Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
147/23.5JELSB.L1-3
Relator: CRISTINA ISABEL HENRIQUES
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
PERIGO ABSTRACTO
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: O crime de tráfico de estupefacientes, em qualquer das suas modalidades, é um crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que não se exige, para a sua consumação, a existência de um dano real e efectivo. O crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem protegido (a saúde pública, na dupla modalidade física e moral) - neste sentido, ver Ac. STJ de 10/02/1999, processo nº 1381/98 (sumariado em www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bol28crime.html).
A alínea h) do artigo 24º do acima referido decreto-lei agrava o crime pelo facto de o tráfico ocorrer num estabelecimento prisional.
O arguido argumenta que a agravação não é automática e que o facto de a droga apreendida ser em pequena quantidade, ser droga leve e ainda a circunstância de ter sido detectada no controle, deveria dar lugar à não verificação da agravante, sendo, consequentemente o arguido punido por força do artigo 25º do dec. Lei 15/93 de 22.01.
Nos estabelecimentos prisionais o acesso a produtos estupefacientes é incomparavelmente mais limitado do que no exterior, pelo que a quantidade apreendida ao recorrente, que era suficiente para 153 doses individuais, tem que ser vista como representando um risco acrescido, podendo estimular práticas de tráfico interno e aumentar a vulnerabilidade dos reclusos para o consumo, impondo-se, assim, a necessidade de uma resposta penal mais dura, tanto mais que tem a virtualidade de potenciar o tráfico interno, com consequências negativas para a saúde física e psíquica dos reclusos.
Com efeito, a circunstância modificativa agravante em causa não radica na concreta disseminação do produto estupefaciente no interior do estabelecimento prisional, mas sim no risco de tal poder vir a acontecer, comprometendo a reabilitação e ressocialização de quem se encontra recluído.
Diga-se que, efectivamente, a quantidade não é assim tão pequena, sendo certo que introduzir droga num EP é bastante mais difícil que em outros locais e não se espera por isso que as quantidades que ali se inserem sejam de grande monta.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência os Juízes da 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório:
Nos autos de Processo n.º º147/23.5JELSB.L1 foi proferido acórdão no qual foi decidido:
A) Condenar o arguido AA como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelos artigos 21º, nº. 1 e 24º, al. h), do D.L. nº. 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I- C anexa a este diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão, absolvendo-o como reincidente, nos termos dos artigos 75º. nº. 1 e 76º., ambos do Código Penal;
Inconformado, veio o arguido, interpor recurso para este Tribunal, juntando para tanto as motivações que constam dos autos, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas para todos os efeitos legais, concluindo nos seguintes termos, que se transcrevem:
1º - Nos presentes autos foi o arguido AA condenado como co- autor material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelos artigos 21º, n. º1 e 24º, al. h) do DL n.º 15/93 de 22 de Janeiro.
2º - A aplicação da agravação prevista no art.º 24º, al. h), decorreu da fundamentação dos factos provados do acórdão recorrido, que imputa aos arguidos os seguintes factos: “Os arguidos previram e quiseram fazer entrar dentro do Estabelecimento Prisional, deter, entregar e ceder a terceiros que se encontravam recluídos a substância supra descrita, bem sabendo e tendo perfeito conhecimento dos princípios activos, das características químicas e psicotrópicas , natureza e efeitos da substância e produto que detinham na sua posse, que assim comprometiam a reinserção social dos reclusos e que a respectiva aquisição, posse, cedência, detenção e venda, a qualquer título, não lhes estava autorizada e, não obstante, quiseram actuar da forma descrita, propósito que concretizaram”.
3º - Ora, decorre da mesma fundamentação dos factos provados a seguinte factualidade: “… a arguida BB foi visitar o arguido AA, seu filho e, na sequência do plano previamente delineado entre ambos e em conjugação de esforços e intentos, no decurso da visita, no Parlatório, entregou a este um pedaço de canábis que este de imediato escondeu no interior das calças. Tendo sido detectada a entrega e subsequente dissimulação dentro da roupa no sistema CCTV e ordenada revista por Guardas Prisionais, pelas 18h 35 m, na Cela …, o arguido AA tinha na sua posse, no interior do ânus, um pedaço de produto vegetal prensado de cor castanha, com o peso líquido de 27,234 gramas.
O produto estupefaciente supra descrito tinha por substância activa canábis- resina, com 28,1% de THC, quantidade esta suficiente para 153 doses individuais”.
E, mais adiante, na Motivação da Matéria de Facto: “… Do visionamento das imagens recolhidas no local e no momento dos factos, é perfeitamente perceptível a actuação dos arguidos nos termos tidos como provados, e, conjugadas com a apreensão da substância estupefaciente que se encontrava junta do corpo do arguido e que veio a ser apreendida, logo nos momentos imediatamente posteriores à visita no Parlatório, é por demais evidente a sustentação de tal factualidade”.
4º - Deste modo, o estupefaciente nunca deixou de estar na posse do arguido e nunca chegou a estar na disponibilidade dos outros reclusos, de a quem podia chegar a notícia da disponibilidade do estupefaciente e que o podiam comprar ou, até, simplesmente ver consumir
5º - No domínio específico da agravante relativa à prática do facto em estabelecimento prisional, não há lugar a efeito qualificativo automático, antes se impondo uma análise concreta do facto e o seu cotejo com a razão de ser de tal agravante, que reside no desrespeito pelos objectivos de prevenção ínsitos necessariamente no cumprimento das penas e prosseguidos pela instituição prisional. Estes objectivos são inerentes à pessoa dos presos e, assim, há que distinguir os casos em que o produto estupefaciente chega ao seu alcance dos que não chega. A droga foi apanhada no controle, uma realidade contribui para o afastamento da agravante qualificativa.
6º - A factualidade provada em conjunto com a apreciação relativamente à natureza e quantidade do estupefaciente, uma droga leve, que embora o DL n.º 15/93 não adira totalmente à distinção entre drogas leves e duras, não deixa de afirmar, no preâmbulo que “a gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respectivas drogas, afigura- se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade” impõem decisão diversa a recorrida, ou seja, o afastamento da agravante qualificativa do art.º 24º do referido DL.
7º - Fica assim aberto o caminho para ponderar a subsunção no conceito de tráfico de menor gravidade, ínsito no art.º 25º do mencionado DL. Para aqui voltam a relevar as circunstâncias já referidas, ou seja, a não chegada do estupefaciente ao destino onde seriam concretizados os seus efeitos nocivos, a sua natureza e, bem assim, a sua quantidade, que não é o único critério a ter em conta, mas que não deixa de assumir grande importância na vertente comparativa relativamente a outras decisões do S.T.J., a título meramente exemplificativo, a subsunção no regime privilegiado, de casos em que estavam em causa 21,700 gramas de haxixe (Ac. de 24.11.2004, proc. 3239/04 (2), 4 gramas de heroína e 5 de cocaína (Ac. de 23.02.2005, proc. 130/05) e 20 gramas de cocaína (Ac. 13.04.2005, proc. 459/05).
