Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
207/18.4T8AMD.L3-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: MORTE PRESUMIDA
AUSÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: 1- Se é certo que o conceito de ausência relevante para efeitos de declaração de morte presumida envolve a consideração do desaparecimento do ausente, tal desaparecimento consubstancia-se, apenas e tão só, na falta de notícias do mesmo, entendidas as mesmas não só como relatos, demonstrações ou constatações da sua presença em determinado local, mas igualmente como conhecimento do lugar onde pode ser encontrado.
2- Estando provado que há mais de 10 anos, contados da última vez que houve notícia do local onde o R. se encontrava, não há conhecimento do lugar onde se encontra, tendo desaparecido daquele que era conhecido e não havendo outras notícias do mesmo, é de declarar a sua morte presumida.
(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Antónia M. intentou acção especial de justificação da ausência de Fábio C., alegando que:
- A A. é tia do R., nascido em 1985;
- Quando o R., órfão de pai, tinha 4 anos de idade, acompanhou a mãe para França, tendo-se ausentado da casa onde moravam (a qual é desconhecida da A.) sem deixar representante ou procurador;
- O R. esteve em Portugal no ano de 2004 e obteve bilhete de identidade em Lisboa;
- A A. remeteu uma carta ao R. dirigida à morada que o mesmo indicou quando obteve bilhete de identidade, vindo a carta devolvida;
- A A. e a sua família desconhecem o paradeiro do R. e nunca mais tiveram notícias do mesmo, o que os deixa desgostosos;
- A A. é interessada com o R. na herança aberta por morte dos seus pais e avós, respectivamente, sendo sua intenção propor acção para partilhar os bens deixados e só não o tendo feito face à ausência do R., que torna a partilha impossível nessa situação, estando os bens da herança expostos à deterioração.
Conclui pedindo a declaração de morte presumida do R. na data de 27/5/2004, de acordo com o preceituado no art.º 114º do Código Civil, e a sucessão dos bens ou entrega deles com a designação de um curador e nomeação de vogais do conselho de família, sendo este convocado para dar parecer sobre o pedido e seus fundamentos.
Em sede de despacho liminar o R. foi absolvido da instância, por ilegitimidade da A.
A A. recorreu desta decisão, tendo este Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão em 20/9/2018 que, na procedência do recurso, revogou a decisão recorrida e substituiu-a por outra que determinou o prosseguimento dos autos “se nenhuma outra razão obstar a tal”.
No tribunal recorrido foi determinada a pesquisa do paradeiro do R., a sua citação pessoal e o cumprimento do disposto no art.º 881º, ex vi art.º 886º, ambos do Código de Processo Civil, tendo sido efectuada a citação por éditos de seis meses e a citação do Ministério Público.
A citação pessoal do R. não foi concretizada na única morada apurada, junto da base de dados da identificação civil.
Em representação do R. ausente o Ministério Público apresentou contestação, invocando a excepção da falta de verificação dos pressupostos para a declaração de morte presumida, sustentando que dos factos alegados pela A. não se extrai que possa ter ocorrido a morte do R., e sendo que a alta probabilidade dessa morte constitui pressuposto necessário da declaração de morte presumida. Conclui pela absolvição do R. do pedido, face à procedência da excepção peremptória invocada.
Na sequência da realização de audiência prévia foi proferida decisão final que julgou a acção improcedente e absolveu o R. do pedido.
A A. recorreu desta decisão, tendo este Tribunal da Relação de Lisboa proferido acórdão em 9/7/2020 que, na procedência do recurso, revogou a decisão recorrida e substituiu-a por outra que, julgando improcedente a excepção peremptória suscitada na contestação, determinou o prosseguimento da acção, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 883º do Código de Processo Civil
No tribunal recorrido foi determinada a pesquisa do paradeiro da mãe do R., produzida a prova oferecida e proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo o R. do pedido.
A A. recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem (com excepção da reprodução da factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida, constante das conclusões 2. e 3.):
1. A Requerente intentou contra o requerido a Acção de Processo Especial de justificação no caso de morte presumida, pedindo a condenação do aqui requerido.
2. A Requerente alegou os factos constantes da petição inicial, sendo que após a audiência de discussão e julgamento foi dado como provado o seguinte: (…)
3. Mais o tribunal julgou não provados os seguintes factos: (…)
4. Na convicção sobre a matéria dada como provada supra discriminada o Tribunal estribou-se na prova documental junta aos autos, nas diligências por si efectuadas que se frustraram junto da Direcção de Serviços de Administração e Protecção Consulares, junto da Segurança Social e da Autoridade Tributária e ainda nas declarações prestadas pela testemunha Maria D., bem como, uns e outros elementos probatórios conjugados entre si e com as regras da experiência comum.
