Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2/2000.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: ÓNUS DA PROVA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCESSIONÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/14/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I- Em acidente de viação imputado à Brisa, com a alegação de que o acidente foi causado pela existência de um lençol de água na auto-estrada, fruto de deficiente escoamento das águas pluviais, incumbe aos lesados, no âmbito da legislação anterior à Lei nº 24/2007 de 18 de Julho, a prova do despiste causador dos danos e da existência de vícios na via, bem como do respectivo nexo causal.
II- Cabendo à concessionária, nos termos do art. 493º nº 1 do Código Civil, a prova da inexistência de culpa da sua parte, ou de que o evento danoso ocorreria sempre, mesmo sem culpa sua.
III- A referência feita no nº 3 do art. 805º do Código Civil à responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, reporta-se apenas aos casos de iliquidez do crédito.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

R Lda, Maria, Rui e Nuno vieram deduzir a presente acção contra Companhia de Seguros SA pedindo a condenação desta a pagar-lhe as quantias de, respectivamente, 1.918.819$00, 999.910$00 e 1.076.445$00, tudo com acréscimo de juros de mora.
Alegaram para tal a ocorrência de três acidentes de viação, a 20/1/99, na auto-estrada A-1 ao km 31 no sentido Sul/Norte, que consistiram no despiste dos veículos, pertencentes aos três primeiros autores e dois deles conduzidos pela segunda e quarto autor. Os acidentes ocorreram devido à existência de água empoçada, com bastante profundidade, que ali se havia acumulado, em virtude das fortes chuvas que se faziam sentir, formando um lençol de água. Do acidente resultaram danos nos veículos, no montante ora peticionado.
A Ré negou a existência de um lençol de água na via, atribuindo os acidentes à situação de pluviosidade e a excesso de velocidade dos AA.
Além disso, deduziu o incidente de intervenção provocada da Brisa SA, incidente que veio a ser admitido.
O processo seguiu os seus termos, realizando-se a audiência de discussão e julgamento e vindo a ser proferida sentença que condenou as RR a pagarem ao 1º A a quantia de € 9.571,03, à 2ª Aª a quantia de € 4.987,53 e aos 3º e 4º AA a quantia de € 5.369,29, tudo com acréscimo de juros de mora.
Inconformada, recorreu a Brisa, concluindo que:
– Dos depoimentos das testemunhas M e Luís não se pode aferir da conduta omissiva e da culpa da Ré Brisa.
– Desses depoimentos resulta que um mecânico da Brisa passara no local cerca das 15.25h, 16.40h e 17.50h não tendo detectado qualquer anomalia na via.
– As testemunhas Maria Alice, Amílcar, Mário e M referiram que a chuva era forte com períodos em que se tornou torrencial, o que de resto é confirmado pela participação do acidente elaborada pela Brigada de Trânsito da GNR.
– As testemunhas Maria Alice e M negaram a existência de qualquer empoçamento. A testemunha Amílcar só referiu a poça de água quando questionado nesse sentido pela mandatária dos AA.
– Mário referiu ter visto acumulação de água junto ao separador central na faixa esquerda, sendo que o seu veículo circulava na faixa do meio.
– José diz ter visto um aglomerado de água que se manteve largo tempo; contudo, esta testemunha afirmou não ter saído junto do carro, tendo este ficado imobilizado na berma esquerda, na zona da caleira por onde escorre a água de três vias.
– Assim, deveriam ter sido dados como “não provados” os quesitos 2º, 3º, 4º, 6º e 8º da base instrutória e “provado” o quesito 16º.
– Por outro lado, a responsabilidade da Brisa tem natureza extra-contratual, pelo que é exigível a prova da ilicitude do facto danoso, a sua imputação ao lesante e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
– Ora, não se provaram nem a culpa da Brisa nem o focado nexo de causalidade.
– Só existe obrigação de indemnizar, independentemente de culpa, nos casos especificados na lei, o que aqui não ocorre.
– Finalmente, a Lei nº 24/2007 de 18/7 não tem aplicação aos presentes autos por não ter natureza interpretativa.
– Além disso, o art. 12º de tal Lei é inconstitucional.