8º - O que expressamente resulta daquele art.º 25º, nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias de acção, a qualidade ou a quantidade das sustâncias, ponderados com outros factores como um caso isolado, isento de qualquer organização e sem qualquer apoio logístico, leva a que a ilicitude do facto se mostre consideravelmente diminuída.
Ora tendo em conta esta quantidade e as demais circunstâncias qua se referiram, e, mesmo considerando como agravante, de caracter geral, a ousadia relativamente ao estabelecimento prisional, estamos perante um quadro de ilicitude consideravelmente diminuída, a subsumir ao tráfico de menor gravidade, ínsito no art.º 25º do DL nº 15/93 de 22 de Janeiro.
9º - Em conformidade com o acima elencado, deve a decisão sobre a matéria ser expurgada da agravação do art.º 24º, por não se verificarem os pressupostos de tal agravação.
10º- E em consequência, bem como atendendo aos motivos de direito supra indicados, teve a decisão recorrida ser substituída por outra que condene o arguido pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade p. p. pelo art.º 25º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, em pena inferior à aplicada pelo acórdão recorrido, ou, caso assim não se entenda, por hipótese académica, sempre deveria ser diminuída a pena de prisão aplicada, para o limite mínimo previsto para o tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes, art.º 21 do DL 15/93 de 22.01.
***
Respondeu o MP, pugnando pela manutenção da decisão, concluindo nos seguintes termos:
1.Defende o recorrente que a sua concreta actuação não se enquadra no especial perigo abstracto que o legislador pretendeu tutelar com a incriminação que resulta da conjugação dos artigos 21º e 24º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, uma vez que o produto estupefaciente em causa foi apreendido antes de ter sido disseminado no interior do estabelecimento prisional pelos demais reclusos, tratando-se de uma droga leve (canábis-resina) e em pequena quantidade.
2. Encontrando-se, assim, afastada a circunstância modificativa agravante prevista na alínea h) do art.º 24º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, o que permitiria a condenação do recorrente nos termos do art.º 25º do mesmo diploma legal por estarmos perante um quadro de ilicitude consideravelmente diminuída.
3. Salvo o devido respeito, consideramos que não assiste qualquer razão ao recorrente.
4. Com efeito, atentos os factos dados como provados, desde logo a quantidade de produto estupefaciente apreendida ao arguido no interior do estabelecimento prisional - 27, 342 gramas de Canábis - resina, com 28,1% de THC, quantidade esta suficiente para 153 doses individuais – bem andou o Tribunal a quo ao considerar verificada a circunstância modificativa agravante prevista na al. h) do art.º 24º do DL 15/93, de 22 de Janeiro.
5. A quantidade de produto estupefaciente apreendida na posse do recorrente é demonstrativa de que o produto estupefaciente apreendido ao recorrente excede os limites médios de consumo pessoal, existindo o concreto e sério risco de disseminação no ambiente prisional.
6. Contrariamente ao defendido pelo recorrente, não podemos concordar que tal quantidade de produto estupefaciente que lhe foi apreendida constitui uma quantidade diminuta.
7. Na realidade, é preciso atender ao contexto prisional em que o recorrente detinha tal quantidade de produto estupefaciente.
8. Nos estabelecimentos prisionais o acesso a produtos estupefacientes é incomparavelmente mais limitado do que no exterior, pelo que a quantidade apreendida ao recorrente, que era suficiente para 153 doses individuais, reitera-se, tem, necessariamente, que ser vista como representando um risco acrescido, podendo estimular práticas de tráfico interno e aumentar a vulnerabilidade dos reclusos para o consumo, impondo-se, assim, a necessidade de uma resposta penal mais dura, tanto mais que tem a virtualidade de potenciar o tráfico interno, com consequências negativas para a saúde física e psíquica dos reclusos.
9. Acresce que, não colhe o argumento de que a razão de ser da agravante não se encontra verificada pelo facto de ter havido uma apreensão precoce do produto estupefaciente, antes do mesmo ter chegado à posse dos demais reclusos.
10.Com efeito, a circunstância modificativa agravante em causa não radica na concreta disseminação do produto estupefaciente no interior do estabelecimento prisional, mas sim no risco de tal poder vir a acontecer, comprometendo a reabilitação e ressocialização de quem se encontra recluído.
11.De acordo com o entendimento do recorrente, nunca poderia haver condenações pela prática do crime de tráfico de estupefaciente agravado revisto na alínea h), do art.º 24º do DL 15/93, de 22 de Janeiro quando o produto é apreendido logo após a entrega ao recluso na sequência de uma visita, o que manifestamente não foi a intenção do legislador e não é a prática jurisprudencial. 1
2.Face ao exposto, não pode deixar de se considerar que a conduta do recorrente preenche a circunstância modificativa agravante prevista na alínea h), do art.º 24º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, o que afasta, por completo, o quadro de uma ilicitude consideravelmente diminuída defendido pelo recorrente.
13.Pede, ainda, o recorrente a substituição do acórdão recorrido por outro que o condene numa pena menor, próximo do limite mínimo legal.
14.No entendimento do Ministério Público, não assiste, porém, razão ao recorrente.
15.No caso concreto, e em relação ao recorrente, o Tribunal a quo considerou todas as circunstâncias que militam a favor e contra o arguido, designadamente, que o grau de ilicitude dos factos praticados é elevado, atendendo, sobretudo, à quantidade de estupefaciente em causa que lhe foi apreendida no interior do Estabelecimento Prisional e o perigo verificado de disseminação por elevado número de reclusos, sendo que tal perigo não foi alcançado unicamente devido à actuação dos guardas prisionais e não devido a uma actuação voluntária do recorrente.
16.Face ao exposto, parece-nos evidente que ao recorrente não poderia, nem pode, ser aplicada uma pena pelo mínimo legal.
17.A comunidade veria a condenação de um indivíduo, com o passado criminal do recorrente, numa pena de prisão pelo mínimo legal, como uma benevolência incompreensível por parte dos tribunais.
18.Tendo-se por perfeitamente adequada a pena aplicada, não muito distanciada dos limites mínimos da moldura abstracta.
19.Destarte, a decisão recorrida não enferma de qualquer violação aos art.ºs 40º, 70º e 71º, todos do Código Penal, revelando-se, antes, decisão justa, adequada às necessidades de prevenção em causa, suficiente às finalidades da punição e às finalidades de reinserção social do recorrente.
Neste Tribunal o Ilustre Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pela manutenção da decisão.
Foi cumprido o artigo 417º, n.º2 do CPP.
Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se á conferência.
2. Fundamentação:
Cumpre assim apreciar e decidir.
