Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ANA MARISA ARNÊDO | ||
| Descritores: | EXAME CRÍTICO DA PROVA PROVA INDICIÁRIA NULIDADE DO ACÓRDÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/06/2025 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | ANULAÇÃO | ||
| Sumário: | Sumário (da responsabilidade da Relatora): I. «O caminho percorrido desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987 sedimentou o entendimento, que temos hoje por incontroverso, de que a motivação da matéria de facto exige exame crítico das provas, de todas as provas conducentes ao conjunto dos enunciados fácticos afirmados na sentença, no sentido de que não basta enumerar, mencionar, transcrever ou reproduzir provas, impondo-se exteriorizar em que medida a prova influenciou o julgador, convencendo-o em determinado sentido». II. «Logo nos primeiros trabalhos de interpretação e de elaboração dogmática realizados sobre o novo Código de Processo Penal, divulgados pelo Centro de estudos Judiciários em 1988, dizia Marques Ferreira: “A obrigatoriedade de tal motivação surge em absoluta oposição à prática judicial na vigência do Código de Processo Penal de 1929 e não poderá limitar-se a uma genérica remissão para os diversos meios de prova fundamentadores da convicção do tribunal (…). De facto, o problema da motivação está intimamente conexionado com a concepção democrática ou antidemocrática que insufle o espírito de um determinado sistema processual (…). No futuro processo penal português, em consequência com os princípios informadores do Estado de Direito democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado no art. 32º, nº1 e 210º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, exige-se não só a indicação das provas e dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possível completa ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão». III. Relativamente à prova testemunhal o Tribunal a quo quedou-se pela menção de que a testemunha confirmou os factos relativos a todos os processos aqui em causa, explicando que os visualizou bem de perto, menção que, posteriormente e por adesão, estendeu aos outros agentes; ou seja «(…) para além de as mencionar e da genérica referência a depoimentos sérios isentos e credíveis, nada mais se aponta que elucide o que deles retirou o tribunal recorrido, sendo que da leitura da motivação executada e acima retratada, não parece exuberar com clareza/ acerto/ perfeição/justeza o que foi afirmado em julgamento por aquelas testemunhas no sentido de demonstrar a materialidade dada como assente, e em que medida que o foi»; IV. Pese embora o anunciado inserto nos segmentos da motivação que se debruçam sobre as declarações dos arguidos/recorrentes - como se verá abaixo - o Colectivo desconsiderou as versões apresentadas por aqueles, sem que, como é de elementar exigência, tivesse densificado a sua inverosimilhança e/ou a falta de credibilidade; V. Tendo por referência a (singela) circunstância objectiva de um dos arguidos estar sentado numa cadeira do lado oposto e a cerca de 20 metros do local onde se procedia à venda de estupefacientes desconhece-se inteiramente qual foi o percurso lógico que permitiu dar por assente a factualidade inserta nos pontos 1º e 3º; VI. Sendo pacífico que ao outro arguido/recorrente foi apreendida a quantia de €1.055,00, dividida em várias notas emitidas pelo Banco Central Europeu, ficou, todavia, por esclarecer o juízo que consentiu a inferência dos demais factos dados como assentes nos pontos 13º, 16º, 17º e 22º. VII. O exame levado a cabo, nas descritas circunstâncias, é claramente insuficiente e impossibilita, de todo, a sindicância que se reclama a este Tribunal. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO 1. Nos autos em referência, precedendo audiência de julgamento, o Senhor Juiz e as Senhoras Juízas do Tribunal a quo, por acórdão de ... de ... de 2025, para o que agora releva, decidiram: «Condenar o AA pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. na alínea a) do artigo 25.º, com referência à Tabela I-B do Regime Jurídico aplicável ao Tráfico e Consumo de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, na pena de 2 (dois) anos de prisão (Processo n.º 2/23.9...; Condenar o BB pela prática, em coautoria material, como reincidente, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. na alínea a) do artigo 25.º, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C do Regime Jurídico aplicável ao Tráfico e Consumo de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão (Processo n.º 2/23.9...)». 2. O arguido AA interpôs recurso do acórdão condenatório. Extrai da motivação as seguintes conclusões: «I- O presente recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos que condenou o recorrente pela prática do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, de menor gravidade, p. e p. na alínea a) do artigo 25.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro. II- O tribunal a quo considerou provado que no dia .../.../2023, pelas 20h30, “1. os Arguidos CC, AA e DD decidiram receber dinheiro de terceiros, incluindo dos indivíduos abaixo referidos, que consumiam esse produto estupefaciente, e, após, entregar-lhes cocaína, fazendo-o a partir do telhado do Prédio sito no n.º 11, integrado no ..., no ..., em comunhão de esforços e intenções. (…)” III- “3. Enquanto que os Arguidos AA e DD procediam à vigilância do local a fim de, por um lado, indicarem o local da venda da cocaína, acima referido, aos indivíduos já aludidos e os encaminharem para esse local, e, por outro lado, informarem o CC da aproximação da polícia.” IV- “12. Os Arguidos atuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo a que a sua conduta era proibida e punida por lei.” V- Tais factos foram indevidamente considerados como provados, visto que não foi produzida prova nos presentes autos de que o arguido estivesse a atuar como vigia no dia da ocorrência. VI - Não foi dado como provado que o recorrente tenha gritado “Uga” aquando da chegada dos agentes da PSP. VII - As testemunhas agentes da PSP não visualizaram o arguido contactar com nenhum dos outros arguidos. VIII - A testemunha agente da PSP EE disse que não se recordava de ter visto o arguido contactar com nenhumconsumidora indicar o local para a compra de produto estupefaciente. IX - O recorrente não foi visto a vender, oferecer ou comprar produto estupefaciente. X - No momento da detenção, não foram encontrados com o recorrente nenhum produto estupefaciente, dinheiro ou qualquer objeto suspeito. XI - Pelo que consideramos que tais factos 1, 3 e 12 foram incorretamente julgados como provados. XII - Não foram produzidas provas nos autos que pudesse enquadrar o arguido na prática no crime de tráfico de estupefacientes. XIII - Não há nexo causal entre a conduta do arguido, qual seja estar sentado em uma cadeira na rua, com a consumação do crime de tráfico de estupefacientes. XIV - O tribunal a quo ao dar como provados os factos ocorridos no dia ........2023, na versão que consta da fundamentação da sentença, violou, o princípio do in dubio pro reo, consagrado no artigo 32.º, n.º 2, da CRP. XV - Pelo que, entende o recorrente que as provas produzidas impunham decisão diversa da recorrida. XVI - E, por via disso, devia o recorrente ser absolvido do crime pelo qual foi condenado. XVII - O Tribunal a quo decidiu aplicar ao recorrente a pena de 2 anos de prisão efetiva. XVIII - No entanto, não se logrou provarque o recorrente tenha de facto participado na venda de produto estupefaciente, não tendo se verificado grau de culpa elevado do agente. XIX - Entendemos, desta forma, a entender-se que o recorrente deve ser condenado, a pena aplicada deverá ser no mínimo penal previsto, isto é, 1 ano de prisão». 3. O arguido BB interpôs, também, recurso do acórdão condenatório. Aparta da motivação as seguintes conclusões: «1. O Recorrente BB pela prática, em coautoria material, como reincidente, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. na alínea a) do artigo 25.º, com referência às Tabelas IA, I-B e I-C do Regime Jurídico aplicável ao Tráfico e Consumo de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão (Processo n.º 2/23.9...). 2. O Douto Acórdão recorrido padece de nulidade, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP, por falta de fundamentação, designadamente quanto ao processo lógico e racional que levou à valoração da prova. 3. O Tribunal a quo deu como provados factos relevantes (nomeadamente os constantes dos pontos 13.º, 16, 17, 19, 21, 22 e 23 da matéria de factos provados) com base nos depoimentos das duas testemunhas agentes da PSP, que se apresentam vagos, genéricos e não individualizados em relação à atuação concreta do Recorrente. 4. O Tribunal desvalorizou, sem justificação concreta e fundamentada, as declarações do Recorrente, que desde o primeiro interrogatório apresentou explicação plausível e documentada para a origem dos valores que possuía consigo, nunca tendo sido contrariada por qualquer prova em sentido contrário. 5. A decisão do Tribunal a quo limita-se a indicar os meios de prova utilizados, sem proceder ao necessário exame crítico das provas, conforme exige o artigo 374.º, n.º 2 do CPP. 6. A jurisprudência é clara ao referir que não basta a enumeração dos meios de prova: é necessário que o julgador explicite por que motivo atribuiu credibilidade a determinados depoimentos e não a outros, de modo a permitir o controlo da racionalidade e legalidade da decisão. 7. A motivação da decisão recorrida é omissa quanto aos motivos que levaram o Tribunal a quo a dar como provados os referidos factos. 8. O dever de fundamentação das decisões judiciais está consagrado n.º 1 do artigo 205.º da C.R.P. e ainda no n.º 5 do Artigo 97.º do C.P.P. 9. Só com uma decisão fundamentada poderá o arguido exercer plenamente o seu direito de recurso, constitucionalmente consagrado no artigo 32.º n.º 1 da C.R.P. – razão pela qual a ausência de fundamentação acarreta a nulidade da sentença/acórdão (artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P.). 10. Assim, o Douto Acórdão não cumpre os requisitos do artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, pelo que deve ser declarado nulo, conforme estabelece o artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do mesmo Código. Caso assim não se entenda, 11. Do Erro Notório na Apreciação da Prova (art.º 410.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal) Pontos de facto que o Recorrente considera incorretamente julgados. Como matéria relevante para a apreciação deste recurso importa desde logo destacar a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada incorretamente. Tais factos identificam-se a negro e em sublinhado: “13. Em .../.../2023, cerca das 17h50, os Arguidos CC, BB e FF decidiram receber dinheiro de terceiros, incluindo dos indivíduos abaixo referidos, que consumiam esse produto estupefaciente, e, após, entregar-lhes cocaína, fazendo-o a partir da rampa de acesso à ... e na ..., em Lisboa, em comunhão de esforços e intenções. 16. E o arguido BB procedia à recolha e guarda das quantias em dinheiro acima referidas, que lhe eram previamente entregues pelo GG, 17. Quantias em dinheiro essas que eram, posteriormente, divididas pelos três Arguidos. 19. Enquanto que cada um dos demais Arguidos procedeu nos termos já descritos. 21. Nas mesmas circunstâncias, ao ser intercetado por agentes da Polícia de Segurança Pública o BB estava na posse de 1.055,00 em dinheiro, dividido em várias notas emitidas pelo Banco Central Europeu. 22. O dinheiro acima referido foi obtido com a venda, pelos Arguidos, de cocaína. 23. Os Arguidos atuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo a que a sua conduta era proibida e punida por lei. (…)” 12. O Douto Acórdão incorre em erro notório na apreciação da prova, na medida em que: • O único elemento que liga o Recorrente aos factos é a posse de dinheiro, o que, por si só, não é suficiente para fundamentar uma condenação por tráfico (cf. jurisprudência uniforme: "a posse de numerário não é, por si só, indício inequívoco de envolvimento em tráfico"). • A explicação do Recorrente quanto ao motivo da sua presença no local (bairro de infância, ida ao barbeiro) não foi considerada com suficiente objetividade, e o Douto Acórdão limita-se a declarar a sua "falta de credibilidade", sem apontar quaisquer elementos objetivos que contradigam essa versão. 13. O douto Acórdão recorrido padece de erro notório na apreciação da prova (art.º 410.º, n.º 2, al. c) do CPP), porquanto: • Assentou a condenação do Recorrente essencialmente na posse de numerário, sem que existam outros elementos objetivos que o liguem à prática de tráfico de estupefacientes; • A posse de dinheiro em notas fracionadas e novas não constitui, por si só, prova suficiente da prática do crime de tráfico, sendo exigível a articulação com outros indícios objetivos, o que não ocorreu. 