Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8108/09.0TBOER.L1-1
Relator: EURICO REIS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
NULIDADE POR FALTA DE FORMA LEGAL
PROVA
CONFISSÃO JUDICIAL
VALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/06/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. O Legislador vem assumindo consistentemente um nítido pendor de favorecimento da iniciativa privada na área do mercado do arrendamento, o qual, por não ser inconstitucional (artºs 61º e 62º da Constituição da República), e por ter vindo a ser sucessivamente sufragada, através de eleições parlamentares, pelo detentor primeiro e último do Poder Soberano do País – o Povo (idem, artºs 1º a 3º) -, não pode ser ignorado por quem administra a Justiça em nome do Povo (idem, art.º 202º n.º 1).
2. Nesta conformidade e, em particular, face à revogação da norma que constituía o n.º 3 do art.º 7 do RAU aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, constitui a solução que se mostra mais acertada, face aos critérios enunciados nos três números do art.º 9º do Código Civil e nos artºs 334º e 335º do mesmo Código, entender que a exigência de prova consubstanciada no art.º 1069º deste diploma tem uma natureza ad substantiam e não meramente ad probationem, pelo que a ausência da forma escrita na celebração de um contrato de arrendamento urbano com duração superior a seis meses não pode ser suprida por uma confissão judicial espontânea na qual se reconhece a existência desse acto negocial.
( Da Responsabilidade do Relator )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa:

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1. A , B e C intentaram contra a D os presentes autos de acção declarativa com processo comum e forma sumária que, sob o nº 8108/09.0TBOER, foram tramitados pelo 1º Juízo Cível do Tribunal da comarca de Oeiras, e nos quais, após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença cujo decreto judiciário tem o seguinte teor (corrigindo-se os evidentes lapsos de escrita que dele constam):
“…Por todo o exposto, julgo a acção procedente por provada e o pedido reconvencional improcedente e em consequência:
- condeno a Ré a reconhecer o direito de propriedade dos autores, sobre a arrecadação nº 28, parte integrante da fracção autónoma designada pela letra “T” sita na Rua …., 3 – 2º, 0000-000 OEIRAS, e declaro nulo o contrato de arrendamento celebrado entre autores e Ré sobre esta arrecadação.
- condeno a Ré a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre a mesma arrecadação nº 28 e a restituí-la aos autores, livre e devoluta de quaisquer pessoas e bens;
- condeno a Ré a indemnizar os autores, na quantia de € 50,00 por cada mês decorrido desde Abril de 2009 até à efectiva entrega da arrecadação nº 28, e ainda em juros de mora, à taxa legal actualmente de 4% ao ano desde a citação e até integral pagamento sobre cada uma destas quantias.
- absolvo os Autores do pedido reconvencional.
Custas pela Ré…” (sic).
Inconformada, a Ré D deduziu recurso contra essa decisão, pedindo que “…(seja) a douta sentença ora recorrida revogada, e, consequentemente, … a ré D absolvida do pedido…” (sic), formulando para tanto as seguintes 10 conclusões:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. que condenou a apelante a nos termos do peticionado pelos autores.
2. Para condenar a ré nos termos em que o fez, o tribunal a quo considerou nulo, por falta de forma, o contrato de arrendamento da arrecadação n.º 28 celebrado entre autores e ré.
3. A apelante discorda de tal condenação e do respectivo fundamento.
4. O contrato de arrendamento celebrado entre autores e ré não é nulo por falta de forma, apesar de ter sido celebrado verbalmente.
5. Na falta de contrato reduzido a escrito, este pode ser substituído pelo recibo da renda, e este recibo pode, por sua vez, substituído por qualquer outro documento assinado pelo senhorio e de que conste a confissão expressa do contrato de arrendamento.
6. São os autores quem, na sua petição inicial (artigos 3.º e 4.º), confessam a existência do contrato de arrendamento celebrado com a ré.
7. Encontrando-se o contrato de arrendamento da arrecadação n.º 28 confessado pelos senhorios na sua petição inicial, o mesmo nunca poderia ter sido declarado nulo por falta de forma.
