Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO MOREIRA | ||
Descritores: | DESPACHO SANEADOR MÉRITO DA CAUSA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/24/2022 | ||
Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA | ||
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Sumário: | 1- O conhecimento do mérito da causa em sede de despacho saneador, sem necessidade de produção de prova quanto a factos controvertidos, justifica-se quando, do confronto da vertente fáctica da causa de pedir com as várias soluções plausíveis de direito, se conclua que essa actividade probatória se apresenta como inútil, porque a demonstração da referida factualidade não permite a afirmação do direito a que se arroga o autor, não só segundo a solução de direito nos termos afirmados pelo tribunal, mas igualmente segundo as demais soluções de direito que se apresentem como suficientemente seguras para justificar essa conclusão, do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial. 2- A invocação pelo A. da sua qualidade de legatário quanto a metade de um prédio rústico, relativamente ao qual, ainda em vida da testadora, foi expropriada amigavelmente uma parcela, contra a entrega ao R. da respectiva indemnização, não conduz à afirmação do direito do A. a receber metade dessa indemnização, na medida em que tal crédito era da titularidade da testadora e, com o seu óbito, não se transmitiu ao A. por força da sua posição de legatário. 3- Desta forma, deve a pretensão do A. ser julgada improcedente logo em sede de despacho saneador, sem que seja necessário apreciar a questão da licitude ou ilicitude da actuação do R. que conduziu ao recebimento da indemnização em questão, bem como do destino que lhe deu. (Sumário elaborado ao abrigo do disposto no art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados: António M. propôs acção declarativa com processo comum contra Duarte M., pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 24.923,00, bem como juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento, e perfazendo os vencidos nos últimos cinco anos o montante de € 4.987,33. Alega para tanto que: - Em 1/6/1988 Maria M. constituiu seu bastante procurador Sebastião A., o qual substabeleceu com reserva no R., em 5/6/1992, os poderes conferidos por aquela; - Por testamento cerrado exarado em 13/3/1990 e aprovado em 21/3/1990 a referida Maria M. legou a favor do A. metade do prédio rústico designado por “Caniçais (…)” ou “(…)”, descrito na Conservatória (…); - O referido Sebastião A. faleceu em 16/1/2000; - Em 28/11/2003 o R., munido do substabelecimento referido, negociou a expropriação amigável de uma parcela de 51.669 m2 do prédio rústico acima referido, recebendo da expropriante a indemnização acordada de € 49.846,00; - O R. omitiu dolosa e ilicitamente à expropriante “Brisa – Auto‑Estradas de Portugal, S.A.” que Sebastião A., seu pai, tinha falecido em 16/01/2000 e que, em consequência, a procuração de 1/6/1988 havia caducado, bem como o substabelecimento de 5/6/1992; - Na data da expropriação amigável a referida Maria M. encontrava-se em estado vegetativo, assim permanecendo até à sua morte, em 17/2/2005; - O R. não entregou à referida Maria M. ou ao A. qualquer montante da indemnização que recebeu da expropriante; - Quando o A. recebeu metade do prédio rústico acima referido, por força do testamento da referida Maria M., recebeu, de facto, menos metade da parcela de 51.669 m2 que foi objecto da expropriação, quando deveria ter recebido a totalidade da metade do prédio, não fora a expropriação efectuada com a conivência ilícita e ilegal do R.; - O A. teve um prejuízo correspondente a metade do montante indemnizatório que o R. recebeu da expropriante, e a que corresponde um enriquecimento ilícito do R., de igual montante. O R. foi citado e apresentou contestação, onde arguiu a excepção dilatória da ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário activo, dado não estar em juízo a herança aberta por óbito de Maria M. Mais se defendeu por impugnação alegando, em síntese, que é irmão do A. e que eram os seus pais que geriam e procediam ao pagamento dos custos e encargos necessários à vida da referida Maria M., tia de ambos, tendo a negociação com a expropriante sido efectuada sempre na presença do A., e tendo o referido valor da indemnização sido depositado em conta bancária da mãe do A. e do R., para fazer face aos elevados encargos que a condição vegetativa da referida Maria M. acarretava, o que igualmente foi do conhecimento do A. Mais alega que, tratando-se de um legado, o A. apenas podia receber o que pertencia à testadora, à data do óbito, e sendo que nesse momento já não lhe pertencia a parcela expropriada nem o valor da indemnização pela expropriação, por ter sido gasto na satisfação dos encargos da testadora. Conclui pela ilegitimidade do A., bem como pela improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido, e bem ainda pela condenação do A. como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor. O A. respondeu ao incidente de litigância de má fé, concluindo pela sua não verificação, e pediu a condenação do R. como litigante de má fé, em multa e indemnização. Mais requereu a intervenção principal provocada dos herdeiros de Maria M., para o caso de se verificar a preterição do litisconsórcio necessário activo invocado pelo R. Foi admitida a intervenção principal provocada requerida pelo A., tendo os herdeiros em questão sido citados para, querendo, intervirem na acção na qualidade de autores. Dos herdeiros que vieram aos autos, todos declararam fazer seus os articulados do R. Após ter sido fixado o valor da causa e ter sido acordada a dispensa da audiência prévia, mais sendo facultada às partes a discussão de facto e de direito por escrito, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu o R. do pedido. O A. recorre desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: 1ª O Tribunal “a quo” decidiu mal e ilegalmente quando julgou a presente acção totalmente improcedente, por não provada, e decidiu absolver o Réu do pedido contra si deduzido e quando decidiu condenar o A. nas custas. 