Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3531/21.5T8FNC.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: INTERESSE EM AGIR
AÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
UNIÃO DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/01/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I) Na medida em que o interesse processual delimita o perímetro do correto exercício do direito de ação, ele deverá ser analisado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao Direito e à Justiça, de modo a que não vede o acesso necessário ou útil, nem permita o acesso inútil.
II) O interesse processual define-se como o interesse da parte ativa em obter a tutela judicial de um direito subjetivo através de um determinado meio processual, desdobrando-se num interesse em demandar, que se afere pelas vantagens decorrentes dessa tutela e avalia-se pelas desvantagens impostas ao réu pela atribuição daquela tutela à contraparte.
III) A necessidade ou carência de tutela judicial, que conforma o interesse processual, deve ser aquilatada à data em que a ação é proposta, por referência ao objeto processual definido pelo autor na sua petição inicial.
IV) A questão carecida de tutela judicial terá de ser séria ou justificada e atual, devendo o interesse em agir ser aferido, objetivamente, pela posição alegada pelo autor que tem de demonstrar a necessidade do recurso a juízo como forma de defender um seu direito.
V) A incerteza do demandante deve ser objetiva (devendo resultar de comportamentos inequívocos e contemporâneos do demandado, incompatíveis com a subsistência prática da posição jurídica em causa, que se alega estar perigada, não bastando a dúvida subjetiva do demandante ou o seu interesse puramente académico em ver definido o caso pelos tribunais) e séria (no sentido de ser prejudicial para os interesses do autor, comprometendo o valor da relação jurídica, a sua negociabilidade ou a sua livre fruição, devendo tal prejuízo ser atual e não meramente potencial).
VI) Nas ações de simples apreciação, o interesse processual prende-se com um estado de objetiva incerteza acerca da existência de dada relação jurídica e do exato conteúdo dos direitos e das obrigações que dela emergem, que acarrete um prejuízo concreto e atual para o demandante, de forma a que a remoção do referido estado de incerteza constitua um resultado útil, juridicamente relevante e impossível de ser atingido sem a intervenção do juiz.
VII) Alegando o autor, Caixa Geral de Aposentações, ter recebido informação através da Segurança Social, de que a ré vive em união de facto com outra pessoa, o que a ré veio a negar, subsiste uma dúvida séria e atual sobre se a ré vive, ou não, em união de facto com outrem, fundando-se, nessa dúvida, o interesse processual (em agir) do autor, com respaldo normativo, na previsão contida no artigo 47.º, n.º 1, al. a) do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (preceito segundo o qual, a qualidade de pensionista se extingue, dentre outras circunstâncias, se se verificar uma situação de união de facto, conceito a que se reporta o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio), tudo justificando a instauração da presente ação de simples apreciação positiva, com vista a definir tal situação.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
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1. Relatório:

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1. CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P., identificado nos autos, instaurou a presente ação declarativa, de simples apreciação, contra TC, também com os sinais dos autos, pedindo fosse declarada a existência de uma união de facto “entre a Ré e  .”.
Invocou, para tanto e em suma, que VF, subscritor nº … da CGA, faleceu em 31 de Outubro de 2016 e, na sequência da sua morte, em 23 de Novembro de 2016, a ré, na qualidade de companheira, requereu ao autor a atribuição de pensão de sobrevivência, juntando ao requerimento um atestado da Junta de Freguesia de São Martinho, de 26 de Outubro de 2016, atestando que “ (…) a titular vive em união de facto com VF, nascido em 12/03/1967”. Por despacho de 2 de Fevereiro de 2017 da direção do autor, foi reconhecido à Ré o direito à pensão de sobrevivência, fixando-se à mesma o valor de 328,90€. Por mail de 12 de Março de 2019, a Segurança Social da Madeira informou a Caixa Geral de Aposentações de que TC vive em união de facto com outra pessoa, encontrando-se aliás grávida, vindo a ré, em 13-07-2021, negar tal facto.
Fundamentou a referida pretensão nas seguintes alegações de direito:
“7º Nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, para além dos cônjuges sobrevivos, dos os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens, têm também direito à pensão de sobrevivência as pessoas que vivam em união de facto.
8º O n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, na versão que lhe foi conferida pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, determina que “A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.”
9º Sucede que a união de facto, para além de facto constitutivo do direito à pensão de sobrevivência, é também um facto extintivo do mesmo direito.
10º O Decreto-Lei nº 133/2012, de 27 de Junho, alterou a redacção da alínea c) do nº 1 do artigo 47º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, passando a determinar que a união de facto também é um facto extintivo do direito à pensão.
11º Este preceito, de forma expressa e inequívoca, consagrou um entendimento que já resultava da interpretação da lei. Na verdade, sob pena de violação grave do princípio da igualdade, a equiparação da união de facto ao casamento, mesmo antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 133/2012, de 27 de Junho, tem de ser considerada para todos os efeitos (tanto para conceder como para fazer extinguir o direito.)
12º Se a vivência em condições análogas às dos cônjuges é equiparada ao casamento para efeitos de concessão de pensão de sobrevivência, então, por igualdade de razão, também deverá ser equiparada ao casamento para efeitos de extinção da mesma pensão.
13º No caso em apreço, a Caixa Geral de Aposentações reconheceu à Ré, por morte do seu ex-marido, o direito à pensão de sobrevivência.
14º Porém, em face das denúncias apresentadas, resultam indícios de que a Ré em momento posterior ao reconhecimento do direito passou a viver em situação análoga às dos cônjuges com outra pessoa, tendo tido aliás um filho, fruto dessa relação. Nessa altura, ter-se-á extinguido o seu direito à pensão de sobrevivência.
15º É inequívoca a contradição existente entre a versão apresentada pela Ré e a versão apresentada pela denunciante, verificando-se por outro lado que, administrativamente, é difícil, senão impossível, averiguar se, por ter vivido em união de facto, efectivamente ocorreu um facto extintivo do direito da Ré.
16º Esta contradição impede a manutenção do despacho 2 de Fevereiro de 2017, que reconheceu à Réu o direito à pensão de sobrevivência e obriga a Caixa Geral de Aposentações, enquanto entidade responsável pelo pagamento das prestações em causa, a promover a competente ação judicial com vista à comprovação, ou não, da união de facto entre a Ré e o pai do seu filho”.

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2. Citada, a ré contestou, por exceção – invocando a ineptidão da petição inicial (falta de pedido e falta de causa de pedir) – e por impugnação, invocando, em suma, ser falso que tenha vivido em união de facto com o pai de seu filho, NP, nascido a 27-06-2019, concluindo pela declaração da ineptidão e nulidade do processo ou, quando não, pela improcedência da ação.

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3. Após despacho a determinar a notificação do autor para exercer o contraditório relativamente às exceções deduzidas, o autor apresentou resposta onde, em suma, concluiu pela improcedência da exceção de ineptidão, por a ré ter contestado a ação interpretando convenientemente a petição inicial, nos termos do nº 3 do artigo 186º do CPC, mais invocando ter formulado um pedido concreto - que o tribunal declarasse que a Ré, depois da morte de VF, passou a viver em situação de união de facto com outra pessoa – e o facto de a CGA não ter indicado o nome do putativo companheiro da Ré não obsta a que se considere inteligível o pedido por si formulado. Concluiu requerendo fosse admitido o aperfeiçoamento da petição inicial para concretização da alegação do artigo 5.º de tal articulado, alegando que:
“1. Depois da morte de VF a Ré passou a fazer vida em comum com o pai do seu filho.
2. Coabitando na mesma habitação.
3. Na casa onde vivem recebem familiares e amigos, partilham as suas refeições, dormem juntos.
4. Aí trabalham e repousam como qualquer casal.
5. São vistos juntos nas lojas e cafés do lugar onde residem, sendo reconhecidos como um casal por vizinhos e conhecidos que habitam ou trabalham na sua zona de residência”.

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4. A ré arguiu nulidade processual, invocando que o autor alterou a causa de pedir fora das situações previstas nos artigos 264.º e 265.º, n.º 1, do CPC.

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5. Em 07-12-2022 teve lugar audiência prévia, na qual foi proferido despacho a fixar o valor da causa, a admitir a concretização factual do artigo 5.º formulada pelo autor e, perspetivando o Tribunal a existência de falta de interesse em agir do autor, “tendo presente a causa de pedir e pedido, bem como o teor do art.º 6.º, (a contrario sensu, da Lei n.º 7/2001 e a Ratio legis deste diploma) e Estatuto das Pensões de Sobrevivência (designadamente o art.º 54 (…)”, concedeu o prazo de 10 dias para o autor se pronunciar sobre a questão.

