Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6767/2006-2
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: ARRESTO
IMPUGNAÇÃO PAULIANA
TERCEIROS
LEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/19/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Sumário: I Nos termos do artigo 619º, nº2 do CCivil o arresto visa acautelar os efeitos da impugnação pauliana e o artigo 613º do mesmo diploma, permite que a impugnação pauliana seja estendida a transmissões posteriores, fazendo alargar tal procedimento à constituição de direitos a favor de terceiro que tenham por objecto o bem transmitido, embora tais direitos se circunscrevam aos direitos reais que não sejam o de propriedade, aos direitos reais de garantia, (v.g. a hipoteca, bem como aos direitos reais de aquisição), não sendo de incluir os direitos meramente obrigacionais, como os provenientes de contrato promessa sem eficácia real, pois a sua existência e alcance nunca seria posta em crise com a procedência da acção de impugnação pauliana.
II Em termos de legitimidade passiva, para o arresto peticionado, ao abrigo daquele supra mencionado normativo, a mesma terá de coincidir com a legitimidade passiva para a acção de impugnação pauliana.
III Tendo a Requerente da providência intentado uma acção declarativa visando a condenação da primitiva proprietária dos imóveis arrestandos no pagamento de um crédito, e tendo esta procedido à transmissão a terceiro de tais bens que deu origem a uma posterior acção de impugnação pauliana, a providência cautelar de arresto contra o adquirente, ou adquirentes subsequentes, deverá ser intentada por apenso a esta acção de impugnação e não aqueloutra de cumprimento, onde os adquirentes dos bens do devedor nem sequer são parte.
(APB)
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I A., LDA, instaurou contra B., SA e Bb., SA, providência cautelar de arresto, providência essa que veio a ser liminarmente indeferida, com os seguintes fundamentos: «(…) A requerente entende que o arresto em questão constitui incidente da acção que instaurou contra a A..
A acção a que este arresto está apenso apenas é instaurada contra a A., tratando-se de uma acção em que a autora pede a condenação da ré no pagamento de um crédito.
A requerente pretende obter o arresto relativamente ao adquirente de bens do devedor que, no caso, são as requeridas.
Efectivamente está prevista tal hipótese no art. 619°, n° 2, do CC, onde se estabelece que o credor tem o direito de requerer o arresto contra o adquirente dos bens do devedor, se tiver sido judicialmente impugnada a transmissão.
Igualmente estabelece o art. 407°, n° 2, do CPC, que se o arresto for requerido contra o adquirente de bens do devedor, o requerente, se não mostrar ter sido judicialmente impugnada a aquisição, deduzirá ainda os factos que tornem provável a procedêcia da impugnação.
Todo o procedimento cautelar é sempre e necessariamente dependência de uma acção.
O mesmo pode ser instaurado como preliminar de uma acção ou como incidente da mesma consoante seja instaurado antes ou depois de ela ter sido proposta.
Logo, se o arresto é instaurado antes de proposta a ação de impugnação da aquisição, o requerente tem de alegar os factos que tornam provável a procedência da impugnação e o arresto corre autonomamente, sendo posteriormente apensado à acção assim que ela seja interposta.
Se o arresto é instaurado depois de proposta a acção de impugnação da aquisição o mesmo corre por apenso a tal acção, constituindo um seu incidente.
Assim, o arresto contra o adquirente de bens do devedor há-de ter sempre como acção principal a acção de impugnação da aquisição.
O arresto requerido não pode, em nosso entender, constituir incidente da acção que a A. move a C…. e que corre com o n° 2214/04 neste 1° juizo, a qual nunca pode constituir a acção principal do procedimento em questão.
For outro lado, uma vez que a requerente reune duas situações diversas numa mesma providência pois quanto a uma das requeridas há acção de impugnação e quanto a outra não há, também não é possível dar seguimento ao presente procedimento porque quanto a uma das situações o arresto teria de correr por apenso e quanto à outra teria de correr autonomamente, não podendo o tribunal desmembrar em duas a providência.
Assim sendo e pelas razões expostas, entende-se que o arresto em questão tem de ser liminarmente indeferido.(…)».

