Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23/21.6PBRGR.L1-9
Relator: MARLENE FORTUNA
Descritores: DECLARAÇÕES DE CO-ARGUIDO
PROCESSO EQUITATIVO
FURTO DE USO DE VEÍCULO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: Sumário (da responsabilidade da Relatora):
I. A jurisprudência mais recente do TEDH, em matéria de declarações de co-arguidos, tem realizado um caminho de equilíbrio entre a busca da verdade material e a existência de um processo justo e equitativo, com interpretação do art. 6.º, n.º 3, al. d) da CEDH, não de uma forma literal ou normativista, que implicava precisamente uma proibição absoluta de valoração desta prova, mas sim, tendo sempre subjacente as particularidades próprias de cada processo concreto, de um modo sistemático/finalístico e sem nunca perder de vista aqueles dois desideratos.
II. Desta feita, caso as declarações de co-arguido venham a ter sustentabilidade com a concatenação de outros elementos de prova objectivos, é possível atender às mesmas, em decorrência do princípio da livre apreciação da prova e do processo equitativo entendido à luz da jurisprudência nacional e da jurisprudência do TEDH.
III. Não obstante não caber ao arguido o ónus de provar a sua inocência, não podendo ver juridicamente desfavorecida a sua posição pelo facto de exercer o seu direito ao silêncio, não é menos verdade que quando é do interesse deste invocar um facto que o favorece, e que ele poderá ser o único a conhecer, a manutenção do silêncio poderá ao fim ao cabo desfavorecê-lo.
IV. E pese embora o arguido tenha optado pelo silêncio, não foi impedido de, na audiência de julgamento, exercer o seu direito ao contraditório (que lhe foi facultado) e levantar, quanto os pontos que entendesse, dúvidas acerca das declarações dos co-arguidos, situação que levaria o tribunal a questionar tais dúvidas e/ou explicações dadas, com a criação, eventual, de uma dúvida insuperável no espírito do julgador.
V. No crime de furto de uso de veículo, p. e p. pelo art. 208.º do CP, a propensão do agente é para se apropriar se apropriar da coisa por algum tempo e beneficiar do seu uso.
VI. Se o agente não logrou colocar o veículo em marcha com o motor, mas conseguiu movimentá-lo de um local para outro, pondo-o, de facto, em marcha (ainda que de forma não mecânica), isto significa que fez uso, temporário, do veículo de que se apropriou ilegitimamente, tendo, pois, consumado o crime em causa.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
No processo comum colectivo n.º 23/21.6... do Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, Juízo Central Cível e Criminal de Ponta Delgada - Juiz 1, consta da parte decisória do acórdão datado de ........2025, no que interessa, o seguinte:
“A) Pelo exposto, tendo em atenção as considerações produzidas e as normas legais citadas, o Tribunal Colectivo decide julgar as acusações púbicas do processo principal - P. 23/21.6... – e bem assim do processo apenso P. 254/23.4... – apenso W, parcialmente procedentes e, em consequência:
(…)
2. Do arguido AA:
2.1. Julgar extinta a responsabilidade criminal do arguido – pela falta de uma condição de procedibilidade, a existência de queixa validamente apresentada – relativamente à prática de 1 (um) crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal, nos termos do artigo 115.º do Código Penal (P. 160/23.2... - apenso F).
2.2. Absolver o arguido da prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime furto simples, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, e do Código Penal (P. 185/23.8... – apenso L).
2.3. Absolver o arguido da prática, em coautoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. f), ambos do Código Penal (P. 157/23.2... PBRGR – apenso D).
2.4. Absolver o arguido da prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso efectivo da prática de 3 (três) crimes de furto de uso de veículo, p. e p. pelo o artigo 208.º, n.º 1 do Código Penal (P.235/23.8... – apenso Q), P.820/23.8... – apenso V) e P. 175/23.0... – apenso H).
2.5. Absolver o arguido da prática em autoria material, na forma consumada, e em concurso efectivo de 3 (três) crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de janeiro, (P. 235/23.8... PBRGR – apenso Q), P. 820/23.8... PARGR – apenso V) e 175/23.0... – apenso H).
2.6. Absolver o arguido da prática em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de coacção, p. e p. pelo artigo 154.º do Código Penal (P. 160/23.2... – apenso F).
2.7. Condenar o arguido pela prática em autoria material, na forma consumada, e em concurso efectivo de 2 (dois) crimes de dano, p. e p. pelo artigo 212.º do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão por cada um dos crimes (P. 127/23.0... – apenso B e P. 180/23.7... – apenso K)
2.8. Condenar o arguido pela prática em coautoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão (P. 144/23.0... – apenso T)).
2.9. Condenar o arguido pela prática em autoria material e na forma tentada, de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 22.º, n.º 1 e 2, al. a) e b), 23.º, n.º 1, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (P. 178/23.5... – apenso J).
2.10. Condenar o arguido pela prática em autoria material e na forma consumada de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão (P. 227/23.7... – apenso P),
2.11. Condenar o arguido pela prática em autoria material, na forma consumada, e em concurso efectivo de 4 (quatro) crimes de furto de uso de veículo, p. e p. pelo artigo 208.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão para cada um dos crimes (P. 160/23.2... –apenso F, P. 177/23.7... – apenso I), P. 215/23.3... – apenso N) e P. 244/23.7... – apenso U).
2.12. Condenar o arguido pela prática em autoria material, na forma consumada, e em concurso efectivo de 4 (quatro) crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão para cada um dos crimes (P. 125/23.4... – apenso A, P. 160/23.2... – apenso F, P. 177/23.7... – apenso I e P. 215/23.3... – apenso N.
2.13. Proceder, nos termos do artigo 77.º, n.º s 1 e 2 do Código Penal, ao cúmulo jurídico das penas parcelares impostas, e condenar o arguido na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2.14. Perdoar ao arguido 1 (um) ano de prisão, ao abrigo da Lei nº 38-A/..., de 2 de agosto, reduzindo-se a pena por ele a executar para 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, perdão que, nos termos do artigo 8.º daquela lei lhe é concedido sob as condições resolutivas de o beneficiário não praticar infracção dolosa no ano subsequente à data da entrada em vigor da referida lei, caso em que à pena aplicada à infracção superveniente acrescerá a pena ou parte da pena perdoada.
3. Do arguido BB:
3.1. Condenar o arguido pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão (P. 144/23.0... – apenso T)).
3.2. Condenar o arguido pela prática em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de roubo agravado, previsto no artigo 210.º, n.º 1, e n.º 2, al. b), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão (P. 254/23.4... – apenso W).
3.3. Proceder, nos termos do artigo 77.º, n.º s 1 e 2 do Código Penal, ao cúmulo jurídico das penas parcelares impostas, e condenar o arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão,
3.4. Perdoar ao arguido 1 (um) ano de prisão, ao abrigo da Lei nº 38-A/2023, de 2 de agosto, reduzindo-se a pena por ele a executar para 5 (cinco) anos de prisão, perdão que, nos termos do artigo 8.º daquela lei lhe é concedido sob as condições resolutivas de o beneficiário não praticar infracção dolosa no ano subsequente à data da entrada em vigor da referida lei, caso em que à pena aplicada à infracção superveniente acrescerá a pena ou parte da pena perdoada.
(…)
5.4. Conceder provimento parcial ao pedido de perda de vantagens a favor do Estado formulado pelo Ministério Público e, nos termos do disposto nos artigos 110.º, n.º 1, al. b) e n.º 4 e 6 do Código Penal, e em consequência, condenar:
5.4.1 os arguidos BB e AA a pagarem, solidariamente, ao Estado, o valor global de 9.879,72 € (nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e dois cêntimos);
5.4.2 o arguido AA a pagar ao Estado o valor de 300,00 € (trezentos euros);
(…).
B) Relativamente ao pedido de indemnização civil formulado pelo assistente/demandante CC, o Tribunal decide julgá-lo parcialmente procedente e, em consequência:
b.1. Condenar o demandado AA a pagar ao demandante a título de danos patrimoniais, o valor global de 4.200,00 € (quatro mil e duzentos euros), absolvendo do demais peticionado nesta parte, acrescido de juros moratórios vincendos à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
(…)».
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Inconformado com a decisão condenatória, veio o arguido BB interpor recurso, alegando, em síntese, que existe “erro manifesto na apreciação da matéria de facto”, erro notório da apreciação da prova, violação dos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo, erro de direito, pugnando, em conclusão, pela sua absolvição ou, subsidiariamente, pela aplicação de uma pena de prisão inferior a 5 anos, suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova. Solicitou, ainda, a renovação de prova quanto ao depoimento da testemunha DD.
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Inconformado com a decisão condenatória, veio o arguido AA interpor recurso, alegando, em síntese, a existência de erro de julgamento e erro de direito, pedindo, consequentemente, a absolvição de alguns crimes e, por isso, a alteração da dosimetria das penas parcelares e a reformulação da pena única, condenando-o numa pena única nunca superior a três anos e seis meses de prisão (já declarado perdoado um ano de prisão), ou, subsidiariamente, na pena única nunca superior a quatro anos e cinco meses de prisão (igualmente já declarado perdoado um ano de prisão), bem como a redução do montante indemnizatório por que foi condenado.
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Os recursos foram admitidos para este Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho datado de ........2025, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou resposta aos recursos, pugnando pela sua improcedência.
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Nesta Relação, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que devem ser julgados improcedentes.
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Foi cumprido o estabelecido no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (doravante CPP).
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Proferido despacho liminar, foi indeferida a renovação de prova e realização da audiência pelas razões aí constantes e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
Foram colhidos os vistos e teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJECTO DOS RECURSOS
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes das motivações apresentadas, cumpre apreciar:
1. Da alegada existência de nulidade quanto à prova testemunhal;
2. Da existência de erro notório na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c) do CPP, invocado pelo recorrente BB;
3. Da impugnação da matéria de facto/erro de julgamento e da violação do princípio do in dubio pro reo, em relação a ambos os recorrentes;
4. Da alegada errónea qualificação jurídica do crime de furto de uso de veículo (P. 244/23.7... - Apenso U) relativamente ao recorrente AA;
5. Da medida concreta das penas parcelares de prisão aplicadas aos recorrentes e eventual reformulação da pena única quanto a ambos, sendo a dos recorrente BB suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova;
6. Da redução do valor da indemnização fixada ao demandado AA; e
7. Da eventual absolvição do demandado BB do pagamento ao Estado português do valor de 9.879,72€.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
O acórdão recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos e com a seguinte motivação (transcrição na parte que interessa – sublinhados nossos para melhor compreensão):
«A) Matéria de Facto Provada:
Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados os seguintes factos com relevo para a boa decisão da causa:
Da acusação pública do processo principal:
P. 127/23.0... (Apenso B):
1. No dia ... de ... de 2023, a hora não concretamente apurada, o arguido AA introduziu-se no terreno agrícola sito na ..., na ..., e com recurso a um objecto cortante não concretamente apurado, cortou um número não concretamente apurado de plantas de milho, precoces, com cerca de 50 centímetros de altura, numa extensão de cerca de 200 metros quadrados de plantação, propriedade de EE, provocando um prejuízo de cerca de 200,00 €.
2. O arguido sabia que ao cortar as referidas plantas as danificava.
3. Actuou o arguido com o propósito concretizado de cortar e danificar as plantas de milho, apesar de saber que as mesmas não lhe pertenciam e que estava a agir contra a vontade do seu proprietário, resultado que representou.
4. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
P. 125/23.4... (Apenso A):
5. No dia ... de ... de 2023, em hora não concretamente apurada mas anterior às 16.00h, o arguido AA, trajando uma t-shirt de cor vermelha, apoderou-se do veículo de marca ..., ... T25 (Avensis), com a matrícula ..-..-VE, propriedade de FF, no valor de 4.000,00 €, que estava estacionado na ..., na freguesia da ... e conduziu o mesmo pela via ... até à cidade da ... para adquirir produto estupefaciente.
6. Pelas 16.45h, seguiu pela ..., na freguesia de ... em direcção à ....
7. Quando percebeu que o Agente da PSP GG, seguia no seu encalço, pelas 17.00h, o arguido, abandonou o veículo identificado junto ao ...”, sito na freguesia do ... e entrou num autocarro que partia daquele local em direcção à ....
8. Foi abordado no interior do autocarro pelo Agente da PSP HH e detido.
9. O arguido conduziu o veículo identificado, sem ser titular de carta de condução ou qualquer outro documento que o habilitasse para a prática de condução de veículos com motor.
10. O arguido conhecia as características do veículo a motor e a natureza da via pública em que circulava e sabia ainda que não podia conduzir veículos motorizados na via pública sem carta ou licença que o habilitasse a conduzir, emitida pela entidade oficial competente, não se abstendo ainda assim de praticar o exercício da condução, o que quis e logrou conseguir.
11. O arguido de forma livre, voluntária e consciente e tendo liberdade para agir de forma diferente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis pela lei penal.
P. 144/23.0... (Apenso T):
12. No período que decorreu entre as 10.00h do dia ... de ... de 2023 e a hora não concretamente apurada do dia ... de ... de 2023, os arguidos AA e BB formularam um plano entre ambos com vista a obter bens alheios com valor patrimonial existentes no ....
13. Em execução desse plano, deslocaram-se no veículo de marca Opel, ... corsa, de cor vermelho, com a matrícula ..-..-HJ, propriedade do arguido BB até à ... em ... área da ..., onde estacionaram.
14. De seguida, dirigiram-se, apeados, até ao ..., área da ..., e forçaram a fechadura de um janelão que dá acesso ao salão, acedendo, desta forma, ao seu interior.
15. No interior do salão, dirigiram-se a uma arrecadação e retiraram 1585 metros de fios e cabos eléctricos com bocais para lâmpadas, propriedade da ..., que estavam acondicionados dentro de duas barricas, e que eram utilizados para iluminar a via pública nas festividades da freguesia, no valor de 9.879,72 € (nove mil oitocentos e setenta e nove euros e setenta e dois cêntimos), os quais fizeram seus.
16. De seguida, abandonaram o local na posse daqueles objectos e deslocaram-se no veículo identificado.
17. Após, entregaram o cobre em valor não apurado ao arguido II que, em contrapartida, lhes entregou 1 grama de droga sintética.
18. Por sua vez, o arguido II, dirigiu-se ao à empresa “...”, sita na ..., e vendeu o cobre que lhes havia sido entregue pelos arguidos AA e BB, tendo recebido a quantia de 48,00€.
19. Os arguidos AA e BB agiram em comunhão e conjugação de esforços, no propósito de se apoderarem dos fios, cabos eléctricos e cobre que se encontravam no interior do salão paroquial, o que conseguiram, forçando a fechadura da janela que dava acesso aquele espeço, bem sabendo que aqueles lhes não pertenciam e que actuavam contra a vontade do seu legítimo dono.
20. Por sua vez, o arguido JJ, ao receber os fios e o cobre a troca de estupefaciente, estava perfeitamente ciente do modo como haviam sido obtidos pelos arguidos e que assim obtinha uma vantagem patrimonial indevida, o que representou e quis.
21. Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei e tinham a liberdade necessária para se determinarem de acordo com essa avaliação.
(…)
P. 160/23.2... (Apenso F) e acusação particular de CC:
29. Em datas não concretamente apuradas mas anteriores a ... de ... de 2023, o arguido AA, trabalhou para CC na exploração agrícola sita na ..., área da ..., conhecendo os veículos daquele e o seu modo de funcionamento.
30. Assim, em datas que infra se irão descrever, utilizou o veículo ligeiro de mercadorias (camião), de marca Mazda, ... 570, T3000, com a matrícula TN-..-.., propriedade daquele, sem o seu consentimento.
31. Para além do veículo, o arguido subtraiu ferramentas de trabalho da exploração, entre estas uma rebarbadora ..., no valor de 150,00€ e um berbequim de marca ..., de cor vermelha, no valor de 200,00€, durante o mês de ..., sem o consentimento ou autorização do ofendido, fazendo-as suas.
32. No dia ... de ... de 2023, pelas 7:00h, o arguido AA dirigiu-se aquela exploração agrícola sita na ..., e apropriou-se do veículo com a matrícula TN-..-.., propriedade de CC, sem o seu consentimento ou autorização.
33. De seguida, circulou com o veículo, pela ..., junto ao ...”, na freguesia dos ..., em sentido descendente e na ... junto ao acesso aos ..., sem ser titular de carta de condução ou qualquer outro documento que o habilitasse para a prática de condução de veículos com motor.
34. CC e o filho KK decidiram procurar o arguido e recuperar o veículo.
35. Assim, deslocaram-se no veículo com a matrícula AV-..-MM, e cruzaram-se com o arguido a conduzir o veículo identificado na estrada regional.
36. Por razões não concretamente apuradas, e de forma não concretamente apurada, ambos os veículos ocuparam a mesma faixa de rodagem.
37. CC e o filho conseguiram desviar-se, saindo da estrada e embatendo com a parte lateral do veículo no rail metálico da estrada.
38. O veículo que KK conduzia ficou danificado na parte lateral esquerda.
39. O arguido seguiu a sua marcha e quando chegou à ..., na ..., embateu com o veículo contra um muro, danificando-o e abandonando-o naquele local.
40. Após o embate, o arguido abandonou o local, encetando fuga apeado e dirigiu-se para casa dos pais sita naquela rua e que dista cerca de 200 metros do local onde se encontrava o veículo.
41. Com a sua conduta, o arguido provocou prejuízos no veículo com a matrícula TN-..-.., que se computam em pelo menos 4.200,00 € (quatro mil e duzentos euros).
42. Com a conduta descrita o arguido utilizou o veículo de CC, que subtraiu, na manifesta intenção de transitar com o mesmo, sabendo que o dono legítimo do mesmo não consentia em tal detenção e uso.
43. O arguido conhecia as características do veículo a motor e a natureza da via pública em que circulava e sabia ainda que não podia conduzir veículos motorizados na via pública sem carta ou licença que o habilitasse a conduzir, emitida pela entidade oficial competente, não se abstendo ainda assim de praticar o exercício da condução, o que quis e logrou conseguir.
44. Para além disso, agiu o arguido com o propósito de fazer suas as aludidas ferramentas (rebarbadora e berbequim), propriedade de CC, o que conseguiu, bem sabendo que aquelas não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do seu legítimo dono.
45. O arguido de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis pela lei penal.
P. 177/23.7... PBRGR (Apenso I) e acusação particular de CC:
46. No dia ... de ... de 2023, pelas 20.40h, o arguido AA, de modo não concretamente apurado, destrancou o veículo ligeiro de mercadorias, de marca Mazda, ... T3000, com a matrícula TN-..-.., propriedade de CC e que se encontrava estacionado na ..., e colocou-o em andamento, levando-o consigo.