8. Não sendo o contrato de arrendamento nulo, a acção, bem como os pedidos dos autores, nunca poderiam ter sido julgados procedentes.
9. Os autores deveriam ter lançado mão da figura da acção de despejo.
10. O tribunal a quo violou o artigo 1069.º do Código Civil.
2. Considerando o exacto teor das conclusões das alegações da recorrente (as quais, e só elas, são aquelas que delimitam o objecto do recurso – artºs 671º a 673º, 677º, 678º e 684º, maxime nºs 3 e 4 deste último normativo, e 661º n.º 1, todos do CPC), a questão a dirimir nesta instância de recurso é a seguinte:
- o contrato de arrendamento relativo à garagem identificada nos autos, apesar do vício de forma de que padece, consubstanciado no facto de não ter sido celebrado por escrito, pode ou não ser considerado válido face à confissão judicial espontânea dos senhorios contida na petição inicial?
E sendo esta a matéria que compete apreciar, tal se fará de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por terem sido cumpridas as formalidades legalmente prescritas (artºs 700º a 720º do CPC), tendo sido oportunamente colhidos os Vistos dos Ex.mos Desembargadores Adjuntos.
3. No Tribunal de 1ª instância foram declarados provados os seguintes factos (novamente, corrigindo o evidente lapso de escrita que consta da sentença sindicada):
A) Em 13-9-1973 encontrava-se inscrita, na Primeira Conservatória do Registo Predial de Oeiras, a aquisição, por compra, do prédio sito na Rua …. 2º, 0000-000 OEIRAS a favor de “A., M. & S., Ldª”, conforme consta do documento que dou por reproduzido e que dos autos é fls. 15.
B) A , na sequência de divórcio, assumiu a posição de E , no acordo reduzido a escrito que dos autos é cópia fls 77, que aqui dou por reproduzido, datado de Agosto de 1975, no qual intervieram A., M. & S., Ldª, este assumindo a qualidade de dono e senhorio, e aquele assumindo a qualidade de inquilino, declarando ajustar entre si o arrendamento do 2º andar letra G do prédio sito em Oeiras, Rua de …. , lote 15/16, da freguesia de Oeiras.
C) Neste acordo fez-se constar que "a casa arrendada é para habitação exclusiva do inquilino" e que "a renda é da quantia mensal de 3.800$00".
D) Mais se escreveu que "este declara não pretender desejar ocupar o armazém e desde já autoriza a instalação de qualquer estabelecimento comercial e industrial permitido por lei".
E) À data deste acordo não existiam arrecadações.
F) Existia, sim, na zona onde as mesmas foram construídas, um armazém.
G) Pela apresentação 41 de 27-5-1977 foi inscrita na Conservatória do Registo Predial de Oeiras a constituição da propriedade horizontal desse prédio.
H) Tendo, nessa altura sido criadas as arrecadações, que ficaram afectas às diversas fracções autónomas.
I) Ao segundo andar, letra “G”, veio a corresponder a arrecadação nº 29.
J) Ao segundo andar, letra “F”, veio a corresponder a arrecadação nº28.
K) Encontra-se inscrita a favor dos Autores na Primeira Conservatória do Registo Predial de Oeiras, pela apresentação 00000 de 23/09/2009 a aquisição da fracção autónoma designada pela letra “T” do prédio sito na Rua …, 3 – 2º, 0000-000 OEIRAS, bem como da arrecadação nº 28 na cave que é parte integrante daquela fracção do prédio urbano, sito na Rua …..nº 3, na freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra e concelho do Oeiras, inscrita na respectiva matriz predial urbana da freguesia sob o artigo 0000, conforme certidão do registo predial de fls. 19.
L) A ré, porque precisava de espaço para arrumação, contactou o Autor A no sentido de lhe ser cedida uma.
M) Em Janeiro de 2007, por contrato verbal, os Autores cederam a D , a arrecadação nº 28 do prédio referido em A).
N) Como compensação pela cedência dessa arrecadação, as partes estabeleceram que a ré pagaria aos Autores, a quantia mensal de € 50,00.