Inconformada com esta decisão, agravou a Requerente, apresentando as seguintes conclusões:
- A Requerente intentou contra a sociedade C…., Lda uma acção declarativa peticionando a condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia de 84.923,33 € e respectivos juros.
- Como preliminar dessa acção instaurou um procedimento cautelar de arresto contra a referida sociedade onde obteve o arresto de dezassete fracções autónomas sendo que, escassos dias antes do decretamento do mesmo, a Requerida transmitiu as fracções a uma sociedade denominada B., S.A..
- Por tais transmissões serem fictícias e se destinarem exclusivamente a prejudicar os credores da C…., Lda, a Requerente instaurou uma acção de impugnação pauliana com vista a impugnar tais transmissões.
- A Requerente teve agora conhecimento de factos que fazem antever novas transmissões, desta feita a favor da sociedade Bb., S.A., com a qual foi outorgado um contrato promessa que teve como objecto as ditas fracções e que já beneficia de registos provisórios de aquisição a seu favor.
- Permitindo o artigo 619°, n.°2 do C.C. o arresto contra o adquirente de bens do devedor se essa transmissão tiver sido judicialmente impugnada (impugnagao essa que se pode estender à constituição de direitos sobre os bens transmitidos), a Requerente instaurou procedimento cautelar de arresto contra a B. e a Bb., S.A..
- O aludido procedimento cautelar foi instaurado como incidente da acção declarativa que corre termos contra a C…., Lda, tendo sido liminarmente indeferido pelo tribunal por considerar que o mesmo deveria correr na dependência da acção de impugnação pauliana.
- O Tribunal conclui - indevidamente no entender da Recorrente - a partir do disposto no artigo 407°, n.° 2 do C.P.C. que tendo o Requerente que demonstrar ter sido judicialmente impugnada a aquisição ou, não o tendo sido, demonstrar a provável procedência da mesma, que o arresto deve correr na dependência dessa acção de impugnação.
- O artigo 407°, n.°2 do C.P.C. dá-nos um dos pressupostos para a procedência do arresto - alegação e prova de que a aquisição foi judicialmente impugnada ou da provável procedência da mesma - situação que não se confunde com o critério estabelecido quanto à dependência entre procedimentos cautelares e «acção principal» o qual vem previsto no artigo 383° do C.P.C. .
- Dispõe o artigo 383° do C.P.C. que o procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado, sendo que, através de um arresto, pretende-se sempre acautelar um direito de crédito.
- Qual é o direito que a Recorrente A. pretende acautelar ? Não restam dúvidas que é sempre, em última análise, o direito de crédito que tem sobre a C…., Lda e que está a ser discutido no processo n.° 2214/04.5PCAMD.
- Acresce que o arresto destina-se a ser posteriormente convertido em penhora - artigo 846° do C.P.C. - e tal penhora efectuar-se-á no âmbito de acção executiva que também correrá por apenso ao aludido processo n.° 2214/04.5PCAMD e não por apenso à acção pauliana.
- Também não se confunda o critério estabelecido no artigo 383° do C.P.C. referente à dependência entre acções com a questão da legitimidade.
- De facto, em termos de legitimidade passiva há uma coincidência entre a legitimidade passiva para a acção de impugnacção pauliana e a legitimidade passiva para o arresto, mas esta coincidência não afasta, nem afecta, o estabelecido no artigo 383°, n.°1 do C.P.C.
- Ainda que se tomasse como boa a solução defendida no despacho recorrido (de que o arresto deve ser dependente da acção de impugnação pauliana) então o tribunal deveria ter remetido o requerimento para esses autos e não indeferi-lo liminarmente como fez.
- Não há que «desmembrar em duas a providência», como refere o despacho recorrido, por uma das situações já estar judicialmente impugnada e a outra não.
- Conforme a Requerente alegou na petição de arresto indeferida, a acção de impugnação pauliana foi instaurada apenas contra a B. dado que na altura ainda não haviam sido constituídos quaisquer direitos a favor da Bb., S.A..
- Sendo os direitos constituídos a favor da Bb., S.A. também impugnáveis nos termos do artigo 613°, n.°2 do C.C., a Requerente irá chamar a intervir naqueles autos de impugnação pauliana a Bb., S.A., para o que está em tempo uma vez que o processo ainda está na fase dos articulados, não tendo ainda a Autora sido notificada das contestações das Rds, pelo que ambas as situações acabarão por ser apreciadas na mesma acção.
- O chamamento da Bb., S.A. ainda não ocorreu, por um lado, por o momento oportuno para o fazer ser a réplica e, por outro lado, por ser de toda a conveniência que se obtenha o decretamento do arresto antes de requerer tal intervenção sob pena de os efeitos pretendidos com o arresto saírem prejudicados.

