Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
111/07.1TTLSB.L1-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: PENSÃO COMPLEMENTAR DE REFORMA
REGULAMENTO INTERNO
ACEITAÇÃO TÁCITA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/08/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – Instituindo a entidade empregadora, por vontade própria, unilateralmente, no seio da empresa e em benefício dos trabalhadores que aí laborassem em termos efectivos, uma pensão complementar da reforma que os mesmos viessem a ter direito da Segurança Social, produziu, desse modo, efeitos jurídicos na respectiva esfera, criando um efectivo direito ao aludido complemento de reforma, embora sob condição suspensiva, gerando, com isso, as correspondentes expectativas;
II – A instituição desse complemento de reforma com o circunstancionalismo que a rodeou, ou seja, mediante a observância das regras de atribuição que o próprio empregador fixou, assumiu a feição de um Regulamento Interno nos termos previstos no, então em vigor, art. 39º do Dec. Lei n.º 49408 de 24-11-1969, o qual, como verdadeira proposta contratual e uma vez aceite por adesão expressa ou tácita dos trabalhadores nos termos do art. 7º do mesmo diploma, passou a obrigar ambas as partes em termos contratuais, constituindo, por isso, parte integrante do conteúdo dos contratos de trabalho.
III – A extinção de um Fundo de Pensões criado pelo empregador como forma de garantir o sistema complementar de pensões instituído, não determina a extinção do próprio direito do trabalhador ao complemento de reforma que haja adquirido mediante a verificação da aludida condição, já que este direito não se confunde com aquele simples meio de garantia.
(Elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO
A, (…), instaurou a presente acção de condenação, com processo comum, contra a B, S.A., (…), pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de 44.030,80 €, acrescida de juros de mora vencidos, no valor de 2.593,80 € e dos que se vierem a vencer até integral e efectivo pagamento, bem como no pagamento das pensões que se vierem a vencer após 31.12.2006, tudo com as legais consequências.
Fundamenta o seu pedido, alegando que trabalhou ao serviço, sob as ordens e direcção da ré e de seus legais representantes desde 01.01.1995 até 1.2.2003, com uma antiguidade que retroage a 16-04-1960, data em que foi admitido ao serviço de C, Lda., que posteriormente veio a alterar a sua firma para D, SA., que foi adquirida pela E, SA, tendo esta, por sua vez, alterado a sua denominação para F, SA.
Em Dezembro de 1987, a D, SA atribuiu aos seus trabalhadores uma pensão de reforma que beneficiaria todos os seus trabalhadores efectivos, quando atingissem 65 ou 62 anos de idade, conforme fossem do sexo masculino ou feminino, pensão cujo montante é igual a 0,5% por ano de serviço, num máximo de 15%, calculada sobre o salário pensionável à data da reforma, conforme “Comunicado da Administração” de 88.03.07.
A relação laboral cessou em 1.2.2003, em consequência da passagem do autor à reforma por velhice, assistindo-lhe o direito a receber a pensão de reforma com início em 1 de Fevereiro de 2003 no montante de 15% calculada sobre o salário de 5.337,08 €, pensionável à data da reforma, como sucede com outros trabalhadores da ré.
Frustrada a tentativa de conciliação realizada em audiência das partes e notificada a ré para contestar, veio fazê-lo, concluindo pela sua absolvição do pedido.
Sustentou que o autor trabalhou por sua conta e subordinação no período por si invocado, com a categoria e salário mencionados.
Em virtude de dificuldades financeiras optou por extinguir o Fundo de Pensões, para o que obteve autorização prévia do ISP, aplicando em PPR’s, a favor dos beneficiários do Fundo, os activos remanescentes.
Deu conhecimento ao autor e desconhece se o mesmo resgatou o PPR.
Os trabalhadores referidos pelo autor recebem da Ocidental Seguros e não da ré.
Foi proferido despacho saneador.
Foi dispensada a selecção de matéria de facto assente e controvertida.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, na sequência da qual foi proferida a decisão de fls. 313 a 318 sobre matéria de facto provada e não provada.
Não houve reclamações.
Seguidamente foi proferida a sentença de fls. 335 a 343 que terminou com a seguinte:
Decisão:
Por todo o exposto julga-se a presente acção procedente e em consequência:
- Condena-se a ré a pagar ao autor uma pensão mensal no montante de meio por cento por cada ano de serviço, num máximo de quinze por cento, calculada sobre a retribuição ilíquida “pensionável” à data da reforma do autor, excluindo-se as remunerações de carácter extraordinário, multiplicada por catorze e enquanto se mantiver a pensão de reforma da segurança social;
- Condena-se a ré a pagar ao autor as prestações vencidas e vincendas decorrentes daquela pensão, sendo as vencidas a liquidar em ulterior incidente;
- Condena-se a ré a pagar ao autor juros de mora sobre tais quantias desde a data do vencimento de cada uma até integral pagamento, à taxa legal supletiva que em cada momento se encontre em vigor, e que é actualmente de 4% ao ano.
Inconformada com esta sentença, dela veio a ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes:
Conclusões:
(…)
Contra-alegou o autor, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Admitido o recurso na espécie, regime de subida e efeito devidos, deu-se cumprimento, já neste Tribunal da Relação, ao disposto no art. 87.º n.º 3 do Cod. Proc. Trabalho, tendo a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitido o parecer de fls. 390 no sentido da procedência da apelação.
Este parecer mereceu resposta por parte do autor/apelado, discordando do mesmo.
Colhidos os vistos, cabe, agora, apreciar e decidir.