2ª O Tribunal “a quo” fez uma apreciação errada, incompleta e ilegal da Prova. Com efeito, 3ª O Tribunal “a quo” deveria ter dado por provado que: I- Aquando da realização do Auto de Expropriação Amigável – doc. 5, junto com a P.I. não impugnado por nenhuma das partes -, realizado em 28/11/2003 (entre a Brisa, S.A. e o aqui R. Duarte M., alegadamente Advogado) e este recebeu Euros: 49.846,00, a Procuração e Substabelecimento no qual o R. estribou a sua legitimidade e poderes para realizar e subscrever o susodito Auto de Expropriação Amigável, encontravam-se caducados/extintos desde 16/01/2000 (data da morte de Sebastião A.) e que, decorrentemente, o R. não tinha legitimidade, nem poderes para realizar e subscrever o referido Auto de Expropriação, nem para receber os Euros: 49.846,00, que recebeu; II- O R. interveio no “Auto de Expropriação Amigável” – doc. 5, junto com a P.I. -, como Procurador e em representação de Maria M., conforme Procuração e Substabelecimento elaborados, respectivamente, no 2.º Cartório Notarial (…) em 01/06/1988 e no Cartório Notarial (…) em 05/06/1992, cujas fotocópias foram declaradas arquivadas no doc. 5 junto com a P.I. e constam como Docs. 1 e 2, respectivamente, juntos com a P.I. do A.; III- Entre o momento em que o R. recebeu a indemnização da Brisa, S.A. (28/11/2003) e o momento da morte de Maria M. (17/02/2005), ocorreram apenas 15 meses - art.º 28º da P.I. do A. confessado pelo R., nomeadamente, nos arts. 24º e 4º da sua Contestação. 4ª O Tribunal “a quo” ao não dar por provado todo o composto fáctico identificado na Conclusão 3.ª supra (I, II, III, da mesma), fez uma apreciação errada, incompleta e ilegal da Prova. Com efeito, 5ª Tal composto fáctico identificado na Conclusão 3.ª supra (I, II, III da mesma) deve ser dado por provado, o que se requer. 6ª A Procuração e o Substabelecimento que o R. utilizou e se serviu para realizar e subscrever, em 28/11/2003, o “Auto de Expropriação Amigável” – doc. 5, junto com a P.I. -, e para receber os Euros: 49.846,00, de que se locupletou indevida, ilícita e ilegalmente, estavam caducados/extintos desde 16/01/2000, (data da morte de D. Sebastião A.), há mais de três anos, portanto. Do que decorre que, 7ª Tal utilização de Procuração e Substabelecimento caducados/extintos e sem qualquer valor jurídico ou outro, consubstancia um facto/acto ilícitos. Pelo que, 8ª “In casu”, o R. não tinha quaisquer poderes e/ou legitimidade, para realizar e subscrever o “Auto de Expropriação Amigável” – doc. 5, junto com a P.I. -, nem concomitantemente, tinha quaisquer poderes e/ou legitimidade para receber os Euros: 49.846,00, que recebeu e que ilícita e ilegalmente se locupletou e, desse modo, enriqueceu o seu património pessoal à custa de outrem, sem qualquer causa justificada para tal enriquecimento pessoal e ilícito. É assim que, 9ª O Tribunal “a quo” ao decidir da forma que decidiu, absolvendo o R. do pedido, violou o estabelecido nos arts. 265º; 268º; 473º e segs., todos do código civil – direito substantivo. 10ª Na sua douta Decisão/Sentença o Tribunal “a quo” não teve em conta e consideração a matéria fáctica dada por provada em D) dos factos provados, que, concatenada, com a matéria fáctica que deveria ter sido dada por provada (constante na conclusão 3.ª supra) – mas que não foi -, e com a demais matéria fáctica dada por provada, não poderia desaguar noutro desiderato que não fosse a Condenação do R. conforme requerido em sede de Petição Inicial (P.I.). Do que decorre que, 11ª A Sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, deverá ser revogada, o que se requer. E, decorrente e concomitantemente, deverá o V. Tribunal da Relação de Lisboa, proferir douto Acórdão que condene o R. nos precisos termos requeridos em sede de Petição Inicial apresentada a Fls. dos autos pelo A., o que igualmente se requer. O R. apresentou alegação de resposta, aí formulando as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem: a) O recorrente não cumpriu o ónus que lhe é imposto pelo art. 639.º do CPC. b) O recorrente não cumpriu o ónus que lhes é imposto pelo artº 640º do Cód. do Proc. Civil. c) O Tribunal da Relação apenas pode alterar a matéria de facto fixada dentro do respeito pelo princípio da livre apreciação das provas atribuído ao julgador em 1.ª instância, e dentro do restrito papel da Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto, aos casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis nos autos (v.g. documentos) e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto, o que manifestamente não ocorreu no caso sub judice. d) Não pode ser subvertido o princípio da livre apreciação da prova. e) O legatário apenas tem direito ao legado, nos exactos termos em que ele existir à data da morte do testador, já que apenas sucede ao testador nas relações jurídicas de que este era titular à data da sua morte. f) No caso dos autos a titular inscrita no registo, era Exmª Srª Maria M., pelo que apenas ela teria legitimidade para deduzir uma pretensão sobre um eventual enriquecimento injustificado do recorrente, se fosse caso disso. g) O recorrente actuou nestes autos com manifesta litigância de má-fé. O A. não apresentou resposta ao incidente de litigância de má fé suscitado pelo R. na sua alegação de resposta. * Conhecendo desde já, e a título preliminar, da pretensão do R. no sentido de o A. dever ser convidado a sintetizar as conclusões do seu recurso, sob pena de rejeição das mesmas, é certo que as referidas conclusões não apresentam a forma sintética imposta pelo nº 1 do art.