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6. Após, em 18-01-2023 foi proferida decisão de onde consta, nomeadamente, escrito o seguinte:
“(…) Da exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir do A.
O A. CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP configura a presente ação como “Ação declarativa de simples apreciação”.
Alega o A. que “Por despacho de 2 de Fevereiro de 2017, proferido pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações, foi reconhecido à Ré o direito à pensão de sobrevivência, fixando-se à mesma o valor de 328,90€” – cf. art.º 4 da PI.
Que “Por mail de 12 de Março de 2019, a Segurança Social da Madeira informou a Caixa Geral de Aposentações de que TC vive em união de facto com outra pessoa, encontrando-se aliás grávida a mesma”.
Entende o A. que a constituição de nova união de facto, por parte da Ré, é motivo de extinção da obrigação de pagamento da pensão de sobrevivência, o que “impede a manutenção do despacho 2 de Fevereiro de 2017, que reconheceu à Réu o direito à pensão de sobrevivência e obriga a Caixa Geral de Aposentações, enquanto entidade responsável pelo pagamento das prestações em causa, a promover a competente ação judicial com vista à comprovação, ou não, da união de facto entre a Ré e o pai do seu filho.” – cf. art.º 16.º da PI (sublinhado nosso).
Vejamos. Foi conferido o pagamento de pensão de sobrevivência à Ré, por morte do companheiro (pensionista do A.). O artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro “Situação de facto análoga à dos cônjuges” – no que respeita à proteção por morte, estabelece: 1 - O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil, a qual trata “do membro sobrevivo da união de facto”. 2 - O processo de prova das situações a que se refere o n.º 1, bem como a definição das condições de atribuição das prestações, consta de decreto regulamentar. Assim, a prova da união de facto é efetuada nos termos definidos na Lei 7/2001 de 11 de maio.
Dispõe, então, o n.º 1 do artigo 2º-A de tal Lei que, na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.
Há, porém, duas situações em que a Lei 7/2001 prevê a intervenção do tribunal.
A primeira está contemplada no nº 2 do respetivo artigo 6º e respeita aos casos em que a entidade responsável pelo pagamento das prestações tenha dúvidas fundadas sobre a existência da união de facto.
Sucede que tal preceito está claramente pensado para a hipótese efetivação do direito àquelas prestações (podendo, naturalmente, no final da ação judicial se concluir pela não existência da união de facto, o que, depois servirá de fundamento para a não concessão do direito) e não para a cessação desse mesmo direito – cf. n.º 3 do artigo 6.º, acrescendo que, a ratio da Lei 7/2001 está nos objetivos de proteção (e não de desproteção).
A segunda situação está prevista no artigo 8.º, n.ºs 2 e 3 e prende-se com a dissolução voluntária da união de facto, sucede que, ainda assim, a exigência de declaração judicial da dissolução só se verifica quando, o interessado, se pretenda fazer direitos que dela dependam, tais como, v.g., entre muitos outros, do direito ao uso da casa de morada de família.
Decorre do exposto que, ao contrário do afirmado pelo A., não vemos que a alegada situação de união de facto da Ré careça de ser declarada judicialmente, estando o A. “obrigado” assim a agir.
Trazemos então à colação “o interesse em agir”, enquanto pressuposto processual (que se não confunde com a legitimidade) o qual consiste na necessidade de se usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a ação (vide A. Varela, in Manual do Processo Civil, 2ª edição, pág. 179).
O interesse em agir, enquanto pressuposto processual, pretende então “(…) por um lado, evitar que as pessoas sejam precipitadamente forçadas a vir a juízo, para organizarem, sob cominação de uma sanção grave, a defesa dos seus interesses, numa altura em que a situação da parte contrária o não justifica. Procura-se, por outro lado, não sobrecarregar com acções desnecessárias a actividade dos tribunais, cujo tempo é escasso para acudir a todos os casos em que é realmente indispensável a intervenção jurisdicional” (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2ª edição, pág. 182).
Na situação concreta, e conforme se verifica através da petição inicial e dos documentos com ela juntos, o Autor, perante o conhecimento, em 12.03.2019, de que a ré viveria em união de facto, não hesitou em enviar à Ré notificação para que a mesma se pronunciasse sobre “denúncia de que se encontra a viver em união de facto”, e que tal é motivo de extinção da pensão que usufruía.
A ré pronunciou-se e negou a existência de tal facto, trazendo, para sustentar a sua posição, uma decisão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, e com a qual, salvo o devido respeito, não nos revemos.
Desconhecemos qualquer outra atividade ou diligência instrutória efetuada pelo A. para apuramento do facto denunciado (nada foi alegado quanto a tal na douta PI, nem nada nesse sentido decorre dos documentos juntos), o que, estranhamos, pois que seguramente o A. possui serviços próprios para apuramento dos factos necessários à sua tomada de decisões, não se compreendendo o que impede o A. de decidir, ao abrigo das suas competências, a cessação da pensão de sobrevivência paga à Ré, cabendo a esta, querendo, recorrer de tal decisão. Veja-se ainda que tal procedimento do A. está expressamente previsto no art.º 51.º, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (cf. Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de março e suas alterações), cabendo assim, da resolução tomada, recurso hierárquico para o Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações, porquanto a mesma resolve “sobre a diminuição ou perda de pensão” (cf. Artigo 54.º - A, n.º 1, al. a) do Estatuto), podendo, ainda, da decisão que este Conselho venha a tomar, impugnar-se nos termos do contencioso administrativo. Reitera-se que não se compreende o que impede o A. de decidir, ao abrigo das suas competências, pela cessação da pensão de sobrevivência paga à Ré, alterando a sua resolução anterior.
É patente, salvo melhor entendimento, a falta de interesse em agir do A., o que configura uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, conducente, como tal, à absolvição da Ré da instância, nos termos conjugados dos artigos 577.º, 578.º e 278º n.º 1 al. e) do Código de Processo Civil, o que se declarará.
Decisão.
Pelo exposto, ao abrigo das disposições citadas, julgo procedente por provada a presente exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir do A. e, em consequência, absolvo a Ré TC da presente instância.
Valor da ação: o fixado por despacho de ref.ª 52775058.
Custas pelo A. na proporção de 100% por ser parte vencida (cf. art.º 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Registe e Notifique.”.
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7. Não se conformando com o referido despacho, dele apela o autor, pugnando pela sua revogação, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1ª É fácil provar a existência de uma união de facto quando esta é um facto constitutivo do direito (direito à pensão de sobrevivência).
2ª Não é fácil provar a união de facto é um facto extintivo do direito.
3ª Ao contrário dos unidos de facto que, quando pretendem beneficiar de uma pensão de sobrevivência, apenas têm de apresentar uma declaração emitida por uma junta de freguesia, a Caixa Geral de Aposentações, quando pretende averiguar se, para efeitos da extinção do direito, existe uma união de facto, não pode ir a uma junta de freguesia pedir uma declaração que a ateste.
4ª Acresce que a CGA, contrariamente ao ISS, não dispõe de quaisquer meios para, com segurança, avaliar as denúncias apresentadas.
5ª Sem ter certeza sobre o facto extintivo do direito (a existência da união de facto), a CGA não dispõe de fundamento para revogar o despacho que reconheceu o direito à Ré. A denúncia apresentada não é suficiente para, de forma fundamentada, revogar o despacho que reconheceu o direito à pensão de sobrevivência.
6ª Se a Caixa Geral de Aposentações o fizesse – revogação do acto administrativo constitutivo do direito da Ré com base na denúncia anónima apresentada – qualquer tribunal administrativo declararia a invalidade do acto revogatório.
7ª A CGA, em alternativa, perante a denúncia apresentada, também não pode ignorá-la e continuar a abonar a pensão independentemente de a Ré reunir ou não as condições para manter o direito.
8ª A única alternativa que restava à Caixa Geral de Aposentações era intentar uma acção judical onde, perante a prova produzida, se pudesse concluir sobre a existência ou inexistência da união de facto.
9ª Contrariamente ao que considerou o tribunal de primeira instância, existe interesse em agir por parte da caixa Geral de Aposentações, que se traduz na necessidade de obter uma decisão judicial que, reconhecendo a união de facto denunciada, a habilite a declarar a extinção do direito à pensão de sobrevivência ou que, pelo contrário, reconhecendo a inexistência da referida união de facto, lhe permita continuar a abonar a pensão.
10ª Caso se considere, como o Juízo Local Cível do Funchal, que a CGA não pode, para efeitos de extinção do direito, intentar uma acção declarativa de simples apreciação declarativa, pedindo que seja feita a prova da existência/inexistência da união de facto, ter-se-á de considerar que a alínea a) do nº 1 do artigo 47º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, introduzida pelo Decreto-Lei nº 133/2012, de 27 de Junho, é uma norma irrelevante, esvaziada de qualquer sentido útil.
11ª A Sentença impugnada violou o artigo 2º do CPC.”.