II – APRECIAÇÃO
Tendo em consideração as conclusões do recurso interposto e que, como se sabe, delimitam o respectivo objecto (art. 684.º n.º 3 e art. 690.º n.º 1 do C.P.C.), a questão que, ao fim e ao cabo, é colocada à apreciação deste Tribunal da Relação, consiste em saber se a ré/apelante, através da sua antecessora D, S.A., instituiu ou não um complemento de reforma em benefício dos seus trabalhadores, designadamente do aqui autor/apelado, ou se, ao invés, lhes concedeu uma mera liberalidade ou regalia não integrante do conteúdo dos respectivos contratos de trabalho, bem como as consequências daí decorrentes face ao pedido formulado nesta acção.

O Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto.
A) O autor trabalhou ao serviço da ré, sob as ordens e direcção desta e de seus legais representantes, desde 01/01/1995 até 01/02/2003.
B) Em 16/04/1960, o autor foi admitido ao serviço da “C, Lda.”, que posteriormente veio a alterar a sua firma para “D, S.A.”.
C) A sociedade “D, S.A.”, veio a ser adquirida pela sociedade “E, S.A.”, que, por sua vez, alterou a sua denominação para “F, S.A.”.
D) A sociedade “D, S.A.”, dirigiu a todos os seus trabalhadores a carta cuja cópia consta de fls. 11 e 12 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 19/12/1994, informando-os da aquisição e alteração de denominação, referidas em C), a partir de 01/01/1995, na qual referia, além do mais:
(…)
Por tal razão venho informar que a partir de 1 de Janeiro de 1995 a empresa com a denominação F, SA assumirá todas as obrigações para consigo que normalmente competiriam à D, assegurando-lhe todos os direitos e deveres legais que nesta usufruiu.
A sua antiguidade reportar-se-á à que neste momento tem e manter-se-á.
(…)”.
E) A ré dedica-se à actividade de fabrico e comercialização de móveis e equipamentos para escritório.
F) A relação laboral, entre autor e ré, regeu-se pelo CCTV para o Sector das Indústrias Metalúrgicas cuja última revi são foi publicada no BTE (1ª série) nº 11 de 22/03/2002.
G) O autor é sócio do CESP - Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal.
H) Ao serviço da ré, o autor teve atribuída, por último, a categoria profissional de Director Comercial.
I) Auferindo a remuneração base de 3.865,00 €, a que acrescia um subsídio de almoço de 5,00 € diários e comissões sobre as vendas efectuadas.
J) Nos últimos 12 meses de duração do contrato de trabalho, o autor auferiu os seguintes valores, em euros, de comissões: 1.421,45(Janeiro/02); 654,45 (Fevereiro/02); 483,56 (Março/02); 376,00 (Abril/02); 249,70 (Maio/02); 697,16 (Junho/06); 776,51(Julho/02); 769,32 (Agosto/02); 819,36 (Setembro/02); 352,24 (Outubro/02); 767,54 (Novembro/02); 499,22 (Dezembro/02); 2.070,62 (Janeiro/03).
K) Pelo que, no período referido em J), o autor auferiu uma média mensal de comissões de € 709,64.
L) Foi deliberado em Assembleia Geral Extraordinária, de 15 de Dezembro de 1987, da então “D, S.A.”, a atribuição de uma regalia social, que se consubstanciava na atribuição de um complemento de reforma aos trabalhadores da empresa, através da constituição de um Fundo de Pensões, em benefício desses mesmos trabalhadores, conforme acta cuja cópia consta de fls. 116 a 119 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
M) Na sequência da deliberação, referida em L), foi, em 29 de Dezembro de 1987, no Nono Cartório Notarial de Lisboa, outorgada a escritura de constituição do Fundo de Pensões, na qual intervieram a então “D” e a entidade gestora (…), cuja cópia consta de fls. 116 a 119 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
N) Em 7 de Março de 1988, a administração da “D” anunciou aos seus trabalhadores a criação da regalia social através do instrumento denominado como fundo de pensões, e bem assim o seu funcionamento e as características do mesmo, nos termos expressos no comunicado cuja cópia consta de fls. 21 e 22 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o qual referia, além do mais:
(…)
1. É GARANTIDA AOS BENEFICIÁRIOS O PAGAMENTO DE UMA PENSÃO INDEPENDENTE DA SEGURANÇA SOCIAL CUJO MONTANTE É IGUAL A 0,5% POR ANO DE SERVIÇO, NUM MÁXIMO DE 15%, CALCULADA SOBRE O SALÁRIO PENSIONÁVEL À DATA DA REFORMA.
2. O DIREITO À PENSÃO VENCE-SE LOGO QUE O TRABALHADOR ATINJA A DATA NORMAL DE REFORMA E PASSE À SITUAÇÃO DE REFORMA.
(…)”.