É a seguinte a decisão recorrida (na parte relativa a decisão de facto, enquadramento jurídico e medida da pena):
1. No dia … de … de 2023, de tarde, no estabelecimento Prisional do …, sito no … o arguido AA encontrava-se recluído no Estabelecimento Prisional do …, em cumprimento de pena de prisão.
2. Nestas exactas circunstâncias de tempo e de lugar, pretendendo antecipadamente fazer entrar dentro do interior do Estabelecimento Prisional produto estupefaciente, designadamente canábis, a arguida BB foi visitar o arguido AA, seu filho e, na sequência do plano previamente delineado entre ambos e em conjugação de esforços e de intentos, no decurso da visita, no Parlatório, entregou a este um pedaço de canábis que este de imediato escondeu no interior das calças.
3. Tendo sido detectada a entrega e subsequente dissimulação dentro da roupa no sistema CCTV e ordenada revista por Guardas Prisionais, pelas 18h35m, na Cela … o arguido AA tinha na sua posse, no interior do ânus, um pedaço de produto vegetal prensado de cor castanha, com o peso líquido de 27,234 gramas.
4. O produto estupefaciente supra descrito tinha por substância activa canábis - resina, com 28,1% de THC, quantidade esta suficiente para 153 doses individuais.
5. Este produto estupefaciente apreendido ao arguido AA, e que era da respectiva propriedade e da arguida BB, destinava-se a ser por aquele consumido e cedido a outrem no interior do Estabelecimento Prisional, por um preço superior àquele que a arguida pagou, assim obtendo o respectivo lucro.
6. Os arguidos previram e quiseram fazer entrar dentro do Estabelecimento Prisional, deter, entregar e ceder a terceiros que se encontravam recluídos a substância supra descrita, bem sabendo e tendo perfeito conhecimento dos princípios activos, das características químicas e psicotrópicas, natureza e efeitos da substância e produto que detinham na sua posse, que assim comprometiam a reinserção social dos reclusos e que a respectiva aquisição, posse, cedência, detenção e venda, a qualquer título, não lhes estava autorizada e, não obstante, quiseram actuar da forma supra descrita, propósito que concretizaram.
7. - Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Factos atinentes às condições pessoais dos arguidos:
8. O arguido AA, à data dos factos, encontrava-se preso no Estabelecimento Prisional do …, para onde foi transferido em …/…/2023.
9. O seu percurso prisional naquela altura caracterizava-se pela inactividade e pelo consumo de haxixe. Na sequência dos factos que estiveram na origem dos presentes autos foi punido com 9 dias de cela disciplinar. Posteriormente iniciou a frequência do curso serralharia civil de nível 2, que lhe conferiria a equivalência ao 6.º ano de escolaridade. Todavia, pouco tempo depois do início do mesmo, desistiu, acontecimento que, segundo o próprio, se deveu ao facto de ter sido vítima de represálias por parte de outros reclusos, pelo que optou por ficar confinado à sua cela de habitação.
10. O arguido AA encontra-se afecto ao E. P. de … desde …/…/2024, onde tem procurado manter-se abstinente do consumo de THC, condição pessoal que, no entanto, não está confirmada, dada ausência de testes toxicológicos.
11. O arguido tem beneficiado de visitas semanais da mãe, com quem tenciona residir no futuro. Esta habita numa casa cedida por um familiar, situada em …. A situação económica da mãe é de precariedade, devido ao facto de estar desempregada. A sua sustentabilidade tem sido assegurada com trabalhos pontuais de … e com a prestação social do rendimento social de inserção no montante de 237,00 €.
12. O arguido não dispõe de qualquer perspectiva de empregabilidade, caso seja libertado. O seu trajecto laboral caracterizou-se por trabalhos pontuais como …, sendo que o seu projecto pessoal consiste em frequentar um curso de …, ministrado pelo centro de emprego, por ser área da sua preferência, contudo, sem estratégias para o alcance desse objectivo.
13. O percurso prisional de AA no actual estabelecimento prisional tem-se caracterizado pelo cumprimento de normas, mas continua inactivo. Apesar do comportamento isento de incidentes disciplinares, a pendência do presente processo inviabilizou a concessão de licenças de saídas jurisdicionais.
14. A arguida BB é oriunda de um agregado familiar organizado segundo um modelo convencional, formado pelos pais e três filhos. O pai, já falecido, trabalhava como … e a mãe, também falecida, trabalhava como …. Do ambiente familiar de origem, ao longo do tempo, não existe referência a problemática relevante com interferência directa no processo de socialização da arguida, sendo o mesmo descrito como funcional do ponto de vista material e afectivo, embora caracterizado por escassos recursos económicos.
15. A arguida iniciou a escolaridade em idade adequada e concluiu a então 4ª classe, após a qual abandonou a escola por falta de interesse e motivação para se dedicar a …. Entretanto, casou com dezoito anos, de cuja relação existe um filho com cerca de quarenta anos, com o qual não mantém qualquer tipo de relacionamento. A arguida divorciou-se ao fim de cinco anos, permanecendo sobretudo a residir com a mãe. Posteriormente, a arguida manteve uma relação temporária com um companheiro, por período de dois meses, da qual existe outro filho, o aqui arguido AA, com quem o pai nunca terá estabelecido qualquer relação afectiva ou material.
16. Em termos laborais e ocupacionais, a arguida BB desempenhou essencialmente …, sobretudo em casas particulares. Regista ainda dois trabalhos fora desta esfera laboral, designadamente numa casa de comercialização de …, por período de cinco anos, e numa …, durante três anos. Deste modo, não regista períodos significativos de inactividade laboral, conseguindo ao longo do tempo auferir rendimentos regulares capazes de assegurarem as suas despesas correntes.