O) A ré dirigiu, no dia 17 de Fevereiro de 2009, uma carta ao autor A, com o seguinte teor "Após consulta junto da Conservatória do Registo Predial de Oeiras, da certidão da fracção de que sou arrendatária, constatei que a mesma é composta pela arrecadação nº 28. Motivo pelo qual, por força do contrato de arrendamento, tenho direito à utilização daquela arrecadação, Assim, não sou legalmente obrigada a pagar qualquer importância peto uso da arrecadação, para além dos 99,00 € que pago pelo arrendamento da fracção. Uma vez que aquela faz parte integrante desta. Não obstante, estou disposta a celebrar um aditamento ao contrato de arrendamento, que contemple a utilização da arrecadação, mas por um valor inferior aos € 50,00 exigidos por V. Exª. Caso V. Ex.a não concorde com a outorga do aditamento proposto, então deixarei qualquer verba pela ocupação da arrecadação e passarei apenas a pagar os € 99,00 de renda, visto legalmente incluírem a arrecadação…", conforme consta do documento que dou por reproduzido e que dos autos é fls. 35.
P) A ré dirigiu nova carta ao autor, no dia 2 de Abril de 2009, com o seguinte teor: “Na sequência da minha carta de 16 de Fevereiro de 2009, que não mereceu qualquer resposta da parte de V. Ex.ª, venho, por este meio, informar que, a partir do corrente mês, suspenderei os pagamentos por conta da arrecadação, pois entendo que, como, aliás, tive oportunidade de transmitir na minha anterior missiva, a mesma faz parte da fracção de que sou arrendatária, pelo que o valor da renda daquela fracção inclui forçosamente a arrecadação. Assim, a partir do corrente mês, passarei a depositar somente o valor de € 99,00 (noventa e nove euros)", conforme consta do documento que dou por reproduzido e que dos autos é fls. 37.
Q) Os Autores não responderam a essas missivas.
R) Desde essa altura, utiliza aquela arrecadação contra a vontade dos seus legítimos proprietários.
S) Impedindo-os de rentabilizar ou ocupar o dito imóvel.
T) Encontra-se inscrita a favor dos Autores na Primeira Conservatória do Registo Predial de Oeiras, pela apresentação 00000 de 23/09/2009 a aquisição da fracção autónoma designada pela letra “U” do prédio sito na Rua …3 – 2º, 0000-000 OEIRAS, bem como da arrecadação nº 29 na cave que é parte integrante daquela fracção do prédio urbano, sito na Rua … nº 3, na freguesia de Oeiras e S. Julião da Barra e concelho do Oeiras, inscrita na respectiva matriz predial urbana da freguesia sob o artigo …, conforme certidão do registo predial de fls. 18.
4. Discussão jurídica da causa.
O contrato de arrendamento relativo à garagem identificada nos autos, apesar do vício de forma de que padece, consubstanciado no facto de não ter sido celebrado por escrito, pode ou não ser considerado válido face à confissão judicial espontânea dos senhorios contida na petição inicial?
4.1. Ao iniciar a análise crítica do recurso intentado pela Ré, importa clarificar que essa apelante não questionou a parte da sentença criticada pela qual a mesma foi condenada a reconhecer serem os Autores os proprietários e senhorios da garagem dos autos, ou o reconhecimento desse direito de propriedade, bem como, apesar do teor da conclusão 10ª das alegações de recurso, não pôs em causa a existência do vício de forma que afecta o contrato de arrendamento dessa garagem por o mesmo, em violação do estatuído no art.º 1069º do Código Civil (Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro), não ter sido celebrado por escrito.
O que dispensa esta Relação de se debruçar sobre essas matérias uma vez que os Juízes devem-se - têm de se - pronunciar tão só sobre as questões jurídicas sobre as quais exista um verdadeiro litígio (artºs 660º n.º 2 e 661º n.º 1 do CPC), constituindo tudo o resto sempre a prática de actos inúteis, por impertinentes e dilatórios, logo ilícitos e proibidos por Lei (idem, artºs 137º e 265º n.º 1).