II A questão de fundo a resolver neste recurso, é a de saber se havia ou não lugar ao indeferimento liminar do Requerimento Inicial de arresto e por o mesmo não constituir dependência da acção principal, da qual constitui apenso, questão essa que iremos dividir em sub questões que a seguir se indicam, face às conclusões apresentadas pela Apelante
1) Admissibilidade legal da providência cautelar de arresto contra o adquirente de bens do devedor;
2) Carácter instrumental da providência;
3) Dependência do arresto à acção de impugnação pauliana e possibilidade da sua remessa oficiosa para apensação àquela;
4) Da conversão do arresto em penhora e da impossibilidade de tal ser feito em execução da sentença proferida na acção de impugnação pauliana.


Mostram-se provados no que à economia deste recurso concerne, os seguintes factos:
- A providência ora requerida, constitui apenso de uma acção declarativa com processo ordinário que a ora Requerente intentou contra Cosnstruprega-Cofragens e Construções, Lda, cfr cópia certificada da Petição Incial que faz fls 179 a 182.
- Nessa acção, a ora Requerente pede a condenação daquela Ré no pagamento da quantia de € 84.923, 33, acrescida dos juros vencidos à taxa de 12%, que calculou em € 4.840, 66 e dos vincendos desde a citação, a igual taxa, e até integral pagamento, cfr o aludido documento.
- Tal quantia provém, na tese da Autora, aqui Requerente, de fornecimentos vários que foram feitos à Ré (materiais, máquinas e equipamentos) e de encargos bancários, que não foram satisfeitos, cfr o aludido documento.
- A Requerente, instaurou contra C…., Lda e B., Lda, uma acção declarativa com processo ordinário, de impugnação pauliana, a qual corre termos pela 3ª Vara Cível de Lisboa, cfr documento de fls 55 a 71.
- Nessa acção, a Autora, aqui Requerente, pretende que o Tribunal declare que são ineficazes, em relação a si, as transmissões das fracções A, B, C, D, E, F, G, J, K, L, N, S, T e U do prédio urbano sito na Urbanização …., concelho de Sesimbra, que foram efectuadas pela primeira à segunda Ré.
- A Autora, aqui Requerente, pediu na Petição Inicial da acção principal de que esta providência constitui apenso, a apensação dos autos de providência cautelar de arresto, que havia instaurado contra a Ré C…., Lda, e que correram termos no 3º Juízo Cível, cfr o aludido documento.
- O arresto de tais fracções encontra-se registado a favor da ora Requerente, cfr teor dos documentos de fls 16 a 54.
- A presente providência é instaurada contra B., Lda e Bb., Lda, e visa o arresto daquelas fracções, aquela na qualidade de adquirente e esta na qualidade de promitente compradora das mesmas, com excepção das fracções K e U .

Antes de começarmos a analisar a questão que nos suscitada em sede de recurso, cumpre-nos rectificar os lapsos manifestos existentes na decisão recorrida, pois na sua parte introdutória faz referência à providência como sendo de arrolamento, quando se trata de um arresto (primeiro parágrafo), e seguidamente lê-se «A requerente entende que o arresto em questão constitui incidente da acção que intentou contra a A..», quando se queria dizer «contra a C…., Lda» (a sociedade A. é a Requerente).

1. A providência cautelar de arresto e o arresto contra o adquirente de bens do devedor.

O direito de requerer arresto é conferido ao credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial, incidindo o mesmo sobre bens pertencentes ao devedor, enquanto garantia patrimonial que é, e, sendo certo que o património do devedor responde pelo cumprimento das obrigações, artigos 619º, nº1 e 601º do CCivil.

Daqui deflui que, em princípio, o arresto só poderá incidir sobre os bens do devedor, uma vez que são estes bens que respondem pelas suas obrigações e daí a ora Requerente ter obtido deferimento na providência cautelar que instaurou contra a Ré da acção principal de que este procedimento também é apenso, a sociedade C…., Lda.

Todavia, configurando a Lei como excepção a este princípio, que a execução poderá seguir contra bens de terceiro, quando estes bens estejam vinculados ao cumprimento do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor e que este haja impugnado, artigo 818º do CCivil, também configura, mutatis mutandis, excepcionalmente, os casos em que o arresto possa incidir sobre bens de terceiro, no nº2 do supra citado artigo 619º do mesmo diploma legal.