47. O arguido conduziu o veículo identificado pela freguesia do ... e dirigiu-se até à freguesia dos ....
48. Pelas 21.30h, o arguido abandonou o veículo na ..., na freguesia dos ....
49. E, dirigiu-se para o interior das casas de banho públicas sitas na ..., freguesia dos ... que dista cerca de 250 metros do local onde se encontrava o veículo.
50. Foi abordado pela PSP naquele local.
51. O arguido conduziu o dito veículo sem ser titular de carta de condução ou qualquer outro documento que o habilitasse para a prática de condução de veículos com motor.
52. Com a conduta descrita o arguido utilizou o veículo do ofendido, que subtraiu, na manifesta intenção de transitar com o mesmo, sabendo que o dono legítimo do mesmo não consentia em tal detenção e uso e que actuava contra a vontade do seu legítimo dono.
53. O arguido conhecia as características do veículo a motor e a natureza da via pública em que circulava e sabia ainda que não podia conduzir veículos motorizados na via pública sem carta ou licença que o habilitasse a conduzir, emitida pela entidade oficial competente, não se abstendo ainda assim de praticar o exercício da condução, o que quis e logrou conseguir.
54. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.
P. 178/23.5... – (Apenso J):
55. No dia ... de ... de 2023, pelas 23.45h, o arguido AA dirigiu-se ao ..., sito na ..., propriedade de LL, com o intuito de aceder ao seu interior e apropriar-se de bens de valor patrimonial que ali encontrasse.
56. Para o efeito, muniu-se de uma pedra para utilizar no acesso do mesmo.
57. Chegado ao local, primeiro forçou a porta do consultório com o peso do corpo, tentando abrir a mesma.
58. No entanto, naquele momento, o arguido viu o veículo conduzido pelo Agente da PSP MM a circular naquele local e encetou fuga apeada.
59. O Agente seguiu no seu encalço e interceptou-o no cruzamento entre a ... e a ..., na ..., identificando-se como Polícia.
60. O arguido tinha uma pedra na mão que tentou esconder atrás de uma caixa de electricidade e duas pedras no interior dos bolsos dos calções que trajava.
61. No interior da clínica ... encontram-se substâncias opióides de uso ..., bem como outros produtos e equipamentos, cujo valor ascende a 50.000,00 €.
62. Ao agir do modo descrito, o arguido previu entrar no interior do referido estabelecimento, pese embora soubesse que aquele estabelecimento não lhe pertencia e que agia contra a vontade e sem autorização do dono.
63. Só não tendo subtraído nenhum objecto ou valor monetário na situação referida por motivos alheios à sua vontade, nomeadamente porque o Agente da PSP compareceu naquele local.
64. O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida.
P. 180/23.7... (Apenso K):
65. No dia ... de ... de 2023, pelas 07.00h, o arguido AA dirigiu-se à residência de NN, sita na ..., bateu com força na porta de entrada e gritou chamando por este diversas vezes no exterior da habitação.
66. NN veio à porta e viu que o arguido tinha uma faca na mão e perguntou-lhe o motivo para ter a faca na sua posse.
67. O arguido respondeu, em tom jocoso, que a mesma servia para limpar as unhas, pelo que lhe pediu para ir embora.
68. O arguido não acatou e permaneceu no local, gritando em tom alto.
69. OO, residente no n.º 23 daquela Rua veio à rua e pediu ao arguido para não gritar porque estava a perturbar o seu descanso e o do seu filho menor.
70. OO com receio do arguido disse-lhe que iria chamar a PSP e regressou à sua habitação.
71. Nessa sequência, o arguido dirigiu-se até ao veículo, de marca Peugeot, ... L, com a matrícula ..-TR-.., propriedade da ofendida e, com recurso à faca que estava na sua posse, cortou os dois pneus do lado esquerdo.
72. Com a sua conduta, o arguido causou um prejuízo a OO no valor de 152,00 €.
73. O arguido agiu com o propósito concretizado de danificar o veículo propriedade de OO, mesmo sabendo que o veículo não lhe pertencia e que com a sua conduta causava prejuízo patrimonial à sua legítima proprietária, o que representou, quis e logrou.
74. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punível pela lei penal.
P. 215/23.3... (Apenso N):
75. No dia ... de ... de 2023, entre as 00.00h e as 06.00h, o arguido AA, introduziu-se na pastagem sita na zona dos ..., e de modo não concretamente apurado, acedeu ao veículo ligeiro de mercadorias, de marca ..., ... Hillux, com a matrícula …-…-EA, propriedade de PP que se encontrava estacionado naquele local, e colocou-o em andamento, utilizando para o efeito, a ponta de uma tesoura que colocou na ignição do veículo.
76. De seguida, conduziu o veículo identificado daquele local até à freguesia da ..., para ir comprar produto estupefaciente.
77. Às 07.07h, o arguido chegou ao parque de estacionamento da cozinha económica, sita na ..., freguesia da ..., conduzindo o veículo identificado.
78. Nesse local, falou com um indivíduo e seguiu a sua marcha, saindo do parque, às 07.09h.
79. No entanto, às 07.31h regressa ao parque de estacionamento e estaciona o veículo no parque.
80. De seguida, às 07.44h, o arguido entra no veículo de marca Opel e cor vermelha, propriedade do arguido BB e abandona o veículo ... naquele local.
81. Os arguidos regressaram à ..., no veículo Opel.
82. O arguido conduziu o dito veículo sem ser titular de carta de condução ou qualquer outro documento que o habilitasse para a prática de condução de veículos com motor.
83. Com a conduta descrita o arguido utilizou o veículo do ofendido, que subtraiu, na manifesta intenção de transitar com o mesmo, sabendo que o dono legítimo do mesmo não consentia em tal detenção e uso e que actuava contra a vontade do seu legítimo dono.
84. O arguido conhecia as características do veículo a motor e a natureza da via pública em que circulava e sabia ainda que não podia conduzir veículos motorizados na via pública sem carta ou licença que o habilitasse a conduzir, emitida pela entidade oficial competente, não se abstendo ainda assim de praticar o exercício da condução, o que quis e logrou conseguir.
85. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.
P. 227/23.7... (Apenso P):
86. No dia ... de ... de 2023, entre as 00.00h e as 04.40h, o arguido AA aproximou-se do veículo, ... ..., Hillux, com a matrícula ..-..-RN, propriedade de QQ que se encontrava estacionado na freguesia da ..., com o intuito de se apropriar de bens alheios com valor patrimonial que se encontrassem no seu interior.
87. Assim, e na execução de tal plano, o arguido introduziu-se no dito veículo, de modo não concretamente apurado, e retirou do seu interior uma bolsa de couro preta que continha os seguintes objectos, a saber:
  • a quantia monetária de 250,00€ dividas em notas do BCE;
  • 1 anel em ouro amarelo, liso, sem qualquer inscrição no valor de 400,00€;
  • 1 aliança de casamento em ouro amarelo, com duas ranhuras em toda a extensão, no valor de 780,00€;
  • 1 anel em ouro com as iniciais “RR”, gravadas no topo do anel, avaliado em 1500,00€;
  • 1 cordão de fantasia em argolas, de valor não concretamente apurado;
  • 1 carta de condução do ofendido;
  • 1 cartão de cidadão do ofendido;
  • 1 cartão multibando no valor da ...;
  • 1 cartão de gasóleo agrícola;
  • 1 cartão de sócio da ...,
  • 1 Pen-drive;
  • 1 par de óculos, de marca ..., em plástico preto com as lentes riscadas, tudo no valor total de 2.930,00€ (dois mil novecentos e trinta euros).
88. Após o arguido abandonou o local, na posse daqueles objectos que fez seus.
89. Pelas 06.30h, o arguido dirigiu-se ao estabelecimento de restauração e bebidas denominado “...”, sito na ..., e exibiu as várias notas do BCE.
90. Mais entregou a SS, uma nota de 20,00€ e o cordão de fantasia que, por sua vez, entregou-os ao QQ.
91. Os anéis em ouro foram recuperados pelo QQ junto de terceiros, a quem o arguido entregou tais objectos.
92. O QQ entregou a quantia de 70,00€ (50,00€ por um anel e 20,00€ pelo segundo) para os recuperar.
93. O arguido agiu, no propósito de aceder ao interior do veículo e se apoderar dos objectos identificados supra que se encontravam no seu interior, o que conseguiu, bem sabendo que não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu legítimo dono.
94. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
P. 244/23.7... (Apenso U):
95. No dia ... de ... de 2023, pelas 17.00h, TT estava em prisão domiciliária na sua residência sita na ... quando lhe solicitaram que estacionasse o veículo de marca ..., ... Clio, com a matrícula ..-..-UA, do qual é proprietário, noutro local porque ali iria passar a procissão.
96. Como estava impedido, solicitou a UU que removesse o veículo para o parque de estacionamento da freguesia do ..., entregando-lhe a chave.
97. VV assim o fez, e devolveu a chave após estacionar o veículo, deixando trancado.
98. Após, no dia seguinte, a hora não concretamente apurada, o arguido AA dirigiu-se ao parque de estacionamento e aproximou-se do veículo identificado, com o objectivo de o colocar em funcionamento e o utilizar.
99. Assim, de modo não concretamente apurado, acedeu ao interior do veículo e arrancou o canhão da ignição, desforrou a consola debaixo do volante e tentou fazer uma ligação directa escarnando os fios, o que não conseguiu.
100. De seguida, empurrou o veículo do parque de estacionamento, pela via pública, até junto do campo de futebol, no ....
101. Após dirigiu-se a casa de VV e solicitou-lhe que o ajudasse a empurrar o veículo de novo para o parque de estacionamento.
102. Com a conduta descrita o arguido utilizou o veículo do TT, que subtraiu e utilizou na via pública, sabendo que o dono legítimo do mesmo não consentia em tal detenção e uso e que actuava contra a vontade do seu legítimo dono.
103. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.
Da acusação pública do P. 254/23.4... (Apenso W):
104. Em data e hora não exatamente apuradas, o arguido BB arquitetou um plano, assim como e quando perpetraria tais factos, de se introduzir no interior da residência do seu tio materno, WW, sita na ..., com o objetivo de aí retirar dinheiro ou outros objetos de valor.
105. Assim, em execução de tal desígnio, no dia ... de ... de 2023, cerca das 16h45, BB, trajando uma camisola de capuz e um lenço na cara, dirigiu-se apeado à residência id. em 104, propriedade do WW, introduziu-se no interior do seu logradouro, e dirigiu-se à porta da cozinha que estava fechada.
106. Ali chegado, com a força do seu corpo, o arguido forçou a porta, logrando abrir a mesma, após o que, por tal porta, introduziu-se no interior da residência, onde se encontrava somente o WW.
107. Em momento seguido, o arguido dirigiu-se para o quarto de dormir do WW, onde o mesmo se encontrava a descansar.
108. Acto continuo, o arguido BB empunhou uma réplica de revólver, em plástico, de cor preta, com 17 cm de comprimento, com que previamente se munira e apontou-a em direcção ao corpo do WW, ao mesmo tempo que verbalizou: “onde está o dinheiro?”.
109. O WW, disse a BB que não tinha dinheiro consigo, continuando o arguido a exigir-lhe a entrega de dinheiro.
110. De seguida, o arguido BB pegou no telemóvel de marca ..., ... Redmi, de cor preto, com o IMEI ..., com o valor de €119,98, que se encontrava pousado em cima da mesinha de cabeceira e retirou-se do local, levando-o consigo, fazendo-o seu.
111. O arguido não conseguiu levar o televisor que se encontrava no quarto, pois deixou-o cair, partindo o seu ecrã.
112. Ao agir do modo descrito, o arguido BB agiu com o propósito conseguido de se introduzir na habitação id. em 104, bem sabendo que não o podia fazer sem autorização do seu proprietário ou de quem ali estivesse, sabendo, ainda, que o objecto que dali retirou não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do respetivo dono.
113. Sabia o arguido BB que tal residência se encontrava fechada, não sendo ele possuidor de chave, que a porta da cozinha estava fechada, e que, ao entrar ali, o fazia sem a autorização do seu dono, por forma ilegítima e mediante o arrombamento da porta da cozinha, o que representou e quis.
114. Quis, ainda o arguido BB empregar, para o efeito, a força física e a ameaça através de uma réplica de arma de fogo, logrando intimidar WW, e compeli-lo a não reagir e suportar a privação dos referidos bens, consciente de que dessa forma conseguiria os seus intentos, o que concretizou.
115. O arguido BB, ao exibir uma réplica de arma de fogo, nos termos descritos, com a mesma incutiu uma séria ameaça de perigo eminente para a vida e integridade física de WW,, o qual, perante esta advertência e ficando receoso de que o arguido logo ali usasse a referida arma, caso não lhe entregasse dinheiro ou bens de valor, não ofereceu qualquer resistência, tendo conseguido, dessa forma, os seus intentos.
116. O arguido BB procedeu de acordo com o que tinha decidido e queria, sabendo que tal conduta era proibida e punida pela lei penal.
117. Agiu o arguido de forma livre, voluntária e consciente, sabendo perfeitamente que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Do pedido de indemnização civil de CC:
118. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido AA e descrita em 30 a 54, CC ficou incomodado e em sobressalto emocional pelo facto de ter sido privado do seu veículo e o que poderia acontecer ao mesmo designadamente a sua possível destruição ou desaparecimento total, o que o enervou e incomodou.
119. Por outro lado, CC sofreu transtornos nas suas rotinas diárias da sua actividade de lavrador, uma vez que deixou de poder usar o veículo de que esteve desapossado para o transporte de erva, fardos, água e de utensílios próprios da lavoura.
120. O demandante ficou também privado de uma rebarbadora ..., no valor de 150,00 € e de um berbequim de marca ..., de cor vermelha, no valor de 200,00 €.
121. Em consequência directa, necessária e adequada da conduta do demandando e descrita em 30 a 54, o demandante sofreu prejuízos na sua viatura com a matrícula TN-..-.. no valor de pelo menos 4.200,00 € (quatro mil e duzentos euros).
Da perda de vantagens a favor do Estado:
128. O arguido AA subtraiu aos seus legítimos proprietários e integrou no seu património os objectos supra identificados em 15, 31 e 87.
129. Não é possível obter a recuperação em espécie dos fios e cabos eléctricos no valor de 9.879,72€, da rebarbadora no valor de 150,00€, do berbequim no valor de 200,00€, das quantias monetárias de 250,00€, do par de óculos e dos cartões bancários de valor aproximado de 50,00€ que o arguido se apropriou.
130. O arguido BB subtraiu aos seus legítimos proprietários e integrou no seu património os fios e cabos eléctricos supra identificados em 15.
131. Não é possível obter a recuperação em espécie dos fios e cabos eléctricos no valor de 9.879,72€ que o arguido se apropriou.
132. O arguido XX subtraiu aos seus legítimos proprietários e integrou no seu património o combustível identificado supra em 24.
133. Não é possível obter a recuperação em espécie do combustível no valor de 360,00 € que o arguido se apropriou.
134. Acresce que o arguido XX vendeu o cobre que lhe foi entregue e recebeu da sucateira de 48,00€, montante que não foi possível garantir a sua apropriação em espécie.
Dos antecedentes criminais do arguido AA:
135. Por sentença proferida em ........2017, e transitada em julgada em ........2017, no âmbito do Processo Sumaríssimo n.º 1954/16.0..., que correu termos em Ponta Delgada, foi o arguido AA condenado pela prática, em ........2016, de 1 (um) crime de ameaça agravada, na pena de 100 dias de multa á taxa diária de 5,00 €, extinta pelo pagamento.
136. Por sentença proferida em ........2021, e transitada em julgada em ........2021, no âmbito do Processo Sumaríssimo n.º 249/20.0..., que correu termos na ..., foi o arguido AA condenado pela prática, em ........2020, de 1 (um) crime de ameaça agravada, na pena de 120 dias de multa á taxa diária de 5,50 €, extinta pelo pagamento.
137. Por sentença proferida em ........2023, e transitada em julgada em ........2023, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 68/22.9..., que correu termos na ..., foi o arguido AA condenado pela prática, em ..., de 2 (dois) crimes de violência doméstica, na pena única de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova.
138. Por acórdão proferido em ........2024, e transitado em julgado em ........2024, no âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 273/23.0..., que correu termos em Ponta Delgada, foi o arguido AA condenado pela prática, em ........2023, de 2 (dois) crimes de dano, na pena única de 2 (dois) anos de prisão.
Da situação pessoal, familiar, profissional e económica do arguido AA:
139. À data da prática dos factos supra, AA integrava o agregado de origem, constituído pelo próprio, o progenitor, de 52 anos de idade, ..., e a progenitora de 57 anos de idade, doméstica, e pela avó materna do arguido, idosa com 93 anos de idade que se encontrava acamada.
140. O arguido é o elemento mais novo de uma fratria de dois elementos.
141. O processo de desenvolvimento do arguido decorreu no seio de uma família de modesta condição socioeconómica e cultural.
142. AA integrou o sistema de ensino em idade própria, concluiu o 8.º ano de escolaridade, sendo o seu percurso escolar marcado por dificuldades de aprendizagem, vindo a ser-lhe diagnosticado, por volta dos 14 anos de idade a Perturbação de Tourette (Síndrome de Gilles de la Tourette), doença psiquiátrica que segundo o próprio, o fazia passar por períodos de maior agitação nervosa, com necessidade de toma medicamentosa diária, passando a beneficiar de acompanhamento da especialidade da pedopsiquiatria.
143. Pese embora durante a adolescência, AA efetuasse a toma medicamentosa, passou a consumir substâncias canabinoides.
144. Durante a adolescência AA beneficiou de uma medida de acolhimento no âmbito de promoção e protecção, onde permaneceu durante cerca de um ano.
145. Essa institucionalização deveu-se à fraca assiduidade escolar do arguido, consumo de canabinoides, e fraca obediência a regras e limites impostas pelas figuras parentais, tendo posteriormente integrado novamente agregado de origem.
146. Quando atingiu a maioridade, deixou de ter acompanhamento de pedopsiquiatria no ..., transitando para a consulta externa do ... e desde então, AA deixou de ser assíduo às consultas médicas, abandonou a terapêutica prescrita.
147. No início do ano ..., AA passou a consumir as novas substâncias psicoativas.
148. Em termos profissionais, até à data, nunca conseguiu consolidar qualquer projeto laboral, ainda que tenha experiências no sector agropecuário.
149. AA aparenta fracas competências pessoais e sociais, nomeadamente ao nível do pensamento consequencial, resolução de problemas, autocontrolo e gestão das emoções, tendendo a agir de forma impulsiva quando contrariado, cenário que se agrava quando se apresente com consumos activos de substâncias psicoativas.