Efectivamente, o que a apelante disputa é a declaração de nulidade do contrato de arrendamento por entender que o mesmo se tornou válido mercê da confissão judicial espontânea (artºs 352º, 355º nºs 1 e 2, e 356º n.º 1 do Código Civil) formulada pelos Autores nos artigos 3º e 4º da sua petição inicial apresentada no presente processo e que, por força do disposto no n.º 1 do art.º 358º do Código Civil, tem força probatória plena contra o confitente (e, realmente, seguindo a linha de raciocínio da recorrente, deveria ter sido a violação dessas normas agora citadas e não a consubstanciada no art.º 1069º do mesmo diploma que deveria ter sido invocada em sede de alegações).
4.2. Contudo, olvida a recorrente que a confissão não faz prova contra o confitente se for declarada insuficiente por lei (idem, art.º 354º a) – primeira parte), e que, só se resultar claramente da lei que o documento é exigido apenas para prova da declaração, pode ser substituído por confissão expressa judicial ou extrajudicial, contanto que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório (idem, art.º 364º n.º 2) – sendo certo que, na situação sub judice, o arrendamento pode ser validamente firmado através de um mero escrito particular.
O que significa que há que aquilatar se a exigência de forma incontornavelmente exigida nas situações como a que está em causa nos autos (celebração contrato de arrendamento urbano com duração superior a seis meses) no atrás citado art.º 1069º, tem uma natureza meramente ad probationem ou se, pelo contrário, é ad substantiam.
A inexistência de “Preâmbulo” na Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, obriga a que o apuramento da mens legis haja que ser concretizado através da procura de outros elementos indiciários.
E a extensa mas profundamente significativa “Exposição de Motivos” do Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, que aprovou o comummente designado RAU, é, quanto a essa questão, muito clara e inequívoca: há, para o Legislador, uma imperiosa e vital necessidade de dinamizar o mercado do arrendamento não apenas porque a actuação directa do Estado nessa área se mostrou, no mínimo, insuficiente para satisfazer as necessidades habitacionais e outras da Comunidade e para impedir a degradação do parque imobiliário nacional, mas também porque há um nítido pendor de favorecimento da iniciativa privada nesse – como em outros – sectores de actividade económica.
E essa proposição política, que não é, de todo, inconstitucional (artºs 61º e 62º da Constituição da República), tem vindo a ser sucessivamente sufragada pelo detentor primeiro e último do Poder Soberano do País – o Povo (idem, artºs 1º a 3º) -, não podendo, pois, essa vontade e esse propósito ser ignorados por quem administra a Justiça em nome do Povo (idem, art.º 202º n.º 1).
E a tudo isto acresce a circunstância de, com a nova regulação dos contratos de arrendamento urbanos – o chamado NRAU – que voltou a inscrever no Código Civil as normas disciplinadoras desse negócio jurídico, sublinhando-se, para o que aqui se discute, o actual texto do art.º 1069º deste Código, ter desaparecido do Ordenamento Jurídico o comando legislativo que constituía o n.º 3 do art.º 7º do RAU aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro (e também o do n.º 4), que permitia o suprimento do vício resultante da não celebração por escrito do contrato mediante a apresentação de um recibo de renda – embora só por esse meio que, juridicamente, consubstanciava uma confissão extrajudicial espontânea feita por escrito.
Nesta conformidade, não pode este Tribunal deixar de entender, à luz do estatuído nos três números do art.º 9º do Código Civil, sendo esta solução a que se mostra mais acertada, face aos critérios enunciados nos artºs 334º e 335º do mesmo Código, que a exigência de prova consubstanciada no art.º 1069º deste diploma tem mesmo uma natureza ad substantiam.
Assim sendo, são válidos os argumentos expendidos pelo Mmo Juiz a quo na sentença criticada pela Ré, que aqui se sufragam (art.º 713º n.º 5 do CPC), acerca da nulidade do contrato de arrendamento em causa e quanto aos efeitos decorrentes dessa declaração, a saber:
“Encontra-se assente que, em Janeiro de 2007, os Autores e a Ré verbalmente acordaram que os primeiros lhe cediam a arrecadação mediante o pagamento da contrapartida mensal de 50€.