14. Tribunal a quo ignorou prova documental e testemunhal relevante, nomeadamente: 1. As faturas apresentadas pelo Recorrente, que demonstram o exercício de atividade profissional e justificam a origem do numerário; 2. O estado físico das notas apreendidas, que contrasta com as características descritas pelas testemunhas quanto às notas utilizadas nas transações de droga (amarrotadas e trocadas rapidamente), 3. A folhas 124 dos autos consta as notas apreendias ao Recorrente. Daí se pode ver que as notas estão direitas, intactas, não estão amarrotadas/amassadas. 4. Ao contrário, de folhas 125 consta a nota apreendida ao CC e verifica-se que esta está amassada, o que vai no sentido do que afirmou a testemunha HH. Tendo reforçado esta testemunha que neste caso, quem recebe da venda não tem cuidado em organizar e ter cuidado com as notas. 15. Como resulta das declarações prestadas pelo Recorrente BB, na sessão de audiência de discussão e julgamento de ... de ... de 2025 e que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, tendo ficado consignado que o seu início ocorreu pelas 15 horas e 42 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 04 minutos., conforme ata de julgamento: “(…) O Arguido: Entretanto eu fui, fui cheguei lá já estava là o II e o outro este o CC, o que estava aqui, o senhor que estava aqui. Entretanto, euh, eles estavam là, eles meteram-nos numa sala à parte, eu nunca os vi da minha vida e eles também nunca me viram a mim, que eles disseram logo ao senhor eu nunca vi ele na vida, entretanto eles tinham o dinheiro, olhe venha contar o seu dinheiro, e quando chego ao pé do meu dinheiro eu vejo o dinheiro tudo assim aos montinhos de cem, era mil, mil e pouco; Juiz Presidente: O senhor diz aqui O Arguido: Mil e cinquenta Juiz Presidente: Mil e cinquenta e cinco O Arguido: Exatamente, é Juiz presidente: O senhor estava com esse dinheiro? O Arguido: Sim sim Juiz Presidente: Então e de onde é que vinha esse dinheiro? O Arguido: Esse dinheiro é do meu trabalho, eu tenho uma empresa de limpezas, tanto que as minhas notas são notas de banco, isso você pode ver as minhas notas são notas de banco (…) O Arguido: No meu ver das coisas, eles levaram dali porque eu tinha dinheiro comigo, porque se não tivesse dinheiro eles mandavam me embora Juiz Presidente: Pronto, mas ou senhor CC, vamos pensar numa coisa, O Arguido: Sim Juiz Presidente: Não é assim, e todos nós sabemos isso, mas pode haver uma explicação, não estou a dizer o contrário O Arguido: Sim sim Juiz Presidente: Normal não é, andar-se com mil euros no bolso, não é, muito menos neste bairro O Arguido: Exatamente, mas eu mas eu tinha levantado algum, já não me lembro quanto é que eu tinha levantado, e tinha porque tenho alguns particulares de e tinha recebido alguns dinheiros sobre as limpezas que eu tenho com a minha mulher, a gente tem uma empresa de limpezas grande, e eu não tenho necessidade disso, eu tenho uma vida boa Juiz Presidente: Mas mas grande mas O Arguido: A gente tem uma boa Juiz Presidente: Como é que se chama a empresa O Arguido: Stillclean, eu até tenho faturas se quiser provar eu até tenho, desde que abri a empresa já fiz uns trezentos mil euros Juiz Presidente: Há quanto tempo é que, o senhor é que é o gerente da empresa? O Arguido: Sim, sou sócio-gerente, eu tenho faturas, tenho tudo, estes últimos três meses já faturámos cinquenta mil euros Juiz Presidente: Há quanto tempo é que o senhor tem esta empresa? O Arguido: Euh desde ... se não me engano, ... Juiz Presidente: Muito bem, e esta empresa fatura quanto por mês? O Arguido: Eu para lhe explicar, a gente tem vários, por exemplo a gente tem contrato com Juiz Presidente: Em média quanto é que fatura, já me explica o resto? O Arguido: A gente por mês eu não lhe consigo dizer, porque a gente recebe, a gente imagine, a gente faz limpeza pós obra Juiz Presidente: Então de seis em seis meses qual é o bolo que recebe? O Arguido: Então eu vou explicar, estes últimos três meses o contabilista já fizemos 54.000 euros, estes últimos três meses (…) A Defensor do BB: BB referiu que era motorista de táxi O Arguido: Sim A Defensor do BB: Na altura já era? O Arguido: Não na altura estava a tirar o curso A Defensora do Arguido: Estava a tirar o curso, eu não sei se percebeu a pregunta que lhe foi feita, na vossa casa costuma haver dinheiro vivo? O Arguido: Sim A Defensor do BB: Mas porquê? O Arguido: Porque a gente recebe de muitos particulares, temos muitos particulares A Defensor do BB: Atualmente, também referiu aqui que há um ano que também era taxista O Arguido: Sim prontos há uma o que tirei, estava a tirar o curso mas só conclui o curso foi dia ... do ano passado, tou há um ano a trabalhar A Defensor do BB: O táxi é seu? O Arguido: Não, é alugado A Defensor do BB: Paga O Arguido: 300 euros semanais (01:03:10) O Arguido: Ali na minha carteira por acaso tenho ali quase 500 euros (01:03:10)”. 16. As declarações prestadas pelo Recorrente não foram desmentidas de forma inequívoca pela prova testemunhal. 17. As testemunhas HH, na sessão de audiência de discussão e julgamento de ... de ... de 2025 e que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, tendo ficado consignado que o seu início ocorreu pelas 16 horas e 04 minutos e o seu termo pelas 16 horas e 46 minutos, conforme ata de julgamento e EE, agentes da Polícia de Segurança Pública, embora tenham declarado ter observado o Recorrente no local, não especificaram com clareza e objetividade as ações concretas do Recorrente, designadamente: “(de 01:14:05 a (01:14:09) Sra. Procuradora da República: Qual era a relação entre o II e o BB, se é que tinham alguma? A testemunha: Isso já não sei Sra. Procuradora da República: Não sabe. (…) (01:14:45 a (01:16:06) Sra. Procuradora da República: E o BB, o que é que ele estava ali a fazer? A testemunha : O BB só só chegou lá já depois de algum tempo, chegou lá passado ai uns 10 minutos ou mais, teve lá quando ele chegou Sra. Procuradora da República: Mas qual foi a intervenção, se é que ele teve alguma nesta situação? A testemunha: Quando ele chega, passado 10, 15 minutos o II vai ter com ele, e entregou-lhe algo que nos pareceu ser dinheiro que entregou ao BB e o BB meteu no bolso do casaco, foi a única intervenção que ele teve lá, porque nestas bancas de droga há sempre uma hierárquica e há um modus operandi de cada um, há o que vende, há que fica de vigia, há o que recebe o dinheiro e depois há o dono da banca, por norma o dono da banca não mexe em nada, o vendedor vende, o vigia fica de vigia, cada um tem a sua função. Sra. Procuradora da República: Então, mas o senhor nestas circunstâncias só viu uma entrega de dinheiro ao Sr. BB A testemunha: Entrega que é a recolha do dinheiro feito Sra. Procuradora da República: Do que estava da banca A testemunha : Sim, ele não entregam, entregam quando têm mais dinheiro, bastante dinheiro, não entregam cada quarta que vendem não entregam logo à pessoa que vai fazer a recolha do dinheiro (de 01:22:22 a 01:22:37) Sra. Procuradora da República: Como é que estavam as notas? Eram notas eu h A testemunha: Estavam no bolso, assim metidas ao calhas Sra. Procuradora da República: Estavam amassadas? A testemunha: Sim mais ou menos amassadas, conforme recolhiam metiam (impercetível), por norma quem está a vender não tem muita a preocupação de as compor. (…)” 18. Declarou a testemunha EE, na sessão de audiência de discussão e julgamento de ... de ... de 2025 e que se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, tendo ficado consignado que o seu início ocorreu pelas 15 horas e 16 minutos e o seu termo pelas 15 horas e 49 minutos, conforme ata de julgamento: “(…) (00:10:52 a 00:11:02) A testemunha: A certa altura da vigilância chegou ao local o Sr. BB, depois também vimos um contacto entre o Senhor II e o senhor BB, em que lhe entregou alguma coisa que nos pareceu ser dinheiro, que ele guardou, foi nessa altura que decidimos (…) (00:11:40 a 00:12:06) Sra. Procuradora da República: E o BB? A testemunha: Peço desculpe Sra. Procuradora da República: Esse senhor que recebeu o dinheiro? A testemunha: O senhor BB chegou na altura nós já estávamos em vigilância, chegou ao local e a única situação que teve foi essa, o contacto que teve foi com o II mais nada Sra. Procuradora da República: A entrega aqui do dinheiro A testemunha: Exatamente exatamente Sra. Procuradora da República: O senhor que lhe pareceu dinheiro A testemunha: Exato exatamente Sra. Procuradora da República: Não sabe a quantia A testemunha: Mais nada, tanto que logo nós avançamos para o local e procedemos a interceção (…) 19. Ora, a convicção do Tribunal foi baseada exclusivamente na valoração genérica e conclusiva de que as duas testemunhas "declararam de forma segura e espontânea", sem qualquer exame crítico das declarações do Recorrente nem confronto efetivo com a prova testemunhal. 20. O Tribunal a quo não valorou nem apreciou criticamente a discrepância entre as notas apreendidas ao Recorrente — novas, intactas e agrupadas — e as características descritas pelas testemunhas quanto ao dinheiro usado pelos consumidores, nomeadamente notas amarrotadas, trocadas em mão de forma rápida, conforme afirmado pela testemunha HH. 21. O Tribunal a quo não valorizou o meio de prova documental, não indicou qualquer nexo objetivo entre o dinheiro e o tráfico de estupefacientes e ignorou que o dinheiro na posse do Recorrente estava em bom estado e organizado, em contraste com o estado das notas alegadamente utilizadas nas transações com consumidores (notas amarrotadas, segundo os próprios agentes). 22. As testemunhas da acusação, designadamente os agentes da Polícia de Segurança Pública HH e EE, declararam que só observaram o Recorrente no dia da sua detenção, não tendo reportado quaisquer outros momentos em que o mesmo tivesse sido visto a atuar ou a cooperar com os demais arguidos ao longo do período de vigilância. 23. Estas incongruências levantam sérias dúvidas quanto à real participação do Recorrente nos factos descritos no Douto Acórdão e dados como provados nos pontos 13, 16, 17, 19, 21, 22 e 23, nomeadamente na alegada proveniência ilícita do dinheiro, a participação do Recorrente, a divisão de tarefas ou comunhão de desígnios, uma vez que a sua presença no local foi episódica, e não demonstrada com carácter reiterado ou sistemático, como seria de esperar em caso de envolvimento efetivo num esquema de tráfico de estupefacientes. 24. Assim, não pode o Tribunal formar uma convicção segura sobre a autoria e participação do Recorrente com base num único episódio observado, sem a mínima demonstração de ligação continuada ou envolvimento reiterado com os demais arguidos. 25. Da inexistência de prova quanto à existência de acordo prévio entre os arguidos: ponto 23 da matéria de factos provados O Tribunal a quo concluiu pela existência de um plano comum e atuação concertada entre os arguidos CC, FF e o Recorrente, sustentando a condenação do último como coautor de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. 26. Todavia, analisando criticamente a prova testemunhal e o conteúdo dos autos, tal conclusão não encontra suporte objetivo, pelo que se impõe a sua revaloração em sede de recurso, nos termos do artigo 412.º, n.º 3 e 4 do CPP. 27. Não foi produzida qualquer prova objetiva ou consistente que comprove a existência de tal acordo entre o Recorrente e os demais coarguidos. 28. A decisão recorrida não refere qualquer elemento objetivo que permita afirmar que existia uma comunhão efetiva de vontades ou plano entre os arguidos. 29. As próprias testemunhas afirmam ter visto o Recorrente apenas no dia da detenção, não havendo demonstração de participação reiterada ou previamente acordada com os demais. 30. Tal circunstância impõe, desde logo, a desclassificação do comportamento imputado ao Recorrente. 31. Acresce que o Tribunal, ao dar como provado que “os arguidos dividiam o dinheiro entre si”, não explicou nem fundamentou minimamente em que prova concreta se baseou para tal conclusão, ponto 17 da matéria de factos provados, violando novamente assim o dever de fundamentação previsto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal. 32. Perante a ausência de prova objetiva e concreta de qualquer acordo prévio, deve ser afastada a conclusão de que o Recorrente atuou em coautoria com os demais, devendo ser reapreciada a matéria de facto nesse sentido e determinada, em consequência, a absolvição do mesmo, por ausência dos pressupostos legais da sua responsabilização penal. 33. Também não ficou provada a liderança do Recorrente: Refere o Douto Tribunal, na escolha e determinação da medida concreta das penas que: “(…) A circunstância de ser elevada a ilicitude presente na prática dos factos, tendo em consideração o tipo de drogas (“duras”) aqui em causa, isto apesar da sua baixa quantidade (cf. mapa para o qual remete o artigo 9.º da Portaria 93/96, de 26 de março) – e, no caso, resulta dos factos provados que este Arguido detinha uma posição de liderança na atividade desenvolvida por todos os Arguidos, já que era ele quem se encontrava na posse do produto (dinheiro) da venda da droga. (…)” 34. Aqui pode ler-se que entende o Tribunal a quo que o Recorrente tinha uma posição de liderança. 