17. A arguida reside na morada constante dos autos desde … de 2024, tratando-se de uma habitação pertença de um familiar, onde coabita com o filho, AA 1
18. Em termos laborais, BB mantém-se a trabalhar como … em casas particulares da zona de …, em regime informal, auferindo 450,00 € mensais. Recorreu ao apoio dos serviços de segurança social, por intermédio da atribuição do rendimento social de inserção, beneficiando de uma prestação no valor de 237, 25 € mensais. Encontra- se inscrita no Centro de Emprego e Formação profissional de …, desde 12/08/2021. Antecedentes criminais dos arguidos
19. O arguido AA foi condenado nos seguintes processos: - No processo nº 38/16.6GAMGL do Juízo de Mangualde, foi condenado por sentença transitada em julgado em 27/01/2020, pela prática em …/2016, de um crime de burla, na pena de 130 dias de multa, à razão diária de € 5,00, a qual viria a ser convertida em 86 dias de prisão subsidiária; - No processo nº 478/19.9GBMFR, do Juízo Local Criminal de Mafra, foi condenado, por decisão transitada em julgado em 05/05/2021, pela prática em …/2019, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 - No processo nº 61/19.9 GBLSB, do Juízo Local Criminal de Mafra, foi condenado, por decisão transitada em julgado em 090/05/2022, pela prática em …/2019, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 5,00; - No processo nº 132/19.1GELSB, do Juízo Local Criminal de Sintra, foi condenado, por decisão transitada em julgado em 05/05/2021, pela prática em …/2018, de um crime de condução sem habilitação legal, de um crime de falsificação de documento e de 7 contra-ordenações rodoviárias, na pena única de 230 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos rodoviários pelo período de 1 ano e 10 dias; - No processo nº 1752/19.0 GLSNT, do Juízo Local Criminal de Sintra, foi condenado, por decisão transitada em julgado em 17/11/2021, pela prática em …/2019, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00; - No processo nº 1537/20.0 GLSNT, do Juízo Central Criminal de Sintra, foi condenado, por decisão transitada em julgado em 02/06/2022, pela prática em 2020, de um crime de furto, um crime de condução sem habilitação legal, um crime de burla, um crime de burla informática e nas comunicações, um crime de falsificação de documento e um crime de furto qualificado, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão - No processo nº 530/20.8 GLSNT, do Juízo Local Criminal de Sintra, foi condenado, por decisão transitada em julgado em 24/03/2022, pela prática em …/2020, de um crime de falsificação de documento e um crime de descaminho, na as penas de 450 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 e de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos; - No processo nº 170/20.1 GGSNT, do Juízo Local Criminal de Sintra, foi condenado, por decisão transitada em julgado em 04/04/2022, pela prática em …/2020, de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 220 dias de multa, à taxa diária de € 5,50; - No processo nº 9008/19.1 T9LSB, do Juízo Local Criminal de Lisboa, foi condenado, por decisão transitada em julgado em 17/06/2022, pela prática em …/2019, de um crime de burla, na pena de 5 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano; - No processo nº 7/19.4 GDCSC, do Juízo de Compet. Genérica de Santa Comba Dão, foi condenado, por decisão transitada em julgado em 21/03/2023, pela prática em … de 2019, de um crime de burla, na pena de 1 ano de prisão; - No processo de cúmulo jurídico nº 2698/23.2 T8VIS, do Juízo Central Criminal de Viseu, foi condenado, por decisão transitada em julgado em 09/04/2024, correspondente ao cúmulo jurídico das penas aplicadas nos Processos supra identificados, na pena única de 1 ano e 2 meses de prisão e 400 dias de multa.
(…)
Enquadramento jurídico-penal dos factos provados:
Vêm os arguidos acusados da prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos artºs 21º, nº 1 e 24º al. h), do DL 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C anexa a esse diploma legal.
Antes de mais, importa tecer algumas considerações jurídicas acerca do crime de tráfico de estupefacientes.
Decorre do disposto no artº. 21º nº. 1 do Dec.-Lei nº. 15/93, de 22.01 - diploma legal a que pertencem todos os artigos que se venham a citar seguidamente sem indicação da respectiva proveniência - que comete o crime de tráfico de estupefacientes, punível com pena de prisão de 4 a 12 anos: quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver - fora dos casos previstos no artº. 40º do citado Dec.-Lei nº 15/93 -, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III - anexas ao Dec.-Lei em referência.
Por sua vez, estatui o artº. 25º al. a), que: “Se, nos casos previstos nos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou quantidade daquelas plantas, substâncias ou preparações”, a pena é de prisão de um a cinco anos se se tratar de preparações compreendidas nas tabelas I a III.
É entendimento pacífico que o normativo do artº. 21º «define o tipo fundamental do crime de tráfico de estupefaciente, pelo qual se punem diversas actividades ilícitas, cada uma delas dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime; e no artº. 25º é definido um tipo privilegiado em relação ao tipo fundamental do artº. 21º» (cfr. Ac. do STJ de 08/07/98, in C.J.–Acs. do STJ, Ano VI, t. 2, pág. 244).
O acento tónico do privilegiamento é explicitamente colocado na sensível diminuição do grau de ilicitude do facto, ou seja, no menor desvalor da acção, na sua menor gravidade, portanto, revelada pela valoração em conjunto dos diversos factores, alguns deles enumerados na norma, a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias e preparados (cfr. Ac. STJ de 28/03/96, in CJ, t. I, pág. 240 e ss., e ainda CC, Droga e Direito, 1994, pág. 127).
Para se aquilatar do preenchimento do tipo legal do artº. 25º, haverá que proceder a uma “valorização global do facto”, não devendo o intérprete deixar de sopesar todas e cada uma das circunstâncias a que alude aquele artigo, podendo juntar-lhes outras, «permitindo, desse modo, ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição, em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, fica aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do artº. 21º e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma do artº. 25º (cfr. Acs. do STJ de 01/03/01, in CJ-STJ, 2001, t. 1, pág. 236 e de 7/12/99, proferido no proc. 1005/99, citado no Ac. do STJ de 01/07/04, proc. 3642/03, in internet, www.dgsi.pt/jstj). Como se decidiu em acórdão do STJ de 08/10/98 (in CJ-STJ, Ano 1998, t. 3, pág. 188), o artº. 25º, al. a), do Dec.-Lei nº. 15/93, de 22.01, constitui uma «válvula de segurança do sistema», destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo.
De referir que os crimes previstos nos enunciados artº. 21º, nº 1, 24º e 25º são crimes de perigo abstracto ou presumido, que, como tal «não pressupõem nem o dano nem o perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo para um desses bens jurídicos» (Ac. do T.C., nº 426/91, de 6 de Novembro, in B.M.J. nº 411, págs. 53 e segs.).
Significa isso que a simples detenção de estupefacientes, não se provando que se destina ao consumo exclusivo do agente, é punível como tráfico, visto que traduz um perigo de lesão dos interesses jurídicos que o legislador pretende proteger - maxime a saúde publica -, perigo esse cuja verificação concreta a lei não exige (cf., entre outros, Acs. do S.T.J. de 01/07/04, citado supra e de 18/2/1996 in B.M.J. nº 412, pág. 206).
Importa, por outro lado, referir que para a verificação do crime de tráfico e a condenação de um arguido pela prática de tal ilícito não é necessário que tenha sido apreendido o produto ou que o mesmo tenha sido examinado (cfr. entre outros, Ac. do S.T.J., de 21/10/1992, in BMJ nº. 420, pág. 230 e Ac. da R.L., de 02/11/2000, in CJ, 2000, t. V, pág. 134).
Essencial é que se prove a sua participação em actos que se traduzam em crimes de tráfico, não constituindo aquela apreensão, nos casos em que ocorre, mais do que um elemento probatório que noutros casos pode ser substituído por outros elementos que conduzem à formação da convicção do julgador.