5. No que concerne à factualidade consignada por não provada segundo o Tribunal não foi produzida prova que incidisse sobre a mesma e que lhe permitisse formar uma convicção sobre a sua veracidade, o mesmo é dizer, que as respostas negativas, não integram prova alguma, tudo se passando como se os factos nem sequer tivessem sido articulados.
6. Decorre do preceituado no artigo 114º nº 1 do Código Civil, decorridos dez anos sobre a data das últimas notícias, ou passados cinco anos, se entretanto o ausente tiver completado oitenta anos, podem os interessados – cônjuge n/separado judicialmente de pessoas e bens, herdeiros e todos os que tiverem sobre os bens do ausente direito dependente da condição da sua morte (cfr. artigo 100º do CCivil) requerer a declaração de morte presumida.
7. A norma do artigo 100º do Código Civil, não é mais do que uma norma de legitimação.
8. No caso, a requerente é interessada na morte presumida do sobrinho Fábio C.
9. E só com o trânsito em julgado da sentença de morte presumida é que se abre a herança e será no processo de inventário que se aquilatará se ele é o único herdeiro da tia (requerente) ou se em vez disso a esta preferirão os filhos do requerido e a sua mãe (prioritários sucessíveis), caso os primeiros existam ou esta não tenha falecido, o que se desconhece.
10. Estabelece ainda o nº 2, do artigo 114º do Código Civil, que “a declaração de morte presumida não será proferida antes de haverem decorrido cinco anos sobre a data em que o ausente, se fosse vivo, atingiria a maioridade”.
11. O nº 3, do artigo 114º, do Código Civil, estatui que “a declaração de morte presumida do ausente não depende da prévia instalação da curadoria definitiva e referir-se-á ao fim do dia das últimas notícias que dele houver”.
12. Nesta senda, os efeitos da declaração de morte presumida retrotraem-se ao dia do desaparecimento ou das últimas notícias do ausente.
13. Por sua vez o artigo 115º do Código Civil, consagra o princípio da equiparação da declaração da morte presumida à morte real do ausente, ao prever que “a declaração de morte presumida produz os mesmos efeitos que a morte, mas não dissolve o casamento …
14. Note-se, pois, que o decurso do tempo – 17 anos – a contar da data de 27 de Maio de 2004, só pode consolidar a convicção de que é mais provável que o ausente se encontre morto, do que vivo, pese embora o legislador admita o seu regresso e estabeleça regras que regulem este caso (cfr. artigos 116º e 119ºdo Código Civil.
15. Destrate, em conformidade com os dispositivos citados e considerando que o ausente Fábio C. ainda não completou, se fosse vivo, à data, oitenta anos de idade, bem como já decorreram cinco anos desde a data em que atingiu a maioridade - 3.1.2003 - somente poderá ser declarada a sua morte presumida se tiverem decorrido dez anos, contados da data das suas últimas notícias.
16. Ora considerando que as últimas notícias do ausente Fábio C. foram na data em que este obteve o seu documento de identificação, isto é, em 27 de Maio de 2004 e que perdeu a validade em 27.6.2009; o desconhecimento da não renovação do documento de identificação posteriormente; as declarações da testemunha Maria D.; o desconhecimento do paradeiro de Fábio C. pela Direcção Geral dos Serviços Consulares, por resposta dada ao Tribunal na data de 9 de Dezembro de 2019; por não ter sido localizada a sua inscrição na base de dados Nacional da Segurança Social e das Finanças e ainda por ter sido aposto na carta enviada pela requerente para a morada conhecida do requerido na data de 14 de Setembro de 2017, que foi devolvida àquela com a informação em inglês “Not at this adress, Not Known”, ao contrário do decidido, encontra-se preenchido o pressuposto para que seja declarada a sua morte presumida, ou seja, por terem decorridos mais de dez anos contados da data das últimas notícias.
17. O decurso do tempo acima aludido - desde 27 de Maio de 2004 - consolidou a convicção de que é mais provável que o ausente se encontre morto, do que vivo, pese embora o legislador admita o seu regresso e estabeleça regras que regulem este caso (artigos 116º e 119º do Código Civil).
18. E que o mesmo é afirmar, face à factualidade provada e indicada em 16 e 17, que o Requerido em 27 de Maio de 2004, praticou um acto que corresponde à existência de notícias do mesmo, mas a partir desta data inexiste qualquer ocorrência relativa à sua pessoa que possa ser objectivamente qualificada como relato, demonstração ou constatação da sua presença.
19. Os factos alegados pela requerente e provados não contrariam a existência de um desaparecimento sem notícias, como supra se refere em 18.
20. Do mesmo modo, da matéria provada não é possível afirmar que haja deterioração afectiva da relação entre a requerente e requerido, por acto voluntário deste, assim como não é igualmente possível concluir que o requerido tem o seu centro de imputação de interesses no estrangeiro ou que não desapareceu do seu domicílio ou que tenha residência habitual nos Estados Unidos da América.