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8. A recorrida não contra-alegou.

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9. Nos termos do despacho proferido em 10-04-2023 foi admitido o requerimento recursório.

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10. Foram colhidos os vistos legais.

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2. Questões a decidir:
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. artigo 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação).
Em face do exposto, identifica-se a seguinte questão a decidir:
A) Se a decisão recorrida violou o disposto no artigo 2.º do CPC, existindo interesse em agir da Caixa Geral de Aposentações em obter uma decisão judicial que, reconhecendo a união de facto denunciada, a habilite a declarar a extinção do direito à pensão de sobrevivência ou que, pelo contrário, reconhecendo a inexistência da referida união de facto, lhe permita continuar a abonar a pensão?

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3. Fundamentação de facto:
São elementos processuais relevantes para a apreciação do recurso, conforme resultam dos autos, os elencados no relatório.

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4. Fundamentação de Direito:

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A) Se a decisão recorrida violou o disposto no artigo 2.º do CPC, existindo interesse em agir da Caixa Geral de Aposentações em obter uma decisão judicial que, reconhecendo a união de facto denunciada, a habilite a declarar a extinção do direito à pensão de sobrevivência ou que, pelo contrário, reconhecendo a inexistência da referida união de facto, lhe permita continuar a abonar a pensão?
A decisão recorrida julgou verificada a exceção dilatória inominada da falta de interesse em agir do autor para a presente demanda e, em consequência, absolveu a ré da instância.
O Tribunal recorrido fundamentou a decisão, em suma, nas seguintes considerações:
1ª As situações em que a Lei n.º 7/2001 prevê a intervenção do tribunal para a prova da existência de união de facto são:
- A do artigo 6.º, n.º 2, respeitante aos casos em que a entidade responsável pelo pagamento das prestações tenha dúvidas fundadas sobre a existência da união de facto, preceito que o Tribunal recorrido considera “claramente pensado para a hipótese efetivação do direito àquelas prestações (podendo, naturalmente, no final da ação judicial se concluir pela não existência da união de facto, o que, depois servirá de fundamento para a não concessão do direito) e não para a cessação desse mesmo direito – cf. n.º 3 do artigo 6.º, acrescendo que, a ratio da Lei 7/2001 está nos objetivos de proteção (e não de desproteção)”;
- A do artigo 8.º, n.º 2 e 3, respeitante à dissolução voluntária da união de facto, sendo que a declaração judicial apenas se justifica quando o interessado “pretenda fazer direitos que dela dependam, tais como, v.g., entre muitos outros, do direito ao uso da casa de morada de família”;
2.ª Que daí decorre não ver o Tribunal recorrido “que a alegada situação de união de facto da Ré careça de ser declarada judicialmente, estando o A. “obrigado” assim a agir”, considerando que “o A. possui serviços próprios para apuramento dos factos necessários à sua tomada de decisões, não se compreendendo o que impede o A. de decidir, ao abrigo das suas competências, a cessação da pensão de sobrevivência paga à Ré, cabendo a esta, querendo, recorrer de tal decisão. Veja-se ainda que tal procedimento do A. está expressamente previsto no art.º 51.º, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (cf. Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de março e suas alterações), cabendo assim, da resolução tomada, recurso hierárquico para o Conselho de Administração da Caixa Geral de Aposentações, porquanto a mesma resolve “sobre a diminuição ou perda de pensão” (cf. Artigo 54.º - A, n.º 1, al. a) do Estatuto), podendo, ainda, da decisão que este Conselho venha a tomar, impugnar-se nos termos do contencioso administrativo. Reitera-se que não se compreende o que impede o A. de decidir, ao abrigo das suas competências, pela cessação da pensão de sobrevivência paga à Ré, alterando a sua resolução anterior”.
A recorrente impugna a referida decisão dizendo que, contrariamente à mesma, existe interesse em agir, tendo invocado que:
“(…) A Caixa Geral de Aposentações, invocando a alínea a) do nº 1 do artigo 47º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, introduzido pelo Decreto-Lei nº 133/2012, de 27 de Junho, que determina que a união de facto de um beneficiário da pensão de sobrevivência constitui um facto extintivo do direito, pretende que o tribunal declare a existência de uma união de facto entre a Ré e DP (o pai do seu filho). Para tanto, alegou na petição inicial a denúncia anónima que foi feita junto da Segurança Social da Madeira no sentido de que a Ré, não obstante ser beneficiária de uma pensão de sobrevivência por morte de VF, viver em união de facto.
É certo que, nos termos do artigo 2º A da Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível. O referido preceito determina ainda que, no caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.
Ao contrário dos unidos de facto que, quando pretendem beneficiar de uma pensão de sobrevivência, apenas têm de apresentar uma declaração emitida por uma junta de freguesia, a Caixa Geral de Aposentações não pode ir a uma junta de freguesia pedir uma declaração que ateste a união de facto existente entre a Ré e o seu companheiro.
De facto, é muito fácil provar a existência de uma união de facto quando esta é um facto constitutivo do direito (direito à pensão de sobrevivência). A prova da união de facto passou a fazer-se através de um documento – a declaração da junta de freguesia – que se baseia tão só no depoimento de duas testemunhas apresentadas pelos próprios requerentes, as quais muitas vezes afirmam o que não corresponde à verdade. Não sejamos inocentes: os termos facilitistas com que o legislador gizou a prova da união de facto potencia, e muito, a fraude na obtenção de determinadas prestações junto das instituições de segurança social.
Porém, quando a união de facto é um facto extintivo do direito a prova é difícil de fazer.
É, pois, inquestionável que nos presentes autos se verifica o pressuposto processual do interesse em agir enquanto necessidade da declaração judicial. Só através de uma decisão judicial poderão os factos ser avaliados – através de depoimento de parte e inquirição de testemunhas - e, com segurança, ser declarada a existência ou inexistência da união de facto entre a Ré e DP.
4. E nem se sustente, como faz o tribunal a quo, a falta de interesse em agir da Caixa Geral de Aposentações com fundamento no facto de que esta tem ao seu dispor meios administrativos para obter os meios de prova que considere adequados, não podendo recorrer à presente acção para obter qualquer meio de prova. Não tem. O Instituto da Segurança Social, nos termos da Portaria nº 135/212, de 8 de maio, dispõe de um Departamento de Fiscalização que, entre outras competências, exerce a ação fiscalizadora no cumprimento dos direitos e obrigações dos beneficiários e contribuintes do sistema de segurança social, instituições particulares de solidariedade social (IPSS) e outras entidades privadas que exerçam atividades de apoio social.
Contrariamente ao ISS, a Caixa Geral de Aposentações não dispõe de quaisquer meios para, com segurança, avaliar os factos denunciados. Perante a denúncia apresentada, onde se alega que a Ré, beneficiária da pensão de sobrevivência, passou a viver em união de facto, que procedimentos administrativos podia a Caixa Geral de Aposentações adoptar para, com um grau de certeza razoável, concluir pela existência ou inexistência da união de facto?
Ora, sem ter certeza sobre o facto extintivo do direito (a existência da união e facto), a CGA não dispõe de fundamento para revogar o despacho que reconheceu o direito à Ré. A denúncia apresentada não é suficiente para, de forma fundamentada, revogar o despacho que reconheceu o direito à pensão de sobrevivência. Se a Caixa Geral de aposentações o fizesse – revogação do acto administrativo constitutivo do direito da Ré com base na denúncia vaga e anónima apresentada - qualquer tribunal administrativo declararia a invalidade do acto revogatório.
A CGA, em alternativa, perante a denúncia apresentada, poderia pura e simplesmente ignorá-la e continuar a abonar a pensão independentemente de a Ré não reunir condições para manter o direito. Porém, a Caixa Geral de Aposentações, enquanto entidade administrativa, está obrigada ao princípio da legalidade, pelo que, perante a denúncia, não pode “fechar os olhos” e nada fazer.
A única alternativa que restava à Caixa Geral de Aposentações era intentar uma acção judical onde, perante a prova produzida, se pudesse concluir sobre se a existência ou inexistência da união de facto.
A CGA reconhece que muitas vezes as denúncias apresentadas – sejam aquelas que pretendem impedir a constituição do direito, sejam as que pretendem forçar a sua extinção - são infundadas, animadas por rancores familiares e outras motivações censuráveis. Porém, outras vezes, são o único meio que o Estado tem ao dispor para desencadear mecanismos de fiscalização dos requisitos de atribuição e manutenção de determinada prestação.
Caso se considere, como o Juízo Local Cível do Funchal, que a CGA não pode, para efeitos de extinção do direito, intentar uma acção declarativa de simples apreciação declarativa, pedindo que seja feita a prova da existência/inexistência da união de facto, ter-se-á de considerar que a alínea a) do nº 1 do artigo 47º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, introduzida pelo Decreto-Lei nº 133/2012, de 27 de Junho, é uma norma irrelevante, esvaziada de qualquer sentido útil (…)”.
Vejamos:
Conforme decorre da petição inicial, o autor instaurou uma ação declarativa de simples apreciação positiva, pela qual veio requerer que fosse declarada a existência de uma união de facto entre a ré e terceiro.
O Tribunal recorrido concluiu pela verificação da exceção inominada de falta de interesse em agir, decisão que o recorrente impugna.