35. Ora, não se entende como chegou o Tribunal a quo a essa conclusão. 36. Conforme afirmado pelas testemunhas HH e EE, o Recorrente nunca tinha sido avistado ali. As duas testemunhas só o viram no dia da detenção. 37. Não foi demonstrado, nem provado, que o Recorrente tivesse conhecimento e adesão ao plano criminoso relativo ao tráfico de estupefacientes, muito menos que este lidera o que quer que seja, limitando-se o Tribunal a quo a referir atos de guarda de dinheiro, sem estabelecer o nexo subjetivo essencial; 38. Não se encontrando fundamentada a consciência e vontade do Recorrente relativamente à prática do crime de tráfico de estupefacientes, deverá o mesmo ser absolvido. 39. Face à prova testemunhal e documental acima referida, às regras da experiência comum e à lógica normal da vida, o Tribunal a quo, não tinha suporte probatório suficiente e sem margem para qualquer dúvida, para dar como provados os factos levados aos pontos 13, 16, 17, 19, 21, 22 e 23 do Douto Acórdão recorrido, antes se exigindo que os mesmos tivessem sido considerados não provados, o que se requer a V. Exas e consequentemente o Recorrente absolvido. 40. Na decisão ora recorrida, o Tribunal a quo afirma na fundamentação: “No caso, não se verifica o pressuposto formal da reincidência, já que, mesmo descontado o tempo de reclusão, entre os crimes anteriormente praticados pelo Arguido e o crime ora em equação já decorram mais de 5 anos.” 41. Porém, na parte dispositiva da mesma sentença, decide-se: “Condenar o arguido BB pela prática, em coautoria material, como reincidente, de um crime de tráfico de menor gravidade (…)”. 42. Esta formulação configura uma contradição evidente e material entre os fundamentos e a decisão recorrida. 43. Verifica-se aqui uma evidente contradição entre a fundamentação e a decisão, pois se, por um lado, se afirma que não estão preenchidos os pressupostos da reincidência, por outro, o Recorrente é condenado precisamente como reincidente. 44. Nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, é nula a sentença que contenha contradições entre os fundamentos e a decisão. 45. Tal nulidade afeta a validade da decisão judicial, devendo ser declarada a nulidade do Douto Acórdão proferido nos presentes autos, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal. 46. Perante os vários depoimentos e a demais prova, deveria Tribunal a quo ter feito uso do princípio do in dúbio pro reo, perante a dúvida razoável que surgiu na conjugação dos diversos depoimentos, das declarações do Recorrente e da prova documental junta aos autos. 47. Na apreciação da prova, o Tribunal é livre de formar a sua convicção desde que não contrarie as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos. 48. É opinião da Recorrente que a decisão recorrida violou o princípio do in dubio pro reo, uma vez que conjugando os depoimentos das testemunhas, as declarações do Recorrente, que se mantiveram idênticas às prestadas em sede de primeiro interrogatório, e bem assim toda a documentação constante dos autos, existe dúvidas razoáveis e sérias de que os factos explanados na acusação tenham acontecidos da forma como descritos e daí que deveria o Tribunal a quo ter absolvido o Recorrente da prática do ilícito criminal do qual vinha acusado. Caso assim não se entenda, o que só por mero dever de patrocínio se concebe sem conceder, sempre se dirá no que à pena respeita, 49. Para exclui a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena ao Recorrente, afirma o Douto Acórdão que: “No juízo de prognose a efetuar quanto à substituição das penas de prisão aplicadas aos Arguidos CC, AA e BB, há a considerar, em seu desfavor, as circunstâncias relativas às exigências de prevenção especial, as quais, nos termos já expostos, determinam que não seja já possível fazer um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro destes Arguidos, pelo que a substituição das penas de prisão não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades preventivas da punição. Por isso mesmo, estes Arguidos cumprirão prisão efetiva.” 50. O Recorrente entende que o Tribunal a quo, no momento da aplicação da pena, não assegurou convenientemente o equilíbrio, a equidade e a proporcionalidade da pena face ao crime praticado. 51. O Recorrente demarca-se veemente da argumentação utilizada pelo Tribunal a quo, uma vez que existem penas de substituição adequadas a satisfazer e a acautelar o interesse público e os bens jurídico-penais. 52. O Tribunal a quo deveria ter promovido a aplicação de uma pena não privativa da liberdade. 53. Entendemos assim que o Tribunal a Quo poderia ter optado por uma suspensão da execução da pena de prisão, ainda que subordinada ao cumprimento de deveres ou á observância de regras de conduta, ou ainda que a suspensão fosse acompanhada de regime de prova. 54. O Recorrente dispõe, conforme exposto no relatório social de uma estrutura familiar forte, encontra-se inserido social e profissionalmente. 55. Ao aplicar uma pena de prisão efetiva, pecou o Tribunal a quo por uma pena desadequada, devendo sim ser o Recorrente condenado numa pena de 2 anos e 5 meses, suspensa na sua execução, atendendo à personalidade que o Recorrente tem mantido e demonstrado numa evolução positiva, que permite emitir um juízo de prognose favorável, nomeadamente da sua estrutura familiar, e uma vida norteada pelo trabalho e respeito pelas regras de vida em sociedade. Assim devem ser tomadas em consideração as seguintes provas para concluir pela absolvição do Recorrente: -Declarações do Recorrente em sede de primeiro interrogatório e em sede de audiência de discussão julgamento; -Depoimento das testemunhas HH e EE; - Prova constante da documentação junta a fls. pelo Recorrente em sede de primeiro interrogatório; - Prova constante de fls. 124 e 125 dos autos. Factos a reapreciar: pontos 13, 16, 17, 19, 21, 22 e 23 da matéria de factos provados. Pelo exposto, o Tribunal a quo violou: Princípios e disposições legais violadas ou incorretamente aplicadas: Artigo 18º da CRP; Artigo 205.º n.º 1 da CRP; Artigo 127.º do Código de Processo Penal; Artigo 97.º n.º 5 do Código de Processo Penal; Artigo 379.º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal; Artigo 40.º do Código Penal Artigo 50.º do Código Penal; Artigo 70º do Código Penal; Artigo 71º do Código Penal e ainda, O princípio do in dubio pro reo; O Princípio da proporcionalidade; O Princípio da Adequação; O Princípio da necessidade. Por conseguinte, deverá ser proferido acórdão que: a) Declare nulo o acórdão recorrido, por falta de fundamentação (de acordo com o preceituado na alínea c) do n.º1 do Artigo 379.º do C.P.P.). Se assim não se entender, b) Determine a absolvição do Recorrente da prática do crime pelo qual veio acusado por erro notório na apreciação da prova. Se assim não se entender, c) Aplicar ao Recorrente uma pena de 2 anos e 5 meses de prisão, suspensa na sua execução». 4. Os recursos foram admitidos, por despacho de ... de ... de 2025, a subirem imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo. 5. A Ex.ma Magistrada do Ministério Público respondeu aos recursos interpostos pelos arguidos, propugnando pela confirmação do julgado. Quanto ao arguido AA aparta da resposta as seguintes conclusões: 1º- Nas motivações apresentadas pelo recorrente resulta a intenção de impugnar a matéria de facto do acórdão recorrido, nos pontos 1., 3. e 12. Dos factos provados (proc.2/23.9...), com base na ausência de prova, em face dos depoimentos das testemunhas HH e EE. 2º- Em primeiro lugar, o recorrente com a prova invocada, pretende “substituir a convicção” do Tribunal do julgamento pela sua “própria leitura da prova”, mas sem apresentar verdadeiros argumentos que imponham solução diversa da proferida, em sede de matéria de facto, por ocorrência de erro de julgamento. 3º- In casu, a convicção do tribunal é formada a partir dos dados objectivos fornecidos pela prova documental em concatenação com as declarações e dos depoimentos prestados, avaliando-os, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações e serenidade, bem como aquilatando da coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que dos mesmos transpareçam. 4º- Toda a prova produzida, devidamente analisada e criteriosamente ponderada, apenas poderia ter conduzido o Tribunal “a quo” a decidir como o fez, inexistindo de todo em todo um qualquer erro de julgamento na apreciação da prova, designadamente os acima referidos. 5º- Para dar como provada a factualidade impugnada (ponto 1, 3 e 12), o Tribunal “a quo” sopesou os depoimentos de HH e EE, que considerou credíveis, por se revelarem seguros e espontâneos, tendo confirmado os factos relativos em que participaram, explicando que visualizaram os arguidos a curta distância, bem como o teor do expediente elaborado. 6º- O Tribunal “a quo” sopesou, em concatenação com a prova testemunhal, a prova documental constante dos autos- que não foi impugnada (designadamente os exames periciais à droga, as fotos da droga, os autos de vigilância, os autos de apreensão e os factos materiais descritos nos autos de notícia como tendo sido presenciados pelas testemunhas) a fls. 2, 10, 23, 27, 34 e ss., 87 e ss., 106, 114, 124 e 125, 244, 245, 248 e 249 e 285 (Proc.º 2/23.9...), que lhe permitiu confirmar os factos impugnados. 7º- Acresce que, a transcrição parcial de parte dos depoimentos mostra-se descontextualizada e não permite sustentar a versão da ausência de prova, tendo o Tribunal “a quo” no exame crítico da prova, respeitado o princípio da livre apreciação previsto no art.º 127.º do CPP, não ocorrendo qualquer erro de julgamento. 8º- In casu, o recorrente não afirma que a prova em que assentou a convicção do Tribunal “a quo” não consentia essa mesma convicção, nomeadamente que, foi feita uma interpretação diferente do seu conteúdo ou a ele oposta, ou que foi produzida outra prova que necessariamente obstava a que tal convicção fosse formada no sentido em que o foi; sustenta, sim, que outra convicção [a sua própria ou a que mais lhe convém tendo em vista o efeito pretendido], - igualmente possível, deveria ter sido a prevalecente. 9º- É evidente que, uma impugnação nestes moldes, reconduzida à pretensão de substituir a convicção alcançada pelo Tribunal “a quo” por aquela que o recorrente defende o que conduziria à postergação do princípio da livre apreciação da prova, pelo que deve improceder esta parte do recurso. 10º- Por fim o recorrente invoca a violação do princípio do In Dúbio pro Reo. 11º- Este princípio, como regra de decisão, impõe ao julgador, no processo de formação da sua convicção com base nos meios de prova, pronunciar de forma favorável ao arguido (pro reo), quando tiver dúvidas insanáveis sobre os factos decisivos para a decisão da causa. 12º- Não existe violação do princípio in dúbio pro reo, porquanto, o julgador não teve quaisquer dúvidas quanto à ocorrência dos factos que considerou provados sendo, pois, irrelevantes as dúvidas que o recorrente, na sua interpretação subjetiva, entende que deveriam subsistir a propósito da matéria fáctica que sustenta a sua responsabilização criminal. 13º- Como segundo argumento recursivo, recorrente discorda da medida concreta de pena, pois, entende que não se provado que tenha participado na venda de produto estupefaciente e que não se verifica um grau de culpa elevado, considerando-a desproporcional, defendendo que a pena deve ser de 1 ano prisão, mas sem qualquer razão. 14º- O Ministério Público consigna que, não assiste razão ao recorrente, porquanto, o Tribunal “a quo” o sopesou, criteriosamente, todos os fundamentos do recurso e respeitou os critérios da determinação da pena, previstos nos art.º 40.º, 41.º, 70.º e 71.º do CP, não havendo lugar, em concreto, à redução da pena aplicada ao mínimo legal. 15º- A determinação da medida concreta da pena a aplicar ao recorrente, foi feita em função da factualidade provada, da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo certo que a culpa constitui o fator máximo superior da pena, ou seja, o limite máximo da pena adequado à culpa não pode ser ultrapassado, nos termos do disposto no art.º 71.º/1, do CP. 16º- A aplicação de uma pena, visa a protecção do bem jurídico violado e a reintegração do agente na sociedade, nunca podendo ultrapassar a medida da culpa do agente, tendo em conta a gravidade do facto e a perigosidade do agente (art.º 40.º CP). 17º- Assim, a aplicação de penas deve ser orientada pelo princípio da culpa (art.º 40.º/2 CP) e pelos princípios de proporcionalidade, necessidade, adequação e subsidiariedade (art.º 18.º/CRP), mas também por um verdadeiro princípio de humanidade, i.e., tendo sempre em conta a dignidade da pessoa humana (art.º 1.º/CRP). 