21. Com efeito, para que se opere uma presunção judicial é necessário haver um conjunto de elementos, ainda que instrumentais, que permitam estabelecer um nexo de causalidade forte para a formação dessa conclusão.
22. Tal será admissível, no presente caso, face ao tempo já decorrido – mais de 17 anos – e há total ausência de contactos principalmente com a própria requerente, tia do requerido, tudo apontando para o falecimento de Fábio C.
23. Destrate, encontra-se preenchido o pressuposto para que seja declarada a sua morte presumida, ou seja, terem decorrido dez anos, contados da data das últimas notícias.
24. Ante o exposto, deverá ser declarada a morte presumida de Fábio C., com efeitos desde a data das últimas noticias, isto é, desde a data 27 de Maio de 2004, pois a morte presumida produz os mesmos efeitos da morte certa a partir do dia do desaparecimento, das últimas notícias do ausente.
25. Violadas encontram-se as disposições legais supra indicadas.
O Ministério Público, em representação do R., apresentou alegação de resposta, aí concluindo pela manutenção da decisão recorrida.
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Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, a questão submetida a recurso, tal como se encontra delimitada pelas aludidas conclusões, prende-se unicamente com a verificação dos pressupostos para a declaração de morte presumida do R.
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Na sentença recorrida foi considerada como provada a seguinte matéria de facto:
1. A A., nascida a 20/3/1955, é filha de João C. e de Isabel V.
2. O R. nasceu em 3/1/1985, na freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, sendo filho de Martinho C. e Anabela M., e neto paterno de João C. e Isabel V.
3. O R. viveu na Brandoa com os pais durante a primeira infância.
4. Com 4 anos de idade, órfão de pai, Anabela M. saiu da casa onde residia com o filho e mudou-se.
5. Não foi dado conhecimento à A. do local para onde o R. se mudava nem da nomeação de representante ou procurador.
6. O R. solicitou a emissão do cartão de cidadão nacional, que foi emitido a 27/5/2004, com data de validade a 27/6/2009, tendo indicado a seguinte morada estrangeira: 71 (…), Estados Unidos da América.
7. A 14/9/2017 a A., através de advogado, remeteu uma carta ao R. dirigida à morada referida em 6., que veio devolvida com a indicação “Not at this adress, Not Known” e com o seguinte teor: “Ex.mo Senhor. Os melhores cumprimentos, Tem a presente o objecto de, em representação da minha constituinte Antónia M., dar o conhecimento o seguinte: Por óbito da mãe da minha constituinte foi aberta a herança hereditária. Do acervo hereditário é herdeiro entre outros o Senhor Fábio C.. Assim sendo e uma vez que os restantes herdeiros estão de acordo em realizar a partilha, solicito que me informe qual é a sua posição perante a partilha da herança indivisa por óbito de João C. e Isabel V.. Aguardo resposta breve”.
8. O paradeiro do R. é desconhecido na Direcção Geral dos Serviços Consulares, não tendo localizada a sua inscrição na base de dados nacional da Segurança Social e das Finanças.
9. A A. nunca foi contactada pelo R. e desconhece o seu paradeiro, não tendo mais notícias do mesmo.
Na sentença recorrida foi considerada como não provada a seguinte matéria de facto:
a) Nas circunstâncias referidas em 4. dos factos provados, a mãe do R. levou-o para França;
b) A família comum da A. e R. desconhece o paradeiro deste último;
c) A. e R. são interessados na herança aberta por morte dos seus pais e avós, respectivamente, sendo sua intenção propor acção para partilhar os bens deixados;
d) Só não intentou a acção por o R. estar ausente e por a partilha não ser possível nessa situação, estando os bens da herança expostos à deterioração.
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Na sentença recorrida sustentou-se a improcedência da acção pela seguinte forma:
O que importa aferir é se o requerido, que vivia com a mãe na Buraca e que foi viver para local não concretamente apurado, sem o conhecimento da tia, desapareceu sem dar notícias, ou seja, se passou a estar numa situação de ausência qualificada.
Tendo em conta os factos provados, podemos concluir que a saída do requerido do local onde residia com a mãe, na Buraca, não ocorreu em circunstâncias que fizessem duvidar da sua sobrevivência física, que fizessem presumir a sua morte. O requerido era menor de 4 anos e estava órfão de pai e mudou-se com a mãe, que era quem (não havendo evidência em contrário) assumia as responsabilidades parentais do menor, competindo-lhe velar pela sua segurança, saúde e bem-estar – artigo 1877.º e ss. e 1903.º do Código Civil. Se a mãe do requerido estabeleceu um novo domicílio, o domicílio do menor seguiu o da família – artigo 85.º do Código Civil.
Provou-se que a requerente, tia paterna do requerido, ficou sem saber para onde o mesmo tinha ido e onde se encontrava e assim terá permaneceu durante algum tempo.