º 639º do Código de Processo Civil. Todavia, entende-se que não era justificável qualquer convite, nos termos do nº 3 do mesmo art.º 639º, já que a forma como as conclusões se apresentam sempre possibilita a identificação das questões sob recurso (e subsequente conhecimento das mesmas). Do mesmo modo, tal convite só redundaria no atraso na decisão do presente recurso, sem qualquer vantagem evidente. Pelo que, no exercício dos deveres de gestão processual a que se refere o art.º 6º do Código de Processo Civil, conclui-se não haver lugar à aplicação do disposto no nº 3 do art.º 639º do Código de Processo Civil. * Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem‑se com: - A alteração da decisão de facto: - A aptidão da factualidade dada como provada para a afirmação do direito do A. à quantia peticionada. Adicionalmente, importa apreciar e decidir se a conduta processual do A. integra o conceito de litigância de má fé, como requerido pelo R. * Na sentença recorrida considerou-se como provada a seguinte matéria de facto: A. Por testamento aprovado no dia 21 de Março de 1990, no 2.º Cartório Notarial (…), exarado em 13 de Março de 1990, Maria M., solteira, maior, testou a favor do A. metade do prédio rústico designado por “Caniçais (…)” ou “(…)”, descrito na Conservatória (…) e inscrito na respectiva matriz predial rústica (…). B. O R. tinha inteiro e perfeito conhecimento do susodito, bem assim como toda a família. C. Maria M. faleceu no dia 17 de Fevereiro de 2005, no estado de solteira e teve a sua última residência habitual, na Av. (…). D. Nos últimos 10 anos da sua existência antes do falecimento, a referida Maria M. viveu acamada (na sua residência) em estado vegetativo sem capacidade para entender seja o que for, num estado de morbidade, compatível com anomalia psíquica. E. Maria M., em 1 de Junho de 1988, no 2º Cartório Notarial (…), constituiu seu bastante procurador o Sr. Dr. Sebastião A., dando-lhe os poderes constantes do documento 2, junto com a petição inicial e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. F. Sebastião A., em 5 de Junho de 1992, no Cartório Notarial (…), substabeleceu, com reserva, no R., todos os poderes que lhe foram conferidos na procuração, por Maria M., outorgada em 1 de Junho de 1988, no 2º Cartório Notarial (…). G. Sebastião A. faleceu em 16 de Janeiro de 2000. H. Por documento particular denominado “AUTO DE EXPROPRIAÇÃO AMIGÁVEL”, datado de 28 de Novembro de 2003, junto como documento 5 com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, subscrito por Manuel P., em representação de Brisa, Auto‑Estradas de Portugal, S.A. e pelo R., em representação de Maria M., foi declarado que: Que, nos termos do artigo único do Decreto-Lei n.º 467/72, de 22 de Novembro, e em harmonia com as Bases a ele anexas, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 294/97, de 24 de Outubro, foi adjudicada à sua representada, “BRISA, AUTO‑ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A.”, a concessão da construção, conservação e exploração de auto-estradas, a qual foi revista pelo Decreto-Lei n° 287/99, de 28 de Julho e Decreto-Lei n° 314A/2002, de 26 de Dezembro. Que, por despacho de 7 de Janeiro de 2003, proferido pelo presidente do Instituto de Estradas de Portugal, foram aprovadas as plantas parcelares e o mapa de áreas das expropriações dos terrenos necessários à construção do Sublanço (…) da (…), resultando a declaração de utilidade pública urgente das expropriações consideradas necessárias à efectivação da obra, conforme consta do Despacho n.º 7480-A/2003 (2ª série), de 18 de Março de 2003, do Secretário de Estado das Obras Públicas, publicado no Diário da República n.º 90, II Série, suplemento, de 16 de Abril de 2003. Que, com vista à construção do citado sublanço, a BRISA, AUTO-ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A. e segundo outorgante, acordaram na expropriação amigável da parcela (…) do referido empreendimento, constituída por um terreno com a área de 51.669 m2, dos quais 2.793 m2 se destinam à construção de restabelecimento da rede viária e 255 m2 à construção de vala, com as seguintes confrontações: Norte (…); Sul (…); Nascente (…); Poente (…); A identificada parcela de terreno vai ser destacada do prédio rústico denominado “Caniçais (…)” ou “(…)”, sito na freguesia (…), descrito na Conservatória (…), onde se encontra registado a favor da representada do segundo outorgante pela inscrição (…) e inscrito na respectiva matriz (…). Que paga como indemnização pela expropriação da parcela acima identificada a importância global de 49.846,00 € (quarenta e nove mil oitocentos e quarenta e seis euros), sendo 27.980,12 € (vinte e sete mil novecentos e oitenta euros e doze cêntimos) pelo terreno que constitui a parcela nº 162, 12.505,68 € (doze mil quinhentos e cinco euros e sessenta e oito cêntimos) pela destruição das benfeitorias nela existentes e 9.360,20 € (nove mil