Diz-nos este segmento normativo que «O credor tem o direito de requerer o arresto contra o adquirente dos bens do devedor, se tiver sido judicialmente impugnada a transmissão.», será o caso quando essa transmissão for objecto de impugnação pauliana e ainda quando for arguída de nula ao abrigo do disposto no artigo 605º do CCivil, cfr Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 4ª edição, vol I/637.

Pretende assim a Agravante, por apenso à acção que move a C…., Lda, arrestar treze desses bens que esta transmitiu à ora Requerida B., Lda, a qual, por sua vez, prometeu vender à aqui também Requerida Bb., Lda, porque, aliás, até já intentou contra a primeira (bem como contra a Ré da acção principal) uma acção de impugnação pauliana.

1.1. O carácter instrumental da providência.

Como é sabido, a procedência da acção de impugnação pauliana, envolve, no que tange ao credor impugnante, a ineficácia do acto impugnado e a possibilidade de execução do bem transmitido para o terceiro, daí a Lei prever, nestas circunstâncias, o arresto deste.

Daí que a providência cautelar de arresto pudesse ser, pelo menos teoricamente, requerida contra a Agravada B., Lda, só que, nunca o poderia ser por apenso à acção principal que serve de suporte a esta providência, ao invés do que sustenta a Agravante.

Se não.

Dispõe o normativo inserto no artigo 383º, nº1 do CPCivil que «O procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva.».

A tutela cautelar, encontra assim o seu cerne, como deflui deste normativo, na relação funcional com a acção principal – que se traduz na instrumentalidade – e no seu carácter provisório o que significa que a decisão proferida nesta sede é emitida no pressuposto de vir a ser favorável ao Autor a decisão proferenda na acção principal, cfr Rita Lynce de Faria, in A Função Instrumental Na tutela Cautelar Não Especificada, 14 e AC STJ de 30 de Setembro de 1999, BMJ 498/294.

Ora, uma vez que nos termos do artigo 619º, nº2 do CCivil o arresto visa acautelar os efeitos da impugnação pauliana, daqui decorre que o mesmo deveria de ser intentado por apenso a essa acção e não àquela de que esta providência é dependência (acção de cumprimento), porque nesta, a Agravante visa a condenação da primitiva proprietária dos bens arrestandos no pagamento de um crédito e onde as ora Requeridas nem sequer são parte (nem poderiam ser, dizemos nós, atento o pedido e a causa de pedir da mesma).

Quer dizer, em termos de legitimidade passiva, para o arresto peticionado, ao abrigo daquele supra mencionado normativo, a mesma terá de coincidir com a legitimidade passiva para a acção de impugnação pauliana, sendo esta a decorrência daquele princípio da instrumentalidade substantiva da providência face ao direito subjectivo e da dependência deste procedimento face à acção principal onde tal direito se discute, cfr Ac STJ de 8 de Fevereiro de 2001 (Relator Cons Ribeiro Coelho), CJ/STJ, 2001, tomo I/102.

Como já frisámos, nenhuma das Requeridas/Agravadas é parte na acção principal, e nesta não se discutem as transmissões efectuadas.

Por outra banda, sempre se acrescenta ex abundanti, que a segunda Requerida, Bb., Lda, não nos é apresentada como adquirente dos bens, mas antes como promitente adquirente dos mesmos.

Daqui deflui, que aquela Requerida terá apenas a uni-la à primeira Requerida, um vinculo obrigacional, pois esta será a promitente vendedora.

Sem embargo de o artigo 613º, nº1 do CCivil permitir que a impugnação pauliana seja estendida a transmissões posteriores, o seu nº2 faz alargar à constituição de direitos a favor de terceiro que tenham por objecto o bem transmitido, tais direitos circuncrevem-se aos direitos reais que não sejam o de propriedade, aos direitos reais de garantia, v.g. a hipoteca, bem como aos direitos reais de aquisição, cfr Pires de Lima e Antunes Varela, ibidem, 631.

Todavia, não será de incluir naqueles direitos os direitos meramente obrigacionais, como os provenientes de contrato promessa sem eficácia real, pois a sua existência e alcance nunca seria posta em crise com a procedência da acção de impugnação pauliana: estar-se-ía então, também, perante uma eventual ilegitimidade passiva da segunda Requerida.