A propósito das circunstâncias agravantes do crime de tráfico previstas no artº. 24º, e que determinam a agravação das penas previstas nos artigos 21.º e 22.º : - na al. h), «a infracção tiver sido cometida em estabelecimento prisional», conforme tem vindo a ser decidido na jurisprudência (cfr. Ac. do STJ, de 14/07/2004 e de 17/02/2004, in Internet, www.dgsi.pt/jstj) a mesma não é de aplicação imediata, sendo necessário para a verificação do crime de tráfico agravado que a ilicitude da conduta se mostre, na sua globalidade, excepcionalmente agravada. De outro modo, se aquela circunstância fosse de aplicação imediata, qualquer conduta de tráfico cometida no interior de um estabelecimento prisional, por mínima que fosse, e que devesse ou pudesse até enquadrar-se no tráfico de menor gravidade (por exemplo, a venda de um cigarro de haxixe na prisão), seria punida com a moldura penal agravada do artigo 24º, o que se afiguraria um resultado excessivo e muito para além dos bens que o legislador pretendeu proteger.
Dir-se-á, assim, que o legislador, ao aludir no citado artigo 24º, do D.L. nº.15/93 a instituições, estabelecimentos e serviços de diversa natureza, designadamente a estabelecimento prisional, não teve em vista a tutela directa desses concretos locais, mas antes a protecção das pessoas que neles vivem ou os frequentam. “A razão de ser da agravação do facto por efeito da conduta integrante haver tido lugar em estabelecimento prisional reside na perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e no grave transtorno da ordem e organização das cadeias que o tráfico comporta.
Os estabelecimentos prisionais face aos inevitáveis problemas e questões que a clausura gera, estados de depressão e inactividade dos reclusos, concentração e massificação das pessoas, conflitos pessoais, carências afectivas, sentimentos de frustração, perda da auto-estima, são particularmente propícios ao consumo de estupefacientes e, consequentemente, constituem um dos alvos prioritários dos traficantes.
Como se consignou no acórdão deste Supremo Tribunal de 07.05.02, proferido no Recurso n.º 1013/07, uma leitura atenta da alínea h) do artigo 24º do D.L. 15/93, revela que os estabelecimentos prisionais aparecem ali a par de outros lugares, todos eles frequentados por segmentos de população relativamente aos quais o Estado sente um acrescido dever de providenciar no sentido de evitar o consumo, a circulação ou disseminação de estupefacientes, sendo claramente em função das pessoas (“vítimas”), e não dos territórios, que é feita a agravação.
A preocupação do legislador é evitar a circulação de estupefacientes em locais como aqueles, frequentados por pessoas em situação de especial fragilidade, por serem (ex) dependentes de estupefacientes em tratamento ou recuperação, por se tratar de pessoas marginalizadas, por serem militares, relativamente aos quais se exige uma especial preparação física e uma particular disciplina, ou por serem jovens e assim haver necessidade de evitar a iniciação e a disseminação de drogas entre eles.
E também os reclusos são naturalmente entendidos como população merecedora de uma disciplina específica, tendo em conta o elevado número de consumidores e mesmo toxicodependentes encarcerados e a necessidade de políticas especiais para combater o fenómeno nas prisões” (cfr. Ac. do S,T.J. de 07/07/2009, Proc. nº. 2/07.2PEPDL.S1, in Internet, www.dgsi.pt/jstj) Sendo essa a razão de ser daquela agravante modificativa - e não o desrespeito pela autoridade do Estado -, só deverá a mesma funcionar perante comportamentos através dos quais se haja processado a difusão de substâncias estupefacientes pelos estabelecimentos prisionais ou, pelo menos, face a condutas potenciadoras desse perigo Vêm os arguidos acusados em co-autoria material.
O artigo 26º do Código Penal estatui que é punível como co-autor do crime, para além do mais, quem tomar parte directa na execução, por acordo um juntamente com outro ou outros. São, assim, dois os requisitos da co-autoria: 1º - A existência de acordo, com outro ou outros, para a realização conjunta do facto, podendo tal acordo ser expresso ou tácito (neste último caso, podendo manifestar-se através de qualquer comportamento concludente), exigindo, todavia, sempre uma consciência de colaboração que terá de assumir carácter bilateral: 2º - Que haja participação directa na execução do facto juntamente com outro ou outros; um exercício conjunto do domínio do facto típico, uma contribuição objectiva para a realização do mesmo, que tem a ver com a causalidade, ou seja, o agente tem de deter o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.
Existe ainda co-autoria na situação em que embora não tenha havido acordo prévio expresso, as circunstâncias em que os arguidos actuaram indiciam um acordo tácito, assente nas regras da experiência comum e vontade de colaboração, aferidas à luz dessas regras.
E como vem sendo entendimento uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, para incorrer na co-autoria, não é necessário que cada um dos agentes execute ou intervenha em todos os actos ou tarefas tendentes a alcançar o resultado final, basta que a actuação de cada um, embora parcial, se integre no todo e conduza à produção daquele resultado (neste sentido, cfr. Acs. do S.T.J., de 22/02/1995, de 08/07/2003, in, respectivamente, C.J. – S.T.J., 1995, t. 1, pág. 221, e internet, in www.dgsi.pt/jstj.
Nesta medida, é co-autor aquele cujo contributo representa um requisito indispensável para a realização do resultado pretendido, na medida em que tendo assumido a incumbência de vir a desempenhar na fase executiva uma função essencial, ele tem o poder de impedir, através da omissão do seu contributo, que o plano comum se realize. O agente não tem o domínio positivo do facto global (tendo-o apenas relativamente à parte que ele mesmo realiza), mas sim um domínio negativo: o poder de evitar, paralisar, a realização do plano comum (cfr. Conceição Valdágua, in “Início da Tentativa do Co-autor”, 1993, p. 146 a 148).
Assim, não é imprescindível que o co-autor realize todos os elementos do tipo legal de crime, bastando que a sua participação seja decisiva para a produção do facto na sua totalidade, enquadrando-se a sua parcela de actividade na dos restantes co-autores de modo a, e conforme combinado entre eles, se chegar à realização do facto típico Neste contexto jurídico e vindo provado que a arguida BB levou para o interior do Estabelecimento Prisional de …, uma embalagem de canábis resina, com o peso de 27,234 gramas, um grau de pureza de 28,1%, correspondente a 153 doses individuais, que entregou ao arguido AA, recluso naquele Estabelecimento Prisional e que as destinava a ceder a terceiros, actuando ambos os arguidos em conjugação de esforços e de intentos e mediante a concretização de um plano previamente delineado entre ambos, e conhecendo os arguidos a natureza e características de tal produto e sabendo que o seu transporte e detenção, compra, venda ou guarda eram proibidos e punidos por lei, agindo de modo deliberado, livre e consciente, conhecendo a ilicitude das suas condutas, e não se coibindo das mesmas, apesar do arguido AA se encontrar recluso e de ambos os arguidos saberem ser tais condutas particularmente censuradas em tais circunstâncias, tendo actuado com o intuito do arguido AA entregar tais substâncias no interior do E.P. e que as mesmas eram destinadas à cedência a outros reclusos, dúvidas não restam de que este quadro factual permite configurar a existência de difusão ou perigo de difusão da droga pelos reclusos do Estabelecimento Prisional de ….
