Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10413/2007-1
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: REGISTO CIVIL
FALSIDADE
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I. O facto de a certidão que serviu de base à transcrição do assento de nascimento não ser exacta, por dela constarem dados em desconformidade com o respectivo original, não constitui fundamento de nulidade do registo se não induz em erro relativamente ao facto registado.
II. Na falsidade registral o que releva é a relação de conformidade entre o facto registado – no caso nascimento e filiação – e a realidade dos factos e não, como na falsidade documental, a relação de conformidade entre as declarações prestadas, as percepções efectuadas e os actos realizados e o documento lavrado.
RF
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I – Relatório
            L interpôs recurso da decisão do Conservador Auxiliar da Conservatória dos Registos Centrais que declarou a nulidade e ordenou o cancelamento do assento de nascimento de seu pai V, com fundamento na falsidade do título transcrito.
            Tal recurso veio a ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, por se considerar não estarem preenchidos os respectivos requisitos legais.
            Inconformado recorreu o Conservador da Conservatória dos Registos Centrais concluindo, em síntese, pela nulidade do assento de nascimento em causa dada a falsidade do título que lhe serviu de base.
            Nem o recorrido nem o MP contra-alegaram.

II – Questões a Resolver

            Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio[1].
            De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo[2].
            Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras[3].
            Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a questão a resolver é saber se o assento de nascimento em causa deve ser declarado nulo.

III – Fundamentos de Facto

            É a seguinte a factualidade relevante:
1. Foi lavrado na Conservatória dos Registos Centrais, por transcrição, em 9SET1987, o assento de nascimento 1021-A/87 (reproduzido a fls 14 dos autos) referente a V, nele se mencionando ter o nascimento ocorrido em 26FEV1932 em Benguela, Angola, ser o nascido filho de R, natural de Águeda, já falecido, e de A, natural de Benguela, já falecida, e neto paterno de V e Maria.
2. Tal assento foi lavrado com base na fotocópia notarialmente reconhecida (reproduzida a fls 15 dos autos) de ‘certidão de narrativa completa de registo de nascimento’ emitida pela Conservatória do registo Civil de Benguela, m 13DEZ1986, subscrita pelo ajudante (cuja assinatura se mostra reconhecida pelo Consulado Geral de Portugal em Benguela) em que se certifica que do livro de assentos de nascimento de 1932, a fls 4 existe um registo nº 11, no livro 1, do qual constam os dados que foram objecto de transcrição, ainda, a menção de nada constar averbado nas margens do mesmo registo.
3. Tendo sido solicitada a confirmação da autenticidade dessa certidão veio o Ministério da Justiça de Angola informar ser a mesma falsa porquanto o registo 11, a fls 4 do livro 1, de 1932 respeitar a A, não tendo sido obtida qualquer referência a V, bem como desconhecer de quem seja a caligrafia constante e a assinatura aposta em tal certidão.
4. Na sequência de diligências posteriores, o mesmo Ministério da Justiça veio informar existir no livro de 1933 um auto de nascimento (reproduzido a fls 21) respeitante a V, nascido a 26FEV1932, em Benguela, filho de A, solteira, doméstica, residente em Benguela, e de pai incógnito, dele constando à margem, em nota secreta (por força do § 1º do artº 23º do Decreto nº 2, de 25DEZ1910), a sua perfilhação por R, mestre d’obras, natural de Águeda.
5. Em face dessa situação o Conservador Auxiliar da Conservatória dos Registos Centrais veio a declarar a nulidade e ordenar o cancelamento do referido assento de nascimento, nos termos dos artigos 87º, al. a), 88º, 89º, al. b), 90º e 91º, nº1, al.a), todos do Código do Registo Civil.

IV – Fundamentos de Direito

            Em face das normas invocadas na decisão do Conservador a nulidade do assento de nascimento foi declarada por aplicação do complexo normativo que determina que “o registo é nulo quando resultar de transcrição de título falso, sendo que a falsidade só pode consistir em ter o título sido viciado por forma a induzir em erro acerca do facto registado ou da identidade das partes”.
            Na decisão recorrida considerou-se não verificada a indução em erro e, consequentemente, não preenchida a previsão legal.
            Concorda-se integralmente com a decisão recorrida.
            Com efeito, para que se verifique a falsidade do título prevista na al. b) do artº 89º do CRegCiv é necessária a verificação de uma desconformidade com o original do registo por forma a induzir em erro acerca do conteúdo real do facto registado ou da identidade das partes, o que não ocorre no caso concreto na medida em que, em face da matéria apurada, dúvidas não se levantam quanto aos factos objecto de registo – o nascimento, localizado no espaço e no tempo, e a filiação.
            É certo que o documento que serviu de base ao assento não reproduz com fidelidade o original do assento de nascimento lavrado no local do nascimento, mas os dados dele constantes não induzem em erro quanto ao facto real – nascimento e filiação – que documenta, e por isso não se pode considerar preenchido o conceito registral de falsidade. É que na falsidade registral não releva, como na falsidade dos documentos a que se reporta o nº 2 do artº 372º do CCiv, a relação de conformidade entre as declarações prestadas, as percepções efectuadas e os actos realizados e o documento lavrado, relevando antes a relação de conformidade entre o teor do registo e a realidade dos factos.

V – Conclusões
            Do exposto podem extrair-se as seguintes conclusões:
I. O facto de a certidão que serviu de base à transcrição do assento de nascimento não ser exacta, por dela constarem dados em desconformidade com o respectivo original, não constitui fundamento de nulidade do registo se não induz em erro relativamente ao facto registado.
II. Na falsidade registral o que releva é a relação de conformidade entre o facto registado – no caso nascimento e filiação – e a realidade dos factos e não, como na falsidade documental, a relação de conformidade entre as declarações prestadas, as percepções efectuadas e os actos realizados e o documento lavrado.

VI – Decisão
            Termos em que, sem necessidade de mais considerações, se julga improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

            Custas, em ambas as instâncias, pela Conservatória dos Registos Centrais (artº 232º do CRegCiv).
            Valor tributário: € 5.000 (artº 6º, al. a), do CCJ).
            Redução: ½ (artº 14º, nº 1, al. a) do CCJ, por analogia, na 1ª instância; artº 18º, nº 2, do CCJ nesta instância).

                        Lisboa, 11.3.2008
                                        (Rijo Ferreira)
                                     (Afonso Henrique)
                                      (Rui Torres Vouga)
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[1] - Cf. artº 684º, nº 3, e 690º CPC, bem como os acórdãos do STJ de 21OUT93 (CJ-STJ, 3/93, 81) e 23MAI96 (CJ-STJ, 2/96, 86).
[2] - Cf. acórdãos do STJ de 15ABR93 (CJ-STJ, 2/93, 62) e da RL de 2NOV95 (CJ, 5/95, 98). Cf., ainda, Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em Processo Civil, 5ª ed., 2004, pg. 141.
[3] - Cfr artigos 713º, nº 2,, 660º, nº 2, e 664º do CPC, acórdão do STJ de 11JAN2000 (BMJ, 493, 385) e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 247.