150. AA foi à ordem do Proc. 68/22.9... sujeito à intervenção judicial desde ........2022, altura em que lhe foram aplicadas as medidas de coacção de tratamento à problemática da toxicodependência e proibição de contactos dos pais, pelo que, nessa altura foi recebido em casa da sua irmã, YY.
151. Nessa altura, o arguido viria a ser internado na Clínica ... a ........2022, o qual abandonou no dia seguinte. Perante o incumprimento daquelas medidas de coacção, a ........2022 foi aplicada a sua prisão preventiva, vindo a ser restituído à liberdade a ........2023, após leitura de sentença, altura em que regressou ao agregado de origem.
152. Até ocorrer essa reclusão, o arguido mantinha o consumo de substâncias estupefacientes.
153. Após trânsito em julgado daquela condenação (........2023), AA passou a esta vinculado a medida de carácter probatório, sendo novamente encaminhado para a ..., para a qual já havia sido encaminhado aquando da sua prisão preventiva, contudo, devido à fraca adesão na altura não foi possível qualquer intervenção clínica.
154. A conduta do arguido no decurso do ano de ... manteve-se semelhante àquela registada em ... e nessa sequência foi preso preventivamente no dia ........2023, indiciado da mesma tipologia de crime em relação aos pais, com os quais ficou proibido de contactar.
155. Conforme despacho judicial à ordem desse processo foi alterada a de medida de coacção de prisão preventiva, e a Direção-Geral estabeleceu a articulação com a ... e nessa sequência, tendo o arguido sido acolhido no ..., a ........2023.
156. AA foi revelando dificuldades em cumprir as regras do acolhimento (cumprimento de horário e abstinência aditiva) culminando no abandono da valência, informando que iria para casa da irmã, o que não aconteceu, mantendo-se na condição de sem abrigo até ser novamente preso preventivamente em dia ........2023 à ordem dos presentes autos – Proc. 23/21.6... –, tendo entretendo sido alterada a medida de coação para obrigação de tratamento.
157. Assim a ........2023 retomou a intervenção da ..., sendo sujeito a avaliação médica com vista a ser possível integrar programa terapêutico em território continental, estando desde então a serem realizados os procedimentos necessários para ser possível ao arguido beneficiar do apoio para o efeito, caso cumpra critérios, nomeadamente por parte da Direção Regional de Prevenção e Combate às Dependências e Instituto de Segurança Social dos Açores (...).
158. Assim no decurso dessas diligências deu entrada na ..., onde se esteve internado desde o dia ........2024.
159. Aí fez a fase inicial do tratamento programado – denominada fase de contemplação – tendo abandonado a instituição e retomada a medida de coação de prisão preventiva a ... de ... de 2024.
160. Após foi ligado aos autos 273/23.0..., para cumprimento de 2 anos de pena de prisão, a qual se encontra a cumprir desde ... de ... de 2024.
Dos antecedentes criminais do arguido BB:
161. Por sentença proferida em ........2012, e transitada em julgada em ........2012, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 9/11.9..., que correu termos na ..., foi o arguido BB condenado pela prática, em ........2010, de 1 (um) crime de abuso sexual de crianças, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, extinta nos termos do artigo 57.º do C.P..
162. Por sentença proferida em ........2023, e transitada em julgado em ........2023, no âmbito do Processo Comum Singular n.º 190/20.6..., que correu termos na ..., foi o arguido BB condenado pela prática, em ........2020, de 2 (dois) crimes de violência doméstica, na pena única de 2 anos e 4 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova.
163. Por sentença proferida em ........2024, e transitada em julgado em ........2025, no âmbito do Processo Sumaríssimo n.º 332/23.0..., que correu termos na ..., foi o arguido BB condenado pela prática, em ........2023, de 1 (um) crime de ameaça agravada, na pena de 120 dias de multa.
Da situação pessoal, familiar, profissional e económica do arguido BB:
164. Em ... BB encontrava-se a residir há cerca de cinco meses em casa do seu tio materno, DD, sita à ....
165. A integração neste agregado familiar aconteceu depois do arguido ser confrontado com a condição de sem abrigo, na qual se encontrava, pelo menos desde ..., em resultado da aplicação da medida de coação de proibição de contactos do arguido com os pais (Proc.107/22.3...).
166. Nessa altura, encontrava-se com consumos das Novas Substâncias Psicoativas e estava em incumprimento da terapêutica psiquiátrica, culminando num quadro de elevada descompensação mental.
167. Pese embora no final do ano passado tenha beneficiado do apoio desse tio materno, BB continuou a gerir o seu quotidiano em função das necessidades imediatas de consumo de substâncias ilícitas, vindo a sua conduta a ter repercussões em seio familiar, tendo como consequência a sua saída desse agregado, voltando à condição de sem abrigo.
168. Em ... do ano passado, dada a pressão exercida pelo arguido junto dos pais no sentido de ser acolhido, estes familiares decidiram autorizar a sua permanência em anexo à habitação dos pais (altura em que já havia sido extinta a medida de coacção acima referida).
169. Contudo, o arguido manteve um percurso desajustado, revelando fraca adesão à intervenção dos serviços, mantendo o consumo de drogas sintéticas, contexto do qual foi dado conhecimento aos autos Proc.190/20.6..., no qual se encontra condenado e sujeito à intervenção da ... em medida de caracter probatório.
170. Quando foi advertido judicialmente à ordem do referido processo judicial (........2023), o arguido estava a beneficiar do apoio de ZZ, empresário no setcor da agropecuário e residente na freguesia da ...), que permitiu que pernoitasse em armazém situado em propriedade agrícola situado naquela freguesia, no Lugar dos Barreiros, onde se manteve cerca de três meses, inserido laboralmente, auferindo o salário mínimo regional.
171. Contudo, a reincidência aditiva do arguido resultou num quadro de descompensação mental e nessa sequência foi expulso daquele espaço e, entretanto, a ........2024, ocorreu o seu internamento no ... decorrente de um “contexto de crise pautada por instabilidade emocional e comportamental e com objetivo de estabilização comportamental, regularização dos sonos, com vista a procurar interromper ciclo de comportamentos autolesivos” sic.
172. Nessa sequência, foi transferido para a Clínica ... a ........2024, para realizar processo de desintoxicação, tendo para o efeito manifestado a sua concordância.
173. Porém, BB viria a abandonar a instituição terapêutica e ficou na condição de sem abrigo, na zona de residência dos pais, continuando a gerir o seu dia a dia em função das suas necessidades de consumo, recorrendo diariamente a casa dos pais, que lhe continuam a assegurar a sua subsistência ainda que não permitam a sua entrada na residência.
174. O arguido BB nos últimos anos tem beneficiado do acompanhamento psiquiátrico, o qual vem sendo interrompido devido à recaída no consumo das novas substâncias psicoativas.
175. No que diz respeito à medicação psiquiátrica (injetável), e uma vez que o arguido não dispunha de condições para se deslocar ao ..., essa supervisão passou a ser efectuada, a partir do ..., pela ....
176. A nível aditivo, BB é consumidor de substâncias canabinoides desde tenra idade, passando a ser consumidor regular de substâncias opiáceas (heroína) no início da idade adulta, registando algumas tentativas de reabilitação, tanto em regime ambulatório como em regime de internamento, no entanto, sem impacto na mudança dos seus hábitos aditivos.
177. Nesse âmbito, perante a intervenção da ... por ordem judicial, BB, à data da alegada prática dos factos, beneficiava do acompanhamento da ... há cerca de três anos, contudo, sem os resultados desejados devido à fraca adesão do arguido bem como dificuldades dos serviços em chegar ao contacto com o próprio atendendo à sua condição de elevada vulnerabilidade social em que se tem mantido.
178. Perante esse contexto, a ... cessou a intervenção no mês de ....
179. BB sofre de uma Perturbação relacionada com o uso de psicoestimulantes desde ... (de momento em abstinência), agravada por traços disfuncionais da personalidade (impulsividade e desregulação emocional), e de uma Perturbação Afectiva Bipolar, desde ....
180. À data dos factos, não se registam alterações do humor ou sintomas psicóticos, intensos e pervasivos, que preencham critérios compatíveis com a agudização de uma Perturbação afetiva ou psicótica primária, mas antes um padrão de sintomas frustres e temporários, que se iniciam e evoluem em paralelo com os consumos de NSP’s.
181. Á data dos factos e ainda que sob efeito de substâncias psicoestimulantes, essa circunstância não alterou a sua capacidade de ajuizar ou de se determinar, verificando-se uma sequencia comportamental organizada e motivada, dirigidas a um beneficio próprio, ajustada e regulada por este, mantendo conservada a capacidade de ajuizar critica e moralmente o acto, não se identificando motivações psicóticas ou desorganização comportamental que indicie um compromisso da compreensão da realidade e determinação de acordo com esta .
182. O arguido BB apresenta uma memória organizada e de onde se podem extrair motivações lógicas, um planeamento prévio adequado e direcionado, sem evidencia de disfuncionalidade antes, durante ou depois dos episódios da sua vida, mantendo sempre um comportamento organizado, e enquadrável no perfil conhecido.
183. No momento da prática dos factos supra o arguido BB estava em concreto capaz de se avaliar e de se determinar de acordo com a sua própria avaliação, mantendo a consciência da ilicitude dos actos que praticava.
184. Actualmente BB sofre de Perturbação relacionada com o uso de Psicoestimulantes e de Perturbação Afectiva Bipolar, encontrando-se de momento abstinente e psicopatologicamente estável.
(…)
B) Matéria de Facto Não provada:
Não se provaram quaisquer outros factos que não aqueles que acima foram referidos, nomeadamente que:
(…)
P. 160/23.2... e acusação particular do assistente CC (Apenso F):
g) O arguido AA trabalhou apenas alguns dias para CC.
h) As utilizações do veículo descritas em 30 eram para se deslocar à zona da ... para comprar produtos estupefacientes.
i) A subtração das ferramentas mencionadas em 31 ocorreu num período temporal além do mês de ..., nomeadamente até ....
j) Os factos descritos em 32 ocorreram às 19:30h.
k) O cruzamento de veículos entre o arguido e CC e o filho KK ocorreu junto ao nó de acesso à ... e próximo do Ramal de acesso à zona da ....
l) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 36 o arguido AA ao visualizá-los imprimiu mais velocidade no veículo que conduzia e mudou a direcção do veículo para a esquerda ocupando a via onde aqueles circulavam, de modo a provocar um embate frontal entre os dois veículos.
m) Com a sua conduta, o arguido provocou prejuízos no veículo com a matrícula TN-..-.., superiores a 4.200,00 €.
n) O arguido sabia que conduzia um veículo com um peso bruto de cerca de 3.500 kg, e que ao mudar de direcção, ocupar a via onde circulavam CC e o filho KK e imprimir velocidade, os constrangia a mudar de hemifaixa de forma a evitar a colisão frontal entre os dois veículos automóveis.
o) O arguido estava ciente que o seu comportamento fez CC e o filho KK temerem quer pela sua integridade física, pela sua vida, pelo seu património, bem assim, para lhe condicionar a liberdade de acção, determinação e paz individual, o que conseguiu e representou.
P. 177/23.7... PBRGR (Apenso I) e da acusação particular do assistente CC:
p) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 46 o arguido AA levou o veículo para ir comprar produto estupefaciente.
q) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 49 a freguesia sita nos ....
r) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 49 o arguido AA foi consumir produto estupefaciente.
(…)
Do pedido de indemnização civil do demandante CC:
sss) Em consequência directa, necessária e adequada da conduta do demandando AA e descrita em 30 a 54, o demandante CC sofreu prejuízos na sua viatura com a matrícula TN-..-.. no valor somado superior a 4.200,00 €.
ttt) O demandante CC não foi ressarcido do valor dos bens subtraídos e descritos em 31.
(…).
C) Motivação da Decisão de Facto:
C.1. Considerações Gerais:
(…).
C.2. Elenco das Provas Valoradas:
Atendeu-se à seguinte prova:
C.2.1. – Prova por declarações dos arguidos:
Os arguidos AA e II, presentes em audiência de julgamento, prestaram declarações sobre alguns dos factos que lhes são imputados, sendo que sobre outros remeteram-se ao silêncio.
Por sua vez, os arguidos BB e AAA, regularmente notificados, não compareceram às primeiras sessões da audiência de julgamento, não se tendo considerado absolutamente indispensável à boa decisão da causa e descoberta da verdade material a sua presença. Apresentaram-se na última sessão de julgamento, não tendo prestado declarações.
C.2.2. – Prova por declarações do assistente/demandante:
O assistente/demandante CC prestou declarações sobre os factos dos P. 160/23.2... e P. 177/23.7... – apensos F e I respectivamente –, e bem assim sobre o pedido de indemnização civil que formulou. Atendeu-se ainda às declarações de BBB, legal representante da demandante ..., que falou sobre os factos do P. 157/23.2... – apenso D – e do pedido de indemnização civil da demandante.
C.2.3. – Prova pericial:
Valorou-se a seguinte prova pericial:
  • P. 125/23.4... (apenso A): o relatório pericial n.º ... de fls. 51 a 57;
  • P. 177/23.7... PBRGR (apenso I): o relatório pericial n.º ... de fls. 51 a 56;
  • P. 215/23.3... PBRGR (apenso N): o relatório pericial n.º ... de fls. 67 verso e 70;
  • P. 175/23.0... PBRGR (apenso H): o relatório pericial n.º ... de fls. 56 verso a 59.
C.2.4. – Prova por depoimento testemunhal:
Atendeu-se ao depoimento das seguintes testemunhas da acusação:
  • P. 127/23.0... (apenso B): CCC (lavrador e que trabalha o terreno identificado nesse apenso) e SS (lavrador, primo do arguido AA e conhecido dos demais arguidos);
  • P. 125/23.4... (apenso A): DDD (proprietário do veículo ... ... T25 Avensis, matrícula ..-..-VE) e GG, (agente da P.S.P.);
  • P. 144/23.0... (apenso T): EEE (vizinho do ...), FFF e GGG (que utilizavam o material que estava no interior do ...);
  • P. 157/23.2... (apenso D): HHH (agente da P.S.P.);
  • P. 160/23.2... (apenso F), da acusação particular e do pedido de indemnização civil: KK (filho do assistente CC) e III (conhecido do arguido e do assistente CC por serem da mesma freguesia);
  • P. 177/23.7... (apenso I), da acusação particular e do pedido de indemnização civil: JJJ (esposa do assistente CC); HHH (agente da P.S.P.); KKK (lavrador);
  • P. 178/23.5... (apenso J): LLL (proprietária do consultório ...) e MM (agente da P.S.P.);
  • P. 180/23.7... (apenso K): MMM (queixosa) e KK;
  • P. 185/23.8... (apenso L): SS e NNN (representante da empresa ... e ...);
  • P. 215/23.3... (apenso N): OOO (proprietário do veículo de marca ..., ... Hillux, com a matrícula ..-..-EA) e PPP (irmão do proprietário do veículo);
  • P. 227/23.7... (apenso P): QQQ (proprietário do veículo, ... ..., Hillux, com a matrícula ..-..-RN) e SS;
  • P. 235/23.8... (apenso Q): RRR (proprietário do tractor agrícola) e SS;
  • P. 244/23.7... (apenso U): SSS (proprietário do veículo de marca ..., ... Clio, com a matrícula ..-..-UA) e VV (vizinho de SSS e do arguido AA);
  • P. 820/23.8... (apenso V): TTT (proprietário do veículo de marca ..., ... Corolla, com a matrícula ..-..-AR);
  • P. 175/23.0... (apenso H): UUU (agente da P.S.P.);
  • P. 254/23.4... (apenso W): VVV (tio do arguido BB) e WWW (agente da P.S.P.).
C.2.5 – Prova por documentos:
No caso concreto, analisaram-se os seguintes documentos:
  • P. 125/23.4... (apenso A): auto de apreensão n.º 1, de fls. 8; auto de exame e avaliação n.º 1, de fls. 9; pesquisa de IMT, de fls. 26; relatório de inspecção judiciária n.º 323/2003 de fls. 45 a 49; registo de propriedade do veículo com a matrícula ..-..-VE, de fls. 355 (do processo principal);
  • P. 144/23.0... (apenso T): orçamento de fls. 16; reportagem fotográfica de fls. 24; factura\recibo n.º FS 150FC2023/615, emitida em nome do arguido II fls. 32; guia electrónica de acompanhamento de resíduos, emitida em nome do arguido II fls. 33;
  • P. 160/23.2... (apenso F), da acusação particular e do pedido de indemnização civil: consulta de veículo de fls. 19; termo de consentimento de visualização de SMS e auto de transcrição de e mensagens, do telefone pertencente a JJJ de fls. 26 a 29; registo de propriedade do veículo com a matrícula TN-..-.., de fls. 356 (do processo principal); e registo de propriedade do veículo com a matrícula AV-..-MM, de fls. 357 (do processo principal); e documentos juntos a ref. 5645232, de ........2024.
  • P. 177/23.7... (apenso I), da acusação particular e do pedido de indemnização civil: auto de apreensão de fls. 33; relatório de inspecção judiciária n.º 397/... e reportagem fotográfica, de fls. 41 e 42; registo de propriedade do veículo com a matrícula TN-..-.., de fls. 356 (do processo principal); e documentos juntos a ref. 5645232, de ........2024.
  • P. 178/23.5... (apenso J): auto de apreensão n.º 1, de fls. 6; auto de denúncia de fls. 7;
  • P. 180/23.7... (apenso K): registo de propriedade do veículo com a matrícula ..-TR-.., de fls. 359 (do processo principal);
  • P. 185/23.8... (apenso L): auto de apreensão n.º 1, de fls. 28;
  • P. 215/23.3... (apenso N): reportagem fotográfica de fls. 11; auto de apreensão de fls. 12; auto de apreensão n.º 2, de fls. 14; relatório de inspecção judiciária n.º 467/... e reportagem fotográfica; auto de visionamento das imagens de CCTV, de fls. 53 a 60, DVD da contracapa e registo de propriedade do veículo com a matrícula ..-..-EA de fls. 360 (do processo principal);
  • P. 227/23.7... (apenso P): reportagem fotográfica de fls. 25; auto de apreensão n.º 1, de fls. 31;
  • P. 244/23.7... (apenso U): registo de propriedade do veículo com a matrícula ..-..-UA, de fls. 361 (do processo principal).