Admitamos, contudo, por mera hipótese de raciocínio e no que à economia do recurso diz respeito, que era possível alargar o arresto aos casos de contrato promessa de compra e venda.
Quid inde?

Como já vimos, no campo das possibilidades, este arresto que ora é requerido só poderia sê-lo por apenso à acção de impugnação pauliana que a Agravante já moveu contra a Ré C…., Lda e a aqui Requerida B., Lda, que se encontra a correr na na 3ª Vara Cível e na qual a segunda Requerida e Agravada, Bb., Lda, não figura como Ré.

Atento o pedido e a causa de pedir que a Agravante formula nessa acção (a declaração que são ineficazes, em relação a si, as transmissões das fracções A, B, C, D, E, F, G, J, K, L, N, S, T e U do prédio urbano sito na Urbanização …, concelho de Sesimbra, que foram efectuadas pela C…., Lda à B., Lda, ficticiamente e com o intuito de a prejudicar na satisfação do seu crédito) admissível se tornaria o argumento, aqui usado em sede de conclusões de recurso, de que poderia chamar a intervir na acção a Requerida Bb., SA, a titulo de intervenção principal provocada, nos termos dos artigos 325º, nº1 e 320º, alínea a) do CPCivil.

Conforme a Requerente alegou na petição de arresto indeferida, a acção de impugnação pauliana foi instaurada contra C…. e B. dado que na altura ainda não haviam sido constituídos quaisquer direitos a favor da Bb., SA.

E tem razão quando diz que os direitos constituídos a favor da Bb., SA também são impugnáveis nos termos do artigo 613°, n.°2 do CCivil (pelo menos a hipótese é discutível).

Já não lhe assiste a razão quando esgrime como argumentos que o chamamento da empresa Bb., SA ainda não ocorreu, por um lado, por o momento oportuno para o fazer ser a réplica e, por outro lado, por ser de toda a conveniência que se obtenha o decretamento do arresto antes de requerer tal intervenção sob pena de os efeitos pretendidos saírem prejudicados.

No caso sub juditio, a Agravante pode fazer intervir a titulo principal aquela Requerida, em qualquer altura do processo (enquanto não estiver definitivamente julgada a causa, cfr artigos 326º, nº1 e 322º, nº1, do CPCivil), não sendo, assim, o momento oportuno para tal intervenção o da apresentação da réplica, daqui resultando que já poderia ter suscitado tal incidente.

Por outro lado, também não se compreende, ou mal se compreende, qual é a conveniência se se obter o arresto antes da aludida intervenção e em que é que um arresto requerido na pendência de uma causa poderá vir a prejudicar os efeitos pretendidos.

Se assim fosse, a Lei não previa a hipótese de se instaurarem providências cautelares como incidente, quer de acção declarativa quer de acção executiva, sendo certo que muitas vezes, tais procedimentos incidentais, só se tornam necessários na pendência das acções, aliás, como se verifica no caso sub judice: é que a Agravante parece esquecer que já tem uma das ora Requeridas como Ré naqueloutra acção de impugnação pauliana (a B., Lda).

Mas, seguindo o raciocínio explanado pela Agravante, concorda-se que até seria para si mais fácil, em termos de sigilo, propôr esta providência por apenso à acção de cumprimento, do que à acção de impugnação pauliana: é que naquela acção a Requerida B. já foi citada e nesta nem sequer é parte, havendo mais facilidade de assegurar a reserva da providência.

Quanto a isso, nada há a fazer, porque a Lei, embora conceda às partes alguns meios expeditos para fazerem valer os seus direitos, não lhes faculta discricionariamente o seu uso, nomeadamente, por lhes ser mais favorável este ou outro procedimento.

Por último, quando o artigo 407°, n°2 do CPCivil nos diz que «Sendo o arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor, o requerente, se não mostrar ter judicialmente impugnada a aquisição, deduzirá ainda os factos que tornem provável a procedência da impugnação.», ao dar-nos a indicação dos pressupostos para a procedência do arresto - alegação e prova de que a aquisição foi judicialmente impugnada ou da provável procedência da mesma – está dessa forma a regular, também, a dependência entre procedimentos cautelares e acção principal, o que não poderia deixar de ser, face ao disposto no artigo 383°, nº1 do CPCivil.