trezentos e sessenta euros e vinte cêntimos) por desvalorização da sobrante localizada a Norte da parcela. Que, em cumprimento do acordado, vem por este meio expropriar amigavelmente à representada do segundo outorgante, nos termos e para os efeitos dos artigos 33° e seguintes da Lei n° 168/99, de 18 de Setembro, a referida parcela de terreno para o indicado fim e mediante o pagamento da citada indemnização. (…) * Da alteração da matéria de facto A sentença recorrida foi proferida nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 595º, nº 1, al. b) e nº 3, do Código de Processo Civil. E a factualidade dada como provada resulta, como consta da sentença recorrida, “do acordo das partes e do teor dos documentos juntos aos autos, cujo teor não foi impugnado”. Sustenta o A. que o tribunal recorrido errou na apreciação da prova, o que determina que ao elenco de factos assim provados por acordo das partes deve ser acrescentada a matéria relativa à caducidade da procuração e do substabelecimento, a matéria relativa à qualidade em que o R. interveio no “AUTO DE EXPROPRIAÇÃO AMIGÁVEL” outorgado em 28/11/2003 e a matéria relativa ao lapso de tempo decorrido entre a outorga desse documento particular e o óbito de Maria M. Independentemente das considerações que se pudessem tecer sobre o (in)cumprimento do ónus a que respeita o art.º 640º do Código de Processo Civil, as mesmas revelam-se totalmente inúteis para o fim visado pelo A., no sentido da pretendida alteração da factualidade provada, pela singela razão de não haver que aditar ao elenco de factos provados as matérias relativas à caducidade dos instrumentos identificados em E. e F. dos factos provados, à qualidade em que o R. outorgou no “AUTO DE EXPROPRIAÇÃO AMIGÁVEL” de 28/11/2003, e à constatação de que entre 28/11/2003 e 17/2/2005 decorreram “apenas 15 meses”. Com efeito, a matéria relativa à qualidade em que o R. outorgou no “AUTO DE EXPROPRIAÇÃO AMIGÁVEL” de 28/11/2003 já consta do facto elencado em H., aí ficando expressamente afirmado que “pelo R., em representação de Maria M.”, foi declarado o que ficou a constar do documento em questão. Quanto à questão da caducidade dos instrumentos identificados em E. e F. dos factos provados, trata‑se de matéria de direito, havendo que ser afirmada (ou não) a caducidade a partir da restante factualidade (a data do óbito de Sebastião A.) alegada pelo A. e dada como provada. E quanto à questão do decurso do prazo de 15 meses entre 28/11/2003 e 17/2/2005, também não se está perante qualquer facto, mas antes perante uma mera conclusão, que se retira da simples constatação da passagem do tempo. Ou seja, e acompanhando o afirmado na sentença recorrida, não há que considerar a matéria da caducidade e a matéria do decurso do tempo como constituindo factualidade que devesse ser considerada no elenco de factos provados, já que não passa de matéria conclusiva e de questões de direito. Nesta mesma medida, e porque a sentença recorrida foi proferida no termo dos articulados, no pressuposto que o estado do processo permitia a apreciação total do pedido deduzido pelo A., sem necessidade de mais provas, como decorre do art.º 595º, nº 1, al. b) e nº 3, do Código de Processo Civil, todas as considerações sobre a “apreciação errada, incompleta e ilegal da Prova” carecem de qualquer sentido, pois que desse pressuposto decorre a desnecessidade de enunciação de temas da prova e da subsequente instrução e realização da audiência final. Pelo que, nesta parte, improcedem as conclusões do recurso do A. *** Da aptidão da factualidade dada como provada para a afirmação do direito de crédito invocado pelo A. Na sentença recorrida afirmou-se a improcedência da acção pela seguinte forma: “Atenta a factualidade considerada como provada, está em causa nos presentes autos o enriquecimento por intervenção. Com efeito, esta modalidade de enriquecimento sem causa diz respeito às situações em que alguém obtém um enriquecimento através de uma ingerência não autorizada no património alheio, sendo o seu fim a restituição ao titular da vantagem patrimonial obtida pelo interventor, o que ocorrerá sempre que, de acordo com a repartição dos bens efectuada pela ordem jurídica, essa vantagem se considere como pertencente ao titular do direito (…). E, no caso do direito de propriedade, ante o que dispõe o artigo 1305.º do Código Civil, a disposição não autorizada de bens legitimam o respectivo titular a exigir a restituição por inteiro da vantagem obtida, ainda que não tenha sofrido um prejuízo efectivo. No presente caso, dúvidas inexistem que (nem as partes sobre ela divergem) a expropriação parcial (da área de 51 669m2) do prédio rústico denominado Caniçais (…) ou (…), registado a favor de Maria M., ocorreu em 28 de Novembro de 2003. Mais resultou apurado que, por testamento lavrado em 21 de Março de 1990, Maria M. deixou em legado ao A. metade do prédio (…). A testadora, Maria M., faleceu em 17 de Fevereiro de 2005. Ora, a sucessão é a aquisição derivada translativa, por morte, de situações jurídicas, sendo apenas aberta no momento da morte do seu autor, momento em que são chamados à sucessão os sucessores: herdeiros ou legatários (artigos 2031.º e 2032.º do Código Civil). Para o que ao caso interessa, a sucessão pode ser deferida por testamento, mediante o qual é atribuída a qualidade de sucessível antes da morte do de cujus e, tratando-se de sucessão em relação a bens ou valores determinados, o sucessor é denominado de legatário - artigos 2026.º e 2030.º, n.