Esta situação, pela quantidade do estupefaciente, susceptível de ser disseminada por uma pluralidade significativa de reclusos, é indubitavelmente subsumível na al. h) do art. 24º do D.L. nº 15/93 Impõe-se, assim, condenar os arguidos, pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, al. h), do Dec.- Lei nº. 15/93.
DA MEDIDA DA PENA
Importa, neste momento, proceder à determinação da medida da pena dentro da moldura abstracta cominada para este ilícito. O crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21º, nº. 1 e 24º, ambos do D.L. nº. 15/93, é abstractamente punível com pena de prisão de 5 anos a 15 anos. Importa agora determinar a medida concreta da pena a aplicar a cada um dos arguidos, pena essa que é limitada pela sua culpa revelada nos factos (cfr. art. 40º, n.º 2 do C.P.), e terá de se mostrar adequada a assegurar exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artºs. 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1, ambos do C.P., havendo que ponderar na determinação daquela medida, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra os arguidos, nomeadamente, as enumeradas no citado artº. 71º, nº 2 do Código Penal. Assim, há que ponderar: O grau de ilicitude dos factos, que se nos afigura elevado (obviamente com referência ao tipo de crime que respectivamente perpetraram), em relação a ambos os arguidos, tendo em conta, designadamente a quantidade de estupefacientes que introduziram no interior do Estabelecimento Prisional. As consequências do ilícito assumem igualmente especial e acentuada gravidade, dado que os arguidos contribuem decisivamente para que sejam causadas à sociedade a que se destina o estupefaciente e, em particular, aos reclusos em Estabelecimento Prisional, relevantes problemas de saúde que, com a facilidade com que é conseguida a disseminação de um produto tão nocivo como é a droga no interior do Estabelecimento Prisional, as consequências daí advenientes são muito gravosas por contenderem com a estabilidade comportamental dos reclusos e com a saúde de todos os que ali se encontram recluídos. Impõe-se, porém, relevar que as consequências danosas do ilícito criminal em causa, não foram alcançadas, se bem que não por qualquer acto voluntário dos arguidos, mas por força da intervenção dos guardas prisionais que procederam à intercepção do recluso AA no fim da visita da arguida BB e à posterior apreensão do estupefaciente, impedindo assim que aquele produto viesse a ser consumido dentro do estabelecimento prisional. É certo ainda que a substância estupefaciente apreendida era canábis-resina, e que a lei não estabelece qualquer conceito ou distinção entre drogas duras e drogas leves e atentas as tabelas anexas ao Dec. Lei nº 15/93, não se vislumbra sequer onde se poderá fundar qualquer putativa ligeireza da cannabis (resina), já que todas as substâncias elencadas nas Tabelas I a III se mostram incluídas no nº. 1 do artº 21 desse diploma, sendo os comportamentos de detenção, venda, transporte, etc., de qualquer uma delas, sujeitos, englobados e punidos por idêntica moldura penal. Ainda assim, pese embora a capacidade de disseminação por significativo número de reclusos, e as elevadas necessidades de prevenção geral e especial, certo é que estão em causa 27,234 gramas de canábis-resina. O dolo dos arguidos, que reveste, em qualquer dos casos, a forma de dolo directo, particularmente acentuado em relação a ambos os arguidos. As condições pessoais e a situação económica dos arguidos que resultaram provadas e que aqui se dão por reproduzidas. A favor da arguida BB milita a circunstância da mesma se encontrar socialmente inserida e possuir hábitos de trabalho. Contra o arguido AA depõem os seus antecedentes criminais, sendo já vasto o seu passado criminal, pese embora não registe qualquer condenação pela prática de crime de igual natureza. Há que ponderar, ainda, as exigências de prevenção geral e especial, sendo indubitavelmente elevadas as necessidades de prevenção geral, numa sociedade em que se assiste a um constante aumento do tráfico e consumo de estupefacientes, com todas as consequências e sequelas graves daí decorrentes, designadamente ao nível da saúde pública e do aumento da criminalidade e, em particular, atentos os elevados índices de criminalidade desta natureza que se vêm verificando nesta Comarca, que concentra geograficamente vários E.P. e a acentuada ilicitude da acção que constitui a predisposição para transportar e introduzir estupefacientes num meio em que se pretende sobretudo obter a ressocialização e a recuperação de delinquentes. São medianas as necessidades de prevenção especial em relação à arguida BB, tendo em consideração que a mesma, pese embora já registe antecedentes criminais, os mesmos reportam-se a ilícitos de diversa natureza, aparentando ter mantido uma atitude pró-social. Quanto ao arguido AA são elevadas as necessidades de prevenção especial, atento o seu comportamento delituoso anterior aos factos, tendo o mesmo já sido condenado em penas de prisão e a circunstância de se encontrar, à data da prática dos factos, em cumprimento das mesmas, não tendo esse facto tido o efeito inibidor que era expectável que tivesse, para se abster de praticar os actos aqui em apreço. Tudo visto e ponderado, consideram-se adequadas a aplicar: . Ao arguido AA, a pena de 6 (seis) anos de prisão; . À arguida BB, a pena de 5 (cinco) anos de prisão. Da reincidência do arguido AA O Ministério Público peticiona a condenação do arguido AA como reincidente. Vejamos se estão reunidos os respectivos pressupostos legais. Dispõe o artº. 75º, nº. 1, do Cód. Penal: “É punido como reincidente quem (...), cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime”. E estatui o nº. 2 da mesma disposição legal que: “O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido (...) pena (...) privativa da liberdade”. Constituem, assim, pressupostos da reincidência: 1º - A prática pelo agente de crime doloso que deva ser punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses; 2º - Ter o mesmo agente sido anteriormente condenado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por crime doloso cometido há menos de 5 anos (descontado o tempo de prisão efectiva); 3º - Não haver a condenação anterior sofrida pelo agente servido de suficiente prevenção para o mesmo não continuar a delinquir. Conforme vem sendo entendimento pacífico a condenação em reincidência não é automática, uma vez verificada a condenação ou condenações anteriores, exigindo-se, para além destas, a demonstração de factualidade concreta que permita estabelecer uma relação entre a falta de efeito da condenação anterior e a prática de novo crime. Logo, “cabe ao juiz determinar se perante as circunstâncias do caso a ou as condenações anteriores, não constituíram advertência contra o crime. E, assim, se o agente deve ser censurado pela circunstância de a ou as condenações anteriores não terem constituído advertência suficiente contra o crime ou se antes o segundo crime pode não indicar desrespeito por essa ou essas condenações, ficando, porventura a dever-se a circunstâncias meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas.” (cfr. ac. do STJ de 15.12.98, in CJ-STJ, 1998, t. 3, pág. 243). No caso dos autos, relativamente à reincidência por cuja condenação pugna o Ministério Público quanto ao arguido, desde já se adianta que a mesma improcede. Na verdade, nada é mencionado na acusação – com isso faltando factualidade objectiva e subjectiva que justifique a opção por esse instituto nesta circunstância concreta -, sobre os processos e os factos pelos quais o arguido foi condenado anteriormente e que fundamentem a pretensão na condenação como reincidente Ora, não pode ser a simples circunstância de haver condenações anteriores ou plurais que determina a punição como reincidente. Em face do exposto, conclui-se, sem necessidade de maiores considerações, que não estão preenchidos os pressupostos substanciais da reincidência. Pelo exposto, entende este Tribunal que o arguido não pode ser punido como reincidente.