Também a Companhia de Seguros SA recorreu, concluindo que:
Não se provou que a zona onde ocorreram os acidentes estivesse empoçada, constituindo um lençol de água que aí se acumulara por força da chuva intensa.
Não se provou, igualmente, que fosse por causa do contacto inesperado com tal lençol de água ou efeito “aquaplaning” que os condutores tenham ficado incapacitados de controlar os respectivos veículos.
Também não se deveria ter dado como provado que, assim que qualquer um dos veículos entrava na zona empoçada era arrastado para o lado esquerdo da via, sendo depois projectado descontroladamente para a direita da mesma via.
Por fim, não ficou provado, contrariamente ao decidido pelo tribunal, que o empoçamento tenha ocorrido por deficiente escoamento das águas pluviais.
Além disso, mesmo a admitir-se a obrigação de indemnizar, os juros moratórios só devem ser contados a partir da citação.
Os AA contra-alegaram defendendo a bondade da decisão recorrida.

Foi dado como provado que:
1) No dia 20/1/99, pouco após as 18h, e com escassos intervalos, ocorreram três acidentes de viação, perto do quilómetro 31, sentido Sul/Norte, da auto-estrada do Norte, conhecida por A 1, perto do Carregado.
2) Estiveram envolvidos em tais acidentes:
cerca das 18.11h, o veículo Opel Astra ..., conduzido por Maria, sua proprietária;
cerca das 18.25h, o veículo Audi ..., propriedade da A R e conduzido pelo seu sócio-gerente Fernando;
cerca das 18.30h, o veículo BMW 318 com matrícula ..., propriedade de Ana e conduzido pelo seu marido Rui.
3) Entre a Companhia de Seguros Fidelidade e A Brisa foi celebrado o acordo junto a fls. 47 a 65 dos autos, nos termos do qual a segunda transfere para a primeira a “responsabilidade civil – exploração” com o capital máximo por sinistro e por ano, de 150.000.000$00.
4) Os acidentes tiveram origem, todos eles, no despiste dos veículos, ao atravessarem uma zona da auto-estrada junto ao quilómetro 31.
5) Zona que se encontrava empoçada de água.
6) A qual aí se havia acumulado por força da chuva intensa que então se fazia sentir, constituindo um lençol de água.
7) Os despistes tiveram origem na incapacidade, por parte dos respectivos condutores, de controlar os seus veículos, quanto à sua direcção e manobra, por força do contacto inesperado com o “lençol de água” ou efeito “aquaplaning”.
8) A todos os referidos veículos aconteceu o rodopiar e embater contra obstáculos da estrada, não sendo, no entanto, desses obstáculos, nenhum outro veículo que então circulasse.
9) Sendo certo que, qualquer um dos veículos assim que entrava na poça de água, era arrastado para o lado esquerdo da via, sendo depois projectado descontroladamente para a direita da mesma via.
10) Com excepção do veículo BMW que, apesar de rodopiar, permaneceu encostado à faixa esquerda da via.
11) E só o Opel, ao conseguir parar, ficou virado para Lisboa, ao contrário do seu sentido de trânsito.
12) A visibilidade àquela hora e no referido dia, era mínima, até porque chovia com grande intensidade.
13) Em consequência do despiste, o veículo JC sofreu estragos cuja reparação importou em 1.918.819$00.
14) E o veículo DE estragos cuja reparação importou em 999.910$00.
15) E o veículo KD estragos cuja reparação importou em 1.076.445$00.
16) O empoçamento de água referido ocorreu por deficiente escoamento das águas pluviais.
17) Pelo menos antes da época das chuvas, a Brisa procede à limpeza e manutenção dos sistemas de drenagem das águas pluviais.
18) O pessoal de assistência a utentes da Brisa, que patrulham as auto-estradas concessionadas 24 horas por dia, nada de anormal detectaram na via que pudesse provocar os acidentes.
19) Também as Brigadas da GNR que patrulham a auto-estrada nada de anormal detectaram antes do acidente, pois se tivessem visto qualquer facto que fizesse perigar a circulação automóvel, alertariam os serviços da Brisa, como sempre o fazem.