º 2 do Código Civil. O testamento constitui um negócio jurídico unilateral, não receptício, gratuito, formal e livremente revogável, mediante o qual o testador dispõe, para depois da sua morte, de todos ou parte dos seus bens. Trata-se, por isso, de um negócio jurídico mortis causa, na medida em que as disposições testamentárias apenas produzem efeitos após a morte do testador. Da factualidade apurada, resulta que, à data da morte da testadora (2005), o bem deixado em legado, já não existia, ainda que parcialmente, no seu património. E isto por via do acto de expropriação ocorrido no ano de 2003, ainda em vida da testadora. Com efeito, por via da expropriação, ao bem deixado em legado, foi desanexada a área de 51 669m2. É, assim, aplicável o que dispõe o artigo 2254.º do Código Civil, sob a epígrafe Legado de coisa não existente no espólio do testador: 1. Se o testador legar coisa determinada, ou coisa indeterminada de certo género, com a declaração de que aquela coisa ou este género existe no seu património, mas assim não suceder ao tempo da sua morte, é nulo o legado. 2. Se a coisa ou género mencionado na disposição se encontrar no património do testador ao tempo da sua morte, mas não na quantidade legada, haverá o legatário o que existir. Em regra, o legado de coisa alheia é nulo (vide artigos 2251.º, 2252.º e 2254.º e 2256.º do Código Civil). Não obstante, se o testador legar uma coisa, com a declaração de que aquela coisa existe no seu património, e se ela se encontrar no património do de cujus, mas não na quantidade legada, haverá o legatário o que existir (in Jorge Duarte Pinheiro, O Direito das Sucessões Contemporâneo, Almedina, 2020, pág. 143). Se bem percebemos a pretensão do A., este defende que tem direito à totalidade da deixa testamentária do legado, tal como ela foi inscrita no testamento da de cujus e, no caso, por força da sua alienação em vida da testadora, do equivalente em dinheiro. Porém, de acordo com as normas enunciadas, o legatário apenas tem direito ao legado, nos exactos termos em que ele existir à data da morte do testador, já que apenas sucede ao testador nas relações jurídicas de que este era titular à data da sua morte. E, como já vimos, apenas o titular do direito de propriedade sobre que o interventor que tenha enriquecido indevidamente tem legitimidade para pedir a sua restituição; no caso, uma vez que era a titular inscrita no registo, representada pelo R. no acto de expropriação, apenas Maria M. teria legitimidade para deduzir uma pretensão sobre um eventual enriquecimento injustificado do R., se fosse caso disso. Por assim ser, e considerando o enquadramento jurídico dado pelo A., carece de absoluto fundamento legal a sua pretensão”. Para contrariar o assim decidido o A. invoca, com único carácter impugnatório (entendido este como a indicação dos fundamentos não considerados pelo tribunal recorrido, e a partir dos quais a decisão impugnada há-de ser revogada e substituída), a ausência de qualquer explicação sobre como seria possível à proprietária do prédio cuja parcela foi expropriada fazer valer os seus direitos relativamente à conduta ilícita do R., tendo presente o estado vegetativo em que se encontrava. Ou seja, o A. não coloca em crise que a actuação do R. que resulta dos factos provados (a outorga do auto de expropriação amigável, em representação da referida proprietária, e o recebimento do montante indemnizatório acordado) se repercute na esfera jurídica da identificada Maria M. (a referida proprietária). Todavia, argumenta que o estado de incapacidade da mesma impediu-a de fazer valer o seu direito a haver do R. o montante indemnizatório em questão, que o mesmo recebeu da entidade expropriante, naquela sua indicada qualidade de representante da expropriada. E como, entretanto, a referida expropriada faleceu e, por força do testamento que deixou, o A. recebeu, em legado, metade do prédio rústico de onde foi retirada a parcela expropriada, será o mesmo a haver do R. metade daquele montante indemnizatório. Ou seja, parece o A. entender que a circunstância de ser legatário da falecida proprietária do referido prédio rústico o habilita a suceder na posição da mesma como credora do R., quanto a metade daquele montante recebido pelo R. Mas o que o A. não consegue justificar, por não haver justificação para tanto, é a norma que faz concluir por essa transmissão mortis causa. Com efeito, e como ficou sustentado na sentença recorrida, o A. é sucessor da falecida Maria M. por força do testamento feito por aquela, já que através desse testamento a testadora deixou-lhe metade do prédio rústico em questão. Ou seja, o mesmo é chamado à sucessão das situações jurídicas da testadora enquanto legatário, já que sucede num bem determinado (art.º 2030º, nº 2, do Código Civil). E porque do disposto nos art.º 2031º e 2032º do Código Civil resulta que o A. só é chamado à titularidade dessa situação jurídica com a abertura da sucessão, ou seja, no momento da morte da testadora, tal significa, face ao disposto no art.º 2254º do Código Civil, que o mesmo só haverá a coisa legada, no estado em que a mesma se encontra, nesse momento da morte da testadora. O que é o mesmo que dizer que o A. não é titular das situações jurídicas com origem na coisa legada, mas surgidas em momento anterior ao da morte da testadora. Assim, e mesmo que a conduta do R. (ao negociar e receber a indemnização pela expropriação amigável) se possa configurar como ilícita, por falta de poderes de representação da expropriada (e de onde resulta ter o mesmo de responder perante a expropriada pela diminuição do património desta, na medida correspondente à da indemnização recebida pelo R.), tal não significa que, com a morte da expropriada, o direito ao valor assim recebido (emergente da ilicitude da diminuição patrimonial) se transmite para quem lhe suceda na titularidade do prédio rústico cuja parcela foi expropriada, ainda que como legatário. É que, na medida em que a sucessão a esse título respeita tão só à coisa legada, no estado em que se encontra à data da morte da testadora, o A. legatário não sucede nas situações jurídicas a que respeita tal actuação ilícita, ainda que tal actuação ilícita tenha determinado uma alteração da composição da coisa objecto da deixa testamentária, entre o momento do testamento e o momento da morte da testadora. O que é o mesmo que dizer que o A. não é titular do direito a haver do R. o referido montante indemnizatório, ainda que na proporção de metade. Do mesmo modo, e porque ainda que se houvesse de falar na ausência de qualquer causa justificativa para o enriquecimento do R. (correspondente ao locupletamento do valor da indemnização pela expropriação), uma vez que dessa situação não resultaria qualquer empobrecimento do A., mas antes da proprietária expropriada, nunca essa situação jurídica activa integraria o legado do A. É certo que o tribunal recorrido não se pronunciou sobre a invocada caducidade da procuração e do substabelecimento, do mesmo modo que não qualificou a conduta do A., como lícita ou ilícita. E, do mesmo modo, não cuidou de se pronunciar sobre o destino dado ao montante indemnizatório recebido pelo R., designadamente se foi entregue à referida Maria M. ou aplicado na satisfação dos encargos gerados pelo estado vegetativo em que a mesma se encontrou, até à sua morte. Mas estando em causa o conhecimento imediato do pedido deduzido pelo A., em razão da inviabilidade da pretensão daquele, importa não esquecer que, como explica Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª edição, pág. 659), tal conhecimento é admissível “quando o processo contenha todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa, segundo as várias soluções plausíveis de direito e não apenas tendo em vista a partilhada pelo juiz da causa” e, designadamente, quando dos “factos alegados pelo autor (na petição, na eventual réplica e em articulado complementar ou superveniente que porventura tenha tido lugar), (…) não se pode retirar o efeito jurídico pretendido (inconcludência do pedido). Em tal situação, é inútil produzir prova sobre os factos alegados, visto que eles nunca serão suficientes para a procedência do pedido. O réu é absolvido do pedido”. Do mesmo modo, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, pág. 696-697) explicam que a “antecipação do conhecimento de mérito pressupõe que, independentemente de estar em jogo matéria de direito ou de facto, o estado do processo possibilite tal decisão, sem necessidade de mais provas”, designadamente quando “seja indiferente para qualquer das soluções plausíveis a prova dos factos que permaneçam controvertidos: se, de acordo com as soluções plausíveis da questão de direito, a decisão final de modo algum puder ser afectada com a prova dos factos controvertidos, não existe qualquer interesse na enunciação dos temas da prova e, por isso, nada impede que o juiz profira logo decisão de mérito; se o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche de modo algum as condições de procedência da acção, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil o prosseguimento da acção para audiência final”. E mais explicam que “nem sequer está afastada a possibilidade de apreciação do mérito, apesar da existência de outras soluções plausíveis sustentadas em matéria de facto ainda controvertida, desde que o juiz esteja ciente da segurança da sua decisão, embora neste caso deva avaliar os riscos de uma posterior anulação pela Relação, com fundamento da necessidade de ampliação da matéria de facto (art. 662º, nº. 2, al. c), in fine)”. Todavia, advertem estes autores que o efeito de aceleração emergente da antecipação dessa apreciação de mérito pode sair prejudicado pela referida impugnação em sede do recurso de apelação, assim afirmando que “é aqui que a utilização do prudente critério do juiz pode servir para seleccionar os casos em que, apesar das divergências, se justifica o julgamento antecipado, no confronto com aqueles em que será preferível a enunciação dos temas da prova e a posterior actividade instrutória, com vista ao apuramento dos factos que interessem à correcta e completa integração jurídica; como critério geral de actuação, deve o juiz optar entre proferir a decisão do mérito da causa ou relegá-la para depois da audiência final, depois de fazer um juízo de prognose acerca da relevância ou não dos factos ainda controvertidos”. Tal entendimento mais não representa que o acompanhamento da doutrina de Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, volume III, 4ª edição, Coimbra, pág. 189-190), quando este autor afirma que se é “muito conveniente que a justiça seja pronta; (…) é muito mais conveniente que ela seja justa”, mais explicando que “a lei quer que certas questões se arrumem e liquidem no despacho saneador; isto em obediência ao princípio da celeridade e da economia processual. Mas não sacrificou a este princípio uma outra exigência, mais alta e mais preciosa: a da justiça da decisão”. E, na esteira desse entendimento, conclui o mesmo autor que “o mérito da causa será julgado no despacho saneador se a