18º- In casu, quanto à culpa do recorrente, o Tribunal “a quo” susta a existência de dolo direto e grau elevado, tendo em consideração a (baixa) quantidade de droga, por um lado, e a elevada carga intencional colocada pelo recorrente na prática dos factos, por outro lado, espelhada no facto de omesmo ter decidido vender a droga aqui em causa na via pública, em pleno dia. 19º- Quanto às necessidades de prevenção geral positiva, o Tribunal “a quo” considerou-as elevadas, face às exigências sociais de repressão deste crime, que é muitíssimo frequente na Comarca de Lisboa e, em concreto, no local dos factos. 20º- Mais se considerou o grau de ilicitude, presente na prática dos factos, era elevado, tendo em consideração o tipo de drogas (“duras”) aqui em causa, apesar da sua baixa quantidade, apesar de, no caso, a participação do recorrente nos factos se circunscrever nas funções de vigia. 21º- Quanto às necessidades de prevenção especial positiva, o Tribunal “a quo” considerou-as elevadas, tendo em conta as circunstâncias desfavoráveis ao recorrente, designadamente, o seu extenso currículo criminal, que, somado à sua idade, faz crer na existência de muitas dificuldades na sua ressocialização, bem como o facto de o Arguido não ter um qualquer projeto de vida que, designadamente, o afaste do consumo de drogas. 22º- Tudo ponderado, o Tribunal “a quo” entendeu (e bem) ser justo e adequado fixar uma pena de 2 (dois) anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 21.º/1 e 25.º, al. a) do DL 15/93 de 22.01, com ref.º à Tabela I-B anexa; formulou a convicção de não ser possível fazer um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do recorrente, por isso, decidiu que, o recorrente cumprirá a prisão efetiva. 23º- o Tribunal “a quo” julgou corretamente e operou uma sensata subsunção jurídica e aplicação do direito, mormente quanto à determinação da medida da pena, por se manifestar justa, proporcional e adequada à gravidade da conduta do(a) recorrente, à medida da sua culpa, aos dos fins das penas e dando resposta cabal aos ditames e princípios da prevenção geral e de umaprevenção especial ressocializadora, pelo que, não merece qualquer reparo ou censura. 24º- Assim, o Acórdão recorrido não viola e/ou mal interpreta os art.º 40.º, 70.º e 71.º do CP, devendo o recurso ser rejeitado por manifesta improcedência, nos termos do art.º 420.º/1, al. a), do CPP» No que se refere ao arguido BB extrai da resposta as seguintes conclusões: «1) Questão Prévia - No recurso do recorrente resulta a intenção de impugnar, na globalidade, a decisão relativa a parte da factualidade dada como “provada”, porém não impugna, de forma expressa os factos concretos que entende mal apreciados 2) Com a impugnação da matéria de facto, pretende-se que o recorrente indique de forma precisa, para atingir a concretização exigida pelo art.º 412.º/3 e 4 do CPP, a fim de que, o Tribunal “ad quem” tenha conhecimento exato do sentido e o alcance da mesma. 3) No caso concreto, o recorrente não cumpre de forma cabal o verdadeiro ónus de impugnação, pelo que não estão reunidas, as condições necessárias para que o Tribunal “ad quem” conheça da matéria de facto, por violação do previsto no art.º 412.º/3 do CPP, devendo o recurso ser rejeitado, nos termos do previsto nos art.º 417.º/3 e 420.º/1, al. c), ambos do CPP. 4) Como primeira questão, o recorrente invoca a falta de fundamentação do acórdão recorrido, geradora de nulidade do mesmo, nos termos do previsto no art.º 374.º/2 e art.º 379.º/1 al. a) e c) do CPP, uma vez que, não é perceptível o processo lógico e racional que levou à valoração da prova e por falta de exame crítico da prova, mas sem qualquer razão. 5) Afigura-se-nos que, o acórdão recorrido cumpre com os requisitos gerais da sentença enunciados no art.º 374.º do CPP, contendo todos os factos que interessam à comprovação do crime praticado e à determinação da pena fixada, pelo que não ocorre qualquer violação do art.º 97.º/5 do CPP e art.205.º da CRP. 6) Nele estão enunciados os factos dados por “provados” e “não provados”, deixando bem claro o seu raciocínio lógico e consistência das provas apresentadas, designadamente, os factos que preenchem os elementos objectivos e subjectivo do crime de Tráfico de Estupefacientes (art.º25.º), o teor do CRC do recorrente, as condições pessoais e sociais, bem como a personalidade do arguido, de acordo com a experiência comum e com critérios objetivos pelo que não carece de mais e/ou outra fundamentação. 7) Ante o exposto, só pode concluir que, o apuramento da factualidade provada, resulta da capacidade de síntese do julgador, na análise crítica de todos os meios de prova indicados e referidos no acórdão recorrido, na motivação da convicção obtida, sustentada em prova legalmente admissível, pelo que o acórdão está corretamente fundamentado, pelo que, não se verifica a nulidade do acórdão, por falta de fundamentação, nos termos do art.º 374.º/2 e 379.º/1, al. a), do CPP, pelo que deve improceder esta questão. 8) Como segunda questão, o recorrente defende que o Acórdão recorrido padece de contradição insanável (art.º 410.º/2, al. b) do CPP) “entre a fundamentação e a decisão”, quanto à reincidência; compulsados resulta que da leitura do mesmo se constata existir o vício decisório invocado, pelo que deve proceder este argumento recursivo. 9) Como terceira questão, o recorrente defende que o Acórdão recorrido padece de erro notório na apreciação da prova (art.º 410.º/2, al. c) do CPP), quanto aos factos provados 13., 16., 17., 19., 21., 22. e 23., que considera estarem incorrectamente provados, porquanto, a prova produzida (depoimentos das 2 testemunhas, as suas declarações e as apreensões), não é suficiente para dar como provada a factualidade da acusação. 10) Analisando o texto do acórdão recorrido, constata-se que o Tribunal “a quo” julgou criteriosa e prudentemente o arguido e face à prova produzida em audiência de discussão e julgamento só poderia ter concluído pela sua condenação, como fez e bem. 11) Na avaliação feita pelo Tribunal “a quo” efectuou um juízo conforme as regras da experiência e da lógica, não se vislumbrando qualquer «erro notório» na valoração da prova. 12) A decisão recorrida no processo de formação da convicção, indicou os meios de prova usados e exteriorizou por que razão se convenceu que o arguido foi o autor dos factos delituosos, explicando-se as razões que levaram o Tribunal “a quo” a considerar determinados depoimentos das testemunhas de acusação em detrimento das declarações prestadas pelo arguido, qual a razão por que deu credibilidade àqueles e descredibilizou este. 13) Em suma, o acórdão recorrido não padece do vício do erro notório na apreciação da prova, nos termos em que foi invocado pelo recorrente, pelo que deve improceder a invocação do vício. Deste modo, o acórdão recorrido não viola o previsto no art.º 410.º/2, alínea c) do CPP. 14) Como quarta questão, o recorrente impugna a matéria de facto provada nos pontos 13, 16, 17, 19, 21, 22 e 23, com base nos depoimentos prestados pelos Agentes da PSP, HH e EE, defendendo que não foi feita prova da factualidade impugnada, face às suas declarações. 15) Em concreto, o recorrente ao impugnar a matéria de facto (pontos 13, 16, 17, 19, 21, 22 e 23), pretende “substituir a convicção” do Tribunal do julgamento pela sua “própria leitura da prova”, mas sem apresentar verdadeiros argumentos que imponham solução diversa da proferida, em sede de matéria de facto, por ocorrência de erro de julgamento. 16) Sucede que, o Tribunal “a quo” formou a sua convicção com base na concatenação dos dados objectivos da prova testemunhal (HH e EE) pericial e documental (fls. 2, 10, 23, 27, 34 e ss., 87 e ss., 106, 114, 124 e 125, 244, 245, 248 e 249 e 285), devidamente analisada e criteriosamente ponderada, conduziu o julgador à confirmação dos factos impugnados. 17) Acresce que, a transcrição parcial de parte dos depoimentos se mostra descontextualizada e não permite sustentar a versão que o recorrente apresenta, pelo que o exame crítico da prova respeitou o princípio da livre apreciação previsto no art.º 127.º do CPP, não ocorrendo qualquer erro de julgamento na apreciação da prova. 18) Como quinta questão, o recorrente invoca a violação do princípio do in dúbio pro reo, mas sem qualquer razão. 19) O princípio do in dubio pro reo é um princípio geral do processo penal, pelo que constitui uma imposição dirigida ao julgador no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa. 20) Tal princípio é uma regra de decisão: produzida a prova e efetuada a sua valoração, se subsistir no espírito do julgador uma dúvida positiva e insuperável sobre a verificação, ou não, de determinado facto, o juiz deve decidir a favor do arguido, dando como não provado o facto que lhe é desfavorável. 21) In casu, da leitura do acórdão, consta-se que o Tribunal “a quo” não teve quaisquer dúvidas quanto à ocorrência dos factos que considerou provados sendo, pois, irrelevantes as dúvidas que o recorrente, na sua interpretação subjetiva, entende que deveriam subsistir a propósito da matéria fáctica que sustenta a sua responsabilização criminal. Não tem, pois, qualquer fundamento a invocada violação do princípio in dubio pro reo. 22) Ademais, a decisão recorrida é cabalmente suportada em termos de fundamentação de facto, não deixando dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção, pelo que não merece qualquer reparo ou censura e, por via disso, também não existe qualquer violação do princípio da presunção da inocência, designadamente o princípio do in dúbio pro reo, pelo que, deve o recurso improceder, nesta parte. 23) Como sexta questão, O recorrente alega que não foi feita prova da coautoria, mas sem qualquer razão. 24) No caso concreto, o acórdão recorrido deu como provados nos pontos 13., 14., 15., 16., 17., 18., 19., 20., 21., 23. (factualidade referente a 23 arguidos) que espelham de forma clara a actuação conjunta dos coarguidos, em comunhão de esforços e vontades. 25) Com efeito, no dia .../.../2023, cerca das 17h50, o recorrente e mais dois arguidos, a partir da rampa de acesso à ... e na ..., em Lisboa, em comunhão de esforços e intenções, dedicaram-se à actividade de tráfico de estupefaciente, assumindo cada um deles diferentes tarefas. 26) Nas referidas circunstâncias, o arguido MC recebia dinheiro dos consumidores e, em troca, entregava-lhes embalagens de cocaína, enquanto que o arguido WF procedia à vigilância do local a fim de, por um lado, receber as quantias em dinheiro entregues a MC, e, por outro lado, informar este último Arguido da aproximação da polícia. 27) Por sua vez, o recorrente procedia à recolha e guarda das quantias em dinheiro que lhe eram previamente entregues pelo arguido WF, para posterior repartição entre os três. 28) No citado dia, entre as 17H50 e as 18H25, o arguido MC contactou com, pelo menos, 10 consumidores de cocaína junto à rampa de acesso à ..., tendo todos os arguidos actuado na forma acima descrita, tendo o Tribunal “a quo” considerado que o recorrente assumia a posição de liderança, por estar na posse do dinheiro da venda do estupefaciente. 29) Para apurar a actuação conjunta dos coarguidos, o Tribunal “a quo” sopesou e concatenou a prova testemunhal (EE e HH), pericial e documental; os depoimentos das testemunhas foram reforçados pelo teor da prova pré-produzida não foi impugnada, constante de fls. 2, 10, 23, 27, 34 e ss., 87 e ss., 106, 114, 124 e 125, 244, 245, 248 e 249 e 285 (Processo n.º 2/23.9...), 2, 5, 13, 17, 46 a 48, 92, 98, 105, 107, 151, 157 e 159 (Proc.º133/23.5...). 30) Atentos os factos provados, bem andou o Tribunal “a quo”, quando concluiu que, os arguidos actuaram de forma conjunta, tendo demonstrado a existência de uma vontade coletiva, por parte do recorrente e coarguidos, com repartição de tarefas, termos em que deve improceder esse argumento recursivo. 31) Como sétima questão, recorrente discorda da medida concreta de pena, pois, entende que a pena aplicada de 2 anos e 5 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefaciente de menor gravidade ( p. e p. pelo art.º 21.º/1 e 25.º, al. a) do DL 15/93 de 22.01, com ref.º à TabelaI- A, I-B e I-C anexa) deve ser suspensa na sua execução, mas sem qualquer razão. 32) O Tribunal “a quo” o sopesou, criteriosamente, todos os fundamentos do recurso e respeitou os critérios da determinação da pena, previstos nos art.º 40.º, 41.º, 70.º e 71.º do CP, uma vez que, a determinação da medida concreta da pena, teve em conta a factualidade provada, a culpa do agente e as exigências de prevenção, sendo certo que a culpa constitui o fator máximo superior da pena, nos termos do disposto no art.º 71.º/1, do CP. 33) In casu, quanto à culpa do recorrente, o Tribunal “a quo” susta a existência de dolo direto e grau elevado, tendo em consideração a quantidade (baixa) e a elevada carga intencional colocada pelo recorrente na prática dos factos, espelhada no facto de o mesmo ter decidido vender a droga aqui em causa na via pública, em pleno dia. 34) Quanto às necessidades de prevenção geral positiva, o Tribunal “a quo” considerou-as elevadas, face às exigências sociais de repressão deste crime, que é muitíssimo frequente na Comarca de Lisboa e, em concreto, no local dos factos. 