Conforme salienta Daniel Bessa de Melo (“O interesse em agir no processo cível. Em especial, nas ações de simples apreciação”, in Julgar on line, dezembro de 2021, pp. 16-17), “na medida em que o interesse processual delimita o perímetro do correto exercício do direito de ação, ele deverá ser analisado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao Direito e à Justiça, “de modo a que não vede o acesso necessário ou útil nem permita o acesso inútil” [Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.09.2019, proc. n.º 1712/17.5T8BRR-B.L1-6 (Relatora ANA DE AZEREDO COELHO)]. Como princípio geral, onde quer que a lei substantiva conceda ao titular de determinada posição jurídica a possibilidade de a fazer valer em juízo - e não nos olvidamos que à juridicidade está inerente a respetiva garantia contra a ilicitude -, o pressuposto do interesse processual não poderá, naturalmente, soçobrar; em ta[is] casos, o interesse na demanda é uma consequência direta da alegação de um direito preterido, insatisfeito ou que só pode ser exercido mediante recurso às instâncias judiciais (cfr., a propósito, o art.º 2.°, n.º 2).
Estatui o artigo 2.º, n.º 2, do CPC que, “a todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação”.
Trata-se do denominado princípio da “correspondência” (ou da adequação) entre o direito a ação (assim, Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil; Vol. II, 2015, Almedina, p. 16).
Esta adequação também se exprime em função da necessidade ou utilidade da tutela jurídica.
De facto, os tribunais não poderem ser chamados a dirimir litígios meramente hipotéticos, pois, o demandante apenas poderá obter tutela de direitos efetivamente existentes, não perspetivados como meramente eventuais, embora se admitam ações de simples apreciação que tenham por objeto direitos sujeitos a uma condição suspensiva ainda não verificada.
Nessa linha, estabelece o n.º 2 do artigo 30.º do CPC que, “o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha”.
Conforme refere Miguel Teixeira de Sousa (As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa; Lex, Lisboa, 1995, pp. 107-108), exprime que este preceito – referindo-se o autor ao correspondente e precedente artigo 26.º do CPC anterior – contém uma previsão de interesse em agir ou processual, pressuposto processual autónomo da legitimidade (previsto no n.º 3), mas com o qual mantém alguma relação: “o interesse processual é aferido relativamente à parte à qual é concedida a faculdade de propor ou de contestar uma determinada acção, isto é, à parte com legitimidade activa ou passiva para essa acção”.
O interesse processual define-se como “o interesse da parte activa em obter a tutela judicial de um direito subjectivo através de um determinado meio processual”, desdobrando-se num “interesse em demandar” que se afere “pelas vantagens decorrentes dessa tutela” e avalia-se pelas desvantagens impostas ao réu pela atribuição daquela tutela à contraparte” (assim, Miguel Teixeira de Sousa; O Interesse Processual na Acção Declarativa, Lisboa, 1989, p. 6).
Nas palavras de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil; Coimbra Editora, 1993, pp. 79-80), o interesse processual (ou interesse em agir) “[c]onsiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial. É o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo. Não se trata de uma necessidade estrita, nem tão-pouco de um qualquer interesse por vago e remoto que seja; trata-se de algo intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece”.
“Tal requisito costuma justifica-se por duas ordens de razões:
- uma de interesse público: só quando um direito substantivo estiver carecido de tutela dos tribunais se justifica lançar mão de um processo judicial, pois de outro modo ia-se sobrecarregar, a já muito sobrecarregada, actividade dos tribunais, sem qualquer efeito útil;
- outra de interesse particular: se sem um interesse justificado fosse possível lançar mão de um processo ia-se inutilmente impor a quem quer que fosse demandado o encargo de suportar todos os incómodos resultantes de um processo judicial, nomeadamente, o de ter de se defender.
Uma demanda inútil não aproveita a nenhum das partes e vai dar desnecessariamente trabalho a um órgão estadual que, por mero capricho, é posto em movimento (…)” (assim, Fernando B. Ferreira Pinto; Lições de Direito Processual Civil; Elcla Editora, 1997, pp. 120-121).
A necessidade de tutela judicial, que conforma o interesse processual, deve ser aquilatada à data em que a ação é proposta, por referência ao objeto processual definido pelo autor na sua petição inicial.
Conforme explica Daniel Bessa de Melo (“O interesse em agir no processo cível. Em especial, nas ações de simples apreciação”, in Julgar on line, dezembro de 2021, p. 23): “a questão submetida à apreciação dos tribunais terá de ser, necessariamente, séria e atual; o próprio thema decidendum haverá de espelhar um litígio contemporâneo, real e tangível entre demandante e demandando, não uma mera querela de opiniões e sensibilidades pessoais nem muito menos ancorar-se numa simples previsão de uma altercação, à qual se vise antecipadamente dar solução”.
Por outra parte, “o interesse em agir deve ser aferido, objetivamente, pela posição alegada pelo autor que tem de demonstrar a necessidade do recurso a juízo como forma de defender um seu direito” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19-11-2009, Pº 6161/05.5TVLSB.L1-8, rel. FERREIRA DE ALMEIDA).
Conforme dá nota Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado; Vol. I, Almedina, 2018, p. 121) “a falta de utilidade da ação apenas merece por parte do sistema processual uma consequência processual autónoma quando não seja consumida (à semelhança, aliás, da ilegitimidade material) por outros mecanismos processuais”, tendo uma relevância normativa casuística.
O pano de fundo da falta de interesse processual é o autor usar o direito de ação sem que o réu tenha dado causa, logo, sem necessidade de acesso aos tribunais.
A função do interesse processual é a de evitar, antecipadamente, ou de cominar, a posteriori, que os tribunais sejam usados sem necessidade: “se o exercício sem causa do direito de ação não é lícito pode ser desestimulado” (assim, Rui Pinto; Código de Processo Civil Anotado; Vol. I, Almedina, 2018, p. 129).
De facto, o interesse processual traduz a necessidade de usar o processo, exprimindo “a necessidade ou a situação objectiva de carência de tutela judiciária por parte do autor, face à pretensão que deduz, ou do réu, à luz do pedido reconvencional que tenha oportunamente formulado. Esta situação de carência tem, de facto, de ser real, justificada e razoável. (…) Essa situação de carência de tutela exprime-se na concreta utilidade da concessão dessa mesma tutela judiciária para a parte que formula a pretensão” (assim, J. P. Remédio Marques; Acção Declarativa à Luz do Código Revisto; 2.ª ed., Coimbra Editora, 2009, p. 393).
Mas, não basta uma qualquer necessidade. O interesse em agir determina a existência de uma necessidade justificada, razoável e fundada de lançar mão de um processo ou de fazer prosseguir uma ação.
A incerteza deve ser objectiva e grave. Não basta a dúvida subjectiva do demandante ou o seu interesse puramente académico em ver definido o caso pelos tribunais. Importa que a incerteza resulte de um facto exterior; que seja capaz de trazer um sério prejuízo ao demandante, impedindo-o de tirar do seu direito a plenitude das vantagens que ele comportaria (…). O facto exterior pode ser a negação dum direito do demandante (…) ou a afirmação de um direito (…) contra ele, mesmo que negação ou afirmação apenas verbal (diffamatio ou jactatio). Pode traduzir-se ainda, por ex., em actos do adversário tendentes a fazer valer a sua pretensão (…); na negação de uma autoridade pública (ou até dum tribunal) a reconhecer para qualquer efeito a posição jurídica do demandante; na existência dum documento falso ou de um contrato simulado ou inválido por outro motivo. Por outro lado, a incerteza – costuma acentuar-se – não deve estar em condições de o Autor poder dirimi-la solicitando uma providência judiciária de efeito mais enérgico” (assim, Manuel de Andrade; Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Ed., Coimbra, Reimp., 1993, pp. 81-82).
A incerteza será objetiva quando “brota de factos exteriores, de circunstâncias externas, e não apenas da mente ou dos serviços internos do autor. As circunstâncias exteriores geradoras da incerteza podem ser da mais variada natureza, desde a afirmação ou negação dum facto, o acto material de contestação de um direito, a existência dum documento falso até a um acto jurídico (…)” (assim, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 186-187).
A objetividade da incerteza deverá resultar de comportamentos inequívocos e contemporâneos do demandado incompatíveis com a subsistência prática da posição jurídica em causa, que se alega estar perigada.
“Não será suficiente, para o efeito, a mera dúvida ou incerteza subjetiva do autor, que assim lança mão da tutela declarativa com vista a um “descargo de consciência”, ou um singelo auspício de que outrem contesta o seu direito, quer na sua existência, quer no seu conteúdo, sem qualquer aparente respaldo na realidade; como se lê num aresto, “não basta a mera previsibilidade de uma actuação material desfavorável aos interesses dos Autores ou a mera previsibilidade de um acto lesivo (…)” (cfr., Daniel Bessa de Melo; “O interesse em agir no processo cível. Em especial, nas ações de simples apreciação”, in Julgar on line, dezembro de 2021, p. 36).
Deverá, assim, o autor alegar uma certa materialidade praticada por terceiros inconciliável com o direito cuja titularidade ele arroga, no qual se baseará o seu interesse no suprimento do estado de incerteza, não bastando alegar qualquer situação subjectiva de dúvida ou incerteza acerca da existência do direito, “havendo o estado de incerteza de ancorar-se em factos do mundo exterior aptos a suscitar a qualquer sujeito medianamente razoável uma relutância acerca da titularidade ou conteúdo de determinada relação jurídica” (assim, Daniel Bessa de Melo; “O interesse em agir no processo cível. Em especial, nas ações de simples apreciação”, in Julgar on line, dezembro de 2021, p. 38).
Por seu turno, a gravidade da dúvida ou incerteza “mediar-se-á pelo prejuízo (material ou moral) que a situação de incerteza possa criar ao autor” (cfr., Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 186).
Ou seja: O referido estado de incerteza deverá ser prejudicial para os interesses do autor, no sentido de comprometer o valor da relação jurídica, a sua negociabilidade ou a sua livre fruição, no sentido de que, a indefinição de uma situação jurídica, cuja clarificação pode ter repercussões prejudiciais para uma parte, permite a esta a propositura da ação (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07-11-2019, Pº 935/18.4T8PTG-1.E1, rel. PAULO AMARAL). Tal prejuízo deverá ser atual e não meramente potencial, embora não seja necessário que, ao tempo da propositura da ação, o prejuízo já se tenha concretizado em toda a sua extensão.