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Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
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Atentas as conclusões do recurso, podemos delimitar o seu objeto à apreciação duas questões, a saber:
A. Se o arguido deve ser punido por um crime de tráfico agravado, por força da alínea h) do artigo 24º do dec. Lei 15/93 de 22.01 ou se o deve ser pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. no artigo 25º do mesmo diploma legal;
B. Se deve ser diminuída a pena aplicada;
Vejamos então.
A) Se o arguido deve ser punido por um crime de tráfico agravado, por força da alínea h) do artigo 24º do dec. Lei 15/93 de 22.01 ou se o deve ser pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p.p. no artigo 25º do mesmo diploma legal;
Prescreve o artigo 21º, nº 1 daquele diploma legal:
“Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
Assim, para que se mostre preenchido este tipo legal, basta que o agente, sem para tal estar habilitado, compre, transporte ou detenha um produto estupefaciente (constante das tabelas I a III anexas a tal diploma).
O crime de tráfico de estupefacientes, em qualquer das suas modalidades, é um crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que não se exige, para a sua consumação, a existência de um dano real e efectivo. O crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem protegido (a saúde pública, na dupla modalidade física e moral) - neste sentido, ver Ac. STJ de 10/02/1999, processo nº 1381/98 (sumariado em www.cidadevirtual.pt/stj/jurisp/bol28crime.html).
A alínea h) do artigo 24º do acima referido decreto-lei agrava o crime pelo facto de o tráfico ocorrer num estabelecimento prisional.
O arguido argumenta que a agravação não é automática e que o facto de a droga apreendida ser em pequena quantidade, ser droga leve e ainda a circunstância de ter sido detectada no controle, deveria dar lugar à não verificação da agravante, sendo, consequentemente o arguido punido por força do artigo 25º do dec. Lei 15/93 de 22.01.
Conforme avisadamente salienta o MP, nos estabelecimentos prisionais o acesso a produtos estupefacientes é incomparavelmente mais limitado do que no exterior, pelo que a quantidade apreendida ao recorrente, que era suficiente para 153 doses individuais, tem que ser vista como representando um risco acrescido, podendo estimular práticas de tráfico interno e aumentar a vulnerabilidade dos reclusos para o consumo, impondo-se, assim, a necessidade de uma resposta penal mais dura, tanto mais que tem a virtualidade de potenciar o tráfico interno, com consequências negativas para a saúde física e psíquica dos reclusos.
Com efeito, a circunstância modificativa agravante em causa não radica na concreta disseminação do produto estupefaciente no interior do estabelecimento prisional, mas sim no risco de tal poder vir a acontecer, comprometendo a reabilitação e ressocialização de quem se encontra recluído.
Diga-se que, efectivamente, a quantidade não é assim tão pequena, sendo certo que introduzir droga num EP é bastante mais difícil que em outros locais e não se espera por isso que as quantidades que ali se inserem sejam de grande monta.
É que se o raciocínio do arguido estivesse correcto nunca haveria tráfico agravado quando os arguidos fossem detectados no controle.
O acórdão do STJ de 09.12.21, no âmbito do processo n.º 774/19.5JAPDL.L1, descreve uma situação bastante semelhante e é bastante elucidativo quanto à falta de razão que assiste ao arguido.
Ali se diz o seguinte:
- O art. 21.º do DL n.º 15/93, de 22-01 contém a descrição típica do crime de tráfico de estupefacientes, o qual abrange uma actividade típica ampla e diversificada, que começa desde logo com a fase inicial do cultivo, da produção, do fabrico, da extracção ou da preparação dos produtos e/ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a sua incriminação. II - O art. 24.º, n.º 1, al. h), do DL n.º 15/93, de 22-01, confere particular gravidade ao crime de tráfico de substâncias estupefaciente quando o mesmo é cometido em estabelecimento prisional, tipificando-se assim uma situação de facto que objectivamente potencia a perigosidade da acção e que é desligada do seu resultado, agravando num quarto os limites mínimo e máximo da pena prevista no art. 21.º. III - Não pode considerar-se que seja baixo o desvalor da conduta do arguido ao pretender recolher e transportar o produto estupefaciente para o interior do EP, mesmo que essa quantidade seja diminuta, uma vez que o EP é um local fortemente vigiado neste domínio, não sendo expectável que aí sejam introduzidas e apreendidas grandes quantidades de estupefaciente, como sucede fora do ambiente prisional, devendo a quantidade de estupefaciente apreendida ser apreciada no contexto da exiguidade do meio e na tensão da permanente vigilância, não sendo por isso comparável, no mesmo plano de risco e de abrangência de consumidores, à detenção para venda de cerca de 36,617 gramas/159 doses diárias, fora daquele local. IV - Não pode também relevar o tipo de meio utilizado (droga colocada num peúgo que foi atirado para o jardim do EP), uma vez que os factos ocorreram em meio carcerário cujas características próprias e específicas nunca poderiam ser objecto de procedimentos sofisticados, como também não pode relevar a invocada incerteza do destino da droga uma vez que ficou assente que esta se destinava a ser distribuída a outros reclusos, não relevando para a previsão do crime de tráfico de estupefacientes privilegiado, se a droga iria ou não ser entregue a outro, ou se se destinaria a ser vendida a reclusos consumidores, ou se o arguido terá feito alguma combinação nesse sentido com outro ou com outros indivíduos cujas identidades não foi possível apurar. V - Não pode também relevar o facto de se tratar de uma droga leve que poderá não ter um efeito tão viciante e prejudicial para a saúde da população prisional, uma vez que tal não pode sobrepor-se ao facto de se estar perante uma situação de tráfico de estupefaciente em estabelecimento prisional, e que é agravada com esse fundamento, pretendendo-se punir com maior gravidade quem põe em causa a saúde e a reinserção social da população prisional, cuja especial fragilidade para se autodeterminar relativamente ao consumo de estupefacientes, constitui um alvo fácil, em ambiente fechado, para a oferta, a aquisição, a guarda, e o consumo de estupefacientes. VI - Todo este circunstancialismo não pode determinar uma diminuição da ilicitude da conduta do arguido que justifique a subsunção dos factos ao tipo do art. 25.º do DL n.º 15/93, dada a inexistência de elementos que fundamentem a formulação de um juízo positivo sobre a ilicitude global do facto, de forma a concluir-se por uma menor dimensão e expressão do ilícito, ou seja, por um menor desvalor da sua acção. VII - As necessidades de prevenção geral que o crime de tráfico de estupefaciente agravado pelo qual o arguido foi condenado demandam (a quantidade e a qualidade do estupefaciente traficado no estabelecimento), e também as fortes necessidades de prevenção especial que se verificam (face aos antecedentes criminais, à natureza das penas já aplicadas ao arguido e ao seu percurso vivencial), impossibilitam lançar mão do instituto da atenuação especial da pena do art. 72.º do CP.