35) Mais se considerou o grau de ilicitude, presente na prática dos factos, era elevado, tendo em consideração o tipo de drogas (“duras”) em causa, apesar da baixa quantidade, e a participação do recorrente nos factos se circunscrever as funções de vigia e detentor dos valores monetários provenientes da actividade ilícita. 36) Quanto às necessidades de prevenção especial positiva, o Tribunal “a quo” considerou-as elevadas, tendo em conta o seu extenso currículo criminal e o facto de o mesmo demonstrar dificuldade de consciencialização das consequências do seu comportamento, adotando um discurso desresponsabilizador e vitimizador, o que dificulta muito a sua ressocialização; em seu favor existe a sua atual inserção social, designadamente em termos laborais e familiares 37) No caso concreto, entendemos que, a suspensão da execução da pena não realizaria as exigências de prevenção geral, satisfazendo as expectativas da comunidade sobre a reafirmação da validade das normas violadas e evitando a prática de novos crimes, nem seria adequada à promoção da ressocialização do agente fundamento da prevenção especial. 38) Acresce que, dos autos não decorrem elementos de facto com capacidade para que se possa concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para afastar o recorrente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e de prevenção do crime. 39) Tudo conjugado, concordando com as razões expendidas pelo Tribunal “a quo”, conclui-se que, o recorrente não se mostra merecedor de um juízo de prognose favorável, em ordem a que se acredite bastarem a censura do facto e a ameaça da pena para o afastar da prática de novos ilícitos criminais. 40) Não existe, assim, qualquer motivo atendível para alterar a pena aplicada, uma vez que, a mesma dá resposta cabal aos fins da punição e respeita os princípios da prevenção geral e especial ressocializadora, pelo que, o acórdão recorrido não merece qualquer reparo ou censura e, em consequência, deve o recurso improceder, nesta parte. 41) Assim, o Acórdão recorrido não viola e/ou mal interpreta os art.º 40.º, 50.º, 70.º e 71.º do CP, devendo o recurso ser rejeitado por manifesta improcedência, nos termos do art.º 420.º/1, al. a), do CPP». 6. Neste tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta, louvada nas respostas apresentadas, pronunciou-se no sentido da improcedência dos recursos. 7. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do C.P.P. não houve reacção. 8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Delimitação do objeto do recurso Atento o teor das conclusões das motivações dos recursos, importa fazer exame das questões (alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia) atinentes aos invocados pelos arguidos: - AA – erro de julgamento quanto à matéria de facto e da matéria de direito, este último especificamente quanto à medida da pena; - BB – nulidade do acórdão por falta de fundamentação, vícios de procedimento do art. 410º, n.º 2 do C.P.P., em concreto, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova, erro de julgamento da matéria de facto e da matéria de direito, este último relativamente à decisão de não suspensão de execução da pena. 2. A decisão trazida da instância sobre a matéria de facto é do seguinte teor: «PROCESSO N.º 2/23.9... 1. Em .../.../2023, pelas 20h30, os Arguidos CC, AA e DD decidiram receber dinheiro de terceiros, incluindo dos indivíduos abaixo referidos, que consumiam esse produto estupefaciente, e, após, entregar-lhes cocaína, fazendo-o a partir do telhado do Prédio sito no n.º 11, integrado no ..., no ..., em comunhão de esforços e intenções. 2. Para o efeito, o CC recebia dinheiro daqueles indivíduos e, em troca, entregava-lhes embalagens de cocaína. 3. Enquanto que os Arguidos AA e DD procediam à vigilância do local a fim de, por um lado, indicarem o local da venda da cocaína, acima referido, aos indivíduos já aludidos e os encaminharem para esse local, e, por outro lado, informarem o CC da aproximação da polícia. 4. Assim, o AA encontrava-se sentado numa cadeira sita do lado oposto ao local acima referido, a cerca de 20 metros do mesmo. 5. Enquanto que o DD se encontrava junto a uma vedação sita na rampa de acesso à .... 6. Neste âmbito, entre as 20H39 e as 20H45 do referido dia, dois indivíduos não identificados dirigiram-se ao CC, entregando-lhe dinheiro e, em troca, esses indivíduos receberam cocaína das mãos do Arguido. 7. Ainda no mesmo dia, pelas 21H10, JJ deslocou-se ao local acima aludido, dirigiu-se ao CC, entregando-lhe 10,00 euros em dinheiro e, em troca, recebeu cocaína das mãos do Arguido. 8. Pelas 21H15, os Agentes da Polícia de Segurança Pública HH e EE entraram na ... e, ato contínuo, o DD gritou para os outros Arguidos «UGA», «UGA», e colocou-se em fuga do local. 9. Nesse momento, o CC arremessou uma bolsa de plástico para o telhado da casa contígua ao já aludido n.º 11, a qual continha no seu interior: ⎯ 9 Embalagens em plástico contendo cocaína no seu interior (éster metílico de benzoilecgonina) com o peso líquido de 2,822 gramas; ⎯ 18 embalagens em plástico contendo cocaína no seu interior (éster metílico de benzoilecgonina) com o peso líquido de 1,845 gramas; 10. O mesmo Arguido tinha na sua posse 90,00 euros em notas do Banco Central Europeu. 11. O dinheiro acima referido foi obtido com a venda, pelos Arguidos, de cocaína. 12. Os Arguidos atuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo a que a sua conduta era proibida e punida por lei. *** 13. Em .../.../2023, cerca das 17h50, os Arguidos CC, BB e FF decidiram receber dinheiro de terceiros, incluindo dos indivíduos abaixo referidos, que consumiam esse produto estupefaciente, e, após, entregar-lhes cocaína, fazendo-o a partir da rampa de acesso à ... e na ..., em Lisboa, em comunhão de esforços e intenções. 14. Para o efeito, o CC recebia dinheiro daqueles indivíduos e, em troca, entregava-lhes embalagens de cocaína. 15. Enquanto que o FF procedia à vigilância do local a fim de, por um lado, receber as quantias em dinheiro entregues a CC, e, por outro lado, informar este último Arguido da aproximação da polícia. 16. E o arguido BB procedia à recolha e guarda das quantias em dinheiro acima referidas, que lhe eram previamente entregues pelo GG. 17. Quantias em dinheiro essas que eram, posteriormente, divididas pelos três Arguidos. 18. Neste contexto, entre as 17H50 e as 18H25, o CC contactou com, pelo menos, 10 consumidores de cocaína junto à rampa de acesso à ... e, após, dirigiu-se à vegetação existente em frente ao n.º 6 da ..., local onde recolheu embalagens de cocaína para, de seguida, dirigir-se, de novo, à rampa e, após deles receber dinheiro, entregar cocaína aos consumidores. 19. Enquanto que cada um dos demais Arguidos procedeu nos termos já descritos. 20. Pelas 18H25, ao ser intercetado por agentes da Polícia de Segurança Pública, o CC estava na posse de: ⎯ 3 embalagens em plástico contendo cocaína no seu interior (éster metílico de benzoilecgonina) com o peso líquido de 0,920 gramas; ⎯ 8 embalagens em plástico contendo cocaína no seu interior (éster metílico de benzoilecgonina) com o peso líquido de 1,361 gramas; ⎯ 1 nota de euro, emitida pelo Banco Central Europeu, no valor de 20,00 euros. 21. Nas mesmas circunstâncias, ao ser intercetado por agentes da Polícia de Segurança Pública o BB estava na posse de 1.055,00 em dinheiro, dividido em várias notas emitidas pelo Banco Central Europeu. 22. O dinheiro acima referido foi obtido com a venda, pelos Arguidos, de cocaína. 23. Os Arguidos atuaram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo a que a sua conduta era proibida e punida por lei. (…) 38. Do teor do certificado de registo criminal do AA constam as seguintes condenações: ⎯ Decisão .../07/20 ⎯ Trânsito em julgado: ...1.../10 ⎯ Data dos factos: ...1.../07 ⎯ Crime: roubo ⎯ Pena: 2 anos de prisão, suspensa pelo mesmo período, sujeita a regime de prova ⎯ Decisão: ...1.../05 ⎯ Trânsito em julgado: ...1.../02 ⎯ Data dos factos: ...1.../04 ⎯ Crime: furto simples ⎯ Pena: 100 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros ⎯ Decisão: ...1.../07 ⎯ Trânsito em julgado: ...1.../08 ⎯ Data dos factos: ...1.../12 ⎯ Crime: roubo ⎯ Pena: 1 ano e 6 meses de prisão ⎯ Decisão: ...1.../12 ⎯ Trânsito em julgado: ...1.../02 ⎯ Data dos factos: ...1.../06 ⎯ Crime: ofensa à integridade física grave qualificada ⎯ Pena: 9 meses de prisão, suspensa por 1 ano, sujeita a regime de prova ⎯ Decisão: ...2.../06 ⎯ Trânsito em julgado: ...2.../09 ⎯ Data dos factos: ...1.../06 ⎯ Crimes: injúria agravada e ameaça agravada ⎯ Pena: 4 meses de prisão, suspensa por 1 ano, sujeita a regime de prova ⎯ Decisão: ...2.../01 ⎯ Trânsito em julgado: ...2.../04 ⎯ Data dos factos: ...2.../01 ⎯ Crime: condução de veículo sem habilitação legal ⎯ Pena: 70 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros ⎯ Decisão: ...2.../10 ⎯ Trânsito em julgado: ...2.../04 ⎯ Data dos factos: ...1.../03 ⎯ Crimes: injúria agravada e resistência e coação sobre funcionário ⎯ Pena: 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período ⎯ Decisão: ...2.../11 ⎯ Trânsito em julgado: ...2.../01 ⎯ Data dos factos: ...2.../03 ⎯ Crime: furto qualificado ⎯ Pena: 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa por 3 anos, sujeita a regime de prova ⎯ Decisão: ...2.../04 ⎯ Trânsito em julgado: ...2.../06 ⎯ Data dos factos: ...2.../04 ⎯ Crime: desobediência Penas: 90 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros, e 4 meses de proibição de condução de veículos a motor ⎯ Decisão: ...2.../07 ⎯ Trânsito em julgado: ...2.../09 ⎯ Data dos factos: ...1.../11 ⎯ Crime: furto simples ⎯ Pena: 1 ano e 2 meses de prisão, suspensa pelo mesmo período, com regime de prova ⎯ Decisão: ...2.../10 ⎯ Trânsito em julgado: ...2.../10 ⎯ Data dos factos: ...2.../04 ⎯ Crime: condução de veículo sem habilitação legal ⎯ Pena: 70 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros ⎯ Decisão: ...2.../10 ⎯ Trânsito em julgado: ...2.../02 ⎯ Data dos factos: ...2.../03 ⎯ Crime: violência depois da subtração ⎯ Pena: 3 anos de prisão ⎯ Decisão: ...2.../05 ⎯ Trânsito em julgado: ...2.../09 ⎯ Data dos factos: ...2.../04 ⎯ Crime: introdução em lugar vedado ao público ⎯ Pena: 2 meses de prisão, substituída por multa à taxa diária de 5,00 euros - Decisão: ...2.../06 ⎯ Trânsito em julgado: ...2.../09 ⎯ Data dos factos: ...2.../02 ⎯ Crimes: falsificação ou contrafação de documento e burla ⎯ Pena: 290 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros ⎯ Decisão: ...2.../06 ⎯ Trânsito em julgado: ...2.../09 ⎯ Data dos factos: ...2.../01 ⎯ Crime: furto ⎯ Pena: 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de trabalho a favor da comunidade ⎯ Decisão: ...2.../07 ⎯ Trânsito em julgado: ...2.../09 ⎯ Data dos factos: ...2.../03 ⎯ Crimes: falsas declarações e condução de veículo sem habilitação legal ⎯ Pena: 200 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros ⎯ Decisão cúmulo jurídico: ...2.../04 ⎯ Trânsito em julgado: ...2.../05 ⎯ Pena: 785 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros, bem como 4 meses de proibição de condução de veículos a motor 42. Do teor do certificado de registo criminal do BB constam as seguintes condenações: ⎯ Decisão: ...1.../03 ⎯ Trânsito em julgado: ...1.../04 ⎯ Data dos factos: ...0.../03 ⎯ Crimes: sequestro e roubo ⎯ Pena: 11 meses de prisão, suspensa por 1 ano, sujeita a regime de prova ⎯ Decisão: ...1.../10 ⎯ Trânsito em julgado: ...1.../11 ⎯ Data dos factos: .../.../2008 e .../.../2009 ⎯ Crimes: detenção de arma proibida e consumo de estupefacientes ⎯ Pena: 350 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros ⎯ Decisão: ...1.../11 ⎯ Trânsito em julgado: ...1.../12 ⎯ Data dos factos: ...1.../05 ⎯ Crime: tráfico de estupefacientes de menor gravidade ⎯ Pena: 2 anos de prisão, suspensa pelo mesmo período, sujeita a regime de prova ⎯ Decisão: ...1.../06 ⎯ Trânsito em julgado: ...1.../02 ⎯ Data dos factos: ...1.../10 - Crime: condução de veículo sem habilitação legal ⎯ Pena: 133 dias de prisão ⎯ Decisão: ...1.../12 ⎯ Trânsito em julgado: ...1.../01 ⎯ Data dos factos: ...0.../01 ⎯ Crime: furto qualificado ⎯ Pena: 200 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros ⎯ Decisão: ...1.../10 ⎯ Trânsito em julgado: ...1.../11 ⎯ Data dos factos: ...1.../07 ⎯ Crimes: 2 crimes de tráfico de menor gravidade ⎯ Pena: 2 meses de prisão ⎯ Decisão: ...1.../01 ⎯ Trânsito em julgado: ...1.../04 ⎯ Data dos factos: ...1.../08 ⎯ Crime: tráfico de menor gravidade ⎯ Pena: 2 anos e 3 meses de prisão ⎯ Decisão: ...1.../06 ⎯ Trânsito em julgado: ...1.../05 ⎯ Data dos factos: ...1.../03 ⎯ Crime: roubo ⎯ Pena: 1 ano e 3 meses de prisão ⎯ Decisão cumulatória: ...1.../10 ⎯ Trânsito em julgado: ...1.../11 ⎯ Data dos factos: ...1.../03 ⎯ Pena: 3 anos e 2 meses de prisão ⎯ Decisão: ...2.../02 ⎯ Trânsito em julgado: ...2.../06 ⎯ Data dos factos: ...2.../02 ⎯ Crime: condução sem habilitação legal ⎯ Pena: 5 meses de prisão, suspensa pelo período de 1 ano ⎯ Entre .../.../2016 e .../.../2019, o Arguido esteve em reclusão, tendo-lhe sido concedida, em .../.../2019, a liberdade condicional. 