Como salientamos supra, a ignorância do paradeiro afere-se em função do conhecimento do conjunto de pessoas de quem o ausente era mais próximo, designadamente da família.
Diríamos que, sendo tia paterna, seria normal que a cunhada tivesse dado conhecimento à requerente do seu paradeiro e do seu filho, sobrinho daquela. Mas tal regra de normalidade é facilmente infirmada pela realidade concreta, por motivos que apenas se podem especular, como uma eventual má relação entre a família.
Não foi feita prova da qualidade dos laços afectivos naquela família, isto é, se, apesar da relação biológica, aquela tia era uma pessoa de quem o requerido (ou a mãe) fossem próximos e que a falta de notícias fosse uma anormalidade face às regras de experiência. A única testemunha ouvida mostrou reservas quanto à mãe do requerido que era uma pessoa que lidava pouco com os outros.
Atrevemo-nos a dizer que aquela relação familiar não era próxima. Por um lado, seria normal que, existindo uma relação de proximidade, a mãe do requerido não deixasse de avisar a sua cunhada da morada onde podia ser encontrada. Em segundo lugar, como salientaremos infra, existindo uma prova de vida do requerido no ano de 2004, quando o requerido tinha 19 anos e maior de idade, não houve qualquer tentativa de contacto do sobrinho com aquela tia. Outro aspecto relevante é que a carta enviada pela requerente para os Estados Unidos da América, para interpelar o requerido, é uma missiva formal, assinada por um advogado, estando dela ausentes quaisquer questões sobre o bem-estar do requerido, sobre a vida que tem tido e declarações afectivas próprias de relações familiares. Ou seja, o teor da carta não evidencia qualquer ansiedade ou emoção perante a possibilidade de reatar uma relação que foi cortada cerca de um quarto de século antes.
Os factos alegados e apurados são curtos relativamente ao conhecimento que outros membros da família ou amigos pudessem ter do paradeiro do requerido, ou seja, não podemos afirmar a existência de uma ignorância generalizada sobre o paradeiro do requerido em relação às pessoas que faziam parte da relação íntima do requerido e da sua mãe.
Outro aspecto importante é que o desconhecimento relevante do paradeiro do requerido não pode ser uma mera ignorância, mas tem de ser acompanhada de uma actividade (frustrada) tendente a localizar o requerido. Também nesta parte, não se alegou nem provou que a requerida tenha feito qualquer actividade no sentido de localizar o requerido, consultando por exemplo, a morada constate da base de dados da identificação civil, tal como veio a fazer no ano de 2017.
Uma vez que a ignorância do paradeiro se afere em função do conhecimento do conjunto de pessoas de quem o ausente era mais próximo, não temos por certa a verificação do pressuposto da ausência qualificada do requerido neste período de tempo entre os anos de 1989 a 2017.
Além desse requisito da ausência, existe outro pressuposto essencial que é o da necessidade em prover acerca da administração dos bens do requerido.
Analisados os factos provados, verificamos que não está demonstrado que, à data do desaparecimento do requerido ou nos anos posteriores existissem quaisquer interesses do requerido que carecessem de administração em Portugal. Apenas no ano de 2017 é que a autora remeteu uma carta para a morada indicada pelo requerido a informar da existência de uma herança de um parente comum.
O que significa que não existe prova que evidencie que, no intervalo dos 4 anos de idade até aos 32 anos de idade (em 2017), o requerido tivesse bens ou situações jurídicas em Portugal carecidos de administração, ou seja, que fossem necessárias medidas tendentes a evitar prejuízos da falta de administração dos bens a pessoa ausente, nomeadamente uma herança jacente por óbito de um familiar.
Um evento muito importante para apreciação da causa foi o de Fábio C. ter solicitado a emissão do cartão de cidadão nacional, que foi emitido a 27 de Maio de 2004, com data de validade a 27-06-2009, tendo indicado a seguinte morada estrangeira: 71 (…) Estados Unidos da América;
Há notícias do requerido no ano de 2004, quando o mesmo tinha 19 anos de idade, data em que se dirigiu a um organismo do Estado Português e pediu a renovação do cartão de cidadão, tendo como domicílio uma morada nos Estados Unidos da América: 71 (…), Estados Unidos da América.
Sem prejuízo dos argumentos supra enumerados, consideramos que este evento inutiliza, a nosso ver, o aproveitamento do período entre os anos de 1989 (data da saída da casa na Amadora) e de 2014 como período de tempo válido para a contabilização da ausência do requerido, para efeitos da morte presumida.
As autoridades nacionais são informadas (se já não tivessem conhecimento de tal facto) que o requerido tem o centro de imputação de interesses fora do território nacional, nos Estados Unidos da América, sendo ali que se presume que reside e que faz a sua vida pessoal e profissional.