questão puder ser decidida neste momento com perfeita segurança, se o processo contiver todos os elementos necessários para uma decisão conscienciosa”, mais concluindo que “todas estas precauções se resumem num mandamento superior: a segurança não deve ser sacrificada à celeridade”, e concluindo ainda que “segurança, neste caso, quer dizer acerto e justiça. Julga com segurança o tribunal que só emite a sua decisão quando está de posse de todos os elementos necessários para proferir um veredictum consciencioso, ponderado e justo. Se o juiz, na ânsia de andar depressa, julgar uma questão que ainda não está devidamente instruída e amadurecida, sacrificará a justiça à rapidez”. Ou seja, o conhecimento do mérito da causa em sede de despacho saneador, sem necessidade de produção de prova quanto a factos controvertidos, justifica-se quando, do confronto da vertente fáctica da causa de pedir com as várias soluções plausíveis de direito, se conclua que essa actividade probatória se apresenta como inútil, porque a demonstração da referida factualidade não permite a afirmação do direito a que se arroga o autor, não só segundo a solução de direito nos termos afirmados pelo tribunal, mas igualmente segundo as demais soluções de direito que se apresentem como suficientemente seguras para justificar essa prognose, do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial. No caso concreto é exactamente isso que sucede, já que, como acima se referiu, mesmo que se viesse a afirmar a caducidade da procuração e do substabelecimento, e bem ainda a qualificar a intervenção do R. no acto negocial de 28/11/2003 como uma actuação ilícita, por falta dos poderes de representação que o mesmo declarou, ainda assim tal situação jurídica não se repercute na esfera jurídica do A., enquanto legatário de Maria M., mas sim nesta, e sendo que tal situação jurídica ingressou no conjunto de situações jurídico-patrimoniais a transmitir aos herdeiros (a herança, stricto sensu), e não no legado do A. E é indiferente a incapacidade de facto da referida Maria M., ao tempo da referida actuação, para aferir da titularidade da referida situação jurídica. Aliás, é o A. que, ao colocar tal questão da incapacidade de facto e da consequente impossibilidade de a mesma Maria M. poder ter exercido os seus direitos contra o R., reconhece que era aquela a titular do direito a exercer pela presente acção (e não o próprio A.), assim afastando definitivamente a possibilidade de passar o mesmo a ser o titular desse direito, face à morte de Maria M., tendo presente que a qualidade de legatário de metade de um prédio rústico da mesma não lhe permite adquirir a titularidade do direito de crédito em questão, ingressando o mesmo na porção de situações jurídicas devolvidas aos herdeiros. Pelo que, também nesta parte, improcedem as conclusões do recurso do A., não havendo que fazer qualquer censura à sentença recorrida, quando conheceu de imediato da pretensão do A. e a julgou improcedente, uma vez que ficou verificada a inconcludência ou inviabilidade da mesma, a partir dos factos provados pelo acordo das partes. * Da litigância de má fé Tal como decorre do art.º 542º do Código de Processo Civil, diz‑se litigante de má fé aquele que, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa, tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Como já referiu o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 7/10/2004 (relatado por Maria Laura Leonardo e disponível em www.dgsi.pt), “a acção é um instrumento posto à disposição dos interessados para fazerem valer em juízo as suas pretensões. No artº 266º-A do CPC [que corresponde ao art.º 8º do Código de Processo Civil de 2013] consagra-se um dever geral de probidade. “As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior.” É a violação deste dever (conduta ilícita), de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má fé”. E como já referiu este Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão de 5/5/2011 (relatado por Octávia Viegas e disponível em www.dgsi.pt), “a parte está obrigada a uma pesquisa séria e intensa da verdade dos factos que traz a juízo, tendo uma actuação diligente, usando das precauções exigidas pela mais elementar prudência, a própria de um bom pai de família, naquelas circunstâncias concretas”, sob pena de ser condenada como litigante de má fé. Mas aí igualmente se refere que “o conceito de litigância de má fé previsto no art. 456 do C.P.Civil [que corresponde ao art.º 542º do actual Código de Processo Civil] não abrange os casos de manifesto lapso, lide meramente ousada, pretensão ou oposição cujo decaimento resultou de fragilidade de prova, de dificuldade em apurar os factos e da sua interpretação e de defesa convicta e séria de uma posição que não obteve merecimento. A condenação como litigante de má fé só deve ser proferida quando se estiver perante uma situação em que se manifeste inequivocamente uma conduta dolosa ou gravemente negligente da parte, quando dos autos resultam apurados factos que demonstram o exercício abusivo do direito de acção ou de defesa, o qual deve proporcionar às partes a possibilidade de dirimir as questões de facto e de direito de forma equilibrada e razoável, sem receios de sanções decorrentes do entendimento do tribunal sobre as questões que lhe são submetidas”. A questão da litigância de má fé do A. (e do R.) já foi abordada na sentença recorrida, aí tendo ficado afirmado, para além do mais: “No auxílio de interpretação do instituto da litigância de má-fé, podemos recorrer ao princípio da cooperação, com assento no artigo 7.