  • P. 820/23.8... (apenso V): auto de apreensão n.º 1, de fls. 5; reportagem fotográfica de fls. 7; relatório de Inspecção Judiciária n.º 512/... e fotogramas de fls.23 a 27;
  • P. 175/23.0... (apenso H): auto de apreensão n.º 1, de fls. 34; auto de apreensão n.º 2, de fls. 35; relatório de inspecção judiciária n.º 393/... de fls. 40 a 44;
  • P. 254/23.4... (apenso W): fatura de fls. 19; auto de apreensão de fls. 21; auto de reconhecimento de objeto de fls. 23; termo de entrega de fls. 24; auto de apreensão de fls. 25; auto de exame e avaliação de objetos de fls. 55.
C.3. Apreciação crítica da prova:
(…)
Aqui chegados, descendo ao caso dos autos, o Tribunal valorou a seguinte prova:
P. 127/23.0... (Apenso B): factos provados dos pontos 1 a 4 e não provados das alíneas a) e b):
O arguido AA prestou declarações sobre estes factos, negando-os perentoriamente. A testemunha CCC – explorador agrícola do terreno identificado nos autos – referiu que em ... se deparou com uma área de plantação de milho destruída, numa extensão de cerca de 200 metros, o que lhe causou um prejuízo de pelo menos 200,00 €. A testemunha SS, primo do arguido e conhecido do explorador do terreno, confirmou com seriedade e imparcialidade que nesse mesmo dia (sem precisar a hora) viu o arguido AA a cortar pés de milho daquele terreno e a deixá-los no exterior do mesmo. Assim, não restam dúvidas ao Tribunal sobre a autoria destes factos pelo arguido nos termos que se deram como provados e não provados.
P. 125/23.4... PBRGR (Apenso A): factos provados dos pontos 5 a 11 e não provados da alínea c):
O arguido AA prestou declarações sobre estes factos, referindo que conduziu aquele veículo a pedido do seu proprietário num caminho/canada e numa extensão de cerca de 50 metros, deixando o veículo no local. Esta versão foi contrariada pelo depoimento honesto e sincero da testemunha DDD o qual, não obstante ter desistido da queixa que apresentou contra o arguido, declarou que não autorizou o arguido a conduzir o seu veículo e que o viu nas proximidades do mesmo antes do seu desaparecimento. A par deste depoimento atendeu-se ao declarado pela testemunha GG, agente da P.S.P., que naquelas circunstâncias de tempo e lugar circulava com a sua viatura, à civil, na via pública, e cruzou-se com o arguido quando este conduzia o dito veículo. Após, e porque sabia que o arguido não era portador de carta de condução, foi no seu encalço e deparou-se com o veículo que ele conduzia estacionado perto da casa de uma irmã do arguido. Referiu que o arguido acabou por ser interceptado pela polícia no interior de um autocarro (o que nesta parte foi corroborado pelo arguido). Atendeu-se ainda à prova documental e pericial que consta do apenso: auto de apreensão n.º 1 de fls. 8 (do veículo de marca ..., ... T25 (Avensis), com a matrícula ..-..-VE), auto de exame e avaliação n.º 1 de fls. 9 (do veículo), pesquisa de IMT de fls. 26 (confirma que o arguido não é portador de carta de condução), relatório de inspecção judiciária n.º 323/2003 de fls. 45 a 49, conjugado com o relatório pericial n.º ... de fls. 51 a 57 (vestígio lofoscópico do arguido recolhida na face exterior da porta da frente do lado direito) e do processos principal a fls. 355, mais precisamente o registo de propriedade do veículo com a matrícula ..-..-VE.
P. 144/23.0... (Apenso T) e da perda de vantagens deduzida pelo Ministério Público: factos provados dos pontos 12 a 21, 128, 129, 130 e 131 e não provados das alíneas d) e), e vvv):
Os arguidos AA e II prestaram declarações. O arguido BB remeteu-se ao silêncio.
Assim, o arguido AA confessou estes factos, dizendo que os praticou em comunhão de esforços e intentos com BB, com recurso à viatura propriedade deste último, de cor vermelha. Confrontado com fotos de fls. 24 do apenso confirmou o local por onde entraram no ..., explicando que não saltaram nenhum muro e que não partiram o vidro do janelão (apenas forçaram a sua fechadura). Confirmou o material que subtraíram e a sua posterior entrega em casa do II (não descrevendo qualquer deslocação a terreno agrícola para derreter o revestimento plástico, o que também não foi dito por mais ninguém).
Por sua vez, o arguido II confessou que os arguidos AA e BB se deslocaram à sua residência e entregaram-lhe aquele cobre em troca de 1 grama de sintética, cobre esse que depois vendeu à ... pelo preço de 48,00 €.
As testemunhas FFF e GGG confirmaram o local de onde foram retirados os bens e o valor dos mesmos, corroborando a versão do arguido AA quanto ao vidro que já se encontrava partido.
A testemunha EEE, vizinho do ..., confirmou que viu o arguido AA a retirar bens do interior daquele espaço na companhia de outra pessoa (que não conseguiu identificar) e que se fazia deslocar num carro vermelho.
A par, neste apenso, analisou-se o orçamento de fls. 16 (no valor de 9.879,72 €), a reportagem fotográfica de fls. 24, a factura\recibo n.º FS 150FC2023/615 da ..., no valor de 48,00 €, emitida em nome do arguido II fls. 32; guia electrónica de acompanhamento de resíduos, emitida em nome do arguido II fls. 33.
Quanto ao arguido BB, conjugando toda a prova produzida (testemunhal, documental e as declarações de co-arguidos, que podem ser valoradas tendo em conta as regras da experiência e a livre convicção, e são válidas, in casu, de acordo com os artigos 125.º, 126.º, 127.º 345.º todo do C.P.P.), o Tribunal não fica com quaisquer dúvidas sobre a sua intervenção no modo como fez.
Quanto à vantagem patrimonial dos arguidos AA e BB atendeu-se ao que disseram as testemunhas e bem assim à prova documental atrás referida. Já quanto à vantagem patrimonial do arguido II a mesma corresponde apenas ao valor que recebeu pelo cobre vendido à ..., no valor de 48,00 €.
Os factos não provados resultam da ausência de prova sobre a matéria.
P. 157/23.2... PBRGR (Apenso D), do pedido de indemnização civil da demandante ... e da perda de vantagens deduzida pelo Ministério Público: factos provados dos pontos 22 a 28, 122 a 127, 132, 133 e não provados da alínea f) e uuu):
O arguido II prestou declarações sobre estes factos. O arguido AA remeteu-se ao silêncio.
Assim, II confessou parcialmente os factos, afirmando que foi convencido por AA a deslocar-se àquele local de onde acabou por, conjuntamente com ele, retirar 4 bidões de 20 litros, cada um, de gasóleo. Por sua vez, o demandante XXX responsável pela empresa, não obstante não ter assistido aos factos confirmou com segurança e muito pormenor o que efectivamente foi dali retirado naquelas circunstâncias de tempo. Assim afirmou que o que foi retirado foram 250 litros de gasóleo que estavam no interior dos 4 tractores. Mais explicou que o gasóleo em causa era gasóleo rodoviário, cujo valor rondava o 1,20 € o litro.
Neste caso concreto, não obstante as declarações do coarguido II as quais, como já atrás expusemos, podem ser valoradas livremente pelo Tribunal, o certo é que não temos qualquer outro meio de prova que sustente esta versão, pelo que in casu ficamos com dúvidas sobre a intervenção do arguido AA, razão pela qual a damos como não provada. Diga-se, aliás, que o depoimento da testemunha HHH, agente da P.S.P., sobre esta matéria, em nada ajudou o Tribunal a formar qualquer convicção sobre a autoria dos factos, nem a informação que consta de fls. 14 desse apenso.
Quanto aos factos provados e não provados inerentes ao pedido de indemnização civil e à vantagem patrimonial dos arguidos II e AA valorou-se a prova nos exactos termos como acabamos de expor.
P. 160/23.2... (Apenso F), P. 177/23.7... PBRGR (Apenso I), acusação particular e pedido de indemnização civil formulado pelo assistente/demandante CC e do pedido de perda de vantagens deduzida pelo Ministério Público: factos provados dos pontos 29 a 45, não provados das alíneas g) a o), factos provados dos pontos 46 a 54 e não provados das alíneas p) a r), factos provados dos pontos 118 a 121 e não provados das alíneas sss) e ttt):
O arguido AA prestou declarações sobre os factos do P. 160/23.2..., esclarecendo que trabalhou para CC durante muito tempo e não apenas alguns dias, o que veio a ser corroborado pelo assistente e pelo seu filho, YYY. Confessou a subtracção do veículo com a matrícula TN-..-.. no dia ... de ... de 2023, pelas 7h00m, e bem assim que se cruzou com o assistente e o filho na ..., negando que fosse ele que invadisse a faixa de rodagem contrária – referiu que foram os outros que o fizeram. Negou que tivesse embatido com o veículo no muro. Por sua vez, o assistente CC e o seu filho KK disseram que naquele dia de manhã deram por falta do veículo TN-..-.., foram à sua procura cruzaram-se com o arguido quando o mesmo conduzia o referido veículo na Estada Regional, sendo que quase embateram (não fosse o filho desviar-se). Referiram que o carro veio a ser encontrado nos ... apresentado vários danos, com marcas de ter embatido no muro. A testemunha III, conhecido do arguido, do assistente e do seu filho, confirmou que viu o arguido a circular com aquela viatura junto do café .... Assim, quanto ao furto do veículo e à sua condução por parte do arguido não temos quaisquer dúvidas sobre a matéria. Atendeu-se ainda à consulta de veículo de fls. 19, registo de propriedade do veículo com a matrícula TN-..-.. de fls. 356 do processo principal e registo de propriedade do veículo com a matrícula AV-..-MM de fls. 357 do processo principal e ao doc. 1 junto com o pedido de indemnização civil – certificado de matrícula e que consta de ref. 5645232, de ........2024.
Temos dúvidas, no entanto, quanto ao modo de condução da viatura por parte do arguido quando ambas as viaturas se cruzam na ... e das reais intenções do arguido nessas circunstâncias. De facto, nesta parte o arguido apresenta uma versão oposta à do assistente e seu filho, e da prova produzida nada quanto a esta matéria nos faz crer que uma versão seja mais válida do que a outra. Assim, com base no in dúbio pro reo damos como não provados os factos descritos em k), l), n) e o).
Quanto ao furto das ferramentas e ao momento em que isso ocorreu esse facto foi confessado pelo arguido, e foi confirmado pelo assistente e pela testemunha ZZZ. Contudo, ao contrário do referido na acusação apurou-se que esse furto ocorreu num período concreto localizado no mês de ... e não para lá disso. O arguido esclareceu que nessa altura foi interpelado pelo assistente e pela esposa do mesmo, até via mensagens escritas, que assumiu o furto e que se dispôs a suportar o prejuízo que provocou com o desconto do mesmo no seu salário, ressarcindo assim na integralidade o assistente nesta parte. Isso mesmo resulta ainda do termo de consentimento de visualização de SMS e auto de transcrição de mensagens, do telefone pertencente a JJJ de fls. 26 a 29. Assim, nesta parte e quanto à perda de vantagens a favor do Estado e ao pedido de indemnização civil formulado pelo demandante CC, não se pode considerar que houve um incremento patrimonial na esfera do arguido que não tenha sido recuperada pelo demandante.
Quanto aos factos do P. 177/23.7... – apenso I – o arguido AA negou que naquele dia tivesse furtado e/ou conduzido aquela viatura. Referiu que esteve nos ... desde o meio dia até à meia noite. A testemunha JJJ referiu que participou o desaparecimento do veículo TN-..-.. a pedido do seu marido. A testemunha KKK, lavrador, e que na altura trabalhava para o assistente CC, foi determinante para o Tribunal ficar convicto de que foi o arguido que se apoderou do veículo neste dia e que o conduziu do lugar onde esta testemunha o tinha estacionado até ao local onde o mesmo foi encontrado pela testemunha HHH, agente da P.S.P.. Assim KKK foi extremamente isento, imparcial e desinteressado na forma como descreveu que naquele dia tinha estacionado o veículo na ..., e viu o arguido a levar o veículo daquele local. Não teve qualquer dúvida em identificar o arguido. Referiu que avisou o assistente desse facto. A testemunha HHH, agente da P.S.P., referiu que recebeu a participação do desaparecimento do veículo através de JJJ, foi à procura do mesmo e encontrou-o na ..., na freguesia dos ... e no mesmo local a cerca de 50/100 metros estava o arguido AA junto das casas de banho ali existentes. Ora, as declarações do arguido não merecem credibilidade, além de que foram contrariadas por depoimento isento e credível das testemunhas ouvidas, e ainda através da análise do que consta do auto de apreensão de fls. 33, relatório de inspecção judiciária n.º 397/... e reportagem fotográfica de fls. 41 e 42 e relatório pericial n.º ... de fls. 51 a 56, de onde resulta uma impressão digital do polegar direito do arguido aposta no espelho retrovisor interior e ainda do registo de propriedade do veículo com a matrícula TN-..-.. de fls. 356 do processo principal. Atendeu-se ainda ao doc. 1 junto com o pedido de indemnização civil – certificado de matrícula e que consta de ref. 5645232, de ........2024.
Relativamente aos factos inerentes ao pedido de indemnização civil (provados e não provados) o Tribunal valorou as declarações do assistente, conjugadas com o depoimento das testemunhas KK, JJJ, III, AAAA, HHH e ainda a prova documental e pericial que acima se expôs ao que se acresce a prova junta pelo próprio e que consta de ref. 5645232, de ........2024. Nesta matéria analisada a documentação junta verifica-se que os documentos 2 a 32 são facturas e recibos emitidos por três oficinas de reparação de automóveis, com datas que vão desde ... de ... de 2023 – vide doc. 15 – a ... de ... de 2024 – vide doc. 10.
Da prova produzida decorreu que o arguido utilizou o veículo com a matrícula TN-..-.. por duas ocasiões – no dia ... de ... de 2023 e no dia ... de ... de 2023. Do seu uso, como relatado pelo assistente e pela testemunha KK, resultaram danos na viatura que tiveram de ser reparados. Alega o assistente que os danos foram superiores a 10.000,00 € e sustenta essa alegação nas facturas e recibos que junta. Ora, da análise desses elementos, e atendendo à data da prática dos factos pelo arguido, desde logo somos forçados a concluir que o assistente não fez prova de que as facturas e recibos anteriores a ... de ... de 2023 e as posteriores a ... dizem respeito a arranjos/reparações efectuados na sequência de qualquer uma dessas duas condutas do arguido. De facto, recorrendo a um juízo de equidade como ordena a lei civil nestes casos, e às regras da experiência comum, o Tribunal apenas vai considerar os valores constantes destas facturas/recibos relativos ao período temporal contemporâneo com os factos praticados pelo arguido e que se deram como provados (no mês de ...). Em relação aos demais valores o assistente não fez prova de qualquer nexo de causalidade entre o dano e a conduta do arguido provada nestes autos. Assim, considerando os documentos 2 (factura no valor de 4.200,00 €), 3, 4 e 5 (recibos dessa factura no valor de 1.200,00 €, 1.000,00 € e 1.000,00 €) é o valor de 4.200,00 € que consideramos como o prejuízo efectivamente sofrido pelo demandante e decorrente das condutas do arguido AA.
Considera-se não escrita e sem relevo criminal o que consta do ponto 33 da acusação pública por ser uma consideração genérica, o que se consigna para todos os efeitos legais.
P. 178/23.5... – (Apenso J): factos provados dos pontos 55 a 64:
O arguido AA prestou declarações sobre estes factos, apresentando uma versão totalmente descabida e sem qualquer credibilidade. Referiu que, por coincidência, estava a passar próximo da ... e estava munido de uma pedra na mão porque estava com medo de encontrar o CC e o seu filho ZZZ e queria ter algo para se defender se fosse necessário. Referiu que não tentou nem tinha qualquer intenção de forçar a porta daquele estabelecimento e, assim, introduzir-se no seu interior para se apoderar de bens que ali encontrasse. Disse que foi interpelado pelo agente da P.S.P. sem nada ter feito e inclusive foi agredido. Ora, a testemunha MM, agente da P.S.P., através de um depoimento sério, espontâneo e credível, explicou que estava a deslocar-se para a esquadra da P.S.P. da ... quando visualizou o arguido a forçar a porta daquele estabelecimento, razão pela qual decidiu abordá-lo. Precisou que o arguido, ao aperceber-se da sua presença, tentou dissimular algo junto da caixa de electricidade e que tinha algo pesado nos bolsos das calças que veio a confirmar que eram pedras, além da que tinha na mão. Não teve dúvidas em descrever que o arguido estava efectivamente a forçar a porta do estabelecimento, com o corpo e as mãos junto da fechadura, e que só cessou com aquela conduta quando se apercebeu da sua presença. A testemunha LLL, proprietária do consultório, confirmou a natureza e valor dos bens que se encontravam no seu interior.
P. 180/23.7... (Apenso K): factos provados dos pontos 65 a 74 e não provados das alíneas s) e t):
O arguido AA confirmou que foi a casa de KK, que tinha uma faca na mão, que foi abordado por MMM para fazer menos barulho negando, no entanto, que nessa sequência tenha furado e/ou cortado os pneus do veículo. Por sua vez, as testemunhas KK e MMM confirmam que na sequência daquela chamada de atenção o arguido AA dirigiu-se ao veículo de marca Peugeot, ... L, com a matrícula ..-TR-.., propriedade de BBBB e, com recurso à faca que estava na sua posse, cortou os dois pneus do lado esquerdo. MMM confirmou que o valor do prejuízo causado foi de 152,00 € (76,00 € em cada pneu). Ambas as testemunhas depuseram de forma isenta e credível. Atendeu-se ainda ao registo de propriedade do veículo com a matrícula ..-TR-.., de fls. 359 do processo principal.
P. 215/23.3... (Apenso N): factos provados dos pontos 75 a 85:
O arguido AA confessou na sua integralidade estes factos. A testemunha OOO (proprietário do veículo, cfr. registo de propriedade do veículo com a matrícula ..-..-EA de fls. 360 do processo principal) e PPP (irmão do proprietário), depuseram com isenção e claridade, relatando o desaparecimento do veículo. Atendeu-se ainda à reportagem fotográfica de fls. 11 (da carrinha); auto de apreensão de fls. 12 (da carrinha); auto de apreensão n.º 2 de fls. 14 (da tesoura); relatório de inspecção judiciária n.º 467/... e reportagem fotográfica de fls. 18 a 20 e relatório pericial n.º ... de fls. 67 verso e 70 (vestígio da palma direita do arguido AA na face exterior da porta do lado do condutor); auto de visionamento das imagens de CCTV, de fls. 53 a 60, DVD da contracapa.