20) As AA Maria e R solicitaram à Brisa, por carta datada de 26/5/99 e de que esta teve conhecimento em finais desse mesmo mês, o pagamento das quantias respectivas de 999.910$00 e 1.918.819$00, respeitantes aos custos de reparação dos veículos DE e JC, alegando terem sido os mesmos resultado dos acidentes referidos em 1) e 2).

Cumpre apreciar.
Os presentes recursos incidem, no essencial, na impugnação da decisão fáctica.
Uma vez que foi dado cumprimento ao disposto no art. 690º-A nºs 1 e 2 do CPC e se acha disponível a gravação da prova efectuada, nada obsta a que este Tribunal da Relação proceda à reapreciação de tal prova.
Basicamente, pretendem as recorrentes que sejam dados como não provados os nºs 2, 3, 4, 6 e 8 da base instrutória.
O quesito 2º perguntava se a zona onde ocorreram os acidentes se encontrava empoçada de água.
O quesito 3º coloca a questão de saber se tal água se havia acumulado ali por força da chuva intensa, constituindo um lençol de água.
O quesito 4º tem a seguinte redacção:
Os despistes tiveram origem na incapacidade, por parte dos respectivos condutores, de controlar os veículos, quanto à direcção e manobra, por força do contacto inesperado com o lençol de água ou efeito “aquaplaning”?
Quanto ao quesito 6º, pergunta-se:
Sendo certo que, qualquer um dos veículos, assim que entrava na poça de água, era arrastado para o lado esquerdo da via, sendo depois projectado descontroladamente para a direita da mesma via?”
No quesito 8º faz-se menção do veículo Opel, que, quando finalmente se imobilizou, teria ficado virado para Lisboa, ao contrário do seu sentido de trânsito.
Todos estes quesitos foram dados como provados pelo tribunal a quo.
Ouvida a prova, diremos desde já que outra não poderia ter sido a decisão.
Das testemunhas que mostraram conhecimento directo e pessoal dos factos, ou seja, do modo como ocorreram os acidentes, Amílcar confirmou que o despiste se ficou a dever a acumulação de água na via, que não se escoara. Também referiu que o carro onde seguia se despistou, fez um pião e bateu nas protecções à direita e à esquerda. Confirmou ainda que, ao entrarem na zona empoçada, os veículos se despistavam guinando para a esquerda.
Esta testemunha ainda pôde observar o despiste de um outro veículo, na mesma zona, pouco tempo depois daquele sofrido pela viatura onde seguia como passageiro.
Mário, que seguia no lugar ao lado da condutora de outro veículo, sua ex-mulher, confirmou o despiste na zona em que se acumulava água na estrada e o desvio para a esquerda. A zona empoçada era maior na faixa esquerda.
José que seguia num terceiro veículo, sentado no lugar ao lado do condutor, mencionou igualmente acumulação de água no pavimento, mais do centro para a esquerda, salientando até que ao sair do carro ficou com os sapatos encharcados devido à referida poça.
Todas estas testemunhas e igualmente Maria Alice – que por ter o pé engessado não saiu do veículo após o acidente – confirmam que chovia com alguma intensidade. Todas confirmam que a velocidade a que os veículos seguiam era moderada, quer devido à chuva quer devido ao facto de estar a escurecer. Por moderada, entendem cerca de 80 km/h.
É igualmente assinalado pela testemunha Mário que ocorreram 4 acidentes naquele local e no período considerado – sensivelmente entre as 17.30h e as 18.30h.

É manifesto desde logo que, ocorrendo 4 despistes no período de uma hora, no mesmo local da auto-estrada, terá de ser posta de parte a possibilidade de uma coincidência, mesmo que assente na conduta dos próprios condutores – como um eventual excesso de velocidade, o qual de resto não ficou minimamente provado. Mesmo com desatenção, mesmo com excesso de velocidade, isso em nada justifica que todos se despistassem na mesma zona e numa sequência temporal relativamente curta.
De resto, também o perito nomeado pelo tribunal, Engenheiro Joaquim manifestou, depondo em julgamento, a sua convicção de que naquela zona a via se mostraria propensa à acumulação de águas pluviais, razão pela qual a Brisa, depois dos acidentes, procedeu à colocação de uma camada mais rugosa e drenante que a anterior.
Estas provas, muito credíveis e, no geral, concordantes – as pequenas discrepâncias são naturais quando os testemunhos são prestados, como foram, cerca de 8 anos depois dos acidentes – sustentam plenamente as respostas dadas pelo tribunal a quo aos mencionados quesitos.
Até porque, na verdade, nem sequer foi feita prova em contrário. O funcionário da Brisa que passou no local às 16.40h e 17.50h, não pôde ser ouvido, por já ter falecido. As testemunhas Edmundo e M não tiveram qualquer conhecimento directo e pessoal dos factos, tendo-se limitado a descrever os procedimentos de segurança habituais seguidos pela Brisa e o facto de não terem recebido qualquer comunicação sobre qualquer ocorrência anormal na via.
A existência de água acumulada naquele ponto da via pressupõe inevitavelmente um deficiente escoamento. A chuva, descrita pelas testemunhas como “moderada a forte” não era, de certeza, torrencial no sentido de, pela frequência e volume, tornar impossível qualquer escoamento. É claro que só ocorreu o empoçamento por estar a chover, mas uma chuva normal em Janeiro – quando os factos ocorreram – e para a qual a via deve estar munida das necessárias condições de drenagem e escoamento. Que a Brisa tenha sentido a necessidade de melhorar essas condições posteriormente mostra bem que tais deficiências existiam e foram a causa dos despistes.
Refira-se ainda que a testemunha José a dado momento do seu depoimento refere que, poucos dias depois, ao passar pelo local detectou a água acumulada. Mas referiu igualmente que nessa ocasião também estava a chover. Contrariamente ao significado que a recorrente dá das palavras da testemunha, o que destas decorre não é que a água acumulada fosse a mesma do dia do acidente – o que obviamente seria absurdo - mas sim que, uma vez que estava a chover, o problema se manifestara de novo, com empoçamento da via, na faixa esquerda e em parte na faixa central.
É evidente que a testemunha nunca poderia saber se a água acumulada era a mesma de dias antes ou outra. O que interessa, nessa parte do depoimento, é que viu novamente, em condições de pluviosidade semelhantes, acumulação de água no mesmo local.
Assim, não temos a menor dúvida em confirmar na íntegra as respostas dadas pelo tribunal recorrido aos quesitos 2º, 3º, 4º, 6º e 8º.
Quanto ao quesito 16º, que perguntava se “a Brisa, periodicamente procede à limpeza e manutenção dos sistemas de drenagem das águas pluviais” é manifesto que uma resposta irrestritamente afirmativa entraria em contradição com as respostas dadas aos quesitos atrás mencionados. Quanto muito poder-se-ia dar à resposta um tom genérico, mas isso seria inteiramente irrelevante para a decisão da causa.
Uma vez que se entende como assente que se formou naquele local da auto-estrada um lençol de água que originou diversos despistes, em condições de normal pluviosidade, é impossível considerar, simultaneamente, que a Brisa tenha cuidado, nesse mesmo local, atempada e diligentemente dos sistemas de drenagem das águas pluviais.
Improcede pois, na totalidade, a impugnação da decisão fáctica.
Ora, os factos dados como provados são bastantes para se poder concluir pela responsabilidade da Brisa, independentemente da questão do ónus probatório. Com efeito, provou-se o dano nos veículos resultante dos despistes e provou-se a existência do lençol de água na via, fruto do deficiente escoamento das águas pluviais, bem como o nexo causal entre ambos.
Torna-se assim irrelevante apurar se é aplicável o regime legal introduzido pela Lei nº 24/2007 de 18/7, nomeadamente na parte em que impõe à concessionária o ónus da prova das condições de segurança – art. 12º nº 1.
Contudo, sempre se dirá que não é seguro que o novo regime tenha verdadeiramente modificado a repartição do ónus probatório.