É que, não se compreende a existência de um tal procedimento incidental, sem a existência de uma causa onde a parte possa vir a fazer valer o seu direito de fundo. Tanto assim é, que a Lei estabelece prazos de caducidade do procedimento, se aquela acção principal, além do mais, não vier a ser proposta no prazo de 30 dias contados da data em que lhe tenha sido notificada a decisão, cfr o artigo 389º, nº1, alínea a) do CPCivil.

Acresce ainda o argumento teleológico do preceito, pois antes da revisão do CPCivil, o artigo 403º, nº2 (hoje correspondente ao artigo 407º, nº2) tinha uma redacção idêntica à do artigo 619º, nº2 do CCivil, de onde o arresto contra adquirente de bens do devedor só era possível na pendência da acção de impugnação pauliana (ou da de declaração de nulidade ou de anulação), consistindo esta um requisito de procedência do arresto.

Hoje em dia, o artigo 407º, nº2 do CPCivil revisto (na redacção introduzida pelo DL 180/96, de 25 de Setembro), abre duas possibilidades: ou a parte já impugnou judicialmente a transmissão, bastando no arresto a prova sumária da existência do seu direito de crédito; se tal acção ainda não tiver sido proposta, incumbe-lhe alegar e provar que aquando da sua propositura, a mesma terá probabilidades de proceder, de onde uma maior exigência legal, quanto à prova do seu direito de crédito e dos factos que fundam a impugnação.

Ao configurar esta última hipótese, o legislador quis efectivamente acautelar o sigilo deste procedimento, como se pode ler no preâmbulo daquele diploma (cfr também neste sentido Lopes do Rego, in Comentários Ao Código De Processo Civil, 2ª edição, Vol I/372), mas não só, pois visou essencialmente eliminar a dependência do arresto em relação à acção de cumprimento.

Quer dizer, o arresto não depende só da acção de dívida, mas também da acção de impugnação, devendo, caso as mesmas tenham sido propostas separadamente (pois podiam ser instauradas conjuntamente, através da figura da coligação, artigo 30º, nº1 do CPCivil), correr por apenso a esta última.

2. Da dependência do arresto à acção de impugnação pauliana e da remessa oficiosa do mesmo para esta.

A Agravante impugna ainda a decisão recorrida porque, na sua tese, ainda que se tomasse como boa a solução defendida de que o arresto deve ser dependente da acção de impugnação pauliana, então o tribunal deveria ter remetido o requerimento para esses autos e não indeferi-lo liminarmente como fez.

Não tem razão a Agravante.

Se não.

A presente providência foi especificadamente proposta por apenso à acção que a Agravante intentou contra a C…., Lda, como decorre inequivocamente de toda a matéria que foi alegada no Requerimento Inicial. Aliás, basta ler os artigos 56º e 57º daquela peça processual (sic) «Resulta do exposto que, tanto a B., S.A., como a Bb., S. A. são partes legítimas no presente procedimento cautelar de arresto.» (56º) e «Dúvidas também não se colocam quanto à dependência deste arresto relativamente à acção declarativa onde se discute o crédito da Requerente sobre a C…., Lda (e não relativamente à acção pauliana) pois, nos termos do artigo 383º, nº1 do C.P.C., o procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado.» (57º).

Quer dizer, ao longo de todo aquele articulado a Agravante demonstra que esta providência de arresto é dependência da acção que intentou contra a C…., Lda e, agora pretende que o Tribunal - porque este órgão entendeu que a mesma a ser proposta o deveria ter sido na dependência da acção de impugnação pauliana - o tivesse declarado e remetido o requerimento inicial para apensação àquela.

Existem duas situações em que o Julgador, oficiosamente, pode determinar que uma causa que lhe tenha sido distribuída seja enviada para outro Tribunal: quando haja falta ou irregularidade da distribuição, nos termos do artigo 210º, nº1 do CPCivil; quando se verifique uma situação de de incompetência em razão do território, artigo 110º do mesmo compêndio normativo.

Nenhuma destas duas situações se aplicam ao caso sub judice.

Não houve falta, e muito menos irregularidade na distribuição, já que, em primeiro lugar, as providências cautelares não estão sujeitas a tal formalidade (artigo 212º do CPCivil) e em segundo lugar, a Agravante formulou bem o seu requerimento solicitando a apensação à acção respectiva.