Apenas no ano de 2017 é que a requerente envia uma carta para a morada dos Estados Unidos da América com vista a contactá-lo, carta que é devolvida com indicação de estar ausente da morada / desconhecido na morada.
Apenas com a frustração da recepção da carta enviada para a morada sinalizado como domicílio do requerido, é que se pode dizer que o requerido deixou de estar onde devia estar, deixou de estar no seu domicílio. Não há qualquer evidência no sentido que o desaparecimento do lugar onde devia estar tenha ocorrido em momento anterior, uma vez que não está identificada qualquer tentativa de comunicar com o requerido em momento anterior.
É que, por não ter de ser ilidida por qualquer forma, temos de presumir que, entre o ano de 2004 até Setembro de 2017, o requerido esteve naquele domicílio nos Estados Unidos da América e que, depois desta data, por circunstâncias que se desconhecem, deixou de ali estar.
Interposta a presente acção no ano de 2018, o tribunal encetou diligências com vista contactar o requerido na morada referenciada nos Estados Unidos da América e não conseguiu.
Não é alegada qualquer outra diligência relevante do requerente naquele país.
O tribunal dispõe, nesta acção, de amplo poder inquisitório, nos termos dos artigos 411.º e 883.º do CPC.
Não obstante o dever de investigação, o tribunal reconhece as suas próprias limitações decorrentes da realização de diligências instrutórias em território estrangeiro, destituído do habitual ius imperii e da colaboração, sem intermediação dos canais diplomáticos, das autoridades estrangeiras.
Também as diligências nas autoridades consulares e em território nacional e junto das bases de dados aqui existentes também foram infrutíferas. O paradeiro do requerido é desconhecido na Direcção Geral dos Serviços Consulares, não tendo localizada a sua inscrição na base de dados nacional da Segurança Social e das Finanças.
Ignora-se se o requerido, residindo no estrangeiro, mudou de morada e não actualizou a morada junto das autoridades nacionais ou a ocorrência de qualquer outro evento significativo na sua vida.
Não obstante as limitações à aptidão do tribunal em obter informação sobre condição ou paradeiro do requerido no país que foi o da última residência conhecida, temos de concluir que apenas após Setembro de 2017 é que se pode afirmar que o requerido está ausente daquele que devia ser o seu paradeiro, do local onde devia estar, sem que dele se saiba qualquer notícia. Parece-nos, assim, que as últimas notícias relevantes são o conhecimento da sua deslocação do local onde declarou estar no ano de 2004.
Temos assim de concluir o seguinte:
- O requerido tem, neste momento, 36 anos de idade, muito abaixo da esperança média de vida em Portugal.
- a situação de ausência qualificada apenas ocorre desde o ano de 2017, momento em que se apuram notícia da sua ausência do domicílio no estrangeiro, não tenho decorrido o prazo de 10 anos a que alude o artigo 114.º do Código Civil para efeitos de declaração da morte presumida;
- não está provado que existam bens ou situações jurídicas pertencentes ao requerido em Portugal que careçam de ser administradas.
Tendo em conta os factos apurados, não nos parece lícito concluir, neste momento, pela descrença da sobrevivência do requerido e da presunção da sua morte”.
Já a A. entende que a circunstância de terem decorrido mais de dez anos desde que existem notícias do R. (correspondentes à obtenção do seu documento de identificação pessoal, com indicação de morada no estrangeiro), associada à circunstância de ser desconhecido das autoridades consulares o seu paradeiro no país da referida morada, bem como à circunstância de não ser localizada qualquer inscrição do mesmo nas bases de dados da segurança social e da Autoridade Tributária, constituem factos suficientes para preencher a previsão do art.º 114º do Código Civil.
E mais entende que a referência aos “interessados a que se refere o artigo 100º” (constante do nº 1 do art.º 114º do Código Civil) mais não representa que uma norma atributiva de legitimidade processual, não sendo necessário que esteja demonstrado que existem bens ou situações jurídicas da titularidade do R. que careçam de administração (nos termos dos art.º 89º e seguintes do Código Civil), para que possa ser declarada a morte presumida do ausente, nos termos do art.º 114º do Código Civil.
Dispõe o nº 1 do referido art.º 114º do Código Civil: “Decorridos dez anos sobre a data das últimas noticias, ou passados cinco anos, se entretanto o ausente houver completado oitenta anos de idade, podem os interessados a que se refere o artigo 100.º requerer a declaração de morte presumida”.
Mais dispõe o nº 3 do mesmo art.º 114º que a “declaração de morte presumida do ausente não depende de prévia instalação da curadoria provisória ou definitiva e referir-se-á ao fim do dia das últimas noticias que dele houve”.
Seguindo de perto o que já havia ficado afirmado no acórdão de 9/7/2020 (relatado pelo ora relator e tendo como 1º adjunto o ora 1º adjunto), a respeito do conceito de ausência para efeitos da declaração de morte presumida, aquilo que releva é “o facto de qualquer pessoa desaparecer (…), sem que dela se saiba parte” (como explica Alberto dos Reis em Processos Especiais, volume II, pág. 206, a respeito do conceito de ausência qualificada que decorria do art.º 55º do Código Civil de 1867).
Mais explica (obra citada, pág. 207) que “na base da curadoria definitiva está o pensamento de que o ausente faleceu. O facto de ele deixar de dar notícias faz presumir que morreu; esta presunção vai-se agravando à medida que aumenta o período da ausência até que chega um momento em que se produzem os mesmos efeitos que se produziriam se houvesse a certeza da morte do ausente”.
Por outro lado, e como explicam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, volume I, 4ª edição revista e actualizada, pág. 116), “o desaparecimento sem notícias não supõe, necessariamente, a presunção de que já não é vivo. Uma pessoa que foi fazer uma viagem, e que não dê notícias, pode justificar a nomeação dum curador provisório, embora não haja presunção nenhuma de que morreu”. Mais explicam que “não é de exigir que a pessoa desapareça do seu domicilio ou residência, como dizia o artigo 55º do Código de 1867. Basta que desapareça de qualquer lugar onde se encontrava ou donde deu as últimas notícias”.
Ou seja, se é certo que o conceito de ausência relevante para efeitos de declaração de morte presumida envolve a consideração do desaparecimento do ausente, tal desaparecimento consubstancia-se, apenas e tão só, na falta de notícias do mesmo, entendidas as mesmas não só como relatos, demonstrações ou constatações da sua presença em determinado local, mas igualmente como conhecimento do lugar onde pode ser encontrado.
Transpondo tais considerações para o caso concreto dos autos, está demonstrado que o R. solicitou e obteve o seu documento de identificação pessoal como cidadão nacional, em 27/5/2004.
Dessa factualidade é possível afirmar a constatação da presença do R. no serviço público onde obteve tal documento, em tal data. O que equivale a afirmar a existência de notícias do R., nessa data de 27/5/2004.
Mais está demonstrado que, aquando dessa obtenção do documento de identificação pessoal, o R. indicou uma morada (nos Estados Unidos da América), para a qual a A. enviou uma carta que veio devolvida.
Mais está demonstrado que a carta em questão foi expedida em 14/9/2017 e devolvida com as menções em inglês “Not at this adress” e “not known” (o que equivale a afirmar que foi devolvida porque o R. não foi encontrado nem era conhecido na morada em questão).
Está ainda demonstrado que o documento de identificação pessoal emitido em 27/5/2004 perdeu a sua validade em 27/6/2009, não tendo sido renovado, e não havendo qualquer registo do R., não só nos serviços consulares, mas junto das bases de dados da segurança social e da Autoridade Tributária.
Do mesmo modo, está demonstrado que a A. nunca foi contactada pelo R., não tem notícias do mesmo e desconhece o seu paradeiro.
Assim, pode-se concluir que, desde que em 2004 o R. praticou um acto que corresponde à existência de notícias do mesmo, inexiste qualquer ocorrência relativa à sua pessoa que possa ser objectivamente qualificada como relato, demonstração ou constatação da sua presença.
Do mesmo modo, pode-se concluir que o último lugar conhecido onde o R. podia ser encontrado correspondia ao da morada no estrangeiro, indicada em 2004, e onde o R. não se encontra, também não se logrando apurar onde possa estar, desde essa indicação.
Ou seja, não pode subsistir a conclusão constante da sentença recorrida, no sentido de não se poder afirmar “a existência de uma ignorância generalizada sobre o paradeiro do requerido em relação às pessoas que faziam parte da relação íntima do requerido e da sua mãe”.
Com efeito, desde logo não é possível presumir que até 2017 era conhecido o paradeiro do R., correspondendo à morada nos Estados Unidos da América, que indicou às autoridades nacionais como sendo o seu “centro de imputação de interesses no estrangeiro fora do território nacional”, só assim não sendo a partir dessa data, quando a A. o tentou contactar nessa morada e obteve a informação de que “deixou de estar onde devia estar”. Do mesmo modo, não é possível afirmar que o desconhecimento do paradeiro do R., pela A, está justificado pela circunstância (não demonstrada) da relação entre ambos não ser próxima.
É que, como já se disse e resulta da factualidade apurada, desde que em 2004 o R. deu notícia da sua presença, não há qualquer outra ocorrência que permita concluir por nova demonstração dessa presença, inclusive porque o R. “desapareceu” dos registos das autoridades nacionais, circunstância a que a A. sempre será alheia, tivesse (ou não) actuado no sentido de localizar o mesmo, ou tivesse (ou não) mantido uma relação de proximidade sociofamiliar e afectiva com o mesmo.