O) Posteriormente, a administração da “D” emitiu um Memorando sobre a “Política de Pessoal para 1990”, elaborado pelo administrador delegado, cuja cópia consta de fls. 23 e 24 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, no qual referia, além do mais, que “manterá o fundo que se destina ao pagamento dos complementos de reforma dos funcionários”.
P) O autor nasceu em 8 de Outubro de 1937.
Q) A relação laboral, entre autor e ré, cessou em 01/02/2003, em consequência da passagem à reforma do autor por velhice.
R) A “D” celebrou dois contratos de gestão, um com a sociedade “SCF – Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A.” e outro com a “Ocidental - Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, S.A.”, respectivamente em 1988 e 1989, cujas cópias constam de fls. 139 a 147 dos autos e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
S) Em 1991, a ré, em virtude de dificuldades financeiras, deliberou extinguir o fundo de pensões, referido em N), requerendo, para o efeito, a autorização prévia do Instituto de Seguros de Portugal, a qual foi concedida por ofício n.º 494/91/CD, datado de 27 de Março de 1991, cuja cópia consta de fls. 160 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
T) Após ter obtido a autorização do Instituto de Seguros de Portugal, referida em S), procedeu a “D”, em 12 de Abril de 1991, à respectiva outorga da escritura de dissolução do Fundo de Pensões, cuja cópia consta de fls. 161 a 167 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida.
U) Ao autor foi entregue uma carta de conteúdo igual ao do modelo cuja cópia consta de fls. 168 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida, designadamente:
«Lisboa, 2 de Junho de 1997
Na sequência da extinção do Fundo de Pensões D, por escritura celebrada em 1991, vimos por este meio enviar Condições Particulares e Gerais da apólice PPR, que coube a V.ª Ex.ª pela aplicação daquele Fundo».
Dado que esta matéria de facto não foi objecto de impugnação, nem se nos afigura existirem razões de ordem legal para se proceder à respectiva alteração, mantém-se aqui a mesma nos seus precisos termos.
A questão suscitada à apreciação deste Tribunal e de que anteriormente demos conta, foi já objecto de anteriores decisões uniformes, uma delas proferida no proc. n.º 3274/05-4 com a intervenção dos, aqui, Adjuntos (o 1º enquanto Relator) e a outra proferida precisamente por este colectivo no processo n.º 4820/08-4, decisões que se mostram juntas, respectivamente, a fls. 26 a 47 e a fls. 296 a 303 do presente processo e nas quais se concluiu, em síntese, que a instituição, em 15/12/1987, pela “SD, S.A.” – predecessora da aqui ré de um complemento de reforma no seio da sua empresa e em benefício dos seus trabalhadores, com o circunstancionalismo que a rodeou, ou seja, mediante a observância de regras de atribuição que ela própria fixou, o foi através de um verdadeiro Regulamento Interno ao abrigo do art. 39º do, então em vigor, DL n.º 49408 de 24.11.1969 e funcionou como uma verdadeira proposta contratual dirigida à generalidade dos seus trabalhadores, entre eles o aqui apelado, na medida em que resultante de um compromisso por ela voluntária e unilateralmente assumido com incidência nos contratos de trabalho destes, proposta que, uma vez aceite por adesão expressa ou tácita nos termos do art. 7º do referido diploma, passou a obrigar as partes em termos contratuais, constituindo parte integrante do conteúdo dos contratos de trabalho, embora sob verificação da condição suspensiva nela prevista, não podendo, por isso ser suprimido senão com a prévia concordância do trabalhador dele beneficiário.
Por outro lado, também se concluiu que se não podia confundir o direito ao complemento de reforma instituído pela “D, S.A.” em favor dos seus trabalhadores com a criação pela mesma de um Fundo de Pensões – enquanto estrutura juridico-financeira externa e independente da empresadestinado a garantir o sistema de pensões atribuído.
Assim, com base nos fundamentos expendidos nesses Arestos, designadamente no proferido no proc. n.º 4820/08-4 e que foi elaborado pelo, ora, Relator, fundamentos que aqui damos por inteiramente reproduzidos para todos os efeitos, não merece censura a sentença recorrida ao decidir como decidiu.

III – DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas a cargo da apelante.

Registe e notifique.

Lisboa, 8 de Junho de 2011

José Feteira
Filomena de Carvalho
Ramalho Pinto
Decisão Texto Integral: