Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13320/17.6T8LSB-A.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
PRIVILÉGIO MOBILIÁRIO GERAL
PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
CRÉDITO LABORAL DE ADVOGADO
ÓNUS DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEENTE
Sumário: 1. O nomen iuris atribuído pelos contraentes ao acordo feito e reduzido a escrito não constitui um elemento decisivo para a qualificação desse acordo, tanto mais que, no caso (processo de insolvência), não está em causa dirimir qualquer conflito que oponha os intervenientes no contrato, sendo os credores alheios à relação contratual estabelecida, que não os vincula.
2. O que importa e constitui elemento determinante para a qualificação do contrato é o conteúdo da regulação estabelecida entre as partes e vertida no clausulado do contrato, em ordem a subsumir o acordo a uma espécie contratual, no caso, tipificada no art.º 11 do Código do Trabalho.
3. Não se discute que a prestação de serviços de consultadoria jurídica e financeira própria dos advogados, no exercício do seu munus, possa ser enquadrada no âmbito de relações de natureza tipicamente laboral, sendo também inequívoco que tal não obsta a que as funções sejam exercidas com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável, em conformidade com o Estatuto da Ordem dos Advogados e como habitualmente acontece quando estamos no âmbito do exercício de profissão liberal em que a atividade prestada é de cariz intelectual; ponto é que se verifiquem os elementos típicos desta figura contratual.
4. Não logrando o credor, advogado, demonstrar, como lhe competia, a factualidade pertinente tendo em vista a qualificação do crédito reclamado como gozando dos privilégios mobiliário geral e imobiliário especial previstos no art.º 333.º do Cód. do Trabalho, impõe-se manter a qualificação atribuída na decisão recorrida, que julgou verificado o crédito, com natureza comum.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa  

I. RELATÓRIO
Ação
Processo de insolvência, apenso de verificação do passivo.
Insolvente
JC.
Credor/Apelante
AM.
Lista de créditos reconhecidos/não reconhecidos
O administrador da insolvência apresentou a lista de credores a que alude o art.º 129.º do CIRE, identificando o credor AM (apelante), com o crédito de 110.000,00€ e, sob a epígrafe “fundamentos” indicando:
“Este crédito apesar de reclamado nos termos do nº 128 do CIRE não junta quaisquer documentos comprovativos com excepção de um contrato escrito, tais como faturas/recibos ou descontos para a segurança social (ou outro sistema) que comprovem que efetivamente o credor tenha trabalhado 4 anos sem ter qualquer ressarcimento pelo mesmo, motivos pelos quais é o mesmo impugnado” (sublinhado nosso).
Mais indicando ter notificado o credor “nos termos do nº 4 do art.º 129.º do CIRE” [ [1] ].        
AM apresentou impugnação, em 06-04-2018 [ [2] ] não tendo sido apresentada qualquer resposta à mesma. A impugnação foi julgada tempestiva por despacho proferido em 03-10-2022, antecedendo a decisão.

Decisão recorrida
Foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em 03-10-2022, com o seguinte segmento dispositivo:
“Todo o exposto conduz à procedência da impugnação no que à existência e valor do crédito respeita e, consequentemente, pela sua verificação, mas como como crédito comum, nos termos do art.º 47º, n.º4 c), posto que não beneficia de garantia real prevalente, de privilégios creditórios, nem é um créditos subordinados, não se enquadrando em nenhuma das classificações discriminadas nesse normativo.
Termos em que, o tribunal julga a impugnação deduzida por AM parcialmente procedente por provada e, consequentemente, verificado o crédito reclamado no valor de €110.000,00, com a natureza de crédito comum”.
E, em sede de graduação:
“Pelo exposto, graduo os créditos sobre o insolvente JC, contribuinte fiscal n.º 147929326, para serem pagos da seguinte forma:
(i) Pelo produto da venda da fracção "A" correspondente ao lugar de estacionamento n.º 72, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 471/19880728 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2782:
- Em 1º lugar: o crédito de IMI reconhecido à Autoridade Tributária, no montante de €13,78 (crédito garantido)
- Em 2º lugar: o crédito de IRS reconhecido à Autoridade Tributária, no montante de €2.751,92 (crédito com privilégio imobiliário geral)
- Em 3º lugar, a par: os créditos comuns (incluindo o crédito hipotecário, o crédito por IMI do imóvel identificado em ii), o crédito referente a IVA, o crédito do requerente da insolvência, o crédito reconhecido no apenso C e o crédito verificado a AM)
(ii) Pelo produto da venda da fracção autónoma designada pelas letras "CC", correspondente ao primeiro (…) do prédio urbano designado (…), penhorada e objecto de venda no âmbito do processo executivo n.º 469/16.9T8SLV, no valor de €95.500,00
- Em 1º lugar: crédito de IMI reconhecido à Autoridade Tributária, no montante de €589,58
- Em 2º lugar: o crédito reconhecido ao Banco B, no montante de €92.928,14 (crédito garantido por hipoteca)
- Em 3º lugar: o crédito de IRS reconhecido à Autoridade Tributária, no montante de €2.751,92 (crédito com privilégio imobiliário geral)
- Em 4º lugar: a par entre si, os créditos comuns (incluindo o crédito por IMI do imóvel identificado em i), o crédito referente a IVA, o crédito do requerente da insolvência, o crédito reconhecido no apenso C e o crédito verificado a AM)
(iii) Para serem pagos pelos bens móveis, incluídos as quantias entregues no período de cessão:
- Em 1º lugar: o crédito de IRS/IVA reclamado pela Fazenda Nacional - €9.369,05 (crédito com privilégio mobiliário geral)
- Em 2º lugar: o crédito privilegiado reclamado por RR, no montante de €9.013,30
- Em 3º lugar: a par entre si, os créditos comuns (incluindo os créditos garantidos por hipoteca, os créditos referentes a IMI, bem como o remanescente do crédito do requerente da insolvência, o crédito verificado no apenso C e o crédito verificado a AM)
*
As dívidas da massa insolvente (artigo 51º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas) saem precípuas na devida proporção do produto da venda de cada bem móvel ou imóvel, nos termos do artigo 172º, nºs 1 e 2 do mesmo código.
*
Nos termos do disposto no artigo 303º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a actividade processual relativa à verificação e graduação de créditos, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objecto de tributação autónoma.
Assim, não há lugar a custas.
*
Registe e notifique”.

Recurso
Não se conformando, AM apelou, formulando as seguintes conclusões:
“1ª Estamos perante um contrato de trabalho, que respeita o art.º 11º do CT e os indícios de subordinação jurídica conforme à jurisprudência (cfr. por todos Ac. do STJ de 18/12/2008 in 8. recurso nº 2314/08 da 4ª secção).
2ª Também porque as partes assim o quiseram e assim o denominaram.
3ª Embora exista isenção e independência técnica do trabalhador, tal não bule com a subordinação jurídica, sendo até proibida a sua omissão (art.ºs 73º nºs 2 e 3 e 89º do EOA).
4ª E embora também exista isenção de horário, o trabalhador tinha que cumprir todas as tarefas que a entidade patronal lhe distribuía, sendo tal isenção legal no CT (v.g. no teletrabalho).
5ª O local, ou locais, de trabalho e os materiais eram fornecidos pela entidade patronal, que lhe fornecia secretariado.
6ª A retribuição era fixa e mensal e não avença, sendo a natureza dos trabalhos jurídicos.
7ª A não exigência de juros pelo abuso na retribuição, bem como o pagamento das deslocações por parte do trabalhador e o acordo pela inclusão na retribuição dos subsídios de férias e Natal (duodécimos), foram acordados atento o alto valor da retribuição mensal).
8ª Estamos, pois, perante um contrato de trabalho, não questionado por ninguém, nem sequer pela entidade patronal.
9ª Não havendo desacordo quanto ao contrato; reclamação de créditos e impugnação, o mesmo deve ser considerado como de trabalho, face à vontade das partes (art.ºs 342º e 406º do CC e 574º nº 2 do CPC).
10ª E, para não ser assim, teria o tribunal que pedir o parecer do OA, conforme actual art.º 73º nº 6 do EOA, o que não fez, sendo, consequentemente, nula a decisão (art.º 615º nº 1 al. d) do CPC.
11ª Assim sendo, há aplicação dos art.ºs 333º e ss do CT.
TERMOS EM QUE DEVERÁ
A SENTENÇA SER REVOGADA NESTA PARTE, CONSIDE-RANDO-SE O CONTRATO COMO TRABALHO, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS”.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO
O tribunal de primeira instância deu por assente a seguinte factualidade:
1. JC, casado, nascido a 20.3.1953, natural da freguesia de (…), foi declarado insolvente por sentença de 16.1.2018, transitada em julgado.
2. Foram reconhecidos pelo Administrador da Insolvência os seguintes créditos:
- Banco CP, SA - €545.252,60 (crédito comum, sendo €6.580,00 sob condição de accionamento da garantia bancária);
- Banco ST, S.A. - €44.957,91 (crédito comum);
- Banco B, S.A. - €155.254,02 (sendo €62.235,88 crédito comum e €92.928,14 crédito garantido por hipoteca);
- D- CI, Lda. - €7.207,14 (crédito comum);
- F El CI, S.F.C., S.A. - €722,62 (crédito comum);
- Fundação L e J - €25.612,00 (crédito comum);
- L - Soc. de Garantia Mutua, S.A. - €29.605,26 (crédito comum);
- Ministério Público - €127.217,64 (sendo €13,78 crédito garantido, referente a IMI; €6.617,13 crédito privilegiado referente a IVA, €2.751,92 crédito privilegiado referente a IRS e €117.068,94 crédito comum);
- NB - €73.085,51 (crédito comum);
- RR - €36.053,22 (crédito privilegiado-requerente da insolvência);
3. Foi apreendida nos autos a fração autónoma designada pela letra “A”, (…) em Lisboa [ [3] ].
4. O insolvente era proprietário da fração autónoma designada pelas letras "CC", (…) freguesia e concelho de Albufeira, (…), penhorada e objecto de venda no âmbito do processo executivo n.º 469/16.9T8SLV [ [4] ].
5. Sobre o imóvel identificado em 4) foi constituída hipoteca a favor do Banco B, S.A., registada por Ap. 33 de 24.3.2006, para garantia do capital no valor de €127.280,00, montante máximo assegurado de €162.036,35.
6. Foi apreendida a quantia de €95.500,00 relativa ao produto da venda do imóvel melhor identificado em 4).
7. Foi apreendido 1/3 da pensão do Insolvente, num total de €14.970,00, com referência à data de 10.3.2020.
8. O Ministério Público reclamou créditos garantidos no valor de €779,65 euros (valor referente a IMIs dos prédios, 110618-U002782-A, concelho de Lisboa; 080102-U-004631-N, concelho de Albufeira e 080106-U-000111- CC, concelho de Albufeira; IUCs de 3 viaturas e juros de mora), sendo o valor de €589,58 referente a IMI do imóvel inscrito na matriz (…) (Albufeira).
9. O crédito reclamado pela Fazenda Nacional a título de IMI, reconhecido como garantido, no valor de €13,78, é referente à fracção autónoma designada pela letra "A" (…), identificada em 3).
10. Por decisão transitada em julgado proferida no Apenso C, foi verificado a favor de J, Lda., um crédito comum no montante de €27.509,26.
*
O tribunal de primeira instância considerou ainda que “[c]om relevo para a decisão da impugnação, resulta ainda dos autos que”:
1. O Insolvente e AM subscreveram o documento intitulado "Contrato de Trabalho - Art.º 68.º do EOA", datado de 6.6.2014, com cópia a fls. 8 e verso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. O reclamante é advogado (cfr. artigo 1.º da impugnação);
3. Nada foi pago ao reclamando pelo insolvente no âmbito do acordo referido em 1).  (cfr. artigo 4.º da impugnação).

III- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – art.ºs  635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº 3 do mesmo diploma.
No caso e ponderando a ordem pela qual as questões foram suscitadas pelo recorrente, impõe-se apreciar:
- Se o crédito reconhecido ao apelante, no valor de 110.000,00€, deve ser graduado como tendo “natureza de crédito comum” como entendeu a primeira instância ou se estamos perante crédito privilegiado, como pretende o apelante, que concluiu que, tendo celebrado um contrato de trabalho com o insolvente, “há aplicação dos art.ºs 333º e ss do CT” (11ª conclusão);
- Se a sentença recorrida enferma de nulidade. 

2. Lê-se na fundamentação jurídica da decisão recorrida:
“Da impugnação apresentada por AM
AM veio impugnar a lista de créditos reconhecidos, com fundamento na indevida exclusão do seu crédito, no valor de €110.000,00, o qual, no entendimento do reclamante, goza de privilégio imobiliário especial e mobiliário geral.
Para o efeito, alegou, essencialmente, que o contrato que juntou com a sua reclamação de créditos é um "contrato de trabalho jurídico", que "não pode descontar para a segurança social mas apenas para a CPAS" e que não emitiu qualquer recibo de pagamento da retribuição porque a tal só estaria obrigado caso lhe tivesse sido paga alguma retribuição, o que nunca aconteceu.
O Impugnante não arrolou testemunhas, mas juntou cópia da reclamação de créditos que enviou ao Administrador da Insolvência, do denominado “contrato de trabalho jurídico” que serviu de suporte à reclamação do seu crédito e cópia do aviso de pagamento da CPAS referente ao mês de Março de 2018 e com cópia do respectivo comprovativo de pagamento.
A impugnação não foi objecto de resposta por parte do Administrador de Insolvência, ou por qualquer credor.
Na comunicação que o Administrador da Insolvência endereçou ao Credor Impugnante, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 129º, n.º 4, do CIRE, pode ler-se, entre o mais, que: "não lhe foi reconhecido um crédito privilegiado de 110.000,00 euros sobre o Insolvente, uma vez que apesar de reclamado nos termos do n.º 128 do CIRE, não junta quaisquer documentos comprovativos com excepção de um contrato escrito, tais como faturas/recibos ou descontos para a segurança social que comprovem que efetivamente o credor tenha trabalhado 4 anos sem ter qualquer ressarcimento pelo mesmo, motivos pelos quais é o mesmo impugnado."
Cumpre apreciar e decidir.
Perpassando o articulado de impugnação, constatamos que nele não são alegados quaisquer factos caracterizadores de uma relação laboral.
E os factos considerados assentes (pontos 11) a 13) da matéria assente) são manifestamente insuficientes para que se possa concluir que o Credor Impugnante se obrigou, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ao Insolvente, no âmbito de organização e sob a autoridade desta (cfr. art.º 11º do Código do Trabalho).
De todo o modo, sempre se acrescentará que nem mesmo a reclamação de créditos apresentada por este Credor nos permitiria chegar a conclusão diversa, posto que, para além do valor da retribuição, nenhum outro facto constitutivo da relação laboral é aí invocado.
Por se afigurar ter pertinência para a presente decisão transcrevemos o sumário do Ac. do STJ de 28.4.2004, P.04S3581, consultável em www.dgsi.pt, no qual se pode ler “1. As actividades tradicionalmente exercidas por profissionais liberais, nomeadamente a advocacia, podem ser objecto de contrato de trabalho.
2. Quanto estejam em causa essas actividades, nem sempre é fácil determinar a natureza do contrato.
3. Para ultrapassar essa dificuldade há que recorrer aos chamados indícios da subordinação jurídica que é o elemento que verdadeiramente caracteriza o contrato de trabalho quando em confronto com o contrato de prestação de serviços.
4. A denominação dada pelas partes ao contrato é um desses indícios e terá uma relevância muito especial quando o contrato foi celebrado entre um Banco e um advogado com 13 anos de profissão.
5. Não deve ser considerado de trabalho, o contrato celebrado entre um Banco e um advogado nos termos do qual este prestava a sua actividade na Direcção de Contencioso do Banco, durante três ou quatro horas por dia, despachando os processos que lhe eram distribuídos, sem sujeição a horário, sem controlo de assiduidade e sem necessidade de justificar as faltas e sem que as mesmas lhe fossem descontadas na retribuição, auferindo uma remuneração mensal fixa durante 12 meses no ano, um dos quais era de férias, mediante a emissão dos chamados recibos verdes, não recebendo, todavia, subsídio de alimentação, nem diuturnidades, nem subsídio de férias e de Natal.”
Ora, precisamente no caso dos autos, à luz do acordo celebrado, não são identificáveis quaisquer “indícios da subordinação jurídica” uma vez que o requerente exercia as funções com isenção e independência técnica, com isenção de horário de trabalho, podendo o requerente “delegar” nos seus colaboradores a execução de alguns trabalhos, mediante o pagamento respectivo, tudo sem previsão de pagamento de subsídio de alimentação, nem diuturnidades, nem subsídio de férias e de Natal.
Destarte, dada a falta de alegação de factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, impõe-se concluir pela inexistência de uma relação laboral.
No mais, não tendo sido apresentada impugnação e nos termos sobreditos, tendo ficado demonstrado a obrigação do insolvente pagar ao requerente a quantia de €2.500,00 e não tendo sido provado que tal pagamento ocorreu, deve ser reconhecido o crédito reclamado”.
Como ressalta da fundamentação assim transcrita e das alegações de recurso, quer a primeira instância, quer o apelante, centraram a sua atenção na questão alusiva à qualificação do acordo celebrado entre o insolvente e o reclamante, e que estes apelidaram de “contrato de trabalho” e reduziram a escrito, com vista a aferir se o crédito goza dos privilégios estabelecidos no art.º 333.º do Cód. do Trabalho [ [5] ].
Sabe-se que o nomen iuris não constitui um elemento decisivo para a qualificação do acordo, tanto mais que, no caso, não está em causa dirimir qualquer conflito que oponha os intervenientes no contrato, sendo os credores alheios à relação contratual estabelecida, que não os vincula. Nos termos do art.º 353.º, nº1 do Cód. Civil, a confissão só é eficaz quando feita por pessoa com capacidade e poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira, o que não é o caso do devedor insolvente; assim, qualquer posição que este tomasse a propósito da matéria em causa seria irrelevante porque não dotada de eficácia confessória. Daí que não seja correta a afirmação vertida na 8ª conclusão (“[e]stamos, pois, perante um contrato de trabalho, não questionado por ninguém, nem sequer pela entidade patronal”).
Também não é valida a alegação vertida na 9ª conclusão (“[n]ão havendo desacordo quanto ao contrato; reclamação de créditos e impugnação, o mesmo deve ser considerado como de trabalho, face à vontade das partes (art.ºs 342º e 406º do CC e 574º nº n2 do CPC)”; a ausência de resposta à impugnação determina que se dê como assente, apenas, que o apelante e o insolvente subscreveram o acordo aludido, como indicou a primeira instância, matéria que efetivamente não foi questionada, isto é, não se discute que o insolvente e o apelante subscreveram a declaração escrita que corporiza o contrato; a qualificação do contrato é matéria de direito, não estando sequer o tribunal adstrito à posição que as partes tenham tomado (art.º 5.º, nº 2 do CPC). Como se referiu no acórdão do STJ de 23-10-2018 “[n]a hipótese de falta de resposta à impugnação da lista provisória de créditos, prevista no artigo 131.º, n.º 3, do CIRE, são necessariamente admitidos os factos alegados na impugnação, mas o juiz não fica dispensado de proceder às diligências necessárias e adequadas à verificação do crédito, nos termos do artigo 136.º do CIRE” [ [6] ].
O que importa e constitui elemento determinante para a presente análise é o conteúdo da regulação estabelecida entre as partes e vertida no clausulado do contrato, em ordem a subsumir o acordo a uma espécie contratual, no caso, tipificada no art.º 11 do Código do Trabalho [ [7] ].
A análise da primeira instância incidiu, então, na averiguação da existência de índices de subordinação jurídica, que a doutrina e jurisprudência sempre associaram ao vínculo laboral e a que o atual Código do Trabalho de 2009 alude no número 1 do art.º 12.º, estabelecendo uma presunção de laboralidade [ [8] ] [ [9] ].
Vejamos, então, cada um desses índices, ponderando que o insolvente outorgou o contrato como 1º outorgante e o apelante como 2º outorgante, para que este exercesse “funções de consultadoria jurídica e financeira” (cláusula 1ª) e o que foi vertido no clausulado do contrato, nomeadamente na cláusula 3ª, alíneas a) a g).
- “a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado” [ [10] ]; “b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade”:
Na clausula 3ª, alínea c) estabeleceu-se que “o local de trabalho será nos imóveis do 1º outorgante (em Lisboa e no Algarve (Guia e Albufeira)), sem prejuízo de quando o 2º outorgante necessitar de deslocar-se ao seu escritório para apoio laboral, sendo os equipamentos de trabalho fornecidos pelo 1º outorgante”;
E, na alínea d) estabeleceu-se que “todos os trabalhos de secretaria serão feitos na sede do 1º outorgante ou onde o 2º outorgante considerar conveniente” (sublinhados nossos).
A noção de local de trabalho é-nos dada pelo art.º 193.º do Cód. do Trabalho:
“1- O trabalhador deve, em princípio, exercer a actividade no local contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
2 - O trabalhador encontra-se adstrito a deslocações inerentes às suas funções ou indispensáveis à sua formação profissional”.
Ora, sendo o insolvente uma pessoa singular, o mesmo não tem “sede”, sendo que se desconhece completamente o local onde o insolvente exercia a sua atividade profissional e quais os imóveis referidos no contrato, matéria a que o apelante também nunca aludiu nos presentes autos; acresce que dessa estipulação resulta que, afinal, em bom rigor, era ao apelante que incumbia determinar o local em que, concretamente, exercia a sua atividade de “consultadoria jurídica e financeira” como claramente resulta dos segmentos de texto vertidos na parte final das referidas alíneas, que deixa afinal ao critério do apelante a opção sobre o local em que prestava a atividade; ou seja, entende-se que não se verifica o índice relativo ao local de trabalho.  
“c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma”:
Considerando que na cláusula 3ª, alínea b) do contrato se estabeleceu que o 2º outorgante “gozará de isenção de horário de trabalho, sem prejuízo de cumprir atempadamente todas as tarefas que lhe forem atribuídas”, fica claramente afastado o índice aludido. 
“d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma”:
Na cláusula 4ª do contrato as partes estipularam que “[c]omo contrapartida do trabalho prestado será paga ao 2º outorgante a retribuição mensal de Euros 2.500,00€”; essa cláusula, no entanto, não terá qualquer correspondência com a realidade porquanto é o próprio apelante que alega na reclamação que apresentou e que juntou aquando da impugnação que o insolvente lhe “deve” 110.000,00€, alusivos a retribuições que não inclui juros, nem subsídios, sendo que, quanto a estes, o apelante alegou na reclamação que apresentou ao administrador e junta aos autos como doc. nº 2 (datada de 01-02-2018), que “[t]ambém não se reclamam subsídios de férias e natal, porque também foi acordado que a eles não haveria direito, estando incluídos na remuneração mensal” (número 8) (sic) [ [11] ]; sendo certo que também nada se retira quanto aos moldes em que foi processada a remuneração pela singela razão de que o apelante refere nunca ter sido pago pela atividade respetiva, sendo certo que pelo menos entre a outorga do contrato e a declaração de insolvência decorreram três anos e meio.  
“e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”:
No caso, não se apuraram quaisquer factos relevantes nesta sede, causando perplexidade que o apelante tenha omitido por completo a concretização dos termos em que prestou a sua atividade ao insolvente, ao longo do período de vigência do contrato [ [12] ], circunstancialismo que melhor permitiria contextualizar essa relação.   
Não se discute que a prestação de serviços de consultadoria jurídica e financeira própria dos advogados, no exercício do seu munus, possa ser enquadrada no âmbito de relações de natureza tipicamente laboral, sendo também inequívoco que tal não obsta a que as funções sejam exercidas com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável, em conformidade com o Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09 de setembro [ [13] ] e como habitualmente acontece quando estamos no âmbito do exercício de profissão liberal em que a atividade prestada é de cariz intelectual; ponto é que se verifiquem os elementos típicos desta figura contratual.
No caso, a verdade é que estamos perante um contrato reduzido a escrito que os outorgantes (apelante e devedor/insolvente) apelidaram de contrato de trabalho, mas que, em substância, pela regulação fixada, escapa ao conteúdo específico desta espécie contratual; acresce a completa omissão pelo apelante de indicação, ainda que sumária, dos termos em que prestou a atividade respetiva, mormente o que fez, quando e onde. 
Em suma, não reconhecendo o administrador da insolvência o crédito reclamado pelo apelante e deduzindo o apelante impugnação sustentando que o crédito foi indevidamente excluído, não tendo a impugnação sido objeto de resposta, devem considerar-se reconhecidos os factos alegados pelo apelante, o que, no caso, se reconduz, estritamente, à outorga do contrato assinalado, com o conteúdo convencionado e à falta de pagamento da quantia reclamada, nos precisos termos enunciados na decisão recorrida, não tendo o apelante impugnado o julgamento de facto assim formulado. No mais, aferir da qualificação desse acordo com vista a concluir se o crédito reclamado goza de privilégio (mobiliário geral e imobiliário especial), traduz questão de direito, como já se aludiu, concluindo-se, pelos fundamentos expostos, que os elementos de facto carreados para o processo pelo apelante não suportam com suficiente clareza essa qualificação, como entendeu a primeira instância.
Sem prejuízo, não podemos deixar de assinalar que não se mostra correta a afirmação vertida na sentença recorrida, no sentido de que “dada a falta de alegação de factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, impõe-se concluir pela inexistência de uma relação laboral”. O que se pode afirmar é que incumbia ao apelante o ónus de alegação e prova de que celebrou um contrato de trabalho com o insolvente, facto constitutivo do seu direito (art.º 342.º, nº1 do Cód. Civil) pelo que, no contexto assinalado, não tendo cumprido esse ónus, inexistem elementos de facto que suportem a pretendida qualificação, o que não significa que possa partir-se para a afirmação contrária, isto é, da inexistência do contrato pois da ausência de prova não se extrai o facto contrário.

3. Acresce que, relativamente aos imóveis que constituíam o património do insolvente, sendo que, quanto a um deles, foi feita a apreensão do produto da venda uma vez que esta foi realizada em ação executiva (art.º 824.º, nº 3 do Cód. Civil), mesmo que se concluísse no sentido pretendido pelo apelante, ainda assim o processo não evidencia elementos que suportem a qualificação do crédito em causa como privilegiado (privilégio imobiliário especial).
Como se concluiu no acórdão desta 1ª secção do TRL de 28-02-23,”[a] propósito da abrangência do privilégio imobiliário especial previsto no artigo 333.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho de 2009, partilha-se a orientação, mais lata, no sentido de que esse privilégio incide sobre qualquer imóvel que integre o património do empregador, desde que afeto à sua atividade empresarial, à qual os trabalhadores estão funcionalmente ligados, e não apenas sobre o(s) prédio(s) onde, em concreto, o trabalhador exerce funções e correspondente, especificamente, ao seu “local de trabalho” (art.º 193.º do Código do Trabalho); efetivamente, o que releva para essa aferição é que o trabalhador está inserido numa estrutura ou organização económica em que os recursos humanos e materiais se conexionam tendo em vista a realização do objeto social, não relevando de forma significativa que o local de trabalho esteja centrado nos escritórios da empresa, na fábrica, no estaleiro ou nos prédios onde se situam os armazéns… , enfim, a enunciação pode ser variadíssima consoante as caraterísticas da empresa e o respetivo escopo social, por um lado, e as funções exercidas pelo trabalhador, por outro, sendo, aliás, em função das especificidades do caso que se apresenta ao julgador que a questão deve ser equacionada”; e, como aí também se concluiu, a afirmação de que um imóvel pertencente ao devedor e apreendido no processo de insolvência estava afeto à atividade do insolvente é um juízo valorativo-conclusivo que deve resultar de um conjunto de factos e tem de estar suportada em elementos objetivos, não sendo suficiente para assim concluir a mera constatação da titularidade do direito de propriedade do insolvente sobre tal imóvel [ [14] ]. 
Ora, no caso, facilmente se constata que inexistem elementos objetivos que suportem, com a mínima consistência, essa valoração.
Desde logo, na reclamação que apresentou ao administrador da insolvência, o reclamante nada alegou de pertinente, a esse propósito; nessa reclamação, o apelante limitou-se a invocar ter celebrado um contrato de trabalho com o insolvente, cuja cópia juntou e que, pese embora a “retribuição mensal de 2.500,00€” acordada e “apesar de, até hoje, o reclamante ter prestado o seu trabalho inclusive através de colaboradores, o ora falido nunca o retribuiu, alegando dificuldades financeiras transitórias e temporárias (números 2 e 3 da reclamação); mais alega que o insolvente lhe “deve” 110.000,00€, alusivos a retribuições que não inclui juros, nem subsídios, nem despesas de deslocações e, por último, conclui “que o crédito goza dos privilégios constantes do art.º 333.ºdo CT” (número 9).
Por outro lado, como já se salientou, o teor da cláusula 3ª, alíneas c) e d), a que supra se fez referência, é ambivalente e, na ausência de elementos relativos quer à atividade desenvolvida pelo insolvente, quer à atividade que, em concreto, o apelante foi prestando ao insolvente, não é viável retirar qualquer conclusão quanto ao efetivo local em que o autor exerceu as suas funções.
Tudo em ordem a concluir que o autor não logrou provar, como lhe competia, a factualidade pertinente tendo em vista a qualificação do crédito reclamado como gozando dos privilégios mobiliário geral e imobiliário especial previstos no art.º 333.º do Cód. do Trabalho.

4. Alega o apelante, por último, que “face ao nº6 do art.º 68.º do EOA (actual art.º 73.º), o tribunal deveria ter pedido parecer ao conselho geral da Ordem dos Advogados, o que não fez, tornando esta parte da decisão nula (art.º 615.º nº1 al. d) do CPC) – cfr. ainda a conclusão 10.º:
Dispõe o art.º 73.º do EOA:
“Exercício da atividade em regime de subordinação
1 - Cabe exclusivamente à Ordem dos Advogados a apreciação da conformidade com os princípios deontológicos das cláusulas de contrato celebrado com advogado, por via do qual o seu exercício profissional se encontre sujeito a subordinação jurídica.
2 - São nulas as cláusulas de contrato celebrado com advogado que violem aqueles princípios.
3 - São igualmente nulas quaisquer orientações ou instruções da entidade empregadora que restrinjam a isenção e independência do advogado ou que, de algum modo, violem os princípios deontológicos da profissão.
4 - O conselho geral da Ordem dos Advogados pode solicitar às entidades públicas empregadoras, que hajam intervindo em tais contratos, entrega de cópia dos mesmos a fim de aferir da legalidade do respetivo clausulado, atentos os critérios enunciados nos números anteriores.
5 - Quando a entidade empregadora seja pessoa de direito privado, qualquer dos contraentes pode solicitar ao conselho geral parecer sobre a validade das cláusulas ou de atos praticados na execução do contrato, o qual tem carácter vinculativo.
6 - Em caso de litígio, o parecer referido no número anterior é obrigatório”.
Como expressamente resulta do teor do preceito, a intervenção da Ordem dos Advogados por via da elaboração de parecer só tem justificação no âmbito de litígios em que se coloque a questão de aferir da conformidade das cláusulas constantes do contrato de trabalho celebrado entre o advogado, na qualidade de trabalhador e a sua entidade empregadora, com os princípios deontológicos que regem o exercício da profissão e plasmados no TÍTULO III (Deontologia profissional), CAPÍTULO I (Princípios gerais) do Estatuto, mais precisamente nos art.ºs 88.º (“[i]ntegridade”), 89.º (“[i]ndependência”), 90.º “[d]everes para com a comunidade”), 91.º (“[d]everes para com a Ordem dos Advogados”), 92.º (“[s]egredo profissional”), 93.º ([d]iscussão pública de questões profissionais”), 94.º (“[i]nformação e publicidade”), 95.º (“[d]ever geral de urbanidade”) e 96.º (“[p]atrocínio contra advogados e magistrados”.
Compreendendo-se o alcance da exigência aludida ponderando que à OA que compete, através dos Conselhos de deontologia, “[v]elar pelo cumprimento, por parte dos advogados e advogados estagiários com domicílio profissional na área da respetiva região, das normas de deontologia profissional, podendo, independentemente de queixa e por sua própria iniciativa, quando o julgarem justificado, conduzir inquéritos e convocar para declarações os referidos advogados, com o fim de aquilatar do cumprimento das referidas normas e promover a ação disciplinar, se for o caso” (art.º 58.º, alínea b) do Estatuto).
Sendo a questão a dirimir, no presente processo de insolvência, exclusivamente, a de saber se o contrato celebrado entre o advogado e o insolvente configura um contrato de trabalho, não está obviamente o tribunal vinculado a solicitar à OA qualquer parecer a esse respeito, pelo que a decisão recorrida não padece da nulidade invocada (por excesso de pronúncia).
 *
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Notifique.

Lisboa, 11-04-2023
Isabel Fonseca
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo

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[1] Ou seja, o administrador da insolvência não reconheceu o crédito do reclamante ora apelante.
[2] Com o seguinte teor:
“(…) reclamante nos autos à margem referenciados, tendo recebido a comunicação que se junta (doc. nº 1), em que se declara que o crédito não foi reconhecido vem, nos termos do art.º 130º do CIRE.
IMPUGNAR
 a sua exclusão da lista dos créditos reconhecidos, porquanto
1-Conforme se vê do requerimento da reclamação de créditos e do contrato adrede, este é um contrato de trabalho jurídico, sendo o reclamante advogado (doc. nº 2)
2-Assim, é ilegal vir o AI pedir “facturas/ recibos ou descontos para a segurança social …” (cfr. Doc. nº 1), pois não pode descontar para a segurança social mas apenas para a CPAS (doc. nº 3).
3-De qualquer forma, mesmo que não tivesse descontos, tal não era fundamento para não aceitar-se o seu crédito, pois que tal obrigação diz apenas respeito ao reclamante e ao credor dos descontos, seja ele a CPAS ou outro qualquer.
4-Também não se juntou qualquer recibo de IRS, porquanto, e conforme resulta da reclamação de créditos, nada lhe foi pago, pelo que só existiria obrigação de emissão de recibo no caso contrário (art.º 115º do CIRS).
5-Não tem, assim, nenhum fundamento válido e legal o AI para não reconhecer o crédito reclamado, tanto mais que o próprio falido lhe afirmou pessoalmente que devia tais verbas, pelo que a sua atitude se revela de má-fé, tendo como intuito prejudicar o reclamante.
6-Acresce que tal posição do AI é incompatível com a sua omissão quanto ao contrato de trabalho, por não se ter manifestado conforme art.º 347º do CT.
NESTES TERMOS, DEVERÁ RECONHECER-SE O CRÉDITO RECLAMADO, OBRIGANDO O AI A CUMPRIR O ESTIPULADO NO ARTº 347º Nº 1 DO CT, DESDE A DATA DA INSOLVÊNCIA ATÉ CADUCIDADE DO CONTRATO”. 
[3] Que corresponde à Verba nº 1 do auto de apreensão de bens, apreendida em 11-05-2018; de acordo com a informação prestada no apenso de liquidação, em 16-10-2018, foi vendida por 6.390,00€. Por despacho de 21-01-2019 foi declarada encerrada a liquidação.
[4] No relatório apresentado pelo administrador da insolvência em 29-03-2018 (no processo de insolvência) este descreve a fração como “correspondente a apartamento destinado a unidade de alojamento turístico e que a fração foi vendida no processo executivo 496/16.2T8LSV, do juízo de execução de Silves. 
No auto de penhora constante do processo executivo referido, datado de 22-03-2016, consta que se trata de “apartamento destinado a unidade de alojamento turístico, tipo T- um, designado por primeiro D (…)”.
[5] Artigo 333.º
“Privilégios creditórios
1 - Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:
a) Privilégio mobiliário geral;
b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade.
2 - A graduação dos créditos faz-se pela ordem seguinte:
a) O crédito com privilégio mobiliário geral é graduado antes de crédito referido no n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil;
b) O crédito com privilégio imobiliário especial é graduado antes de crédito referido no artigo 748.º do Código Civil e de crédito relativo a contribuição para a segurança social”.
[6] Processo: 50/12.2TBCLD-B.C1.S1 (Relator Catarina Serra), acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais a que aqui se aludir.
[7] Artigo 11.º
“Noção de contrato de trabalho
Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.
[8] Artigo 12.º
“Presunção de contrato de trabalho
1 - Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa”.
[9] Até ao Cód. do Trabalho de 2003 (que entrou em vigor em 01-12-2003) a doutrina e a jurisprudência vinham assinalando um conjunto de fatores que, a verificarem-se, indiciavam a existência do vínculo de subordinação jurídica que carateriza o contrato de trabalho (fixação de local de trabalho no estabelecimento da entidade que recebe a prestação e fornecimento, por esta, dos meios e instrumentos necessários à prestação da atividade, horário de trabalho, retribuição certa com pagamento de subsídios de férias e de Natal etc); efetivamente, o regime jurídico do contrato individual de trabalho aprovado pelo Dec. Lei 49408 de 24/11 de 1969 (LCT) dando a noção do contrato, no seu art.º 1º (“Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”), omitia qualquer outra referência a propósito desta matéria.
O Cód. do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei nº 99/2003 de 27-08 e publicado em Anexo ao diploma, revogou vários diplomas (cfr. a norma revogatória estabelecida no art.º 21 da Lei), nomeadamente a LCT; o Código fixou a noção de contrato de trabalho no art.º 10.º e estabeleceu, no art.º 12.º, sob a epígrafe “[p]resunção”, como segue:
“Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente:
a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as orientações deste;
b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da actividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido;
c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da actividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da actividade;
d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da actividade;
e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias”.
A Lei nº9/2006 de 20-03 alterou o referido art.º 12.º que, sob a mesma epígrafe, passou a ter a seguinte redação:
“Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob as ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição”.
A Lei n.º 7/2009, de 12-02, que aprovou o atual Cód. do Trabalho (cfr. a norma revogatória enunciada no art.º 12.º, nº1 alínea a) daquela Lei) conferiu ao artigo 12.º (“[p]resunção de contrato de trabalho) a redação supra assinalada, que ainda hoje se mantém.
[10] O art.º 193.º do Cód. do Trabalho (“[n]oção de local de trabalho”) dispõe:
1 - O trabalhador deve, em princípio, exercer a actividade no local contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.
2 - O trabalhador encontra-se adstrito a deslocações inerentes às suas funções ou indispensáveis à sua formação profissional.
[11] As normas que regulam o subsídio de Natal e o subsídio de férias são imperativas (art.ºs 263.º e 264.º do Cód. do Trabalho), devendo ser pagos:
- O subsídio de Natal até 15 de dezembro de cada ano (número 1 do art.º 263.º);
- Quanto ao subsídio de férias, dispõe o nº 3 do art.º 264.º que “[s]alvo acordo escrito em contrário, o subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias e proporcionalmente em caso de gozo interpolado de férias”.
[12] Por requerimento de 01-04-2022 o apelante deu a conhecer no processo que “resolveu” e “denunciou” o contrato, por comunicação escrita dirigida ao administrador da insolvência e datada de 04-03-2022, cuja cópia junta com o requerimento, invocando falta de pagamento das “retribuições em dívida” e indicando que os créditos “importam nesta data 227.500,00€”.   
[13] Nos termos do art.º 81.º (“[p]rincípios gerais”):
“1 - O advogado exercita a defesa dos direitos e interesses que lhe sejam confiados sempre com plena autonomia técnica e de forma isenta, independente e responsável.
2 - O exercício da advocacia é inconciliável com qualquer cargo, função ou atividade que possa afetar a isenção, a independência e a dignidade da profissão.
3 - Qualquer forma de provimento ou contrato, seja de natureza pública ou privada, designadamente o contrato de trabalho, ao abrigo do qual o advogado venha a exercer a sua atividade, deve respeitar os princípios definidos no n.º 1 e todas as demais regras deontológicas que constam do presente Estatuto.
4 - São nulas as estipulações contratuais, bem como quaisquer orientações ou instruções da entidade contratante, que restrinjam a isenção e a independência do advogado ou que, de algum modo, violem os princípios deontológicos da profissão.
5 - As incompatibilidades ou os impedimentos são declarados e aplicados pelo conselho geral ou pelo conselho regional que for o competente, o qual aprecia igualmente a validade das estipulações, orientações ou instruções a que se refere o número anterior.
6 - O exercício das funções executivas, disciplinares e de fiscalização em órgãos da Ordem é incompatível entre si”.
[14] Processo: 177/10.7TYLSB-AV.L1-1 (Relator: Isabel Fonseca), acessível in www.dgsi.pt, sendo que o acórdão vem na esteira de muitos outros, aí referenciados.