º do Código de Processo Civil, sendo que se deve realçar, a introdução de um especial dever processual que recai sobre as partes, sujeitando-as a agir de acordo com as regras de boa fé (artigo 8.º do Código de Processo Civil). Contudo, a todas as partes é garantida a possibilidade de fazerem vingar as respectivas posições, desde que estejam convencidas de que lhes assiste legitimidade. (…) A condenação por litigância de má fé pode fundar-se, além de numa situação de dolo, em erro grosseiro ou culpa grave. No entanto, esta concepção explícita agora de litigância de má-fé não se pode confundir com erro grosseiro, com lide meramente temerária ou ousada, com pretensão de dedução ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova e de não ter logrado convencer da realidade por si trazida a julgamento, na eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, ou com discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, na diversidade de versões sobre certos e determinados factos ou até na defesa convicta e séria de uma posição, sem contudo a lograr convencer (vide Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13.03.2008, disponível in www.dgsi.pt). No caso em análise, entende-se que nenhum dos pressupostos elencados se encontra preenchido, na medida em que não resultaram demonstrados quaisquer factos subsumíveis à enunciada norma legal. Termos em que, não se tendo provado nenhum dos pressupostos aludidos no n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil, improcede a pretensão das partes”. O R. entende (no que respeita apenas a esta instância de recurso) que o A. “nas suas alegações pisa e repisa em factos que sabe não serem verdadeiros, nomeadamente que o recorrido “recebeu o dinheiro em apreço sem ter legitimidade, poderes o que quer que fosse…””, sendo que “era do perfeito conhecimento do recorrente dos contornos e dos fins pelos quais foi recebido o cheque de indemnização pela expropriação invocada por ele na petição inicial e que repisa no recurso a que se responde, conforme devidamente atestado nas págs. 9 e 10 do email que o recorrente enviou à sua irmã (…) e que constitui o Doc. nº 5 junto à contestação do R. recorrido, não impugnado na sua letra e assinatura pelo que tem que ser considerado aceite para todos os efeitos legais”. E mais afirma que é do documento em questão que “dúvidas não restam, é de evidente clareza, que o A. recorrente quer na petição inicial, quer agora no presente recurso, alterou a verdade dos fatos, omitiu factos relevantes para a decisão da causa (o referido documento), fazendo do processo uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal e impedir a descoberta da verdade, deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar”. Ou seja, os argumentos apresentados pelo R. para sustentar a qualificação da conduta processual do A. como violadora do dever de agir de acordo com as regras da boa fé assentam na circunstância de ter apresentado um documento (correspondente a uma mensagem de correio electrónico do A.) que permite justificar a sua (do R.) actuação, ao receber o cheque no valor da indemnização pela expropriação acordada, nos termos por si alegados na contestação. Só que tal matéria factual não foi alvo de discussão e decisão, nem na instância recorrida, nem nesta instância de recurso, pelos fundamentos que já acima se deixaram explicitados. Do mesmo modo, a discordância manifestada pelo A. em sede do presente recurso não se prende com a factualidade relativa ao recebimento da indemnização (eventualmente através de cheque, questão factual que fica por esclarecer), mas com a circunstância de o tribunal recorrido ter considerado (erradamente, na sua perspectiva) não ter o A. direito a metade do valor dessa indemnização, atenta a sua qualidade de legatário. Ora, a forma como o A. sustentou a titularidade do referido direito de crédito, quer na instância recorrida, quer nesta instância de recurso, não significa, por si só, que o A. deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, violando o dever geral de probidade a que respeita o art.º 8º do Código de Processo Civil, mas tão só que defendeu convictamente, embora sem razão, uma posição jurídica que não tem apoio doutrinário ou jurisprudencial e que não é acompanhada por ambas as instâncias, mas sem que se demonstre qualquer exercício abusivo, quer do seu direito de acção, quer do seu direito ao recurso da decisão que lhe foi desfavorável. E a discussão em torno desta questão nada tem a ver com as circunstâncias que rodearam a entrega, pela entidade expropriante ao R., da quantia indemnizatória de € 49.846,00, nem tão pouco com o destino dado à referida quantia. Pelo que não se verifica qualquer indício de litigância de má fé na actuação do A., a demandar a sua condenação, nos termos pretendidos pelo R. * DECISÃO Em face do exposto julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida e mais se declarando que não se verificam indícios de litigância de má fé na actuação do A. Custas pelo A. 24 de Fevereiro de 2022 António Moreira Carlos Castelo Branco Orlando Nascimento (vencido, nos termos da declaração de voto que segue) Declaração de Voto No caso sub judice, atenta a sua complexidade e as várias soluções plausíveis das questões de direito, não poderia ser dispensada a audiência de discussão e julgamento, devendo antes ser estabelecida uma base fáctica abrangente e só em seguida ser proferida decisão. Nesta medida daria provimento à apelação. Orlando Nascimento |