51. O AA, natural de ..., vive em ... desde os 7 meses de idade. 52. Na data dos factos acima referidos, o Arguido vivia na rua e consumia droga, consumos que iniciou em .... 53. E está habilitado com o 12.º ano de escolaridade. 54. Quando terminou o ensino secundário, regressou a ... e passou a frequentar o 1.º ano do Curso de Direito, na Universidade … 55. Bem como a cumprir o serviço militar. 56. Após, ainda em ..., o Arguido trabalhou numa empresa de telecomunicações, função que acumulou com explicações particulares a alunos do ensino secundário. 57. Em ..., o Arguido regressou a ..., tendo realizado trabalhos temporários e indiferenciados, alternados com períodos de desemprego. 58. Em ..., o Arguido passou a viver com uma companheira, relação da qual nasceu uma filha, companheira essa que, em ..., decidiu separar-se do Arguido. 59. Em ..., o Arguido estabeleceu um novo relacionamento, do qual nasceu um filho que, atualmente, tem 6 anos de idade e reside com a mãe. 60. O Arguido acompanha com pares relacionados com o tráfico e o consumo de droga, demonstrando fragilidades em termos de escolhas e vulnerabilidade aos pares. 61. O Arguido pretende fazer tratamento à toxicodependência e retomar os estudos. (…) 77. O BB vive com a companheira, o filho desta de uma primeira relação, de 15 anos de idade, e as duas filhas do casal, de 8 e 4 anos de idade. 78. O agregado familiar do Arguido vive em casa arrendada pelo valor de 590,00 euros. 79. O Arguido é sócio-gerente da ..., que desenvolve atividades de limpeza industrial, auferindo 591,24 euros de rendimento, nessa qualidade. 80. O Arguido trabalha, ainda, como taxista no ..., por conta de outra pessoa, auferindo cerca de 1.500,00 euros mensais de rendimento. 81. O percurso escolar do Arguido foi marcado pelo insucesso, com retenções e comportamentos desajustados, tem o Arguido abandonado o ensino quando concluiu o 4.º ano de escolaridade. 82. Durante a sua reclusão no ..., o Arguido concluiu o 9.º ano de escolaridade. 83. Após a desistência da escola, o Arguido trabalhou, pontualmente, como ajudante de ... e na área da hotelaria. 84. Aos 13/14 anos, o Arguido foi viver com a mãe, que tinha dificuldades a nível de supervisão parental, e um estilo educativo permissivo com regras pouco rígidas, o que permitiu uma autonomia precoce disfuncional e a associação do Arguido a pares problemáticos. 85. Na adolescência, o Arguido consumiu drogas. 86. O Arguido denota dificuldade de consciencialização das consequências do seu comportamento, adotando um discurso desresponsabilizador e vitimizador. III.II – Motivação da matéria de facto O Tribunal Coletivo considerou, de forma conjugada e contrastada entre si, os seguintes meios de prova: Os Arguidos CC e AA optaram por não prestar declarações à matéria dos Autos. O DD negou a prática dos factos, assumindo, apenas, que na data a que os mesmos se reportam era consumidor de cocaína, bem como ter sido detido no local dos mesmos pelo facto de estar indocumentado – como se verá abaixo, a versão dos factos trazida aos Autos pelo Arguido no tocante às razões da sua detenção não é credível, sendo certo, aliás, que ao prestar declarações em julgamento o Arguido também não foi seguro, nem espontâneo. O GG não compareceu ao julgamento. Em sede de interrogatório judicial, o Arguido negou a prática dos factos. O BB negou a prática dos factos, dizendo não conhecer os demais Arguidos e que no local dos factos ninguém estava a vender droga, mais referindo ter sido detido nesse local (que é o seu bairro de infância) na posse do dinheiro que lhe foi apreendido, no momento em que aí se encontrava para cortar o cabelo, o que faz regularmente nesse local – estas declarações estão, em geral, alinhadas com as que o Arguido prestou em sede de interrogatório judicial – como se verá abaixo, a versão dos factos trazida aos Autos pelo Arguido no tocante às razões da sua detenção não é credível, sendo certo, aliás, que ao prestar declarações o Arguido também não foi seguro, nem espontâneo, e, em especial, não logrou justificar a razão pela qual estava na posse de uma tão grande quantia de “dinheiro vivo”. O KK confessou que, nas circunstâncias referidas nos factos provados, foi detido na posse de uma embalagem de cocaína e de uma bolota de haxixe, sendo esta última para o seu consumo e a primeira para venda, mais reconhecendo que estava, igualmente, na posse do dinheiro que lhe foi apreendido, que era a receita de anteriores vendas de cocaína. De resto, o Arguido negou a prática dos demais factos a ele respeitantes e ao CC – estas declarações, que estão, em geral, alinhadas com as que o Arguido prestou em sede de interrogatório judicial, são, na sua quase totalidade credíveis, sendo certo que, na parte não credível (relativa ao uso a dar ao haxixe), o Arguido não foi seguro e espontâneo, designadamente não tendo conseguido explicar como sustentava financeiramente este alegado consumo A testemunha HH, agente da Polícia de Segurança Pública, depondo de forma credível, por segura e espontânea, confirmou os factos relativos a todos os processos aqui em causa, explicando que os visualizou bem de perto, no que foi secundado pela testemunha EE, agente da Polícia de Segurança Pública que se encontrava, também ele, a efetuar vigilâncias, testemunha que depôs nos mesmos termos. Os depoimentos destas testemunhas mostram-se, ainda, corroborados pelo depoimento da testemunha LL, agente da Polícia de Segurança Pública, que, depondo nos mesmos termos, e confirmando tais factos, disse ter colaborado nas interceções dos Arguidos CC e MM no âmbito do último dos processos aqui referidos, bem como nas apreensões que se lhes seguiram. Quanto à testemunha NN, comissário da Polícia de Segurança Pública, a mesma, depondo de forma credível, por segura, calma e espontânea, corroborou os depoimentos das demais testemunhas no tocante, em concreto, aos últimos Autos aqui em causa, na medida em que somente participou nas vigilâncias relativas a tais Autos. De resto, o depoimento das testemunhas mostra-se reforçado pelo teor da prova pré-produzida junta aos Autos, que não foi impugnada, com destaque para os exames periciais à droga, as fotos da droga, os autos de vigilância, os autos de apreensão e os factos materiais descritos nos autos de notícia como tendo sido presenciados pelas testemunhas, tudo constante de fls. 2, 10, 23, 27, 34 e ss., 87 e ss., 106, 114, 124 e 125, 244, 245, 248 e 249 e 285 (Processo n.º 2/23.9...), 2, 5, 13, 17, 46 a 48, 92, 98, 105, 107, 151, 157 e 159 (Processo n.º 133/23.5...). A propósito do facto de os Arguidos terem atuado de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, o Tribunal Coletivo considerou a matéria de factos provada, que foi analisada à luz das regras da lógica e da experiência comum, dela se extraindo que o comum dos cidadãos medianamente inteligente e sagaz (como se presume que seja, no mínimo, o caso dos Arguidos) sabe que é crime levar a cabo a prática dos factos aqui em causa. Quanto aos factos relativos aos antecedentes criminais dos Arguidos, tomou-se em consideração o teor dos certificados de registo criminal juntos aos Autos, bem como, quanto ao BB, o teor da informação de fls. 333 a 344 e o teor da pesquisa de reclusos e do ofício do Tribunal de Execução das Penas de Lisboa – Juiz 1 –, datado de .../.../2025, relativos à execução de penas de prisão e à liberdade condicional. No tocante ao enquadramento socioeconómico de todos os Arguidos, com exceção do CC, relevaram os relatórios sociais que foram juntos aos Autos. Quanto ao CC, tomou-se em consideração o teor das declarações por si prestadas em julgamento, sendo certo que, sendo relativas a factos que não lhe são desfavoráveis, as mesmas foram credíveis, já que o Arguido depôs de forma calma e espontânea». 3. Dos recursos interpostos Por uma questão de lógica, cronologia (em tese até, eventualmente, preclusivas) e, também, por motivos de economia processual, faremos a apreciação dos recursos interpostos debruçando-nos, primeiramente, na invocada nulidade do acórdão, por falta de exame crítico da prova, dos vícios de procedimento, conforme art. 410º, n.º 2 do C.P.P., seguindo-se, depois, a apreciação dos alegados erros de julgamento quanto à matéria de facto e, por fim, os imputados erros quanto à matéria de direito. 3.1. Da nulidade do acórdão por falta de exame crítico da prova No que concerne à invocada nulidade do acórdão, aduz o recorrente BB, em síntese, que: «O Douto Acórdão recorrido padece de nulidade, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a) do CPP, por falta de fundamentação, designadamente quanto ao processo lógico e racional que levou à valoração da prova. O Tribunal a quo deu como provados factos relevantes (nomeadamente os constantes dos pontos 13.º, 16, 17, 19, 21, 22 e 23 da matéria de factos provados) com base nos depoimentos das duas testemunhas agentes da PSP, que se apresentam vagos, genéricos e não individualizados em relação à atuação concreta do Recorrente. O Tribunal desvalorizou, sem justificação concreta e fundamentada, as declarações do Recorrente, que desde o primeiro interrogatório apresentou explicação plausível e documentada para a origem dos valores que possuía consigo, nunca tendo sido contrariada por qualquer prova em sentido contrário. A decisão do Tribunal a quo limita-se a indicar os meios de prova utilizados, sem proceder ao necessário exame crítico das provas, conforme exige o artigo 374.º, n.º 2 do CPP. A jurisprudência é clara ao referir que não basta a enumeração dos meios de prova: é necessário que o julgador explicite por que motivo atribuiu credibilidade a determinados depoimentos e não a outros, de modo a permitir o controlo da racionalidade e legalidade da decisão. A motivação da decisão recorrida é omissa quanto aos motivos que levaram o Tribunal a quo a dar como provados os referidos factos». Preliminarmente, pese embora o recorrente AA não tenha invocado a nulidade do acórdão, urge ressaltar que: «As nulidades da sentença, por via da sua natureza específica em relação ao regime geral das nulidades, devem ser conhecidas oficiosamente pelo Tribunal de recurso, se constatadas, ainda que possam ser invocadas por qualquer dos sujeitos processuais. Estão em causa omissões essenciais e estruturais da sentença que por isso não podem deixar de ser apreciadas, quando ocorram. No mesmo sentido MADEIRA, 2021, p. 1158, sublinhando que «nem podia ser de outra forma, sob pena de o tribunal de recurso, na ausência de arguição, ter de confirmar sentenças sem qualquer fundamentação, violadoras do princípio d acusatório e sem qualquer dispositivo». Deve sublinhar-se que a alteração legislativa decorrente da L 20/2013, que levou à introdução do n.º 3 implicou a caducidade da interpretação efetuado pelo Assento n.º 9/92, 6.5.1992 (LUCENA e VALE) ao dizer que "não é insanável a nulidade da alínea a) do artigo 379.° do Código de Processo Penal de 198, consistente na falta de indicação, na sentença penal, das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, ordenada pelo artigo 374.°, n.º 2, parte final, do mesmo Código, por isso não lhe sendo aplicável a disciplina do corpo do artigo 119.° daquele diploma legal", tendo em conta que à data da prolação daquele assento, inexistia tal norma»1. Vejamos, então. Num Estado de Direito, os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão2. No dizer de Germano Marques da Silva o objectivo de tal dever de fundamentação, imposto pelos sistemas democráticos, é permitir «a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina.» Como referia Alberto dos Reis, uma decisão sem fundamentos equivale a uma conclusão sem premissas.3 Concretamente, dispõe o art. 379º do C.P.P. que é nula a sentença: «a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F». Por seu turno, o art. 374º, n.º 2 do C.P.P. determina que: «Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal». «A exigência de fundamentação consiste na imposição de que “as decisões sejam eficazmente motivadas em matéria de facto e de direito”. “Motivar, na sua aproximação mais óbvia, é justificar a decisão adoptada para que possa ser controlada do exterior (Perfecto Andrés Ibañez, loc. cit., p. 167). O caminho percorrido desde a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987 sedimentou o entendimento, que temos hoje por incontroverso, de que a motivação da matéria de facto exige exame crítico das provas, de todas as provas conducentes ao conjunto dos enunciados fácticos afirmados na sentença, no sentido de que não basta enumerar, mencionar, transcrever ou reproduzir provas, impondo-se exteriorizar em que medida a prova influenciou o julgador, convencendo-o em determinado sentido. Logo nos primeiros trabalhos de interpretação e de elaboração dogmática realizados sobre o novo Código de Processo Penal, divulgados pelo Centro de estudos Judiciários em 1988, dizia Marques Ferreira: “A obrigatoriedade de tal motivação surge em absoluta oposição à prática judicial na vigência do Código de Processo Penal de 1929 e não poderá limitar-se a uma genérica remissão para os diversos meios de prova fundamentadores da convicção do tribunal (…). De facto, o problema da motivação está intimamente conexionado com a concepção democrática ou antidemocrática que insufle o espírito de um determinado sistema processual (…). No futuro processo penal português, em consequência com os princípios informadores do Estado de Direito democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado no art. 32º, nº1 e 210º, nº1 da Constituição da República Portuguesa, exige-se não só a indicação das provas e dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal, mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possível completa ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão. Estes motivos de facto (…) não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência” (Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, 1988, 229/30). Ao motivar, o tribunal tem de dar a conhecer “as razões – necessariamente racionais e objectivas – da decisão (…) O tribunal dará cumprimento à norma, tendo em conta o art. 205º da CRP, ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência e ao expor as razões de forma objectiva e precisa porque é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e porque é que outras não serviram (…) Ela destina-se a justificar, de forma racional e objectiva, a convicção formada” (Sérgio Poças, Sentença Penal – Fundamentação de Facto, Rev. Julgar, nº3). Abundante é, também, a jurisprudência do Tribunal Constitucional. No Acórdão n.º 198/2004, de 24.03.2004, por exemplo, chama-se a atenção para que “esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis)».4 «A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção» - Ac. do STJ de 30/1/2002, proc. nº 3063/01-3ª; MAIA GONÇALVES in “Código de Processo Penal Anotado e Comentado”, 13ª ed., 2002, pp. 739-740)».5 Consabidamente, para além da prova directa do facto, a apreciação do tribunal pode assentar em prova indirecta ou indiciária, a qual se faz valer através de presunções. No recurso a presunções simples ou naturais (art. 349º do Cód. Civil), parte-se de um facto conhecido (base da presunção), para concluir presuntivamente pela existência de um facto desconhecido (facto presumido), servindo-se para o efeito dos conhecimentos e das regras da experiência da vida, dos juízos correntes de probabilidade, e dos princípios da lógica. Como refere, a propósito, Santos Cabral6, «Não faz a nossa lei processual penal qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária. O funcionamento, e creditação desta, está dependente da convicção do julgador a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável nomeadamente em sede de sentença. Por qualquer forma é incontornável a afirmação de que a gravidade do indício está directamente ligada ao seu grau de convencimento: é grave o indício que resiste às objecções e que tem uma elevada carga de persuasividade como ocorrerá quando a máxima da experiência que é formulada exprima uma regra que tem um amplo grau de probabilidade. Por seu turno é preciso o indício quando não é susceptível de outras interpretações. Mas sobretudo, o facto indiciante deve estar amplamente provado ou (…) corre-se o risco de construir um castelo de argumentação lógica que não está sustentado em bases sólidas. Por fim os indícios devem ser concordantes, convergindo na direcção da mesma conclusão facto indiciante. Porém, uma perplexidade assalta o analista, esta árida matéria na enumeração dos requisitos deste tipo de prova, pelo menos em face da lógica. É que ultrapassando a questão da necessidade de vários indícios ou da suficiência de um indício, o certo é que, quando existe aquela pluralidade, coloca-se a questão do objecto em função dos quais se deve avaliar os requisitos enunciados. Nunca é demais sublinhar que é a compreensão global dos indícios existentes, estabelecendo correlações e lógica intrínsecas que permite e avaliza a passagem da multiplicidade de probabilidades, mais ou menos adquiridas, para um estado de certeza sobre o facto probando. (…) Pretendendo desenhar alguns dos princípios a que se refere a prova indiciária diremos que na mesma devem estar presentes condições relativas aos factos indiciadores; à combinação ou síntese dos indícios; à indiciária combinação das inferências indiciárias; e à conclusão das mesmas. 1) Os indícios devem estar comprovados e é relevante que esta comprovação resulte de prova directa, o que não obsta a que a prova possa ser composta, utilizando-se, para o efeito, provas directas imperfeitas, ou seja, insuficientes para produzir cada uma em separado prova plena. 2)Os factos indiciadores devem ser objecto de análise crítica dirigida à sua verificação, precisão e avaliação o que permitirá a sua interpretação como graves, médios ou ligeiros. Porém, (…) não é pela circunstância de se inscreverem nesta última espécie que os indícios devem ser afastados pois que o pequeno indício conjugado com outros pode assumir uma importância fundamental. 3) Os indícios devem também ser independentes e, consequentemente, não devem considerar-se como diferentes os que constituam momentos, ou partes sucessivas, de um mesmo facto. 4) Os indícios devem ser concordantes, ou seja, conjugar-se entre si, de maneira a produzir um todo coerente e natural, no qual cada facto indiciário tome a sua respectiva colocação quanto ao tempo, ao lugar e demais circunstâncias. (…) que os indícios se avaliam e não se contam, motivo pelo qual não basta somente a pluralidade já que é indispensável que, examinados em conjunto, produzam a certeza sobre o facto investigado e para que isto ocorra requer-se que sejam graves, que concorram harmonicamente a apontar o mesmo facto. 5) As inferências devem ser convergentes, ou seja, não podem conduzir a conclusões diversas e a ligação entre o facto base e a consequência que dele se extrai deve ajustar-se às regras da lógica e às máximas da experiência. 6) Por igual forma, deve estar afastada a existência de contraindícios pois que tal existência cria uma situação de desarmonia que faz perder a clareza e poder de convicção ao quadro global da prova indiciária. O contraindício destina-se a infirmar a força da presunção produzida e, caso não tenha capacidade para tanto, pela sua pouca credibilidade, mantém-se a presunção que se pretendia elidir. Verificados os respectivos requisitos pode-se afirmar que o desenrolar da prova indiciária pressupõe três momentos distintos: a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência, ou da ciência, que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento. Assim: Em primeiro lugar é necessário que os indícios sejam verificados, precisados e avaliados. Em seguida tem lugar a sua combinação ou síntese. Esta operação intelectual efectiva-se com a colocação respectiva de cada facto ou circunstância acessória, e a sua coordenação com as demais circunstâncias e factos, e dá lugar à reconstrução do facto principal. Esta síntese de factos indicadores constitui a pedra de toque para avaliar a exactidão e valor dos indícios assim como também releva para excluir a possibilidade de falsificação dos indícios. Ao ocupar-se da prova por concurso de indícios e estabelecer que condições devem estes reunir para fazer prova plena os autores exigem, uniformemente, a concordância de todos os indícios pois que sendo estes factos acessórios de um facto principal, ou partes circunstancias de um único facto, de um drama humano devem necessariamente ligar-se na convergência das três unidades: o tempo, o lugar e acção por forma a que cada indicio está obrigado a combinar-se com os outros, ou seja, a tomar o seu lugar correspondente no tempo e espaço e todos a coordenar-se entre si segundo a sua natureza e carácter ou segundo relações de causa a efeito. Em última análise, está presente no nosso espírito a improbabilidade de aquela série de indícios poder apontar noutro sentido que não o atingido. O terceiro momento reside no exame da relação entre facto indiciante e facto probando, ou seja, o funcionamento da presunção. (…) a essência da prova indiciária reside na conexão entre o indício base e o facto presumido, fundamentada no princípio da normalidade conectado a uma máxima da experiência é a essência de toda a presunção. A máxima da experiência constitui a origem de toda a presunção, em combinação com o facto presumido que é o ponto de partida inverso e é o fundamento da mesma por aplicação do princípio da normalidade. A necessidade de controle dos instrumentos através dos quais o juiz adquire a sua convicção sobre a prova visa assegurar que os mesmos se fundamentam em meios racionalmente aptos para proporcionar o conhecimento dos factos e não em meras suspeitas ou intuições ou em formas de averiguação de escassa ou nula fiabilidade. Igualmente se pretende que os elementos que o julgador teve em conta na formação do seu convencimento demonstrem a fidelidade às formalidades legais e às garantias constitucionais. As regras da experiência ou regras de vida como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtém mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte efectuar a generalização. Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária». Volvendo à situação em crise, no que aos recorrentes respeita e para o que ora releva, é de relembrar que o Sr. Juiz e as Sras. Juízas do Tribunal a quo motivaram a decisão de facto nos seguintes termos: «O DD negou a prática dos factos, assumindo, apenas, que na data a que os mesmos se reportam era consumidor de cocaína, bem como ter sido detido no local dos mesmos pelo facto de estar indocumentado – como se verá abaixo, a versão dos factos trazida aos Autos pelo Arguido no tocante às razões da sua detenção não é credível, sendo certo, aliás, que ao prestar declarações em julgamento o Arguido também não foi seguro, nem espontâneo. (…) O BB negou a prática dos factos, dizendo não conhecer os demais Arguidos e que no local dos factos ninguém estava a vender droga, mais referindo ter sido detido nesse local (que é o seu bairro de infância) na posse do dinheiro que lhe foi apreendido, no momento em que aí se encontrava para cortar o cabelo, o que faz regularmente nesse local – estas declarações estão, em geral, alinhadas com as que o Arguido prestou em sede de interrogatório judicial – como se verá abaixo, a versão dos factos trazida aos Autos pelo Arguido no tocante às razões da sua detenção não é credível, sendo certo, aliás, que ao prestar declarações o Arguido também não foi seguro, nem espontâneo, e, em especial, não logrou justificar a razão pela qual estava na posse de uma tão grande quantia de “dinheiro vivo”. (…) A testemunha HH, agente da Polícia de Segurança Pública, depondo de forma credível, por segura e espontânea, confirmou os factos relativos a todos os processos aqui em causa, explicando que os visualizou bem de perto, no que foi secundado pela testemunha EE, agente da Polícia de Segurança Pública que se encontrava, também ele, a efetuar vigilâncias, testemunha que depôs nos mesmos termos. Os depoimentos destas testemunhas mostram-se, ainda, corroborados pelo depoimento da testemunha LL, agente da Polícia de Segurança Pública, que, depondo nos mesmos termos, e confirmando tais factos, disse ter colaborado nas interceções dos Arguidos CC e MM no âmbito do último dos processos aqui referidos, bem como nas apreensões que se lhes seguiram. (…) De resto, o depoimento das testemunhas mostra-se reforçado pelo teor da prova pré-produzida junta aos Autos, que não foi impugnada, com destaque para os exames periciais à droga, as fotos da droga, os autos de vigilância, os autos de apreensão e os factos materiais descritos nos autos de notícia como tendo sido presenciados pelas testemunhas, tudo constante de fls. 2, 10, 23, 27, 34 e ss., 87 e ss., 106, 114, 124 e 125, 244, 245, 248 e 249 e 285 (Processo n.º 2/23.9...), 2, 5, 13, 17, 46 a 48, 92, 98, 105, 107, 151, 157 e 159 (Processo n.