P. 227/23.7... (Apenso P) e da perda de vantagens deduzida pelo Ministério Público: factos provados dos pontos 86 a 94, 128 e 129:
O arguido AA confessou na sua integralidade estes factos. A par da confissão atendeu-se ao depoimento da testemunha QQQ, proprietário do veículo, ... ..., Hillux, com a matrícula ..-..-RN, que confirmou todos os objetos que foram furtados do seu veículo, o seu valor e bem assim os que foram recuperados e de que forma. A testemunha SS também confirmou parcialmente os factos na medida do seu conhecimento. Atendeu-se ainda à reportagem fotográfica de fls. 25 (colar), auto de apreensão n.º 1 de fls. 31 (anel). Quanto aos factos inerentes à vantagem patrimonial do arguido atendeu-se ao depoimento da testemunha QQQ, que foi isento, objectivo e imparcial.
P. 244/23.7... (Apenso U): factos provados dos pontos 95 a 103 e não provados das alíneas jj) a ll):
O arguido AA remeteu-se ao silêncio. Por sua vez, a testemunha SSS referiu que num determinado dia pediu à testemunha CCCC que estacionasse o veículo de marca ..., ... Clio, com a matrícula ..-..-UA, do qual é proprietário (cfr. de fls. 361 do processo principal) no parque de estacionamento de ... porque ia haver uma festa, o que aquele fez, e confirmou no seu depoimento. VV acrescentou que no dia seguinte foi interpelado por AA, na sua residência, porque este tinha levado o mencionado veículo do parque de estacionamento até junto do campo de futebol (ou seja, tinha empurrado, utilizado o veículo, ainda que sem recurso ao motor, porque a ligação directa não funcionou). Não há dúvidas que foi o arguido AA que levou o veículo até àquele local e que por essa razão foi pedir ajuda a VV pois que precisava de empurrar o veículo e colocá-lo novamente no parque de estacionamento, o que já não conseguia fazer sozinho. Assim, não é pelo facto de não ter conseguido efectuar uma ligação directa e pôr o veículo em funcionamento que o arguido se viu impedido de utilizar e transitar o veículo automóvel do TT na via pública sabendo que o dono legítimo do mesmo não consentia em tal detenção e uso e que actuava contra a vontade do seu legítimo dono. Assim, não restam dúvidas sobre a autoria destes factos pelo arguido AA (na forma consumado do crime que lhe vem imputado).
P. 254/23.4... (Apenso W): factos provados dos pontos 104 a 117 e não factos não provados das alíneas lll) a rrr):
Os arguidos BB e AAA remeteram-se ao silêncio.
A testemunha VVV foi ouvida por webex, apresentando um estado de saúde peculiar, com dificuldade de expressão por usar uma máscara de oxigénio. Não obstante esta particularidade o certo a testemunha conseguiu depor e descrever o episódio. Assim, referiu que num determinado dia se encontrava sozinho em casa quando o seu sobrinho BB aí se introduziu sem sua autorização por uma porta da cozinha que estava fechada e foi ao seu encontro ao quarto. Disse que ele empunhava uma arma preta, tinha um capuz e lenço a tapar a cara, contudo não teve qualquer dúvida em identificá-lo porque o conhece bem. Explicou que o BB logo lhe exigiu dinheiro ao mesmo tempo que lhe exibia a arma, tendo testemunha respondido que não tinha dinheiro, e o BB continuado a insistir. Disse que após o BB pegou numa televisão que tentou levar consigo mas não conseguiu porque a mesma se partiu e deixou-a ficar. Relatou que o BB retirou e levou consigo um telemóvel que estava em cima da mesa de cabeceira e que tinha o valor que consta da factura de fls. 19 (factura com o valor de 119,98 €, em nome do ofendido e relativa à aquisição do telemóvel), que foi apreendido a fls. 21 (na posse de AAA) e foi reconhecido pelo DDDD e foi-lhe entregue (cfr. auto de reconhecimento de objeto de fls. 23 e termo de entrega de fls. 24. Atendeu-se ainda ao auto de apreensão de fls. 25 (réplica de arma que foi apreendida ao arguido BB no dia seguinte aos factos) e auto de exame e avaliação de objetos de fls. 55 (da réplica da arma). A testemunha WWW, agente da P.S.P., relatou a sua intervenção nos factos, nomeadamente a apreensão da réplica da arma ao arguido BB.
Quanto à intervenção do arguido AAA e à apreensão do telemóvel que lhe foi feita de fls. 21 para além do depoimento da testemunha WWW nenhum elemento de prova temos que nos comprove de que forma o telemóvel foi parar à posse do arguido, nomeadamente se o mesmo lhe foi entregue pelo arguido BB e em que termos. Daí a resposta à matéria de facto nesta parte sobre a intervenção e actuação do arguido AAA.
Quanto aos demais factos não provados ou não se produziu prova ou produziu-se prova em sentido diverso nos exactos termos como acabamos de expor.
(…)
No que concerne ao elementos subjetivos dos ilícitos em questão (factos provados nos pontos 2 a 4, 10 e 11, 19 a 21, 27 e 28, 42 a 45, 52 a 54, 62 a 64, 73 e 74, 83 a 85, 93 e 94, 102 e 103, 112 a 117) estando demonstrados os factos supra descritos, valorou igualmente o Tribunal as regras da normalidade e da experiência comum, conjugadamente com todos os meios de prova produzidos, ficando assim convencido que os arguidos AA, BB e II, enquanto “Homens médios” (nenhuma prova foi feita no sentido de que o mesmos não se inserem nesta categoria de homens – tal como decorre dos relatórios sociais, da perícia psiquiátrica e das respostas que deram a todas as perguntas os que optaram por prestar declarações AA e II –, sabiam perfeitamente que ao agirem da forma estavam a fazê-lo contrariando a lei, e em cada momento fizeram-no de forma livre, voluntária e conscientemente, sabendo que as suas condutas era proibidas e punidas por lei penal. Além do mais, nenhuma prova se fez no sentido de que os arguidos não agiram, nos termos descritos, livre, deliberada e voluntariamente (pelo contrário).
Dos factos provados em 135 a 138, 161 e 163, 185 a 196 e 210:
Atendeu aos certificados de registo criminal juntos aos autos a ref. 6210679, 6210680, 6210681, 6210682, 5937431, 5937432 e 5937442, todos de ........2025.
Dos factos provados em 139 a 160, 164 a 184, 197 a 209, 211 a 221:
Por fim, quanto à sua situação económica, pessoal, familiar e de saúde dos arguidos atendeu-se aos relatórios sociais para determinação da sanção de ref. 5782428, de ........2024, ref. 5801780, de ........2024, ref. 5937808, de ........2024, 5950431, de ........2024, conjugados com as declarações que prestaram os arguidos AA e II sobre essa matéria e que mereceu credibilidade no essencial, e ainda o a perícia psiquiátrica ao arguido BB de ref. 6161266, de ........2025.»
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APRECIAÇÃO DOS RECURSOS
1. Da alegada existência de nulidade do depoimento prestado pela testemunha DD:
Sustenta o recorrente BB que este depoimento está ferido de nulidade, por ser incompreensível e, por outro lado, pelo facto das respostas terem sido dadas pela acompanhante ou, nas suas palavras, pela “tradutora” que o acompanhava.
Ora, quanto à alegada incompreensibilidade, há que dizer que se o recorrente não alcançou o teor do depoimento prestado, como afirma, devia ter invocado tal nulidade prevista no art. 363.º do CPP «(…)perante o tribunal da 1.ª instância, em requerimento autónomo, no prazo geral de 10 dias, a contar da data da sessão da audiência em que tiver ocorrido a omissão da documentação ou a deficiente documentação das declarações orais, acrescido do período de tempo que mediar entre o requerimento da cópia da gravação, acompanhado do necessário suporte técnico, e a efectiva satisfação desse pedido pelo funcionário, nos termos do n.º 3 do artigo 101.º do mesmo diploma, sob pena de dever considerar-se sanada», tudo de acordo com o AUJ n.º 13/2014, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 124, de 1 de Julho de 2014.
Desta feita, mesmo que se verificasse tal invalidade, a mesma estaria, há muito, sanada.
No que tange à alegada nulidade do depoimento da testemunha em razão da “tradução” efectuada, há que dizer que não assiste qualquer razão ao recorrente.
Na verdade, ouvido tal depoimento, podemos afirmar que, ainda que com certas dificuldades, lográmos apreender o que a testemunha disse.
Outra questão, no entanto, é a de saber se a acompanhante ou “tradutora” - nas palavras do recorrente - ultrapassou o que podia fazer aquando da prestação do depoimento da referida testemunha.
Uma vez mais, ouvido o depoimento e a intervenção da Sr.ª Presidente do Colectivo, verifica-se que a mesma advertiu/repreendeu, algumas vezes, a acompanhante da testemunha (cuja permanência foi permitida, em razão da idade da testemunha e das dificuldades de audição e de linguagem desta em razão do uso de máscara de oxigénio – tendo sido foi ouvida à distância) no sentido de a mesma se abster de responder em vez da testemunha, passando, então, a transmitir apenas, de viva voz e em tom alto, aquilo que era perguntado à testemunha.
E, em decorrência da posição manifestada pelo, então, defensor nomeado quanto às incidências ocorridas ao longo da prestação do depoimento, a Sr.ª Juíza Presidente do Colectivo informou-o de que a acta estava à sua disposição para o que quer que fosse, ao que aquele nada requereu ou consignou, permitindo, antes, o prosseguimento da prestação do depoimento. Poderia em boa fé, caso assim o entendesse, requerer que a prestação fosse interrompida e se determinasse a vinda ao tribunal da testemunha.
Porém, nada requereu nesse sentido e não se opôs à continuação do mesmo.
Ora, analisado o depoimento da testemunha, ainda que se admita que a apreensão do que é dito é, por vezes, difícil (mas não totalmente imperceptível como aventa o recorrente), a verdade é que a Sr.ª Juíza Presidente se apercebeu de tal e passou ela própria (e já não a acompanhante entretanto advertida/repreendida) a reproduzir, em alta voz, as respostas da testemunha para que as mesmas fossem compreendidas e ficassem gravadas, como ficaram, situação que permitiu a todos, inclusive este Tribunal, a compreensão do que foi dito pela testemunha.
Por tudo o exposto, não se verifica qualquer invalidade, designadamente nulidade, razão por que improcede o recurso neste segmento.
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Nos termos do disposto no art. 428.º do CPP os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito.
Como consabido, a matéria de facto pode ser sindicada no âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP, no que se convencionou chamar de “revista alargada”, ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o art. 412.º, n.ºs 3, 4 e 6.
Enquanto no primeiro caso estamos circunscritos ao exarado na sentença proferida, no segundo a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
2. Do vício decisório de erro notório na apreciação da prova:
Os vícios decisórios (previstos no n.º 2 do art. 410.º do CPP) traduzem defeitos estruturais da decisão penal e não do julgamento e por isso, a sua evidenciação, como dispõe a lei, só pode resultar do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.
Não é permitido, para a demonstração da sua verificação, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão recorrida. O vício que estiver em causa, tal como resulta da norma, tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos estranhos à decisão, mesmo constantes do processo.
Estes vícios, não podem ser confundidos com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, no respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, inscrito no art. 127.º do CPP. Estes vícios, que também são de conhecimento oficioso, têm, pois, a ver com a perfeição formal da decisão da matéria de facto e decorre do próprio texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de recurso a outros elementos que lhe sejam estranhos, tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da decisão que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
Caso não seja possível demonstrar o vício em que incorreu o julgador sem recurso ao registo áudio ou outro elemento, então é porque o erro não emana directamente do texto da sentença recorrida, ficando logo definitivamente afastada a sua integração no art. 410.º, n.º 2 do CPP, como vício decisório.
Mas daí não se retira que não possa haver um erro de julgamento por errada valoração da prova, nos termos do disposto no art. 412.º do CPP, situação diversa da dos vícios da decisão. Ou seja, pode até inexistir qualquer um dos vícios decisórios e, ainda assim, a prova ter sido mal apreciada pelo tribunal a quo, caso em que se configura, neste último caso, um verdadeiro erro de julgamento, cujos pressupostos de conhecimento são os previstos no aludido art. 412.º, que com os primeiros vícios não se confundem por não transparecerem do texto da decisão recorrida.
Assim, o erro notório na apreciação da prova, é um erro que se vê logo, o erro evidente, escancarado, de que qualquer homem médio se dá conta [este erro, ainda abrange as hipóteses de, quando se retira de um facto provado, uma conclusão logicamente inaceitável; o vício de raciocínio, na apreciação das provas; quando se dá como assente algo patentemente errado; quando se retira de um facto provado uma conclusão arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum; ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida; ou, finalmente, quando se violam as regras da prova vinculada, as regras da experiência; as legis artis ou quando o tribunal se afasta, sem fundamento, dos juízos dos peritos, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial]. A notoriedade deste erro basta-se com que ele ressalte do texto da decisão recorrida, ainda que, para tanto tenha que ser devidamente escrutinada a matéria de facto, não passando assim desapercebido ao comum dos observadores e resulta do próprio texto da decisão sopesada à luz de regras de experiência (de entre muitos outros, vide a este propósito, os Acs. do STJ de 14.03.2002, referente ao processo n.º 361/01-5ª, de 18.03.2004, relativo ao processo n.º 03P3566 e de 19.07.2006, referente ao processo nº 1932/06-3ª).
Alegando o recorrente BB que existe erro notório na apreciação da prova, deve especificar no texto da decisão recorrida, sem recurso a prova documentada, os factos que foram dados como provados ou não provados (se foi o caso) em que se consubstancia tal erro.
Ora, volvendo ao caso que nos ocupa, lendo a motivação da decisão de facto, o tribunal colectivo formou a sua convicção a partir do conjunto dos meios de prova que elegeu, e enumerou, apreciando-os de forma crítica e segundo as regras da experiência, convicção que explicou no exame crítico dos mesmos. O julgador disse aí o porquê da sua convicção no que concerne aos factos provados e não provados, não se nos afigurando que esta tenha sido resultado de uma ponderação arbitrária das provas, nem de uma valoração inaceitável das mesmas, sendo que não se vislumbra minimamente qualquer contra-argumento do recorrente que justificasse solução diferente daquela a que chegou o tribunal colectivo.
A diferente visão que o recorrente BB expressa sobre os meios de prova apreciados, e a interpretação que retira dos mesmos, independentemente da sua bondade, não é susceptível de fundamentar a posição que manifestou, a existência do vício de erro notório.
Questão diversa será a de saber, como já dissemos, se as provas são de molde a comprovar os factos ou se, ao invés, existe erro de julgamento.
Assim, contrariamente ao propugnado pelo recorrente, afigura-se-nos que a decisão proferida não padece de vício do erro notório na apreciação da prova, soçobrando o recurso, nesta parte.
3. Da impugnação da matéria de facto/erro de julgamento e da violação do princípio do in dubio pro reo:
A matéria de facto pode ser impugnada de duas formas distinta, como deixámos explanado supra.
No caso vertente, os recorrentes denotam claramente uma pretensão à impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, alargada à análise do que se pode, ou não, extrair da prova produzida em audiência. Sobre ele recaindo, assim, o cumprimento do ónus de especificação, que lhe é imposto pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP.
A “impugnação ampla” está também condicionada à circunstância de o “contacto” com as provas ser realizado com base nas gravações, daí resultando a limitação decorrente da falta de oralidade e de imediação das provas produzidas em audiência.
Como diz Alberto dos Reis, «A oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do principio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema da prova legal» (“Código Processo Civil Anotado,” Vol. IV, págs. 566 e segs.).
Desta feita, a reponderação “ampla” da matéria de facto pela Relação não constitui um novo julgamento, mas apenas numa intervenção cirúrgica, restrita à indagação ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente e, ainda assim, terá de ser parcimoniosa, em respeito do princípio da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação.
A livre convicção do julgador terá de ser pessoal, mas também objectivável, com base em critérios de valoração racionais, lógicos e entendíveis pela comunidade pública. Adoptados estes critérios, a verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável, resultará do convencimento do julgador, de acordo com a sua consciência e convicção, com base em regras técnicas e de experiência.
E, seguindo tais critérios de apreciação da prova, nada obsta a que o juiz, para formar a sua convicção, valorize particularmente o depoimento de uma testemunha, em detrimento de testemunhos contrários, tenham, ou não, ligações ou ausência delas, com o arguido.
Como corolário do que se deixou dito, a convicção do julgador só pode ser modificada pelo tribunal de recurso quando violar os seus momentos estritamente vinculados (obtida através de provas ilegais ou proibidas ou contra a força probatória plena de certos meios de prova) ou quando viole, de forma manifesta, as regras de experiência comum ou o principio in dubio pro reo.
Revertendo ao caso em apreço, verifica-se que os recorrentes, embora não tendo cumprido de forma rigorosa o ónus que se lhes impunha, este Tribunal logrou apreender qual o sentido da discordância de cada um deles.
i. Comecemos, assim, pelas alegações do recorrente BB:
O recorrente impugna os factos constantes dos pontos 12 a 21 (P. 144/23.0...) e 104 a 117 (P. 254/23.4...):
Damos por reproduzidos os factos mencionados pelo recorrente e constantes do ponto II (Fundamentação), por razões de economia processual.
a. No que tange à factualidade assente nos pontos 12 a 21, há que dizer que não assiste qualquer razão ao recorrente.
Na verdade, o recorrente BB remeteu-se, validamente, ao silêncio.
Por seu turno, os arguidos AA e II prestaram declarações e confirmaram a participação daquele.
Isto significa que não obstante não caber ao arguido o ónus de provar a sua inocência, não podendo ver juridicamente desfavorecida a sua posição pelo facto de exercer o seu direito ao silêncio, não é menos verdade que quando é do interesse deste invocar um facto que o favorece, e que ele poderá ser o único a conhecer, a manutenção do silêncio poderá ao fim ao cabo desfavorecê-lo [vide Ac. do TCP, proferido a 22.09.2010, referente ao processo n.º 43/07.0PUPRT.P1 e publicado na internet em www.dgsi.pt/jtrp. A este propósito, veja-se, ainda, o acórdão do TRG, Rel. Cruz Bucho, proferido a 11.06.2019, referente ao processo comum colectivo n.º 1267/17.0JAPRT.G1 - do Juízo Central Criminal de Braga, Juiz 1, onde a ora relatora foi titular e aí também relatora -, ao citar, por um lado, o Ac. do TRC de 21.03.3012 referente ao processo n.º 417/10.2JACBR.C1 onde se diz “mas se do exercício do direito ao silêncio não podem resultar consequências desfavoráveis, também não pode do seu exercício retirar-se o contrário”, e, por outro, o Ac. do TRL de 28.05.2019, referente ao processo n.º 520/16.5PAMTJ.L1-9 onde se diz “o arguido não pode esperar que o seu silêncio reforce a presunção de inocência, anulando o valor de outras provas demonstrativa da sua culpabilidade. Pode manter-se em silêncio sem qual tal atitude o desfavoreça, mas não pode pretender que daí surja um agravamento do ónus da prova ao Ministério Público ou um especial direito à absolvição com base no princípio in dúbio pro reo”].