Tal traduz-se num contrato e arrendamento: define a lei no artigo 1022º do Código Civil o que é um contrato de locação. E ali se estipula que a locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição. Diz-se arrendamento quando versa sobre coisa imóvel.
Conforme resulta do artigo 1064º do Código Civil é admissível o arrendamento total ou parcial de prédios urbanos. Este contrato, na classificação a que se refere o artigo 1067º do Código Civil, tinha fim não habitacional, por de uma arrecadação se tratar.
A sujeição à forma escrita dos contratos de arrendamentos que incidem sobre prédios urbanos depende da sua "duração": sê-lo-á se esta for superior a seis meses (artigo 1069º do Código Civil).
No contrato em questão não foi estipulado qualquer prazo. Supre a lei esta omissão no artigo 1110º do Código Civil que remete para o previsto para o arrendamento para habitação.
Ora, no artigo 1094º do Código Civil estipula-se que os contratos podem celebrar-se por prazo certo ou por duração indeterminada e que no silêncio das partes tem-se como celebrado por duração indeterminada.
Assim, tendo o contrato uma duração indeterminada, tinha que ser celebrado por escrito… (e) é… nulo, por força do disposto no artigo 220º do Código Civil.
O contrato nulo não é, porém, um vazio jurídico: pela própria natureza das coisas, não pode o contrato nulo deixar de existir com acto realizado, como acontecimento, em termos de a ordem jurídica lhe negar os efeitos jurídicos próprios do tipo de contrato de arrendamento pretendido celebrar (ADRIANO VAZ SERRA, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 109º, nº 3581, pág. 308).
Quanto ao efeito derivado do referido vício, estabelece a lei que a declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a sua restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (artigo 289º, nº 1, do Código Civil).
Resulta do nº 1 do artigo 289º do Código Civil que a consequência desta nulidade será, pelo menos, o pagamento do equivalente à contrapartida pelo gozo do locado já usufruído pela 1ª Ré, em dívida, face à impossibilidade de devolver tal gozo.
É que, no que diz respeito às prestações em dívida relativas ao gozo do locado, importa considerar, por um lado, que as utilidades por aquele que o usufruiu não podem, pela própria natureza das coisas, ser objecto de restituição e, por outro, que se aqui não fossem consideradas ocorreria uma situação de enriquecimento sem causa.
Não podendo a ré restituir, em espécie, o tempo de utilização do locado, o melhor critério para achar o correspondente valor é a ré pagar a renda que foi acordada como contrapartida desta utilização, pois foi aquele valor que as próprias partes fixaram como justo e adequado, do ponto de vista contratual, para a compensação da possibilidade de gozo da arrecadação.
Assim, tem-se como valor da utilização da arrecadação o acordado pelas partes, a saber, 50€ mensais.
Declarada a nulidade do contrato de arrendamento por falta de forma, deixa este de legitimar a detenção ou gozo que dele fazia o arrendatário, pelo que este, que ficou sem título, fica obrigado a restituir ao senhorio o “locado”, caso não invoque outro título justificativo da posse. …
Resulta da alínea B) da matéria de facto provada que a Autora é arrendatária do 2º andar letra G do prédio ao qual pertence a arrecadação.
E que este arrendamento foi celebrado antes da construção da arrecadação nº 28 desse prédio.
Invoca a Ré que a arrecadação nº 28 que lhe foi cedida em 2007 é agora parte integrante da fracção que lhe estava já arrendada para habitação, pelo que tem o direito de a utilizar, sem ter que pagar qualquer outra contrapartida além da que vem pagamento no âmbito do arrendamento celebrado em primeiro lugar.
No entanto, desde já se verifica que a arrecadação nº 28 não faz parte da fracção que lhe foi dada de arrendamento para habitação.
A fracção de que é arrendatária é o 2º andar-G desse prédio, à qual veio a corresponder a arrecadação nº 29.
Tanto bastaria para improceder a sua pretensão.