º 133/23.5...). A propósito do facto de os Arguidos terem atuado de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, o Tribunal Coletivo considerou a matéria de factos provada, que foi analisada à luz das regras da lógica e da experiência comum, dela se extraindo que o comum dos cidadãos medianamente inteligente e sagaz (como se presume que seja, no mínimo, o caso dos Arguidos) sabe que é crime levar a cabo a prática dos factos aqui em causa». De tal explanação resulta (somente) que o Tribunal Colectivo a quo desconsiderou as versões dos factos apresentadas pelos arguidos/recorrentes e que fundou a convicção nos depoimentos credíveis, por seguros e espontâneos prestados pelas testemunhas HH, EE e LL - todos agentes da P.S.P. - que terão visualizado os factos de perto, conjugados com a prova documental que elencou. Ora, «Mostrando-se inquestionável, crê-se, que não se exige, na fundamentação da decisão fáctica que o juiz tenha de expor, um a um, passo por passo, com inteiro detalhe, todo o seu percurso lógico dedutivo e que não se impõe que se ensaie uma forma exaustiva e meramente descritiva, referenciando e analisando todas as declarações, todos os depoimentos e todo o arsenal de documentos, abordando facto a facto, pormenor a pormenor, circunstância a circunstância - não tem de ser uma espécie de “assentada” em que o tribunal reproduza os depoimentos das testemunhas ouvidas, (…) indo ao ponto de exigir uma explanação fastidiosa-, a verdade, é que míster é, que através da enunciação especificada, dos meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal e da referência à credibilidade que os mesmos mereceram ao tribunal se compreendam os motivos e a construção do percurso lógico da decisão segundo as aproximações permitidas, razoavelmente, pelas regras da experiência comum».7 Assim, se é certo que a predita motivação, ante a confirmação por parte dos arguidos/recorrentes, poderá ainda considerar-se suficiente quanto aos factos objectivos dados como assentes nos pontos 4º e 21º, ou seja, respectivamente, que naquelas circunstâncias de tempo e lugar, «o AA encontrava-se sentado numa cadeira sita do lado oposto ao local acima referido, a cerca de 20 metros do mesmo» e que «ao ser intercetado por agentes da Polícia de Segurança Pública o BB estava na posse de 1.055,00 em dinheiro, dividido em várias notas emitidas pelo Banco Central Europeu», já quanto à demais materialidade impõe-se, estamos em crer, conclusão diversa. Concretamente: i. Relativamente à prova testemunhal o Tribunal a quo quedou-se pela menção de que a testemunha HH confirmou os factos relativos a todos os processos aqui em causa, explicando que os visualizou bem de perto, menção que, posteriormente e por adesão, estendeu aos agentes EE e LL; ou seja «(…) para além de as mencionar e da genérica referência a depoimentos sérios isentos e credíveis, nada mais se aponta que elucide o que deles retirou o tribunal recorrido, sendo que da leitura da motivação executada e acima retratada, não parece exuberar com clareza/ acerto/ perfeição/justeza o que foi afirmado em julgamento por aquelas testemunhas no sentido de demonstrar a materialidade dada como assente, e em que medida que o foi»8; ii. Pese embora o anunciado inserto nos segmentos da motivação que se debruçam sobre as declarações dos arguidos/recorrentes - como se verá abaixo - o Colectivo desconsiderou as versões apresentadas por aqueles, sem que, como é de elementar exigência, tivesse densificado a sua inverosimilhança e/ou a falta de credibilidade; ii. Tendo por referência a (singela) circunstância objectiva de o arguido AA estar sentado numa cadeira do lado oposto e a cerca de 20 metros do local onde se procedia à venda de estupefacientes (ademais e sem que a par se mostre sintomatizada qualquer outra conduta objectiva corroborante, ao contrário do que se verifica relativamente ao arguido não recorrente DD, conforme ponto 8º) desconhece-se inteiramente qual foi o percurso lógico que permitiu dar por assente a factualidade inserta nos pontos 1º e 3º; iii. Sendo pacífico que ao arguido/recorrente BB foi apreendida a quantia de €1.055,00, dividida em várias notas emitidas pelo Banco Central Europeu, ficou, todavia, por esclarecer o juízo que consentiu a inferência dos demais factos dados como assentes nos pontos 13º, 16º, 17º e 22º. Vale tudo por dizer que, pese embora não se possa afirmar que o acórdão é completamente omisso quanto ao exame crítico da prova, o exame levado a cabo, nas descritas circunstâncias, é claramente insuficiente e impossibilita, de todo, a sindicância que se reclama a este Tribunal. Como ficou consignado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/2/2022, processo n.º 203/20.1GAFAL.E1, in www.dgsi.pt. « O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte, permitindo o exame crítico das provas (é a sua função processual) que o tribunal superior, fazendo intervir as indicações extraídas das regras da experiência e perante os critérios lógicos que constituem o fundo de racionalidade da decisão (o processo de decisão), reexamine a decisão para verificar da (in)existência dos vícios da matéria de facto a que se refere o artigo 410º, nº 2 do CPP; o n° 2 do artigo 374° impõe uma obrigação de fundamentação completa, permitindo a transparência do processo de decisão, sendo que a fundamentação da decisão do tribunal recorrido, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico que serviu de suporte ao respetivo conteúdo decisório». Termos em que se conclui que o acórdão padece de insuficiência da fundamentação de facto e exame crítico da prova, o que, configurando desrespeito ao art. 374º, n.º 2 do C.P.P., constitui a nulidade insanável a que alude o art. 379º, n.º 1, al. a) do mesmo diploma legal. * Assim sendo, mostra-se prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas nos recursos interpostos. * Não obstante, deixa-se ainda consignado que a circunstância de, como aduz o arguido/recorrente BB, no acórdão sob recurso, constar na fundamentação «No caso, não se verifica o pressuposto formal da reincidência, já que, mesmo descontado o tempo de reclusão, entre os crimes anteriormente praticados pelo Arguido e o crime ora em equação já decorram mais de 5 anos» e, concomitantemente, no dispositivo, a decisão de «Condenar o arguido BB pela prática, em coautoria material, como reincidente, de um crime de tráfico de menor gravidade», a manter-se, poderá reconduzir-se ao vício da contradição insanável da fundamentação, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea b), do C.P.P. Na verdade, «(…) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste, basicamente, numa oposição na matéria de facto provada [v.g., dão-se como provados dois ou mais que dois factos que estão entre si, em oposição sendo, por isso, logicamente incompatíveis], numa oposição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada [v.g., dá-se como provado e como não provado o mesmo facto], numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto [v.g., quando se dá como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo exposto, que seria outra a decisão de facto correcta], ou ainda quando existe oposição entre a fundamentação e a decisão [v.g., quando a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença consta decisão de sentido inverso]»9 Como refere Francisco Mota Ribeiro, Processo e Decisão Penal Textos, CEJ, 2019, p. 48 «Por vezes a contradição é aparente, ou devida a lapso ou erro manifesto. A sua correção será então possível, ao abrigo do disposto no artigo 380.º, n.º 1, al. b), do CPP. Mas uma tal correção, ao abrigo de tal disposição normativa, já não será possível nas situações em que a contradição da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão não seja, no texto da decisão, configurável como um erro ou lapso cuja eliminação não importe uma modificação essencial. Nestes casos a contradição registada torna-se insanável, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 410.º, n.º 2, al. b), do CPP». III. DISPOSITIVO Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: Declarar nulo o acórdão recorrido na parte atinente aos arguidos AA e BB e determinar que seja quanto a eles proferido novo acórdão, suprindo-se o identificado vício da falta/insuficiência de fundamentação de facto e exame crítico da prova. Notifique. Lisboa, 6 de Novembro de 2025 Ana Marisa Arnêdo Maria de Fátima R. Marques Bessa Jorge Rosas de Castro (vencido, conforme declaração que junta) VOTO DE VENCIDO Com o devido respeito para com as minhas Colegas, não subscrevo o acórdão quanto à alegada insuficiência do exame crítico da prova; entendo que o acórdão recorrido contém um exame crítico suficiente e consequentemente que não se justifica a anulação que vai determinada pela posição que fez vencimento. O exame crítico não tem que ser exaustivo; tem é que ser juridicamente operativo, à luz das finalidades que subjazem à sua exigência legal. Ou seja, e em síntese, impõe-se que o texto da decisão seja um tal que permita a quem o lê perceber quais foram os pontos de apoio essenciais de que o Tribunal se serviu para chegar às conclusões a que chegou em matéria de facto. Se esses pontos de apoio constituem base bastante e em concreto convincente para extrair semelhantes conclusões é matéria que releva já da valoração da prova, que o mesmo é dizer, do mérito substantivo da decisão em matéria de facto. O que devo exigir à decisão recorrida é saber porque decidiu o Tribunal a matéria de facto desta e não daquela maneira; se a decisão recorrida me convence ou não é já algo distinto. Olhando o caso em mãos, e salvo melhor opinião, o Tribunal de 1ª Instância explicou, de forma sintética, é certo, mas suficiente, porque decidiu a matéria de facto como decidiu. Concentrando-nos naquilo que mais releva, o Tribunal indicou os depoimentos prestados em audiência por vários agentes policiais que participaram nas vigilâncias realizadas («bem de perto», lê-se no texto); vigilâncias essas, de resto, documentadas em autos que a decisão recorrida também identifica. Mais: da motivação de facto decorre abertamente que o Tribunal considerou que esses depoimentos se corroboravam uns aos outros (leia-se, que eram coerentes entre si); e eram ainda corroborados pelos ditos autos de vigilância (leia-se, que eram congruentes com a descrição feita dos acontecimentos ao tempo da sua ocorrência); e, além disso, ainda especificou que a testemunha HH depôs de forma «segura e espontânea», e que a testemunha NN depôs «de forma credível, por segura, calma e espontânea». O Tribunal de 1ª Instância não se limita a indicar os depoimentos destas testemunhas: expõe a razão de ciência de cada uma delas e regista e afirma a coerência entre os depoimentos, a sua consistência e a sua congruência com os elementos documentais que constam dos autos. Daqui se infere desde logo que o Tribunal recorrido desconsiderou tudo quanto proveio de prova que pudesse apontar em teoria para sentido diferente, ao que logicamente não reconheceu credibilidade, nomeadamente a que deriva das declarações de arguidos; mas mais: não deixou o acórdão recorrido de plasmar a referência a que o BB «não foi seguro, nem espontâneo, e, em especial, não logrou justificar a razão pela qual estava na posse de uma tão grande quantia de “dinheiro vivo”; e quanto ao KK, «(…) na parte não credível (relativa ao uso a dar ao haxixe), o Arguido não foi seguro e espontâneo, designadamente não tendo conseguido explicar como sustentava financeiramente este alegado consumo.» Ao exposto acresce ainda a menção explícita ao teor dos autos de apreensão e de notícia, cujos conteúdo objetivo e conexão com a matéria dos autos são facilmente verificáveis, até porque em número relativamente reduzido. Em suma e abreviando razões, se o Tribunal recorrido considera que os Srs. Agentes do órgão de polícia criminal visualizaram bem de perto os factos objetivos aqui em discussão e se os seus depoimentos são considerados coerentes entre si e congruentes com as vigilâncias documentadas e as apreensões realizadas; e se, ao invés, não reputa de credíveis, seguras ou espontâneas as declarações negatórias dos Arguidos, não vemos que muito mais pudesse a 1ª Instância acrescentar para deixar inteligíveis os pontos de apoio essenciais à leitura que faz da prova. Se o que os Srs. Agentes relataram ter visto é suficiente para dar os factos em apreço como provados ou se há aspetos da prova que impõem outra leitura, isso é outra coisa. Em suma, não anularia o acórdão por falta de exame crítico da prova. Jorge Rosas de Castro _______________________________________________________ 1. José Mouraz Lopes, Comentário Judiciário do Código do Processo Penal, 2ª Edição, Tomo IV, p. 813/814. 2. O Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que: «A fundamentação das decisões judiciais, em geral, cumpre duas funções: a) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação, e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente; b) outra, de ordem extraprocessual, já não dirigida essencialmente às partes e ao juiz ad quem, que procura, acima de tudo, tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão - que procura, dir-se-á por outras palavras, garantir a transparência do processo e da decisão» cf. Acórdãos n.º 55/85, 135/99 e 408/2007. 3. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/3/2015, processo n.º 863/11.4GAFAF.G1, in www.dgsi.pt. 4. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6/11/2012, processo n.º 220/09.2GAGLG.E1, in www.dgsi.pt. 5. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2/10/2018, processo n.º 36/14.4JBLSB.L1-5, in www.dgsi.pt. 6. Intervenção no Centro de Formação Jurídica e Judiciária de Macau em 30 de Novembro de 2011, Prova indiciária e as novas formas de criminalidade. 7. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 4/6/2024, processo n.º 370/21.7T9TMR.E1, in www.dgsi.pt. 8. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 4/6/2024, processo n.º 370/21.7T9TMR.E1, in www.dgsi.pt. 9. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/5/2016, processo n.º 1/14.1GBMDA.C1, in www.dgsi.pt. |