válido, não serem autor e/ou réu os verdadeiros locador e/ou locatário, dissídio quanto ao montante da renda ou da sua imediata exigibilidade, invocação de diverso título para justificar a ocupação do local).
Deverá ser decretado o despejo imediato quando os fundamentos de defesa apresentados em nada afetam o cumprimento da obrigação de pagamento de renda e quando mais não sejam que uma forma de protelar o gozo da coisa de forma injustificada e à custa do senhorio.” – Ac. R.L. de 20/12/2018, in www.dgsi.pt.
Não tendo a apelante comprovado nos autos, no prazo de 10 dias a contar da sua notificação, o pagamento ou depósito das rendas vencidas e respetiva indemnização impunha-se o decretamento do despejo imediato.
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante.
Lisboa, 5 de dezembro de 2019
                                        
Teresa Sandiães
Ferreira de Almeida
António Valente