Conforme salienta J. P. Remédio Marques (Acção Declarativa à Luz do Código Revisto; 2.ª ed., Coimbra Editora, 2009, p 394), “[e]ste pressuposto processual assume especial relevo nas acções de simples apreciação. É que, nestas acções, a situação de incerteza quando à afirmação ou à negação do direito ou do facto por parte do réu tem que ser uma situação de incerteza objectiva – que brote de factos exteriores, de circunstâncias externas e não apenas da mente do autor – e, sobretudo, de incerteza grave, que não se traduza num mero capricho. E será grave essa incerteza se for considerável o prejuízo material ou extrapatrimonial causado pela manutenção dessa incerteza”.
As acções de simples apreciação são aquelas que se destinam a definir uma situação tornada incerta.
Nestas acções, “o autor visa apenas obter a simples declaração (munida da força especial que compete às acções judiciais) da existência ou inexistência dum direito (próprio ou de outrem, respectivamente) ou dum facto jurídico. No 1º caso, dizem-se de simples apreciação (ou mera declaração) positiva; no 2º caso, de simples apreciação negativa (…)” (assim, Manuel de Andrade; Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Ed., Coimbra, Reimp., 1993, p. 6; em igual sentido; Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora; Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 186).
O interesse em agir nas ações de simples apreciação tem lugar quando se verifica um estado de incerteza sobre a existência ou inexistência do direito a apreciar (cfr., Manuel de Andrade; Noções Elementares de Processo Civil; Coimbra Editora, 1993, p. 81).
“Nas acções de simples apreciação positiva, esse interesse provém da situação de incerteza em que se encontra o direito, resultante normalmente da sua negação pelo réu. Assim, a acção de simples apreciação positiva só é admissível quando o autor visa afastar a situação de incerteza criada pela conduta do réu (cfr., v.g., RL – 12/3/1992, CJ 92/2, 128). Por exemplo: o autor tem interesse para intentar uma acção de simples apreciação para obter a declaração da sua propriedade sobre um imóvel que é reivindicado (extrajudicialmente) pelo réu” (assim, Miguel Teixeira de Sousa; As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa; Lex, Lisboa, 1995, p. 114).
Conforme refere Daniel Bessa de Melo (“O interesse em agir no processo cível. Em especial, nas ações de simples apreciação”, in Julgar on line, dezembro de 2021, pp. 34-35), “nas ações de simples apreciação o interesse processual prende-se com um estado de objetiva incerteza acerca da existência de dada relação jurídica e do exato conteúdo dos direitos e das obrigações que dela emergem, que acarrete um prejuízo concreto e atual para o demandante, de forma a que a remoção do referido estado de incerteza constitua um resultado útil, juridicamente relevante e impossível de ser atingido sem a intervenção do juiz. (…). Objetividade e prejudicialidade do estado de incerteza e imprescindibilidade da intervenção jurisdicional para a sanar são, assim, os requisitos que insuflam o interesse processual nas ações de mera apreciação. Não havendo qualquer estado de incerteza, ou não sendo este objetivo nem apto a acarretar um prejuízo para o autor, o juiz deverá abster-se de conhecer do mérito da ação, proferindo antes decisão de absolvição do réu da instância”.
O pedido de declaração da existência de um direito deve, assim, “decorrer da sequência da alegação de uma determinada situação de conflitualidade entre as partes ou da alegação de um estado de incerteza objectivamente determinado, passível de comprometer o valor da relação jurídica e que se não traduza num mero capricho, ou em um puro interesse subjectivo, para obter uma decisão jurídica” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-10-1999, proc. n.º 99S137, rel. ALMEIDA DEVEZA).
Tendo presentes estas considerações gerais sobre o interesse em agir, vejamos se, no caso concreto, ele se divisa na ação interposta pela autora, ou se, ao invés, tal não sucede.
A ré é beneficiária do pagamento de pensão de sobrevivência, por morte do companheiro (pensionista da autora) (cfr. artigos 3.º e 4.º da p.i. e 18.º da contestação).
O artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de outubro, com a redação que lhe foi conferida pelo artigo 4.º da Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto (vigorando desde 04-09-2010) – com a epígrafe “Uniões de facto” – estabelece que o direito às prestações estabelecidas naquele diploma, são extensivos às pessoas que vivam em união de facto (n.º 1), prevendo-se no n.º 2 desse artigo que, “a prova da união de facto é efectuada nos termos definidos na Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto”.
A referida Lei n.º 7/2001, de 11 de maio veio adotar diversas medidas de proteção das uniões de facto.
Tal Lei foi sucessivamente alterada pelas Leis n.ºs. 23/2010, de 30 de agosto, 2/2016, de 29 de fevereiro, 49/2018, de 14 de agosto e 71/2018, de 31 de dezembro.
A “união de facto” é definida nos termos do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, como “a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos”, o que coloca o problema de demonstração de tal convivência.
Nas palavras do Acórdão do STJ de 09-07-2014 (Pº 3076/11.1TBLLE.E1.S1, rel. JOÃO BERNARDO), “[n]o fundo estamos perante a “comunhão de mesa, leito e habitação” a que tradicionalmente se recorre para caracterizar a relação (cfr-se Jorge Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo, 4.ª Ed., 651 e Telma Carvalho, A União de Facto: A Sua Eficácia Jurídica, in Comemorações dos 35 Anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, I, 236). Sendo certo que a alusão a “comunhão de leito” é integrada pela comunhão sexual (Jorge Pinheiro, ob. cit. 653 e França Pitão – União de Facto e Economia Comum, 34).”.
Estabelece o artigo 2.º-A da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, com a epígrafe “Prova da união de facto” o seguinte:
“1 - Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível.
2 - No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.
3 - Caso a união de facto se tenha dissolvido por vontade de um ou de ambos os membros, aplica-se o disposto no número anterior, com as necessárias adaptações, devendo a declaração sob compromisso de honra mencionar quando cessou a união de facto; se um dos membros da união dissolvida não se dispuser a subscrever a declaração conjunta da existência pretérita da união de facto, o interessado deve apresentar declaração singular.
4 - No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela junta de freguesia atesta que o interessado residia há mais de dois anos com o falecido, à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do interessado e de certidão do óbito do falecido.
5 - As falsas declarações são punidas nos termos da lei penal”.
Conforme se explica no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08-11-2011 (Pº 133/10.5TBPNL.C1, rel. VIRGÍLIO MATEUS), este novo regime sobre as uniões de facto, decorrente da Lei n.º 23/2010, de 30 de agosto, “não se limita a remeter para a prova nos termos gerais de direito civil (nº 1 do art.º 2ºA), âmbito civilístico no qual já vigorava a regra de que a prova se faz por qualquer meio legalmente admissível, salvo disposição em contrário. A factualidade caracterizadora da existência da união de facto e a sua duração podiam provar-se por qualquer meio, vg testemunhas. Diversamente, além de reafirmar essa regra no novo nº 1 do artigo 2º-A, a lei nova faculta nos nºs 2 e 4 que o interessado possa provar a união de facto mediante declaração emitida pela junta de freguesia e declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, e outras certidões de registo; e, conforme nºs 2 e 3 do artigo 6º, se a Segurança Social tiver fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente “acção judicial” com vista à sua comprovação, mas não o pode fazer se a união de facto tiver durado mais de quatro anos (como se a duração superior a quatro anos de uma convivência qualquer apagassem as dúvidas sobre se o interessado convivera com o beneficiário em condições análogas às dos cônjuges!), restando-lhe deferir ou indeferir a pretensão”.
De facto, a respeito do regime de acesso às prestações por morte, dispõe o artigo 6.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio (na redação dada pela Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro) que:
“1 - O membro sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, independentemente da necessidade de alimentos.
2 - A entidade responsável pelo pagamento das prestações, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, pode solicitar meios de prova complementares, designadamente declaração emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou pelo Instituto dos Registos e do Notariado, I. P., onde se ateste que à data da morte os membros da união de facto tinham domicílio fiscal comum há mais de dois anos.
3 - Quando, na sequência das diligências previstas no número anterior, subsistam dúvidas, a entidade responsável pelo pagamento das prestações deve promover a competente ação judicial com vista à sua comprovação”.
A lei determina, assim, que o membro sobrevivo da união de facto beneficia, designadamente, dos direitos de protecção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social, de receber prestações por morte resultante de acidente de trabalho ou doença profissional, e de obter pensão de preço de sangue e por serviços excepcionais e relevantes prestados ao País, desde que comprove a situação de união de facto com o membro falecido, sem necessidade de comprovar judicialmente a necessidade de alimentos.
Estabelece o artigo 41.º, n.º 2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (aprovado pelo D.L. n.º 142/73, de 31 de março, com última alteração pelo D.L. n.º 108/2019, de 13 de agosto) que, “o direito à pensão de sobrevivência por parte das pessoas que vivam em união de facto está dependente da prova da existência dessa união que deverá ser efectuada nos termos definidos na Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de proteção das uniões de facto”.
De harmonia com o artigo 6.º, n.ºs. 2 e 3, da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, caberá à entidade responsável pelo pagamento das prestações, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, solicitar meios de prova complementares ou promover a competente ação judicial.
Conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24-04-2019 (Pº 12025/16.0T8LRS.L1-2, rel. PEDRO MARTINS), “a acção prevista no artigo 6/3 da LUF é uma acção proposta pelo ISS a pedir que o requerente comprove no processo a existência da situação jurídica de união de facto que se arroga. O ISS não nega que a união de facto tenha existido, diz que tem dúvidas sobre a sua existência e por isso pede que o requerente seja chamado a comprovar a existência da situação jurídica em causa (…)”.
Quanto à dissolução da união de facto, determina o artigo 8.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, que:
“1 - A união de facto dissolve-se:
a) Com o falecimento de um dos membros;
b) Por vontade de um dos seus membros;
c) Com o casamento de um dos membros.
2 - A dissolução prevista na alínea b) do número anterior apenas tem de ser judicialmente declarada quando se pretendam fazer valer direitos que dependam dela.
3 - A declaração judicial de dissolução da união de facto deve ser proferida na acção mediante a qual o interessado pretende exercer direitos dependentes da dissolução da união de facto, ou em acção que siga o regime processual das acções de estado”.
O Tribunal recorrido, depois de passar em revista as situações que, em seu entender, apenas se justifica o recurso a Tribunal, no âmbito da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio (artigos 6.º, n.º 2 e 8.º, n.ºs. 2 e 3) conclui que o autor não tem necessidade de ver declarada judicialmente a situação de união de facto da ré, dado que tem serviços próprios para apurar os factos necessários à tomada das suas decisões, nada o impedindo de decidir a cessação de pagamento da pensão à ré, de harmonia com as suas competências e como previsto no artigo 51.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência.
Ora, não entendemos deste modo.
De facto, o autor na petição inicial alegou, nomeadamente, o seguinte:
“(…) Factos
1º VF, subscritor nº … da CGA, faleceu em 31 de Outubro de 2016. (fls. 1 a 13 da certidão)
2º Na sequência da sua morte, em 23 de Novembro de 2016, a Ré, TC, na qualidade de companheira, requereu à Caixa Geral de Aposentações a atribuição da pensão de sobrevivência. (fls. 1 a 13 da certidão)
3º Tendo-se habilitado à referida pensão na qualidade de companheira de VF, a Ré juntou ao requerimento um atestado da Junta de Freguesia de São Martinho, de 26 de Outubro de 2016, atestando que “(…) a titular vive em união de facto com VF, nascido em 12/03/1967”. (fls. 1 a 13 da certidão)
4º Por despacho de 2 de Fevereiro de 2017, proferido pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações, foi reconhecido à Ré o direito à pensão de sobrevivência, fixando-se à mesma o valor de 328,90€. (fls. 14 e 15)
Por mail de 12 de Março de 2019, a Segurança Social da Madeira informou a Caixa Geral de Aposentações de que TC vive em união de facto com outra pessoa, encontrando-se aliás grávida (fls 16 e 17 da certidão emitida pela CGA).
Em 13 de Julho de 2021, a Ré veio negar que alguma vez tenha vivido em união de facto. (fls 18, 19 e 20 da certidão emitida pela CGA)”.
Conforme decorre desta alegação – em particular – dos trechos sublinhados, o autor obteve uma informação – de que a ré vive em união de facto com outra pessoa – a qual, confrontada a ré com a mesma, foi negada por esta.
O autor detém, pois, uma dúvida sobre se a ré vive, ou não, em união de facto com outrem.
Mas, no âmbito do enquadramento jurídico dos factos que alegou, o autor veio invocar ainda na petição inicial, o seguinte:
“Direito
7º Nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 40º do Decreto-Lei nº 142/73, de 31 de Março, para além dos cônjuges sobrevivos, dos os divorciados ou separados judicialmente de pessoas e bens, têm também direito à pensão de sobrevivência as pessoas que vivam em união de facto.
8º O n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, na versão que lhe foi conferida pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, determina que “A união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos.”
9º Sucede que a união de facto, para além de facto constitutivo do direito à pensão de sobrevivência, é também um facto extintivo do mesmo direito.
10º O Decreto-Lei nº 133/2012, de 27 de Junho, alterou a redacção da alínea c) do nº 1 do artigo 47º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, passando a determinar que a união de facto também é um facto extintivo do direito à pensão.
11º Este preceito, de forma expressa e inequívoca, consagrou um entendimento que já resultava da interpretação da lei. Na verdade, sob pena de violação grave do princípio da igualdade, a equiparação da união de facto ao casamento, mesmo antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 133/2012, de 27 de Junho, tem de ser considerada para todos os efeitos (tanto para conceder como para fazer extinguir o direito.)
12º Se a vivência em condições análogas às dos cônjuges é equiparada ao casamento para efeitos de concessão de pensão de sobrevivência, então, por igualdade de razão, também deverá ser equiparada ao casamento para efeitos de extinção da mesma pensão.
13º No caso em apreço, a Caixa Geral de Aposentações reconheceu à Ré, por morte do seu exmarido, o direito à pensão de sobrevivência.
14º Porém, em face das denúncias apresentadas, resultam indícios de que a Ré em momento posterior ao reconhecimento do direito passou a viver em situação análoga às dos cônjuges com outra pessoa, tendo tido aliás um filho, fruto dessa relação. Nessa altura, ter-se-á extinguido o seu direito à pensão de sobrevivência.
15º É inequívoca a contradição existente entre a versão apresentada pela Ré e a versão apresentada pela denunciante, verificando-se por outro lado que, administrativamente, é difícil, senão impossível, averiguar se, por ter vivido em união de facto, efectivamente ocorreu um facto extintivo do direito da Ré.
16º Esta contradição impede a manutenção do despacho 2 de Fevereiro de 2017, que reconheceu à Réu o direito à pensão de sobrevivência e obriga a Caixa Geral de Aposentações, enquanto entidade responsável pelo pagamento das prestações em causa, a promover a competente ação judicial com vista à comprovação, ou não, da união de facto entre a Ré e o pai do seu filho.”.
Invoca o recorrente, nas alegações de recurso, nomeadamente, que não dispõe de meios para, com segurança, avaliar as denúncias apresentadas e, sem ter certeza sobre o facto extintivo do direito (a existência da união de facto), não dispõe de fundamento para revogar o despacho que reconheceu o direito à ré, sendo que, se revogasse tal despacho com base na denúncia anónima apresentada, qualquer tribunal administrativo declararia a invalidade do acto revogatório. E, por outro lado, afirma que, perante a denúncia apresentada, também não pode ignorá-la e continuar a abonar a pensão independentemente de a ré reunir ou não as condições para manter o direito, sendo a única alternativa intentar uma acção judical onde, perante a prova produzida, se possa concluir sobre a existência ou inexistência da união de facto.
No artigo 47.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência enunciam-se as situações de extinção da qualidade de pensionista, aí se prescrevendo o seguinte:
“1. A qualidade de pensionista; sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 30.º, extingue-se:
a) Pelo casamento ou união de facto, salvo quanto aos pensionistas abrangidos pelo n.º 2 do artigo 42.º e pelo artigo 44.º;
b) Pelo facto de os pensionistas perfazerem as idades previstas no n.º 1 do artigo 42.º;
c) Pelo facto de os pensionistas deixarem de ter o aproveitamento escolar a que se refere o mesmo preceito;
d) Pela cessação do estado de incapacidade a que alude o n.º 2 do artigo 42.º, bem como da situação exigida para aplicação do n.º 2 do artigo 41.º, do referido n.º 2 do artigo 42.º e dos artigos 43.º e 44.º;
e) Pela indignidade do pensionista, resultante do seu comportamento moral, declarada por sentença judicial em acção intentada por qualquer dos herdeiros hábeis;
f) Pela renúncia do direito à pensão;
g) Pela prescrição do direito unitário à pensão;
h) Pela condenação do pensionista como autor, cúmplice ou encobridor do crime de homicídio voluntário praticado na pessoa do contribuinte ou de outra pessoa que concorra à pensão;
i) Pela morte do pensionista.
2. A pronúncia pelo crime previsto na alínea h) do número anterior implica a suspensão do pagamento da pensão”.
Assim, por força do disposto no artigo 47.º, n.º 1, al. a) do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, a verificação de uma situação de união de facto “determina a perda ope legis da qualidade de pensionista” (cfr., Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22-05-2019, Pº 193/10.9BEALM, rel. JORGE CORTÊS).
A questão de saber se ocorreu uma situação de convivência (comunhão de mesa, leito e habitação) há mais de 2 anos, entre a ré e outra pessoa é pertinente para aferir se o autor deverá continuar a satisfazer o pagamento da pensão de sobrevivência, ou se, pelo contrário, em face da demonstração que se faça da existência de tal união de facto, poder cessar o respetivo pagamento.
A situação de incerteza sobre a existência ou não de uma situação de facto, provém, objetivamente, de informação obtida junto de uma entidade externa ao autor, não radicando numa dúvida subjectiva dos serviços deste.
Por outro lado, tal dúvida afigura-se atual e suficientemente grave para determinar a instauração de uma ação judicial que a possa dissipar. Na verdade, subsistindo a dúvida, o pagamento continuará a ser efetuado, desembolsando-se o autor dos proventos necessários para efetuar tal pagamento e, simultaneamente, vendo a ré, continuadamente, satisfeito tal correspondente pagamento, situação que não será conforme ao direito, se se demonstrar a existência da dita união de facto, possibilidade que deve ser conferida ao autor para obviar ao prejuízo decorrente de continuar a efetuar pagamentos, relativamente a uma situação factual, relativamente à qual poderão já ter cessado os pressupostos de que tal pagamento dependa.
Não viabilizar ao autor a possibilidade de ver tal situação duvidosa esclarecida em Tribunal, equivaleria a considerar não ter aplicação prática o segmento do artigo 47.º, n.º 1, al. a) do Estatuto das Pensões de Sobrevivência referente à extinção da qualidade de pensionista por verificação de situação de união de facto, pois, não seria possível ao autor – por falta de interesse processual, na orientação do Tribunal recorrido – alegar e demonstrar em Tribunal, a ocorrência de uma tal situação.