Mas que assim se não entendesse não há aqui qualquer instituto jurídico que permitisse que se alargasse o objecto do arrendamento para partes que inicialmente nunca o compreenderam.
À data da celebração do contrato de arrendamento para habitação não existia qualquer arrecadação, existia um armazém, onde vieram a ser construídas as arrecadações.
O então inquilino, a quem a Ré veio a suceder, declarou "não pretender ocupar o armazém e desde logo autorizar a instalação de qualquer estabelecimento...".
Excluiu, assim, o armazém do objecto do contrato.
De onde se conclui que nunca o espaço ocupado pelo armazém (a totalidade ou parte dele) foi objecto do arrendamento para habitação.
Assim, não se vê como pretende a Ré alargar o âmbito espacial do arrendamento para algo que foi construído em local que nunca se compreendeu nesse acordo.
Por outro lado, também carece de fundamento legal o alargamento do âmbito do espaço arrendado, mercê da mera alteração de parte da fracção que lhe não foi cedida.
Aliás, até o próprio proprietário se vir a sua coisa com valor acrescido por força do trabalho de outrem, terá que o indemnizar. No âmbito do próprio direito de propriedade (e entende-se que o arrendatário é titular de um mero direito pessoal de gozo, que não goza de todas as faculdades que assistem aos titulares de direitos reais), não se permite que o proprietário, quando uma coisa veja alterada a sua composição e valor pelo trabalho e construções efectuados por outrem, enriqueça à custa do autor da beneficiação pela valorização que tenha feito da coisa, obrigando, ao invés, em traços largos, ao que maior valor detém na coisa pague uma compensação pelo valor acrescido da coisa de que fique titular (como resulta das normas que compõem a Secção III do Capítulo II do Título II do Livro III do Código Civil).
Enfim, seria permitir um enriquecimento sem causa que a Ré, mercê da construção de uma arrecadação, posteriormente ao contrato que celebrou com o proprietário da fracção, em espaço que não lhe tinha sido cedido, e sem que nada tenha posto em causa o contrato inicial, viesse a poder usufruir, com exclusão de outros, dessa arrecadação, sem qualquer contrapartida acrescida para o construtor ou proprietário da obra.
Assim, improcede o pedido reconvencional. …
Até à declaração da nulidade do contrato a Ré está obrigada a pagar o montante equivalente a renda acordada, como se viu, por força do efeito retroactivo da declaração de nulidade.ta, não há dúvidas que dolosamente a Ré estará a violar o direito de propriedade dos Autores, impedindo que estes tirem partido deste seu direito.
Assim, permite-se ao lesado pedir uma indemnização que a venha ressarcir dos danos que lhe foram infligidos (artigo 483º do Código Civil).
Como se viu, para aferir este dano não há melhor critério que o valor da renda acordada: este montante, porquanto foi aquele valor que as próprias partes fixaram como justo e adequado, do ponto de vista contratual, para a compensação da possibilidade de gozo da arrecadação, corresponderá aqui à utilização do locado de que os Autores se veriam despojados e logo que cumpre restituir no seu património.” (sic).
E tanto basta para julgar de mérito quanto à pretensão deduzida nesta sede de recurso pela apelante, que, no que é essencial, nela teve decaimento, e que, por isso, arca com o pagamento da totalidade das custas devidas pela tramitação processual da apelação.
4.3. Nestes termos e com os fundamentos expostos, porque são genericamente improcedentes as 10 conclusões das alegações de recurso da apelante, impõe-se, confirmar e manter o decreto judiciário condenatório prolado através da decisão do Tribunal de 1ª instância aqui sindicada.
O que, sem necessidade de apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
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5. Pelo exposto e em conclusão, no presente processado de recurso a correr termos pela 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa, julga-se totalmente improcedente a apelação e, consequentemente, confirma-se, na íntegra, o decreto judicial condenatório contido na sentença recorrida.
Custas pela apelante D.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2011

Eurico José Marques dos Reis
Ana Maria Fernandes Grácio
Paulo Jorge Rijo Ferreira