Dito isto, não restou senão ao tribunal colectivo a tarefa de apreciar e concatenar os elementos de prova que tinha ao seu dispor, em conjugação com as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, tudo em obediência ao princípio da livre apreciação da prova, onde se incluíram, como se viu, as declarações prestadas pelos co-arguidos.
Impõe-se, no entanto, fazer uma análise sobre a possibilidade e a forma de valoração deste meio de prova - que são as declarações de co-arguidos -, já que tem implicações directas quanto aos restantes arguidos.
Diz-se no art. 125.º do CPP que «são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei», elencando por sua vez o art. 126.º quais os métodos proibidos de prova, para além de ao longo do código existirem várias normas que vão estabelecendo específicos e concretos limites à admissibilidade de determinadas provas.
Por seu turno, no art. 127.º do CPP, consagra-se o princípio da livre apreciação da prova, dispondo-se que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Concretamente quanto a situações em que respondem no mesmo processo vários co-arguidos e relativamente às declarações prestadas por algum ou alguns deles, deve ter-se presente o seguinte:
- do art. 344.º, n.ºs 3, al. a), e 4, resulta que havendo confissão apenas de um dos arguidos e não de todos eles, «o tribunal decide, em sua livre convicção, se deve ter lugar e em que medida, quanto aos factos confessados, a produção da prova»;
- determina a redacção do art. 345.º, n.º 4, que «não podem valer como meio de prova as declarações de um co-arguido em prejuízo de outro co-arguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2», ou seja a qualquer das que lhe sejam formuladas não só pelos juízes e jurados, mas também às que forem formuladas na sequência de esclarecimentos solicitados pelo Ministério Público, pelo advogado do assistente ou pelo defensor (incluindo os defensores dos co-arguidos).
Sobre as declarações dos co-arguidos, a sua admissibilidade e as cautelas a ter na apreciação e valoração das declarações destes e à forma de traduzir em concreto tais cautelas, temos, para além de muitos outros, os Acs. do STJ de 12.07.2006 e de 18.06.2008, publicados na página www.dgsi.pt.
Assim, permitimo-nos citar uma parte do respectivo sumário, já que o mesmo traduz de forma clara o nosso pensamento, onde se diz:
«II - É posição da jurisprudência, que se pode dizer uniforme, e da maioria da doutrina nacional, que nada proíbe a valoração como meio de prova das declarações de co-arguido sobre factos desfavoráveis a outro.
III - Contudo, as declarações desfavoráveis aos demais co-arguidos, pela sua fragilidade, decorrente de eventual conflito de interesses e de antagonismo entre si, devem ser submetidas a tratamento específico e retiradas do alcance do regime normal da livre apreciação da prova.
IV - O STJ vem entendendo, a tal propósito, dever exigir-se respeito pelo estatuto de arguido (incompatível com o juramento próprio das testemunhas e com a vinculação ao dever de responder com verdade) e pelo princípio do contraditório (concretizado na possibilidade conferida ao defensor do arguido de formular perguntas ao co-arguido por intermédio do presidente do tribunal, visando as declarações prestadas, na medida em que afectem o arguido por si representado), além de cautelas especiais na valoração dessas declarações que, de um modo geral, se reconduzem à exigência de corroboração.
V - Com efeito, entre as soluções propostas para modular doutrinal e normativamente o particular regime das declarações do co-arguido, avulta a doutrina da corroboração, segundo a qual as declarações do co-arguido só podem fundamentar a prova de um facto criminalmente relevante quando existe “alguma prova adicional, a tornar provável que a história do co-arguido é verdadeira e que é razoavelmente seguro decidir com base nas suas declarações”. Ou noutros termos, a exigência de corroboração significa que as declarações dos co-arguidos nunca podem, só por si, e por mais inequívocas e credíveis que sejam, suportar a prova de um facto criminalmente relevante. Exige-se para tanto que as declarações sejam confirmadas por outro autónomo contributo que “fale” no mesmo sentido, em abono daquele facto.».
Do mesmo modo, pela sua exaustividade na tradução da matéria apreciada no texto do acórdão, se nos afigura claro parte do sumário do Ac. do STJ de 18.06.2008, publicado em www.dgsi.pt, do qual transcrevemos o seguinte:
«XI - As declarações do co-arguido não se compendiam entre os meios proibidos de prova, previstos no art. 126.º do CPP, aí condensados em duas grandes categorias: umas respeitando à integridade física e moral da pessoa humana, outras à sua privacidade. As declarações do co-arguido deslocam-se, antes, para o âmbito do princípio da legalidade da prova, por força do qual, nos termos do art. 125.º do CPP, são permitidos todos os meios de prova que não forem legalmente vedados, ou seja, para o campo da sua credibilidade, não já da sua inutilizabilidade, no aspecto valorativo e no peso específico que, no conjunto delas, apresentam.
XII - A ordem de produção de prova em julgamento repousa nas declarações do arguido, que constituem um meio de prova legalmente admitido, com previsão nos arts. 140.º e 340.º, al. a), do CPP.
XIII - Um obstáculo sobejamente conhecido e endereçado às declarações do co-arguido contra o outro ou outros: sempre que o co-arguido produza declarações em desfavor de outro e aquele, a instâncias do co-acusado, se recuse a responder, no uso do direito ao silêncio (cf. Acs. do TC n.º 524/97 e deste STJ de 25-02-1999, in CJSTJ, VII, tomo 1, pág. 229). Esta jurisprudência colheu fiel integração na lei, com a recente reforma introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08, no art. 345.º, n.º 4, do CPP, no sentido de que não podem valer como meios de prova as declarações do co-arguido, se este se refugia no silêncio, por tal restrição conduzir a uma inaceitável limitação às garantias de defesa, ao direito ao defensor e ao princípio de igualdade de armas.
XIV - Outra limitação é a que deriva da particularidade das declarações do co-arguido, porque elas comportam ou podem comportar uma irrestrita autodesculpabilização ou incriminação recíproca ou multilateral do co-acusado, hiperbolizando oportunisticamente a sua estratégia de defesa, quiçá mesmo a sua vindicta contra o co-acusado, que pode ficar colocado, por isso mesmo, numa situação delicada, a que um processo justo que assegura todas as garantias de defesa, um due process of law, não pode ficar indiferente.
XV - À parte este reparo, a jurisprudência deste STJ sempre defendeu que o arguido tanto pode produzir declarações a seu respeito como dos demais co-arguidos, sem o que ficaria gravemente comprometido o seu direito de defesa e o dever de cooperação com o tribunal, que pode, no exercício de uma melhor justiça, não desejar comprometer. Unicamente ao arguido ou co-arguido, nos termos do art. 133.º, n.º 1, al. a), do CPP, é vedado intervir como testemunha, sujeito ao dever de verdade e à cominação de sanções, auto-incriminar-se: a não sujeição do arguido ao estatuto de testemunha tem por objectivo libertá-lo desse ónus.
XVI (…).
XVII - Ao fim e ao cabo, o que importa é exercer um juízo de censura mais apurado na aferição do valor da co-declaração, que passa por um exigente filtro de exame e análise, atento o peso que ela exerce na formação da convicção probatória.»
Feita esta pequena incursão pela análise da questão das declarações do co-arguido como meio de prova em termos de direito nacional, cabe regressar à apreciação do caso vertente, à luz das considerações que se deixaram expostas e também à luz da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (doravante CEDH).
E perscrutada a jurisprudência mais recente do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (doravante TEDH) nesta matéria, verifica-se que esta instância tem realizado um caminho de equilíbrio entre a busca da verdade material e a existência de um processo justo e equitativo.
Ou seja, o TEDH tem vindo a interpretar o art. 6.º, n.º 3, al. d) da CEDH, não de uma forma literal ou normativista, que implica precisamente uma proibição absoluta de valoração desta prova, mas sim, tendo sempre subjacente as particularidades próprias de cada processo concreto, de um modo sistemático/finalístico e sem nunca perder de vista aqueles dois desideratos – vide, Ac. Oddone and Pecci v. San Marino, de 17.10.2019, que sintetiza os princípios aplicáveis (§ 88 e segs.), que pode ser encontrado na internet em
https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-196680%22]} - sendo os mais recentes e importantes nestas matérias e citados por este último aresto citado, os Acs. Al Khawaja and Tahery e o Schatschaschwili.
Desta feita, caso tais elementos existam no processo, sendo o “fio condutor” as declarações de co-arguido e que venham a ter sustentabilidade com a concatenação de outros elementos de prova objectivos, é possível atender às mesmas, em decorrência do princípio da livre apreciação da prova e do processo equitativo entendido à luz da jurisprudência nacional e da jurisprudência do TEDH.
Vejamos, agora, o que dimana dos autos.
Como dissemos supra, o recorrente BB não prestou declarações.
Ora, os co-arguidos (AA e JJ) prestaram declarações e responderam a todas as questões colocadas por todos os intervenientes processuais que o quiseram fazer. Por outro lado, da sua audição não resulta qualquer inimizade ou sentimento de vingança da sua parte, razão por que puderam ser valoradas de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, como o fez o tribunal colectivo.
Ademais, pese embora o recorrente tenha optado pelo silêncio, não foi impedido de, na audiência de julgamento, exercer o seu direito ao contraditório (que lhe foi facultado) e levantar dúvidas acerca daquelas declarações no momento em que foi ouvido, situação que levaria o tribunal a questionar tais dúvidas e/ou explicações dadas, com a criação, eventual, de uma dúvida insuperável no espírito do julgador.
No caso em apreço, constata-se, assim, que o arguido pôde exercer cabalmente o contraditório, ou seja, pôde colocar em causa o que foi dito por outros co-arguidos, pôde, ao fim e ao cabo, contraditar as declarações do(s) co-arguido(s) “ou testemunha(s)” - na expressão do art. 6.º, n.º 3, al. d) da CEDH, interpretado pelo TEDH de uma forma ampla (incluindo-se aqui os “acusados” e “arguidos”).
De todo o modo, existem outros elementos de prova objectivos que sustentam o que foi dito por aqueles co-arguidos.
Na verdade, ouvidos os depoimentos das testemunhas EEEE e FFFF não se pode retirar outra conclusão que não seja a da participação activa do recorrente BB nestes factos, até porque este admitiu os factos a esta última testemunha quando o abordou, explicando-lhe o que sucedera entre os dias 15 e ....
Como é bom de ver, tal depoimento não consubstancia uma proibição de prova, pois que esta testemunha transmitiu o que o BB lhe disse, ou seja, extraiu diretamente dos seus sentidos o que, de facto, presenciou.
Ora, uma vez mais, o arguido poderia ter confrontado esta testemunha e procurado contraditá-la e, assim, quiçá, criar a dúvida no espírito do julgador, o que, no entanto, não fez.
Assim, não tendo sido violado o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, não haverá qualquer alteração da matéria de facto apurada.
A diferente visão que o recorrente BB expressa sobre os meios de prova apreciados, e a interpretação que retira dos mesmos, independentemente da sua bondade, não é susceptível de fundamentar a posição que manifestou, pois que não lhe compete julgar.
b. Já quanto à matéria de facto provada constante dos pontos 104 a 117, desde já se avança que, também, não assiste razão ao recorrente.
Na verdade, ouvidos os depoimentos do DD e WWW e conjugando-os com o auto de notícia e o auto de apreensão, constantes do Apenso W e que analisámos, não se pode retirar outra conclusão que não seja aquela que o Colectivo extraiu.
Vejamos.
O ora recorrente remeteu-se, validamente, ao silêncio.
Ora, se é certo que este direito não o pode prejudicar, também não deixa de ser verdade que não o pode favorecer, como já dissemos supra.
Dito isto, não restou senão ao tribunal colectivo a tarefa de apreciar e concatenar os elementos de prova que tinha ao seu dispor, em conjugação com as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, tudo em obediência ao princípio da livre apreciação da prova.
Assim, não se ignora que a testemunha WWW afirmou, na audiência, que a vítima não havia reconhecido o indivíduo, o que fez certamente por não se recordar da ocorrência, face aos inúmeros processos em que participa, e por outro lado, não se ter (re)inteirado do que havia escrito no auto que elaborou e assinou.
Ora, analisado tal auto de notícia, verifica-se que do mesmo consta precisamente o inverso: «Informou que ao chegar à cozinha, foi surpreendido por um individuo munido com uma arma de fogo, com um lenço a camuflar a sua cara, no entanto, identificou-o de imediato como sendo o seu sobrinho BB, devido à sua fisionomia, nomeadamente cabelo e olhos, bem como por reconhecer a sua voz».
É que o auto de notícia serve precisamente para reduzir a escrito e documentar o que é transmitido pelo(s) ofendido(s) e/ou demais interveniente(s), por forma a poder ser atendido (e recordado) no futuro, designadamente nas fases processuais subsequentes.
De todo o modo, há que dizer que, pese embora o indivíduo tenha surgido com a cara tapada, a verdade é que falou e a sua voz foi imediatamente reconhecida pelo ofendido que o conhece bem por ser seu sobrinho e ter convivido com ele (como consta do auto e foi reiterado pelo ofendido na audiência).
Ora, decorre das mais elementares regras da experiência comum que reconhecemos facilmente a voz de alguém que nos é familiar e/ou com quem tenhamos convivido ou com quem convivemos ainda.
Ademais, no dia seguinte a testemunha WWW apreendeu ao arguido o objecto que usou como “arma”, o qual ainda lhe indicou o local onde se encontrava o telemóvel do tio, ocorrência esta que só poderia conhecer e dar a conhecer caso tivesse participado, como participou.
Isto significa que tudo, conjugado, não se pode extrair outra conclusão de que o indivíduo que entrou dentro da casa do ofendido foi o arguido, como o fez - e bem - o tribunal colectivo.
Improcede, pois, o recurso neste segmento.
ii. Passemos, agora, às alegações do recorrente AA:
O recorrente impugna os factos constantes dos pontos 1 a 4 (P. 127/23.0...), 41 e 121 (P. 160/23.2...) e 46 a 54 (P. 177/23.7... PBRGR):
a. No que tange à factualidade assente nos pontos 1 a 4, há que dizer que não assiste razão ao recorrente.
Na verdade, os elementos de prova que indica para contrariar a visão do Colectivo são as suas próprias declarações de negação da ocorrência, em detrimento do depoimento da testemunha GGGG, que ouvimos, e em que afirma ter visto o arguido a cortar plantas de milho pertencentes ao ofendido EE.
É verdade que começou por negar tal ocorrência e que foi ordenada a extracção de certidão para procedimento criminal; porém, também resulta da audiência que, já no fim do seu depoimento, esta testemunha acabou por retratar-se, ocorrência que é possível (e desejável em nome da procura da verdade), nos termos do art. 362.º, n.º 1 do Código Penal.
Ou seja, não se pode dizer que o seu depoimento não foi espontâneo, como adiantou o recorrente, até porque o Ministério Público se limitou a pedir a extracção de certidão, o que foi deferido, sem que antes, como tantas vezes sucede, tenha havido alguma advertência da Sr.ª Presidente do Colectivo no sentido de relembrar a testemunha que estava “sob juramento”. Pelo contrário, prosseguiu o seu depoimento e, a dado passo, acabou por afirmar, naturalmente, que tinha visto o recorrente a cortar o milho do Sr. Rebelo.
De todo o modo, há que frisar que tal circunstância em nada belisca a credibilidade que o tribunal de 1.ª instância conferiu à testemunha SS, o que decorre, simplesmente, da imediação e da sua livre convicção.
Finalmente, cumpre dizer que a testemunha CCC, ofendido, confirmou que lhe cortaram o milho e que o fizeram sem o seu consentimento e contra a sua vontade.
b. Relativamente à matéria de facto constante dos pontos 41 e 121, cumpre referir que, lhe assiste razão, em parte, quanto ao valor dos danos sofridos.
Assim, no que tange ao depoimento da testemunha KK, que ouvimos, nada há que possa infirmar a versão que apresentou e que se coaduna com as fotografias e relatório pericial juntos aos autos.
Porém, já o mesmo não se pode dizer quanto ao valor dos danos sofridos na viatura em razão a conduta do recorrente.
Na verdade, analisada a documentaçao (factura/recibo constante do Doc. 10 do pedido de indemnização civil que acompanhou a acusação particular sob a Ref.ª 5645232 de ........2024, ou seja do recibo transmitido à ..., referente à reparação do TN, datado de ........2024), verifica-se que o valor da reparação foi de 1.673,96€ e não de 4.200,00€ (já que as facturas e recibos juntos reportam-se a uma empresa de compra e venda de tractores e de peças atinentes a tais veículos, como bem anota o recorrente).
E atendendo ao valor comunicado à ..., afigura-se-nos imperioso proceder à alteração da matéria de facto nos termos que acabámos de referir.
Assim, os factos 41 e 121 passarão a ter a seguinte redacção:
«41. Com a sua conduta, o arguido causou prejuízos no veículo de matrícula TN-..-.., que se computam em 1.673,96€ (mil seiscentos e setenta e três euros e noventa seis cêntimos).
121. Em consequência directa, necessária e adequada da conduta do demandado AA e descrita nos pontos 30 a 54, o demandante sofreu prejuízos na sua viatura TN-..-.., no valor de 1.673,96€ (mil seiscentos e setenta e três euros e noventa seis cêntimos).»
Em decorrência do que acabamos de dizer, a alínea m) dos factos não provados passará a ter a seguinte redacção:
«Com a sua conduta, o arguido AA causou prejuízos no veículo de matrícula TN-..-.., no valor de, pelo menos, 4.200,00€.»
c. Quanto aos pontos 46 a 54 da matéria de facto provada, importa dizer, desde já, que não lhe assiste qualquer razão.
Assim, ouvidos os depoimentos das testemunhas JJJ, AAAA e HHH, nada há que possa infirmar a versão que apresentaram, em particular o depoimento da segunda já que foi peremptória em afirmar que viu, sem qualquer dúvida, o recorrente a “levar” [isto é, a conduzi-la] a viatura TN pertencente ao ofendido CC, que alertou imediatamente, sendo certo que, como asseverou o ofendido (que disse que o arguido levou a viatura por diversas vezes sem o seu consentimento) e a mulher deste, JJJ, a viatura veio a ser encontrada pela última testemunha num local próximo onde se encontrava o arguido, cfr. o auto de notícia e auto de apreensão da viatura TN-..-...