Também não era caso para que o Julgador tivesse declarado o Tribunal numa situação de incompetência relativa, nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 110º do CPCivil, não obstante se trate de uma causa que por Lei deve correr como dependência de outro processo, pois a Agravante, como se referiu supra, defendeu sempre que o arresto ora requerido era dependência desta acção de cumprimento e não daqueloutra de impugnação pauliana (sem prejuízo da constatação de que as duas estão intimamente interligadas e que poderiam ter sido reunidas numa só).

Se o Tribunal, eventualmente, assim tivesse decidido, até seria contraditório com a tese explanada pela Agravante, para além de violar frontalmente aquelas duas disposições processuais (veja-se que o Tribunal muito embora não esteja sujeito às alegações das partes no tocante á indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, só pode servir-se dos factos articulados por estas nos termos do artigo 655º do CPCivil).

3. Da conversão do arresto em penhora e da impossibilidade desta ser decretada em execução da sentença proferenda na acção de impugnação pauliana.

O argumento utilizado pela Agravante de que o arresto se destina a ser posteriormente convertido em penhora nos termos do artigo 846° do CPCivil e que tal penhora irá efectuar-se no âmbito da acção executiva - que também correrá por apenso ao processo de que esta providência é incidente - e não por apenso à acção pauliana, não é de sufragar.

Vejamos.

Como é sabido, a execução deve ser promovida pela pessoa que no título figura como credora e contra a pessoa que em tal titulo tenha a posição de devedor, é o que nos diz o artigo 55º do CPCivil.

Veja-se que o aludido preceito sem nos dizer, expressis verbis, que são partes legítimas em sede executiva, aqueles que aparecem no título na posição de credor e devedor, inculca-nos a ideia de que em princípio será assim, mas nem sempre.

Aqueles vocábulos são empregues num sentido amplo, abrangendo, além do mais, do lado passivo, tanto o sujeito de um vínculo obrigacional, como aquele que praticou um facto ofensivo de um direito real, «sujeito passivo da execução, devedor, é todo aquele contra quem é dirigido o processo executivo nas suas variadas formas», cfr Amâncio Ferreira, Curso De Processo De Execução, 1999, 37, em nota de pé de página (39) citando Andrea Lugo.

Uma das razões que levou o legislador a alterar a redacção ao normativo inserto no nº2 do artigo 407º do CPCivil, foi a de eliminar a dependência do arresto à acção de cumprimento (como frisámos supra) porque «(…) poderia criar dúvidas sobre a sua admissibilidade no campo da acção executiva (…), cfr preâmbulo do diploma.

Efectivamente, tais dúvidas poderiam surgir, sem embargo do nosso sistema normativo prever desvios à regra geral sobre legitimidade em acção executiva, enunciada no artigo 55º do CPCivil, as quais vêm enunciadas nos artigos 56º e 57º do CPCivil, que sempre as dilucidariam (no caso concreto por aplicação extensiva do nº2 do artigo 56º).

Queremos nós dizer, se a Agravante obter ganho de causa na acção de impugnação pauliana que instaurou contra C…., Lda (Ré da aqui acção principal) e contra a Requerida B., SA (onde anuncia fazer intervir como parte principal a outra Requerida Bb., SA), nada obstará a que converta o arresto (aí requerido por apenso a essa acção) em penhora, já que os bens arrestandos, embora já não pertençam àquela por força da alienação efectuada, continuarão a servir de garantia ao crédito da Recorrente.

Veja-se, neste conspecto, o disposto no artigo 818º do CCivil o qual preceitua que «O direito de execução pode incidir sobre bens de terceiros, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado.», normativo esse que concretiza (em sede de realização coactiva da prestação) o disposto no nº1 do artigo 616º do mesmo diploma, o qual prevê que «Julgada procedente a impugnação, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei.».

Os bens mantêm-se no património do obrigado à restituição, onde responderão pela obrigação exequenda, devendo ser demandado para a execução o adquirente dos mesmos sem ser necessária a reversão dos mesmos ao património do devedor, para aí os executar, cfr Anselmo de Castro, Acção Executiva, 77, Amâncio Ferreira, ibidem, 39, Almeida Costa, Obrigações, 3ª edição, 610 e Ac STJ de 18 de Maio de 1999, BMJ 487/287.

As conclusões estão, assim, condenadas ao insucesso.

III Destarte, nega-se provimento ao Agravo, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela Agravante.

Lisboa, 19 de Outubro de 2006

(Ana Paula Boularot)
(Lúcia de Sousa)
(Luciano Farinha Alves)