Por outro lado, a probabilidade de o R. ter morrido não resulta da sua idade, nem tão pouco da relação mantida com a A. (ou outros familiares), mas apenas e tão só da invocada falta de notícias, com aquelas características de tempo e modo que preenchem a previsão do art.º 114º do Código Civil, e sendo que a morte presumida mais não é que a expressão jurídica dessa probabilidade.
Ou seja, ao contrário do entendimento expresso na sentença recorrida, não carecem de estar demonstrados factos que expressem a existência de iniciativas de localização do R. empreendidas pela A., nem tão pouco de factos que expressem a anormalidade que para a A. representa a falta de notícias do R., mas apenas carecem de estar demonstrados (como estão) os factos que se consubstanciam na falta de notícias do mesmo, durante o prazo necessário para que a ausência em questão faça afirmar (ainda que presuntivamente) que o R. morreu, sem que seja necessário apurar a razão de ser de tal falta de notícias.
Assim, e porque está provado que há mais de 10 anos, contados da última vez que houve notícia do local onde o R. se encontrava, não há conhecimento do lugar onde se encontra, tendo desaparecido daquele que era conhecido e não havendo outras notícias do mesmo, há que declarar a sua morte presumida.
Por outro lado, e quanto à falta de demonstração da existência de bens ou situações jurídicas da titularidade do R. que careçam de administração, do nº 1 do art.º 114º do Código Civil não resulta ser esse um dos requisitos para que a morte presumida possa ser declarada, mas tão só que a remissão aí operada para o art.º 100º do Código Civil apenas se destina a indicar quem são os detentores de legitimidade processual activa para pedir a declaração de morte presumida.
Com efeito, isso mesmo resulta do afirmado no acórdão de 20/9/2018, quando aí se concluiu que “o que importa ao legislador é o interesse que possa ser revelado; o que da norma simplesmente decorre é que qualquer dos interessados que tenha sobre os bens do ausente direitos que dependam da condição da sua morte pode pedir a declaração de morte presumida”.
Ou seja, uma vez que o R. é sobrinho da A. (por ser filho do irmão desta, pré‑falecido), assume-se a A. como integrando uma classe de sucessíveis do R., pelo que se apresenta como interessada na declaração da sua morte presumida.
Por outro lado, e como bem refere a A. na sua alegação de recurso, reproduzindo o afirmado no referido acórdão de 20/9/2018 “porque só com o trânsito em julgado da decisão que declare a morte presumida é que se abre a herança (…)”, só então se tornará necessário verificar se a A. é a sucessora dos bens deixados pelo R., ou se “a si preferirão os filhos do requerido ou a sua mãe (prioritários sucessíveis), no caso de (…) existirem e estarem vivos”.
Do mesmo modo, e como já se referiu, o nº 3 do art.º 114º do Código Civil não faz depender a declaração de morte presumida da prévia instalação da curadoria (provisória ou definitiva), o que mais acentua o desacerto da conclusão tirada na sentença recorrida, no sentido de a morte presumida do R. só poder ser declarada se estivesse em causa a necessidade de prover acerca da administração dos seus bens ou direitos.
Ou, dito de outra forma, porque o fim  da acção em que se pretende a declaração de morte presumida não é a instituição de curador para prover acerca da administração dos bens do ausente, mas antes a produção dos efeitos patrimoniais da sua morte (a devolução do acervo hereditário da pessoa falecida aos seus sucessores), torna-se irrelevante estar a falar de quaisquer necessidades de administração daqueles bens, como pressuposto para a declaração de morte presumida.
Pelo que, também por esta via, não pode subsistir o afirmado na sentença recorrida, no sentido de não estarem reunidos todos os pressupostos para a declaração da morte presumida do R.
Em suma, na procedência das conclusões do recurso da A., importa revogar a sentença recorrida e dar provimento à sua pretensão.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por esta outra decisão em que se julga a acção procedente, declarando-se a morte presumida do R., com referência à data das suas últimas notícias, ocorridas em 27/5/2004, bem como a oportuna entrega aos seus sucessores dos bens da sua titularidade, nos termos do art.º 117º do Código Civil.
Após trânsito em julgado e baixa dos autos ao tribunal recorrido aí será dada publicidade à decisão que declara a morte presumida do R., nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 884º do Código de Processo Civil.
Sem custas (na acção e no recurso), por delas estar isento o R. – art.º 4º, nº 1, al. l), do Regulamento das Custas Processuais.

7 de Abril de 2022
António Moreira
Carlos Castelo Branco (vencido, nos termos da declaração de voto que segue)
Orlando Nascimento

DECLARAÇÃO DE VOTO
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Não acompanho o juízo que fez vencimento quanto aos fundamentos e à decisão, lavrando voto de vencido, com sucinta menção das razões de discordância, nos seguintes termos:
1) A declaração de morte presumida constitui o patamar mais elevado da ausência, implicando os mesmos efeitos que a morte, embora não dissolva o casamento (cfr. artigo 115.º do CC) e implica que decorra um lapso de tempo – nos termos consignados no artigo 114.º, n.ºs. 1 e 2, do CC - desde a data das últimas notícias.