A circunstância de a ofendida JJJ não se recordar da data exacta do dia em que a viatura foi levada em nada compromete o seu depoimento da testemunha HHHH já que apresentou uma única queixa no dia em que a viatura veio, de facto, a ser recuperada/apreendida pela polícia. Ou seja, conjugando este depoimento com os outros dois e o auto de notícia e o auto de apreensão, afigura-se-nos correcta a conclusão extraída pelo tribunal colectivo.
Assim, a versão contrária do arguido em face destes depoimentos e da documentação analisada em nada abalam a credibilidade conferida pelo tribunal da 1.ª instância, em decorrência do principio da livre apreciação da prova que foi respeitado.
Ademais, foi encontrada a impressão digital do arguido no retrovisor da viatura no dia em que foi encontrada, sendo certo que não é portador de carta de condução, situação que não deixa margens para dúvidas que foi ele quem conduziu a viatura nesse dia, pois que cada condutor coloca o retrovisor à sua medida.
Há que dizer, finalmente, que não foi lido o depoimento prestado perante OPC constante a fls. 44, porquanto não foi solicitada a sua leitura na audiência (cfr. acta de ........2024), não podendo, assim, ser valorado, já que constituiria prova proibida, como, alias, bem sabe o recorrente.
iii. Da violação do princípio do in dubio pro reo:
Entendem, ainda, os recorrentes que, ainda que não haja elementos para julgar provados os factos que assinalam e que foram dados como provados, deveria lançar-se mão do princípio do in dubio pro reo pois a 1.ª instância deveria ter ficado na dúvida quanto aos mesmos, e julgá-los a seu favor dando-os como não provados.
O princípio do in dubio pro reo, postulado do princípio da presunção de inocência - consagrado no art. 32.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa - surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição sempre que a prova não permite resolver a dúvida acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado.
Tendo esse non liquet de ser resolvido sempre a favor do arguido, sob pena de preterição do referido princípio da presunção de inocência.
Nesta perspectiva, o princípio do in dubio pro reo constitui um verdadeiro limite normativo ao princípio da livre apreciação da prova, regulando o procedimento do Tribunal quando tenha dúvidas sobre a matéria de facto.
Analisada a decisão recorrida, cabe, antes de mais, lembrar que, em matéria de apreciação da prova, rege o art. 127.º do CPP “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Contudo, tal livre apreciação da prova, não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e objectivos que determinam uma convicção racional, objectivável e motivável. Não significando, porém, que seja totalmente objectiva pois, não pode nunca dissociar-se da pessoa do juiz que a aprecia e na qual «(…) desempenha um papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais (...)» – neste sentido, Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, págs. 204 e segs.
Por conseguinte, o sistema processual atribui ao julgador uma maior liberdade, mas não um arbítrio a que a lei seja indiferente. Se o julgador interpreta a liberdade de apreciação como um domínio arbitrário da sua vontade sobre a matéria de facto, e oferece às partes, como conteúdo de jurisdição, a sua fé ou convicção sem provas e sem base objectiva, ultrapassa os limites da liberdade de apreciação, que não pode confundir-se com a supressão da prova, ou com a faculdade, por exemplo, de inverter arbitrariamente o ónus da prova. A livre valoração da prova não pode, pois, ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas sim valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permitia objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.
Dos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, podemos concluir que a valoração das provas, reportada à credibilidade dos depoimentos, é eminentemente subjectiva, depende, essencial e substancialmente, da imediação, princípio que, pressupondo a oralidade, domina a recolha das provas de índole testemunhal, permite, num quadro de emissão e recepção de sinais de comunicação - que não apenas de palavras, mas também de gestos ou outras formas de acção/reacção, como o próprio silêncio – potenciar a adequada apreciação dos depoimentos.
Tal não significa que a apreciação, eminentemente subjectiva, conducente a conferir maior ou menor credibilidade de um depoimento, é insindicável, pois ao julgador é imposto o dever de explicitar as razões da sua convicção pessoal, na fundamentação da decisão, isto é, que revele não só os motivos por que certo depoimento mereceu maior credibilidade do que outro, mas também que explicite o raciocínio lógico que utilizou na apreciação global e lógica de toda a prova no cumprimento do dispõe o n.º 2 do art. 374.º do CPP.
E se os critérios subjectivos expressos pelo julgador se apresentarem com o mínimo de consistência para a formulação do juízo sobre a credibilidade dos depoimentos apreciados e, com base no seu teor, alicerçar uma convicção sobre a verdade dos factos, para além, na dúvida razoável, tal juízo há-de sempre sobrepor-se às convicções pessoais dos restantes sujeitos processuais, como corolário do princípio da livre apreciação da prova ou da liberdade do julgamento.
Na verdade, o recurso em matéria de facto não tem por finalidade a realização de um segundo julgamento, mas tão só a apreciação da decisão proferida na 1.ª instância, apreciação essa limitada ao exame (controlo) dos elementos probatórios valorados pelo tribunal recorrido e feita à luz das regras da lógica e da experiência, mas sempre sem colidir com os fundamentos da decisão que só a imediação e a oralidade permitem atingir.
Por isso ao Tribunal Superior cumpre verificar a existência da prova e controlar a legalidade da respectiva produção, nomeadamente, no que respeita à observância dos princípios da igualdade, oralidade, imediação, contraditório e publicidade, verificando, outrossim, a adequação lógica da decisão relativamente às provas existentes. E só em caso de inexistência de provas, para se decidir num determinado sentido, ou de violação das normas de direito probatório (nelas se incluindo as regras da experiência e/ou da lógica) cometida na respectiva valoração feita na decisão da 1.ª instância, esta pode ser modificada, nos termos do art. 431.º do CPP.
Aqui chegados e ponderada a convicção do tribunal de 1. Instância (supra transcrita) verificamos que os recorrentes discordam da convicção alcançada pelo tribunal, pois sustentam, basicamente, que o tribunal deveria ter valorizado a prova de modo distinto a prova.
Ora, levando em conta as considerações expostas e lendo as motivações da decisão de facto, o tribunal de 1.ª instância formou a sua convicção a partir do conjunto dos meios de prova que elegeu, e enumerou, apreciando-os de forma crítica e segundo as regras da experiência, convicção que explicou no exame crítico dos mesmos.
Dito de outo modo, o julgador disse aí o porquê da sua convicção no que concerne aos factos provados e não provados, não se nos afigurando que esta tenha sido resultado de uma ponderação arbitrária das provas, nem de uma valoração inaceitável das mesmas, sendo que não se vislumbra minimamente qualquer contra-argumento dos recorrentes que justificasse solução diferente daquela a que chegou o tribunal.
Como assinala Figueiredo Dias (in “Direito Processual Penal”, págs. 204 e segs.), a convicção do juiz deve ser uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade meramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis - v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova, e mesmo puramente emocionais. Em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, capaz de se impor aos outros. Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade, para além de toda a dúvida razoável.
Ora, foi o que, objectivamente, o tribunal a quo fez.
Deu credibilidade a uns depoimentos, em particular ao das vítimas, conjugados com outros elementos objectivos de prova que enunciou e concatenou e retirou-a a outros, o que explicitou concretamente.
A fundamentação do acórdão recorrido obedece, pois, aos respectivos requisitos legais, alicerçada nas regras da experiência e em adequados juízos de normalidade, não se verificando a violação de qualquer regra da lógica ou da experiência comum, resultando da fundamentação o processo de formação da convicção do tribunal e o exame crítico das provas consideradas e a credibilidade que mereceram ou que não mereceram os depoimentos prestados em audiência de julgamento.
E fê-lo por forma transparente e fundada.
E tal exarou.
Aliás, há que salientar que o tribunal de 1.ª instância teve o cuidado de manifestar, de forma clara as dúvidas que teve e daí retirou as consequências que devia e que foram favoráveis aos arguidos.
Sendo certo que quanto à restante matéria de facto não resulta que o tribunal tivesse tido qualquer dúvida sobre factos relevantes e tenha decidido contra os arguidos, pelo que, não se verifica a violação do supra referido princípio constitucional.
Temos, pois, por inequívoco que o tribunal de 1.ª instância fundamentou, de modo explícito, claro, razoável e suficiente a sua convicção, com enquadramento no art. 127.º, do CPP.
Do que decorre, também aqui, a improcedência dos recursos, neste segmento.
4. Da alegada errónea qualificação jurídica do crime de furto de uso de veículo (P. 244/23.7... - Apenso U) relativamente ao recorrente AA:
Sustenta o recorrente que não houve consumação deste crime, mas sim, mera tentativa, razão por que existe um erro de direito na qualificação destes factos (na sequência da alteração da qualificação jurídica efectuada e comunicada no dia ........2025, cfr. acta de leitura do acórdão).
Recordemos os pontos concreto da matéria de facto provada:
«95. No dia ... de ... de 2023, pelas 17.00h, TT estava em prisão domiciliária na sua residência sita na ... quando lhe solicitaram que estacionasse o veículo de marca ..., ... Clio, com a matrícula ..-..-UA, do qual é proprietário, noutro local porque ali iria passar a procissão.
96. Como estava impedido, solicitou a UU que removesse o veículo para o parque de estacionamento da freguesia do ..., entregando-lhe a chave.
97. VV assim o fez, e devolveu a chave após estacionar o veículo, deixando trancado.
98. Após, no dia seguinte, a hora não concretamente apurada, o arguido AA dirigiu-se ao parque de estacionamento e aproximou-se do veículo identificado, com o objectivo de o colocar em funcionamento e o utilizar.
99. Assim, de modo não concretamente apurado, acedeu ao interior do veículo e arrancou o canhão da ignição, desforrou a consola debaixo do volante e tentou fazer uma ligação directa escarnando os fios, o que não conseguiu.
100. De seguida, empurrou o veículo do parque de estacionamento, pela via pública, até junto do campo de futebol, no ....
101. Após dirigiu-se a casa de VV e solicitou-lhe que o ajudasse a empurrar o veículo de novo para o parque de estacionamento.
102. Com a conduta descrita o arguido utilizou o veículo do TT, que subtraiu e utilizou na via pública, sabendo que o dono legítimo do mesmo não consentia em tal detenção e uso e que actuava contra a vontade do seu legítimo dono.
103. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei e criminalmente punidas.» (sublinhados nossos).
E diz o acórdão na parte do enquadramento jurídico-penal (e na parte que interessa) que:
«Prevê o art. 208.º, n.º 1 do Código Penal o crime de furto de uso de veículo que dispõe o seguinte – «quem utilizar automóvel ou outro veículo motorizado, aeronave, barco ou bicicleta, sem autorização de quem de direito», sendo punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
Este tipo incriminador está inserido sistematicamente no capítulo dos «crimes contra a propriedade», visando-se proteger, como bem jurídico, o direito do proprietário poder gozar de modo pleno e exclusivo do uso, fruição e disposição de um meio de transporte que lhe pertence (artigo 1305.º do Código Civil).
São assim elementos essenciais para o preenchimento do tipo legal em questão a “utilização” de um automóvel ou outro veículo motorizado “sem autorização de quem de direito” sendo que, no tipo legal em análise, embora o agente do crime actue sem intuito de apropriação, o mesmo viola o direito de propriedade do ofendido, porque, passando a utilizar o veículo, impede aquele gozo indissociável do conteúdo do direito de propriedade.
Relativamente aos factos provados nos pontos (…) 95 a 103 e que correspondem aos P. 160/23.2... (apenso F), P. 177/23.7... (apenso I), P. 215/23.3... (apenso N) e P. 244/23.7... (apenso U) decorre que com essa conduta o arguido preencheu os elementos objectivos e subjectivos, em autoria material, na forma consumada (e não tentada no P. 244/23.7..., conforme comunicação da alteração da qualificação jurídica que se fez) e em concurso efectivo, de 4 (quatro) crimes de furto de uso de veículo, p. e p. pelo artigo 208.º, n.º 1, do Código Penal. Por fim, refira-se ainda que não existem factos susceptíveis de consubstanciarem causas de exclusão da ilicitude, da culpa ou da punibilidade. O arguido AA será assim condenado por estes crimes». (sublinhado nosso).
Neste ilícito, a propensão do agente é para se apropriar se apropriar da coisa por algum tempo e beneficiar do seu uso.
No caso vertente, o recorrente não logrou colocar o veículo em marcha com o motor; porém, logrou empurra-lo até a um outro local, ou seja, movimentou-o, pondo-o, de facto, em marcha ainda que de forma não mecânica, usando-o efectivamente.
Isto significa que fez uso, temporário, do veículo de que se apropriou ilegitimamente, tendo, pois, consumado o crime em causa.
Não merece, pois, qualquer censura a decisão recorrida.
5. Da medida concreta das penas parcelares de prisão aplicadas aos recorrentes e eventual reformulação da pena única quanto a ambos; da eventual suspensão da pena de prisão quanto ao BB:
Importa, agora, apreciar da medida das penas parcelares graduadas em 1.ª instância aos recorrentes que as consideram excessivas, pois que entendem que a sua dosimetria se afasta dos limites proporcionais para o caso, situação que não são de molde a promover uma pretensa ressocialização ou futura reintegração pessoal destes na sociedade, solicitando, ainda, o recorrente BB a suspensão da execução.
Em matéria de escolha e determinação da medida da pena, o acórdão recorrido discorreu o seguinte (na parte que interessa):
«V – ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA:
Cumpre determinar a pena concretamente aplicável aos arguidos pela prática dos crimes acima analisados, atendendo às penas abstractamente aplicáveis, aos critérios de escolha e medida da pena e às suas finalidades.
Quanto às finalidades das penas, estabelece o artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal que “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.”
A protecção dos bens jurídicos, sendo estes determinados por referência à ordem axiológica jurídico-constitucional, implica a rejeição de uma limitação da intervenção penal assente numa qualquer ordem transcendente e absoluta de valores, fazendo assentar a referida legitimação unicamente em critérios funcionais de necessidade (e de consequentemente utilidade) social. Por isso a aplicação da pena não mais pode fundar-se em exigências de retribuição ou de expiação da culpa, sem qualquer potencial de utilidade social, mas apenas em propósitos preventivos de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada. – Cfr. Figueiredo Dias, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 1, Fascículo 1, 1991, Aequitas, Editorial Notícias, página 17 e 18.
Subjacente à protecção jurídica de bens jurídicos está a chamada finalidade de prevenção geral positiva que juntamente com a prevenção especial positiva ou ressocialização constituem as finalidades das penas no nosso ordenamento jurídico.
A pena tem por fundamento e limite a medida da culpa, não podendo ultrapassá-la (cfr. artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, n.º 1 do Código Penal).
Na verdade, “(…) à culpa, a que se reconhece a dignidade de pressuposto irrenunciável de toda e qualquer punição, caberá a função, única mas nem por isso menos decisiva, de determinar o limite máximo e em todos os casos inultrapassável da pena (…)” in Manuel Lopes Maia Gonçalves, “Código Penal Português, Anotado e Comentado”, Almedina, 2004, 16ª edição, pág. 176.
Para a determinação da medida concreta da pena, nos termos do artigo 71.º do Código Penal, atender-se-á à culpa do agente e às exigências de prevenção, ponderando ainda todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente as circunstâncias previstas nas diversas alíneas do artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal.
O limite superior da pena é pois o da culpa do agente. O limite mínimo é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.
Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras da prevenção especial de socialização; é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade.
O crime de dano simples, nos termos do artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal é punido com pena de 1 (um) mês até 3 (três) anos de prisão ou multa de 10 (dez) até 360 (trezentos e sessenta) dias.
O crime de furto qualificado, nos termos do artigo 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, alínea e), ambos do Código Penal, é punido com pena de 2 (dois) a 8 (oito) anos de prisão. Na forma tentada, é punido com pena de 1 (um) mês a 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão (artigo 73.º do Código Penal).
O crime de furto qualificado, nos termos do artigo 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, alíneas b) e f), ambos do Código Penal é punido com pena de prisão até 5 (cinco) anos ou com pena de multa até 600 (seiscentos) dias.
O crime de furto de uso de veículo, nos termos do artigo 208.º, n.º 1 do Código Penal é punido com pena de 1 (um) mês até 2 (dois) anos de prisão ou multa de 10 (dez) até 240 (duzentos e quarenta) dias.
O crime de roubo agravado, de acordo com o disposto nos artigos 210.º, n.º 1 e 2, al. b) do Código Penal é punido com pena de 3 (três) a 15 (quinze) anos de prisão.
O crime de receptação, nos termos dos artigos 231.º, n.º 1 do Código Penal é punido com pena de prisão até 5 (cinco) anos ou com pena de multa até 600 (seiscentos) dias.
O crime de condução sem habilitação legal previsto e punível pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de Janeiro, é punido com pena de prisão de 1 (um) mês até 2 (dois) anos ou multa de 10 (dez) até 240 (duzentos e quarenta) dias.
Uma vez que ao crime de dano simples, furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º e 204.º, n.º 1 al. f) do Código Penal, furto de uso de veículo, receptação e condução sem habilitação legal, são aplicáveis, em alternativa, pena de multa ou pena de prisão, importa ponderar qual a pena a aplicar a cada um destes crimes.
No que diz respeito à escolha da pena, dispõe o artigo 70.º do Código Penal que se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada as finalidades da punição. Este critério geral ancora-se nos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade da pena de prisão, tendo em vista, no caso, as finalidades das penas.
No caso concreto, os arguidos AA e II, a quem são aplicáveis estas penas em alternativa, têm já antecedentes criminais, o primeiro por crimes de natureza diversa (ameaça e violência doméstica e condenação posterior por factos contemporâneos a estes por crime patrimonial), e o segundo tem antecedentes criminais por diversos crimes quer de natureza patrimonial, quer por tráfico de estupefacientes, crimes estradais e duas condenações posteriores por factos anteriores e posteriores aos agora apreciados, o que significa que ambos os arguidos carecem de elevadas cautelas ao nível das necessidades de prevenção especial, as quais aliadas às necessidades de prevenção geral, impõe a aplicação de uma pena de prisão para estes crimes, pois será a única adequada a surtir algum efeito ressocializador, afastando-se assim a pena de multa.
Assim sendo, haverá que proceder à determinação da medida concreta das penas de prisão dentro da moldura legal fornecida, tendo em conta o princípio geral fornecido pelos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, funcionando a culpa como limite inultrapassável e as exigências da prevenção geral e especial como vectores determinantes da medida a aplicar.