Por fim, não colhe o argumento de que o autor não carece de ver declarada judicialmente a união de facto, por possuir serviços para o apuramento de factos necessários à tomada das suas decisões, podendo revogar a concessão da pensão atribuída, procedimento previsto no artigo 51.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência.
Parece-nos claro que, sem poderem ter assento em outra prova, as decisões de revogação, de suspensão ou de cessação do pagamento da pensão à ré, fundar-se-iam, apenas, na informação recebida pelo autor da Segurança Social, a qual, por falta de fundamentação, certamente, seria objeto de revogação pelos tribunais administrativos que conhecessem do recurso impugnatório de tais decisões, que ali fosse interposto.
Mas, por outro lado, afigura-se que o interesse processual do autor subsiste, ainda que o mesmo possa exercitar – em tese – os aludidos actos extintivos do pagamento da pensão de sobrevivência que a ré percebe.
Conforme refere Daniel Bessa de Melo (“O interesse em agir no processo cível. Em especial, nas ações de simples apreciação”, in Julgar on line, dezembro de 2021, pp. 24-27), questiona-se se somente haverá interesse em agir caso a consecução do resultado material pretendido pelo demandante apenas seja possível mediante o recurso às autoridades judiciais. A este respeito, tece o referido Autor as seguintes considerações:
“A questão suscitada não tem de se circunscrever à imprescindibilidade da tutela jurisdicional lato sensu, podendo ainda ser pormenorizada, com referência agora à adequação da concreta intervenção jurisdicional suscitada para a resolução do litígio exposto. Neste segundo plano, indaga-se se há interesse processual na concreta providência requerida se, por hipótese, havia ao dispor do demandante qualquer outro meio processual e/ou extraprocessual mais célere ou menos dispendioso. A este respeito, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA afirma que “a parte não tem interesse processual quando pode obter o mesmo resultado visado com a propositura da acção através de um outro meio, processual ou extraprocessual, que importa menos custos e incómodos”, exemplificando: “o autor não tem interesse processual para intentar uma acção de simples apreciação se lhe é possível propor, desde logo, uma acção condenatória, porque, como daquela acção não resulta nenhum comando de cumprimento (e, por isso, nenhum título executivo), o autor tem sempre de instaurar uma acção de condenação para obviar ao incumprimento do devedor; não tem interesse processual uma autarquia, que munida com um título com manifesta força executiva – uma deliberação própria – pretende recorrer ao tribunal comum (…); o autor não tem interesse processual para instaurar uma acção constitutiva quando o direito potestativo pode ser exercido por acto extraprocessual”.
Detendo-nos sobre a questão, entendemos que será preciso distinguir várias realidades.
Como tivemos a oportunidade de observar, o interesse em agir tem por fito assegurar que apenas são colocadas sob a cognição dos tribunais judiciais questões objetivamente dignas de atenção, em obséquio ao princípio da economia processual. No entanto, tal princípio não deverá assumir uma tal hegemonia que subtraia à parte a autonomia de escolher a via que entenda ser mais adequada à tutela da sua posição jurídica, como que o obrigando a seguir pelo trilho do menor custo. Avultam a este respeito os meios alternativos de resolução de litígios, de que são a arbitragem, a mediação e os julgados de paz exemplo. Constituiria uma inexorável coartação da autonomia dos sujeitos que, sob o epíteto do interesse de agir, se obrigasse os litigantes a colocar o seu diferendo sob os auspícios destes mecanismos alternativos, embora nem por isso devamos olvidar as múltiplas vantagens – em termos de celeridade e de custo – a eles associadas. Desta forma, na ausência de indicação legal em sentido contrário, o demandante tem plena liberdade na escolha do meio para a satisfação do seu interesse; o recurso aos tribunais judiciais não tem, assim, no nosso ordenamento jurídico, natureza de ultima ratio. Como tal, a indispensabilidade da atuação jurisdicional não deve ser absolutizada, porquanto os tribunais judiciais não se apresentam, na economia do nosso sistema jurídico, como uma última linha de defesa contra a antijuridicidade. A necessidade de intervenção judicial deve antes ser entendida enquanto tendencial impossibilidade de reintegração da posição lesada através de meios extrajudiciais, enquanto carência de recurso a uma autoridade pública para a satisfação dos interesses do demandante. Análogas considerações se deverão tecer quanto à concreta providência requerida pelo autor relativamente ao manancial de soluções conferidas pela lei processual – de facto, num processo marcado pelo paradigma do dispositivo (ao qual se associa, correlativamente, o princípio da autorresponsabilidade das partes na condução do processo99), o ordenamento jurídico não pode suprir alegadas falhas na estratégia processual dos pleitantes; embora o autor pudesse logo deduzir uma ação condenatória contra o seu devedor contratual, mas optou antes por uma ação de mera apreciação da validade e eficácia do contrato, não se deslumbra como se possa dizer que, neste último caso, o credor carece de interesse em agir para intentar a ação de simples apreciação (…). “o trilho a seguir deve corrigir a lesão perpetrada ao autor tal como ele a configura”. Não precisa de ser o único caminho disponível, nem sequer o mais económico deles, bastando ser idóneo a colmatar a lesão asseverada pelo autor. Daí que, embora haja uma carência de intervenção jurisdicional, se a providência requerida não for abstratamente apta à satisfação ou reintegração do direito do autor tal como ele a configura, falece o pressuposto do interesse processual, já que a sentença que julgue procedente a ação não revestiria qualquer utilidade para o demandante. Nos demais casos, ainda que a estratégia seguida pelo demandante aparente não ser a mais sagaz, podendo este ter formulado a sua pretensão noutros termos ou recorrido a outros expedientes processuais, o juiz deverá respeitar a escolha do autor e, assim, pronunciar-se (se as circunstâncias assim o autorizarem) pelo seu interesse processual.””.
Ora, conforme resulta das precedentes considerações, se o autor empreendesse caminho praticando um acto administrativo de revogação, cessação ou suspensão do pagamento da pensão, o mesmo, não reintegraria cabal e completamente a situação de prejuízo que o autor invocaria, pois, ficaria na contingência de ver cessados os seus efeitos, na decorrência da impugnação que contenciosamente viesse a ocorrer (cfr. artigo 53.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência), não se mostrando garantido que o autor atuasse em conformidade com a lei.
Compreende-se, pois, em face do exposto, como verificado, existente e atual, o interesse processual em que o autor sustenta a demanda: Necessidade de obter uma decisão judicial que, reconhecendo a união de facto denunciada, a habilite a declarar a extinção do direito à pensão de sobrevivência ou que, pelo contrário, reconhecendo a inexistência da referida união de facto, lhe permita continuar a abonar a pensão.
O meio cabal para o autor ver dissipada a dúvida subsistente, séria, objetiva e atual do autor, efeito que o autor não consegue obter sem o recurso aos tribunais, é o da ação de simples apreciação positiva interposta.
As considerações precedentes podem resumir-se nas seguintes proposições conclusivas:
- Na medida em que o interesse processual delimita o perímetro do correto exercício do direito de ação, ele deverá ser analisado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao Direito e à Justiça, de modo a que não vede o acesso necessário ou útil, nem permita o acesso inútil;
- O interesse processual define-se como o interesse da parte ativa em obter a tutela judicial de um direito subjetivo através de um determinado meio processual, desdobrando-se num interesse em demandar, que se afere pelas vantagens decorrentes dessa tutela e avalia-se pelas desvantagens impostas ao réu pela atribuição daquela tutela à contraparte;
- A necessidade ou carência de tutela judicial, que conforma o interesse processual, deve ser aquilatada à data em que a ação é proposta, por referência ao objeto processual definido pelo autor na sua petição inicial;
- A questão carecida de tutela judicial terá de ser séria ou justificada e atual, devendo o interesse em agir ser aferido, objetivamente, pela posição alegada pelo autor que tem de demonstrar a necessidade do recurso a juízo como forma de defender um seu direito;
- A incerteza do demandante deve ser objetiva (devendo resultar de comportamentos inequívocos e contemporâneos do demandado, incompatíveis com a subsistência prática da posição jurídica em causa, que se alega estar perigada, não bastando a dúvida subjetiva do demandante ou o seu interesse puramente académico em ver definido o caso pelos tribunais) e séria (no sentido de ser prejudicial para os interesses do autor, comprometendo o valor da relação jurídica, a sua negociabilidade ou a sua livre fruição, devendo tal prejuízo ser atual e não meramente potencial);
- Nas ações de simples apreciação, o interesse processual prende-se com um estado de objetiva incerteza acerca da existência de dada relação jurídica e do exato conteúdo dos direitos e das obrigações que dela emergem, que acarrete um prejuízo concreto e atual para o demandante, de forma a que a remoção do referido estado de incerteza constitua um resultado útil, juridicamente relevante e impossível de ser atingido sem a intervenção do juiz;
- Alegando o autor, Caixa Geral de Aposentações, ter recebido informação através da Segurança Social, de que a ré vive em união de facto com outra pessoa, o que a ré veio a negar, subsiste uma dúvida séria e atual sobre se a ré vive, ou não, em união de facto com outrem, fundando-se, nessa dúvida, o interesse processual (em agir) do autor, com respaldo normativo, na previsão contida no artigo 47.º, n.º 1, al. a) do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (preceito segundo o qual, a qualidade de pensionista se extingue, dentre outras circunstâncias, se se verificar uma situação de união de facto, conceito a que se reporta o n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio), tudo justificando a instauração da presente ação de simples apreciação positiva, com vista a definir tal situação.
Procede, pois, o recurso, devendo, em conformidade com o exposto, determinar-se a revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgue verificado o interesse processual do autor na demanda e determine que os autos voltem à 1.ª instância, para a ação prosseguir os seus ulteriores termos.