2) De facto, conforme salienta Carvalho Fernandes (Teoria Geral do Direito Civil; Tomo I – Introdução; Pressupostos da Relação Jurídica, 4.ª ed., 2007, Universidade Católica Editora, p. 398), “[a] declaração de morte presumida assenta no prolongamento anormal da ausência e representa a inversão da probabilidade que no seu início se estabelecia quanto à vida ou morte do ausente. A lei dá agora prevalência a esta segunda probabilidade, sendo muito mais ténue, embora não deixe de subsistir (…) a tutela dos interesses do ausente”.
3) Contudo, para tal declaração ocorra mostra-se necessário que seja possível afirmar um juízo de ausência qualificada, em que não apenas, não se sabe do paradeiro de alguém, como também, existe uma ignorância generalizada do local onde a pessoa se encontra.
4) Ora é precisamente quanto a este último aspeto que julgo não se poder afirmar tal ignorância.
5) Na realidade, em caso de ausência do citando em parte incerta, de acordo com o disposto no artigo 236.º CPC, deverão ser realizadas as diligências aí previstas, por consulta às bases de dados, o que foi feito em 28-11-2018.
6) Contudo, as diligências realizadas resumiram-se a consulta na base de dados dos serviços de identificação civil e na da segurança social. A 1.ª teve resultado positivo e a 2.ª - certamente por falta de indicação do número de identificação fiscal (que seria, possivelmente passível de obter, por intermédio dos dados disponíveis na base de dados dos serviços de identificação civil ou que terão baseado a inscrição correspondente - cfr. artigos 2.º, 7.º, n.º 1, al. l) e 36.º da Lei n.º 7/2007, de 5 de fevereiro e Lei n.º 33/99, de 18 de maio) - não teve êxito.
7) Não foi assim diligenciado por obter o número de identificação fiscal, condição para a perfeição das buscas nas bases de dados.
8) Não foi, apesar disso, realizada consulta na base de dados da AT, nem do IMTT, nem solicitada informação à autoridade policial, o que, atenta a finalidade do processo – declarar a morte presumida do requerido - me pareceria indispensável.
9) Tentada a citação por carta com A/R, a mesma foi devolvida aos autos.
10) Foi feita citação por éditos, na mesma data em que foi enviada a carta com A/R - o que é, em si mesmo, não cumpre a prescrição legal para a citação edital, uma vez que, então, não estava frustrada a citação pessoal.
11) Ora, conforme se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-10-2003 (Pº 03B2478, rel. SANTOS BERNARDINO), “em matéria de citação, o procedimento regra é o da citação pessoal. Só quando esta se revela impossível de concretizar - o que acontece quando o citando se encontra ausente em parte incerta ou são incertas as pessoas a citar - deve recorrer-se à citação edital. O uso indevido - i.e., fora dos casos referidos no número anterior - da citação edital, configura verdadeira falta de citação, sendo equiparado à completa omissão do acto. Estando em causa citação de pessoa certa, só depois de esgotadas as possibilidades de operar a citação pessoal - tendo por referência os procedimentos vazados na lei processual para a conseguir - e de se concluir ser impossível a sua realização, por o citando estar ausente em parte incerta, se deverá avançar para as diligências tendentes da citação por via edital”.
12) Não me parece, assim, procedimento legal a concomitante e imediata realização da citação pessoal e da citação edital.
13) O processo em questão segue o regime do 886.º CPC, que manda aplicar os artigos 881.º a 885.º do mesmo Código.
14) Do artigo 883.º,n.º 1, do CPC resulta que, após os articulados, são produzidas as provas e recolhidas as informações necessárias.
15) Seria viável, proporcional e adequado, diligenciar por obter o número de identificação fiscal do requerido – o que não se diligenciou - , proceder às buscas nas bases de dados para encontrar o seu paradeiro e, eventualmente, estando nos autos a certidão de assento de nascimento do requerido, diligenciar por mais elementos, porventura, através dos dados conhecidos dos pais, o que também não se realizou.
16) Afigura-se-me, igualmente, que não foi observado o n.º 4 do artigo 239.º do CPC, sendo certo que, pelo menos, em face da certidão de nascimento, os pais - e logicamente o filho - tinham morada em Portugal.
17) Assim, não acompanho a decisão que fez vencimento, uma vez que entendo não haver condições para julgar procedente a ação, dado que, desde logo, existe uma nulidade que importava declarar, decorrente de falta de citação - cfr. artigos 187.º, al. a), 188.º, n.º 1, al. c), 189.º a contrario do CPC.

Lisboa, 07-04-2022,
Carlos Castelo Branco