Assim, a responsabilidade da Brisa, enquanto concessionária da auto-estrada, decorre do disposto no nº 2 da Base XXXIX anexa ao DL nº 315/91 de 20/8, que dispõe que:
“A concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação, sujeitas ou não ao regime de portagem.”
Tem sido observado que a obrigação ínsita no focado preceito é uma obrigação perante a entidade concessionante, eventualmente geradora de responsabilidade civil de natureza contratual (ver Acórdão da Relação do Porto de 2/12/98, in Col. Jur. 1998, V, pág. 208/209).
Porém, a responsabilidade da concessionária perante terceiros, ou seja, e entre outros, os utentes da via, não tem certamente tal natureza contratual, até porque existe independentemente de ocorrer ou não o sistema de portagens.
É assim que se estipula no nº 1 da Base LIII que “serão da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei, sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão”.
Tal responsabilidade integra-se pois no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.
Cabendo ao lesado a prova do dano sofrido bem como de deficiência na via que causalmente tenha dado origem ao evento danoso.
Mas, e aqui concordamos com o Mº juiz a quo, será à Brisa que incumbirá, nos termos do art. 493º nº 1 do Código Civil, a prova de que não existiu culpa da sua parte ou que os danos ocorreriam sempre mesmo sem culpa sua. Isto pois que a Brisa está obrigada, como vimos, a um dever de vigilância sobre a auto-estrada concessionada.
Entendemos ser esta a posição mais adequada, não ignorando contudo a existência de jurisprudência de sinal contrário, como é o caso do Acórdão da Relação de Coimbra de 26/9/2000, in CJ 2000, IV, pág. 14/6.
Assim, provada a existência de uma zona empoçada na auto-estrada, empoçamento esse resultante do deficiente escoamento das águas pluviais, e tendo tal situação sido a causa do despiste dos veículos dos AA e assim dos danos por estes sofridos, é inevitável a procedência da acção.
Refere ainda, no seu recurso, a Ré Companhia de Seguros que, em caso de condenação, os juros moratórios só deverão ser contados a partir da data da citação, nos termos do art. 805º nº 3 do Código Civil.
Na sentença recorrida adoptou-se exactamente esse critério, salvo no tocante aos AA Maria e R Lda. E a razão é que estes AA interpelaram a Brisa, por carta de 26/5/99, recebida em finais desse mês, para que lhes pagasse os montantes ora peticionados e relativos aos custos de reparação dos seus veículos, alegando terem sido resultado dos acidentes mencionados.
Nos termos do referido art. 805º nº 3, o devedor, em caso de iliquidez do crédito, e tratando-se de responsabilidade por facto ilícito, constitui-se em mora desde a citação, a menos que já então haja mora, por lhe ser imputável tal iliquidez.
Estamos contudo perante uma obrigação líquida, correspondente ao montante das reparações a que os mencionados AA fazem alusão e que, de resto, foram integralmente dados como provados.
Assim, não ocorrendo uma situação de iliquidez da obrigação, é aplicável o disposto no nº 2 b) do mesmo art. 805º.
Como a liquidação dos créditos ocorre na comunicação feita por alguns dos AA à Brisa, é a partir da data do recebimento da mesma que se deverão contar os juros moratórios sobre tais créditos.
Improcedendo pois, também aqui, a apelação.
Pode assim concluir-se que:
– Em acidente de viação imputado à Brisa, com a alegação de que o acidente foi causado pela existência de um lençol de água na auto-estrada, fruto de deficiente escoamento das águas pluviais, incumbe aos lesados, no âmbito da legislação anterior à Lei nº 24/2007 de 18 de Julho, a prova do despiste causador dos danos e da existência de vícios na via, bem como do respectivo nexo causal.
– Cabendo à concessionária, nos termos do art. 493º nº 1 do Código Civil, a prova da inexistência de culpa da sua parte, ou de que o evento danoso ocorreria sempre, mesmo sem culpa sua.
– A referência feita no nº 3 do art. 805º do Código Civil à responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, reporta-se apenas aos casos de iliquidez do crédito.
Assim e pelo exposto julgam-se improcedentes ambos os recursos, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelas recorrentes.
LISBOA, 14/5/2009
António Valente
Ilídio Martins
Teresa Pais