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Nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 do CPC, “a decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.”
Conforme se deu conta no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-10-2022 (Pº 2075/18.7T8LSB.L1-7, rel. DIOGO RAVARA), “[a] interpretação desta disposição legal, no contexto dos recursos, deve atender ao elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, o conceito de custas comporta um sentido amplo e um sentido restrito.
No sentido amplo, as custas tal conceito inclui a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (cf. art.ºs 529º, nº1, do CPC e 3º, nº1, do RCP).
Já sentido restrito, as custas são sinónimo de taxa de justiça, sendo esta devida pelo impulso do processo, seja em que instância for (art.ºs 529º, nº 2 e 642º, do CPC e 1º, nº 1, e 6º, nºs 2, 5 e 6 do RCP).
O pagamento da taxa de justiça não se correlaciona com o decaimento da parte, mas sim com o impulso do processo (vd. art.ºs 529º, nº 2, e 530º, nº 1, do CPC). Por isso é devido quer na 1ª instância, quer na Relação, quer no STJ.
Assim sendo, a condenação em custas a que se reportam os art.ºs 527º, 607º, nº 6, e 663º, nº 2, do CPC, só respeita aos encargos, quando devidos (art.ºs 532º do CPC e 16º, 20º e 24º, nº 2, do RCP), e às custas de parte (art.ºs 533º do CPC e 25º e 26º do RCP)”.
De acordo com o estatuído no n.º 2 do artigo 527.º do CPC, o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, apenas subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual.
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-12-2017 (Pº 1509/13.1TVLSB.L1.S1, rel. TOMÉ GOMES), cujo entendimento se subscreve: “O juízo de procedência ou improcedência da pretensão recursória não é aferível em função do decaimento ou vencimento parcelar respeitante a cada um dos seus fundamentos, mas da respetiva repercussão na solução jurídica dada em sede do dispositivo final sobre essa pretensão”.
O princípio da causalidade também funciona em sede de recurso, devendo a parte vencida nele ser condenada no pagamento das custas, ainda que não tenha contra-alegado (cfr., Salvador da Costa; As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., Almedina, p. 8).
Assim, a responsabilidade tributária inerente à instância do presente recurso incidirá sobre a ré, que nele ficou vencida (cfr. artigo 527.º, n.ºs. 1 e 2, do CPC).

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5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem o coletivo desta 2.ª Secção Cível, em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, que se substitui pela presente, julgando verificado o interesse processual do autor na demanda e determinando que os autos voltem à 1.ª instância, para a ação prosseguir os seus ulteriores termos.
Custas pela ré.
Notifique e registe.

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Lisboa, 1 de junho de 2023.
Carlos Castelo Branco
João Miguel Mourão Vaz Gomes
Orlando dos Santos Nascimento