In casu, em relação à criminalidade patrimonial – danos, furtos, receptação – contra as pessoas – roubo – e bem assim a criminalidade rodoviária – condução sem habilitação legal – é importante considerar que as exigências de prevenção geral são muito elevadas dada número significativo deste tipo de crimes cometidos nesta comarca. Na verdade, os ilícitos em causa, pela frequência inquietante que assumem na actualidade, e especialmente no nosso país, geram na comunidade um forte sentimento de insegurança, demandando uma solene punição dos agentes a fim de ser recuperada a confiança na vigência e validade das normas violadas.
No que concerne ao arguido AA:
Quanto às necessidades de prevenção especial, temos de ter em conta que o arguido tem antecedentes criminais pela prática de crimes contra as pessoas – ameaças e violência doméstica e uma condenação posterior por factos contemporâneos, tendo praticado estes factos em pleno período de suspensão de uma pena de prisão, com regime de prova, o que, desde logo, faz com que as exigências de prevenção especial sejam elevadas.
Valorando, então, os diferentes factores de determinação da pena a que se referem as diversas alíneas do n.º 2 do art. 71º do Código Penal, no caso em apreço, verifica-se que:
- Actuou com dolo directo e intenso em todas as situações;
- Em termos de ilicitude, e quanto aos furtos de uso de veículo e de condução sem habilitação legal, entendemos que esta se situa num grau elevado (se considerarmos o modus operandi do arguido e os percurso efectuados), mediano relativamente aos furtos qualificados, quer consumados, quer tentado, se considerarmos o valor dos bens furtados e/ou que tentou furtar) e mais reduzido quanto aos crimes de dano;
- O arguido revelou alguma capacidade crítica, confessando alguns dos factos;
- A dependência aditiva do arguido à data da prática dos factos, servindo os crimes para satisfazer o seu vício;
- Inconsistência quanto à antevisão de um percurso abstinente ao nível dos consumos de substâncias ilícitas e de normalização do seu quotidiano.
Tudo visto e ponderado, incluindo o valor dos bens envolvidos, entendem-se adequadas as seguintes penas:
• a pena de 10 (dez) meses de prisão pela prática de cada um dos 2 (dois) crimes de dano simples, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal – P. 127/23.0... (apenso B) e P. 180/23.7... (apenso K);
• a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal - P. 144/23.0... (apenso T);
• a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, n.º 1 e 2, al. a) e b), 23.º, n.º 1, 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), todos do Código Penal - P. 178/23.5... (apenso J);
• a pena de 1 (um) anos e 6 (seis) meses de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. b), ambos do Código Penal - P. 227/23.7... (apenso P);
• a pena de 1 (um) ano de prisão pela prática de cada um dos 4 (quatro) (crimes de furto de uso de veículo, p. e p. pelo artigo 208.º, n.º 1, do Código Penal – P. 160/23.2... (apenso F), P. 177/23.7... (apenso I), P. 215/23.3... (apenso N) e P. 244/23.7... (apenso U).
• a pena de 6 (seis) meses de prisão pela prática de cada um dos 4 (quatro) crimes de condução sem habilitação legal, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de janeiro – P. 125/23.4... (apenso A), P. 160/23.2... (apenso F), P. 177/23.7... (apenso I) e P. 215/23.3... (apenso N).
Torna-se necessário proceder, em seguida, ao cúmulo jurídico das penas parcelares acima fixadas ao arguido, nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal, a pena unitária correspondente ao concurso de infracções terá, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas a cada um dos crimes, e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes.
Assim, a pena unitária a impor ao arguido tem os seguintes limites:
▪ Mínimo: pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
▪ Máximo: pena de 13 (treze) anos e 8 (oito) meses de prisão.
O n.º 1 estabelece que, na medida da pena, são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Tudo ponderado, e considerando que os num período de tempo curto (entre ...), atingiram diversas pessoas e bens jurídicos, a solicitação da mesma necessidade – a dependência de produto estupefaciente – o tribunal considera adequada e suficiente a aplicação de uma pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão a aplicar ao arguido AA.
Do perdão:
Importa agora apreciar se face ao disposto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, que entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2023, e veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em ... da Jornada Mundial da Juventude, o arguido poderá ou não ser abrangido pela referida Lei.
De acordo com o artigo 2.º, n.º 1 da citada lei “1 — Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º”.
Dispõe o artigo 3.º, n.º 1 e 4 da referida Lei, quanto ao perdão das penas o seguinte “1 — Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos. (…). 4 — Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única.”
No entanto, preceitua o n.º 3 do mesmo artigo 7.º que “A exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e da amnistia prevista no artigo 4.º relativamente a outros crimes cometidos.”
Analisando o caso do arguido AA:
- o arguido tinha 23 anos de idade à data da prática dos factos (artigo 2.º, n.º 1) e os crimes praticados nos P. 127/23.0... (apenso B), P. 125/23.4... (apenso A) e P. 144/23.0... (apenso T) foram todos praticados antes do dia ... de ... de 2023.
- a pena aplicada é inferior a 8 anos de prisão – pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão – (artigo 3.º, n.º 1 e 4);
- quanto aos crimes praticados naqueles processos P. 127/23.0... (apenso B), P. 125/23.4... (apenso A) e P. 144/23.0... (apenso T) e que correspondem a crime de dano simples, crime de condução sem habilitação legal e crime de furto qualificado, são todos crimes “perdoáveis”, relativamente ao quais foram aplicadas penas parcelares, respectivamente, 10 (dez) meses de prisão, 6 (seis) meses de prisão e 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Assim, neste caso particular, atendendo às penas concretas aplicadas aos “crimes perdoáveis”, superiores a um ano de prisão, declara-se perdoado 1 (um) ano de prisão à pena única em que foi condenado AA, reduzindo-se a pena por ele a executar para 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Tal perdão fica dependente da condição prevista no artigo 8.º da referida lei: que dentro de um ano subsequente à entrada em vigor dessa Lei, o arguido não pratique nenhuma infracção dolosa (que não as aqui em apreciação nos demais apensos pois que só agora está a ser responsabilizado por elas).
Do arguido BB:
Quanto às necessidades de prevenção especial, temos de ter em conta que o arguido tem antecedentes criminais por crime de natureza sexual e ainda por crimes de violência doméstica, o que revela necessidades elevadas de prevenção. Tem ainda uma condenação posterior por factos contemporâneos.
Assim, no caso em apreço, importa ponderar ainda os seguintes aspetos:
- Actuou com dolo directo e intenso em todas as situações;
- Em termos de ilicitude, a sua conduta revela ilicitude média em relação a ambos os crimes, atendendo à forma de prática dos factos, valores subtraídos e aproveitamento do contexto de proximidade que tinha com a vítima do roubo, seu tio;
- A dependência aditiva do arguido à data da prática dos factos, servindo os crimes para satisfazer o seu vício;
- sucessivas tentativas de tratamento e insucesso, por falta de motivação do arguido, colocando-se numa numa situação de grande vulnerabilidade apesar de todos os apoios que lhe foram sendo concedidos, até pela vítima de um dos crimes.
Tudo visto e ponderado, incluindo o valor dos bens envolvidos, entendem-se adequadas as seguintes penas:
• a pena de 3 (três) anos de prisão pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma consumada, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Código Penal - P. 144/23.0... (apenso T);
• a pena de 5 (cinco) anos de prisão pela prática de 1 (um) crime de roubo agravado, previsto no artigo 210.º, n.º 1, e n.º 2, al. b), do Código Penal – P. 254/23.4... – apenso W.
Torna-se necessário proceder, em seguida, ao cúmulo jurídico das penas parcelares acima fixadas ao arguido, nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal, a pena unitária correspondente ao concurso de infracções terá, como limite máximo, a soma das penas concretamente aplicadas a cada um dos crimes, e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicáveis aos vários crimes.
Assim, a pena unitária a impor ao arguido tem os seguintes limites:
▪ Mínimo: pena de 5 (cinco) anos de prisão.
▪ Máximo: pena de 8 (oito) anos de prisão.
O n.º 1 estabelece que, na medida da pena, são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Tudo ponderado, e considerando que os factos praticados pelo arguido num período de suspensão de um regime probatório, em que não se coibiu de atacar até mesmo quem lhe deu ajuda, colocando-se o próprio em situação de elevada vulnerabilidade pessoal, social e habitacional, revelando incapacidade em planificar estratégias que promovam uma mudança de conduta, a toxicodependência, a resistência à intervenção externa e o fraco sentido de compromisso perante a DGRSP, revelam factores de risco em termos de integração social, pelo que importa ponderar tudo isto no dosear da pena única. Assim, o tribunal considera adequada e suficiente a aplicação de uma pena única de 6 (seis) anos de prisão a aplicar ao arguido BB.
Do perdão:
Importa agora apreciar se face ao disposto na Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, que entrou em vigor no dia 1 de Setembro de 2023, e veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, o arguido poderá ou não ser abrangido pela referida Lei.
De acordo com o artigo 2.º, n.º 1 da citada lei “1 — Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º”.
Dispõe o artigo 3.º, n.º 1 e 4 da referida Lei, quanto ao perdão das penas o seguinte “1 — Sem prejuízo do disposto no artigo 4.º, é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos. (…). 4 — Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena única.”
No entanto, preceitua o n.º 3 do mesmo artigo 7.º que “A exclusão do perdão e da amnistia previstos nos números anteriores não prejudica a aplicação do perdão previsto no artigo 3.º e da amnistia prevista no artigo 4.º relativamente a outros crimes cometidos.”
Analisando o caso do arguido BB:
- o arguido tinha 30 anos de idade à data da prática dos factos (artigo 2.º, n.º 1) e o crime praticado no P. 144/23.0... (apenso T) foi praticados antes do dia ... de ... de 2023.
- a pena aplicada é inferior a 8 anos de prisão – pena de 6 (seis) anos de prisão – (artigo 3.º, n.º 1 e 4);
- quanto ao crime praticado naquele processos P. 144/23.0... (apenso T) e que corresponde a um crime de furto qualificado, trata-se de um crime “perdoável”, relativamente ao qual foi aplicada pena parcelar de 3 (três) anos de prisão.
Assim, neste caso particular, atendendo à pena concreta aplicada ao “crime perdoável”, superior a um ano de prisão, declara-se perdoado 1 (um) ano de prisão à pena única em que foi condenado BB, reduzindo-se a pena por ele a executar para 5 (cinco) anos de prisão.
Tal perdão fica dependente da condição prevista no artigo 8.º da referida lei: que dentro de um ano subsequente à entrada em vigor dessa Lei, o arguido não pratique nenhuma infracção dolosa (que não a aqui em apreciação nos demais apensos pois que só agora está a ser responsabilizado por ela). (…)»
De acordo com os quadros normativos relativos à finalidade das penas (a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e em caso algum poderá ultrapassar a medida da culpa – art. 40.º, n.ºs 1 e 2 do CP) e determinação da sua medida (em função da culpa e das exigências de prevenção – art. 71.º, n.º 1 do CP), deve à pena (destinada a proteger o mínimo ético-jurídico fundamental) ser imputada uma dinâmica para que cumpra o seu especial dever de prevenção.
Entre aquele limite mínimo de garantia da prevenção e máximo da culpa do agente, a pena é determinada em concreto por todos os fatores do caso, previstos nomeadamente no n.º 2 do referido art. 71.º, que relevem para a adequar tanto quanto possível à ilicitude da acção e culpa do agente.
Neste sentido, a culpa (pressuposto-fundamento da pena que constitui o princípio ético-retributivo), a prevenção geral (negativa, de intimidação ou dissuasão, e positiva, de integração ou interiorização) e a prevenção especial (de ressocialização, reinserção social, reeducação mas que também apresenta uma dimensão negativa, de dissuasão individual) representam três exigências atendíveis na escolha da pena, princípio este tendencial uma vez que podem apresentar incompatibilidade.
Sopesando todos os factores enunciados e devidamente explicitados no acórdão recorrido que acompanhamos, considera-se adequado, crendo que assim se satisfazem as finalidades de tutela dos bens jurídicos, sem desatender ao máximo que nos é fornecido pela culpa dos arguidos as penas parcelares que lhe foram aplicadas.
Finalmente, há que salientar que, exceptuando casos em que ocorra a violação das regras do que é lógico e normal e a desproporção da quantificação efectuada, a jurisprudência tem entendido que o tribunal ad quem não deve imiscuir-se no quantum exacto da pena.
Neste sentido, veja-se, aliás, o que refere a Sr.ª Juíza Conselheira, Dr.ª Ana Barata Brito, no sumário do Acórdão do STJ de 31.05.2023 (publicado em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/008771ac650c108e802589c1002e86a9 ), que nos permitimos citar, já que sufragamos inteiramente tal entendimento:
«I - O recurso mantém o arquétipo de “remédio jurídico” também em matéria de pena, não cabendo julgar ex novo e proferir uma nova decisão sobre a pena, como se inexistisse a de primeira instância.
II - Daí que o Supremo tenha vindo a considerar, na esteira da doutrina de Figueiredo Dias, que a sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, que desacate operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”» (sublinhado nosso).
E o mesmo se diga quanto à pena única aplicada a cada um deles, considerando a sua personalidade, bem explicitada no acórdão recorrido.
Compõem o concurso de infrações por que os arguidos foram condenados crimes graves, sendo um deles enquadrável nas definições legais firmadas no art. 1º al. j) do CPP.
De gravidade elevada é também a pena única considerando o limiar da moldura penal do concurso relativamente ao recorrente BB (que vai de 5 anos e 8 anos de prisão).
Fazendo, agora, apelo à personalidade dos arguidos, cabe ter presente, ainda, que os mesmos revelam inconsistente consciência crítica relativamente aos seus comportamentos criminais, mantendo um distanciamento relativamente às suas condutas.
Conclui-se, assim, que o comportamento global evidencia forte pulsão dos arguidos para a prática reiterada de crimes, sejam eles contra o património, sejam eles contra as pessoas (o arguido BB foi condenado pela prática de dois crimes de violência doméstica, vindo a cometer agora um crime de roubo contra uma pessoa especialmente vulnerável, quer em face da sua idade quer em termos de saúde, sendo certo que era um familiar que até o tinha acolhido cfr. ponto 164 da matéria de facto provada), ou de outra natureza.
Tudo ponderado, sublinhando-se que o S.T.J. tem adoptado a jurisprudência, na formação da pena única, de fazer acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com factores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um sexto.
E como se lê nos Acórdãos do S.T.J. de 29.04.2010 e 01.07.2012 (referentes aos processos n.ºs 9/07.3GAPTM.S1 e 831/09.6PBGMR.S1, respectivamente, acessíveis na internet em www.dgsi.pt) que “só em casos verdadeiramente excepcionais se deve ultrapassar um terço da soma das restantes penas”, considerando a conduta desviante que manteve, afigura-se-nos adequada as penas únicas de 6 anos e 6 meses de prisão (AA) e 6 anos de prisão (BB) fixada pelo tribunal de 1.ª instância se situam cerca do quinto quanto ao primeiro e abaixo do terço quanto ao segundo.
Caberia, agora, em razão do Ac. de Uniformização de Jurisprudência n.º 12/2025, publicado a 31.10.2025 no Diário da República n.º 211/2025, Série I de 2025-10-31 que fixou a jurisprudência no sentido de que: «A expressão ‘por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto’, do artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, abrange apenas quem ainda não tenha atingido 30 anos de idade à data da prática do facto», averiguar da aplicação ou não de tal jurisprudência.
Contudo, estamos impedidos de fazê-lo, porquanto foi o arguido quem recorreu da medida da pena, tendo-lhe sido aplicado o perdão de penas que não discute (e que foi aplicado antes deste AUJ), face ao disposto no art. 409.º, n.º 1 do CPP.
Atendendo ao ora decidido e atendendo à pena única aplicada ao arguido BB (6 anos de prisão, ainda que tenha sido perdoado um ano, de forma condicional), fica prejudicada a apreciação da eventual suspensão da execução da pena de prisão, por impossibilidade legal (cfr. art. 50.º, n.º 1, a contrario, do CP).
Por tudo o exposto, as penas parcelares e a pena única de prisão aplicadas a cada um dos recorrentes serão integralmente mantidas, improcedendo, consequentemente, os recursos nesta parte.
6. Da redução do valor da indemnização fixada ao demandado AA:
Considerando a alteração aos pontos 41 e 121 da matéria de facto provada, importa reduzir a indemnização fixada quanto à reparação dos danos causado à viatura TN-..-.. que passará para o valor de 1.673,96€ (mil seiscentos e setenta e três euros e noventa seis cêntimos), acrescida de juros moratórios, como ficou determinado no acórdão recorrido.
Termos em que procede, parcialmente, o recurso nesta parte.
7. Da eventual absolvição do demandado BB do pagamento ao Estado português do valor de 9.879,72€:
Face ao que ficou dito anteriormente, fica prejudicada a apreciação desta última questão.
***
IV. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em:
A. Negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente BB e, em consequência, confirma-se o acórdão recorrido.
B. julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo recorrente AA e, em consequência:
i. proceder à alteração dos pontos 41 e 121 da matéria de facto provada e da al. m) dos factos não provados, os quais passarão a ter a seguinte redacção:
«41. Com a sua conduta, o arguido causou prejuízos no veículo de matrícula TN-..-.., que se computam em 1.673,96€ (mil seiscentos e setenta e três euros e noventa seis cêntimos).
121. Em consequência directa, necessária e adequada da conduta do demandado AA e descrita nos pontos 30 a 54, o demandante sofreu prejuízos na sua viatura TN-..-.. no valor de 1.673,96€ (mil seiscentos e setenta e três euros e noventa seis cêntimos).»
«m) Com a sua conduta, o arguido AA causou prejuízos no veículo de matrícula TN-..-.., no valor de, pelo menos, 4.200,00€.»
ii. proceder à alteração do ponto b.1 do dispositivo que passará a ter a seguinte redacção:
«b.1. Condenar o demandado AA a pagar ao demandante a título de danos patrimoniais, o valor global de 1.673,96€ (mil seiscentos e setenta e três euros e noventa seis cêntimos), absolvendo do demais peticionado nesta parte, acrescido de juros moratórios vincendos à taxa legal desde a citação até integral pagamento.»
iii. julgar improcedente o recurso nos demais segmentos decisórios.
*
Custas pelo recorrente BB, fixando a taxa de justiça em 4 UCS (art. 513.º, n.º 1 do CPP e arts. 8.º, n.º 9, do RCP, com referência à Tabela III).
Sem custas para o recorrente AA, nos termos do art. 513.º, n.º 1, a contrario, do CPP.
Notifique.
***
Lisboa, 20 de Novembro de 2025
Marlene Fortuna
Ivo Nelson Caires B. Rosa
Paula Cristina B. Gonçalves