A circunstância do crime de tráfico de menor gravidade não remeter para o crime agravado do artigo 24º leva a crer que, estando perante um crime agravado, o mesmo não poderá ser simultaneamente de menor gravidade.
Tendo em conta a matéria de facto dada como provada, temos por certo que o arguido cometeu, em co-autoria, um crime p.p. no artigo 21º e 24º, alínea h) do dec. Lei 15/93 de 22.01, com referência à tabela I-C e que falecem os argumentos do arguido.
B. A medida da pena
Ora, a medida da pena fixada pelo Tribunal recorrido e os poderes deste Tribunal de Recurso para a apreciar, têm que ser compreendidos dentro de alguns limites consubstanciados no princípio da mínima intervenção.
Significa isto que, sendo a determinação e fixação de uma pena apreciada dentro dos limites da moldura penal estatuída pela norma violada, a sua graduação concreta envolve para o juiz, uma certa margem de liberdade individual , não podendo, no entanto, esquecer-se que ela é, e nem podia deixar de o ser, estruturalmente, aplicação do direito , devendo ter-se em apreço a culpabilidade do agente e os efeitos da pena sobre a sociedade e na vida do delinquente, por força do que dispõe o art.º 40.º n.º 1 , do CP.
Na verdade, o Tribunal de recurso deverá sindicar o quantum da pena, e a sua natureza, tendo em atenção os critérios de determinação utilizados pelo Tribunal recorrido, e a fundamentação de todo o processo cognitivo que foi seguido, intervindo, no sentido da alteração se se revelarem falhas que possam influenciar essa mesma determinação ou se a mesma se revelar manifestamente desproporcionada.
Na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal deverá ter em atenção as funções de prevenção geral e especial das penas sem, contudo, perder de vista a culpa do agente (artigo 71º, nº 1 do Código Penal).
A medida da pena deverá constituir resposta às exigências de prevenção, tendo em conta na sua determinação certos fatores que, não fazendo parte do tipo legal de crime, tenham relevância para aquele efeito, estejam esses fatores previstos ou não na lei e sejam eles favoráveis ou desfavoráveis ao agente (artigo 71º, nº 2 do Código Penal).
Com efeito, hoje em dia, predominam as teorias relativas, as quais perspetivam as penas não como um fim em si mesmo (de retribuição ao agente do mal do crime – teorias absolutas), mas como um meio de prevenção criminal – prevenção geral positiva (de tutela da confiança na validade das normas, ligada à proteção de bens jurídicos, visando a restauração da paz jurídica) e de prevenção especial positiva de inserção ou reinserção social do agente, (Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, tomo I, 2ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 49 a 57).
São as considerações de prevenção geral que justificam que se fale de uma moldura da pena, cujo limite máximo corresponderá ao ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, a pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas.
O limite mínimo da moldura corresponderá ao mínimo da pena que, em concreto, ainda protege com eficácia os bens jurídicos tutelados, o mínimo imprescindível a assegurar as expectativas de proteção da comunidade. A culpa funcionará como pressuposto e limite máximo inultrapassável da medida da pena, nos termos do disposto no artigo 40º, nº 2 do Código Penal – é o Princípio da Culpa, fundado nas exigências irrenunciáveis de respeito pela dignidade da pessoa humana (artigos 1º e 25º da Constituição).
Para além disso, a pena, na sua execução, deverá sempre ter um carácter socializador e pedagógico (artigo 40º, 1, in fine do Código Penal).
Retomando o caso dos autos, podemos verificar, face à fundamentação da escolha e fixação das penas concretas aplicadas ao recorrente por parte do Tribunal recorrido, e que acima já transcrevemos, que foram devidamente ponderados os princípios que deverão presidir a essa decisão.
O crime de tráfico agravado, p. e p. pelos artigos 21º, nº. 1 e 24º, ambos do D.L. nº. 15/93, é abstractamente punível com pena de prisão de 5 anos a 15 anos.
O arguido foi condenado na pena de seis anos de prisão.
Na verdade, revela a fundamentação do acórdão dado a recurso, que foram ponderadas as necessidades de prevenção geral e especial, que se dizem ambas elevadas, o dolo directo, o grau de ilicitude dos factos, e as consequências danosas do ilícito criminal em causa, que não foram alcançadas, se bem que não por qualquer acto voluntário dos arguidos, mas por força da intervenção dos guardas prisionais que procederam à intercepção do recluso AA no fim da visita da arguida BB.
Contra o arguido AA depõem os seus antecedentes criminais, sendo já vasto o seu passado criminal, pese embora não registe qualquer condenação pela prática de crime de igual natureza. Há que ponderar, ainda, as exigências de prevenção geral e especial, sendo indubitavelmente elevadas as necessidades de prevenção geral, numa sociedade em que se assiste a um constante aumento do tráfico e consumo de estupefacientes, com todas as consequências e sequelas graves daí decorrentes, designadamente ao nível da saúde pública e do aumento da criminalidade e, em particular, atentos os elevados índices de criminalidade desta natureza que se vêm verificando nesta Comarca, que concentra geograficamente vários E.P. e a acentuada ilicitude da acção que constitui a predisposição para transportar e introduzir estupefacientes num meio em que se pretende sobretudo obter a ressocialização e a recuperação de delinquentes. Quanto ao arguido AA são elevadas as necessidades de prevenção especial, atento o seu comportamento delituoso anterior aos factos, tendo o mesmo já sido condenado em penas de prisão e a circunstância de se encontrar, à data da prática dos factos, em cumprimento das mesmas, não tendo esse facto tido o efeito inibidor que era expectável que tivesse, para se abster de praticar os actos aqui em apreço.
Ora, a atuação do arguido, nas circunstâncias reveladas pela factualidade assente como provada, configuram um comportamento que deverá ser energicamente censurado e perante a moldura penal estatuída para o crime cometido pelo arguido, de 5 a 15 anos de prisão, a pena de 6 anos de prisão, é justa e equilibrada e se pecasse seria por defeito e não por excesso.
Improcede, pois, o recurso em todas as suas vertentes.

3. Decisão:
Assim, e pelo exposto:
- nega-se provimento ao recurso do arguido, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.

Lisboa, 19 de Novembro de 2025
Cristina Isabel Henriques
Alfredo Costa
Rui Miguel Teixeira