Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | OLINDO GERALDES | ||
| Descritores: | IMPORTAÇÃO REFORMA COMPETÊNCIA MATERIAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 05/18/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário: | I. A emissão do certificado de importação cabe no âmbito da gestão pública do Estado. II. O pedido de concessão de prazo de validade para o certificado de importação interfere no conteúdo da respectiva relação jurídica administrativa. III. Tratando-se na acção de reforma de documento, sobretudo, de uma relação jurídica administrativa, a competência material para a acção é dos tribunais administrativos. O. G. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:I. RELATÓRIO F., instaurou, em 28 de Setembro de 2005, na 13.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, contra o Director dos Serviços de Licenciamento, da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, acção especial de reforma de documento, nomeadamente de um certificado de importação, a que se lhe atribua a validade, pelo menos, até 7 de Janeiro de 2006. Para tanto, alegou, em síntese, o extravio do certificado de importação de bananas com destino à União Europeia, de que era possuidora, a sua não utilização e a sua necessidade, com a prorrogação do prazo da sua validade. Realizada a respectiva conferência de interessados, sem qualquer acordo, a Ré contestou, alegando, para além do mais, a incompetência material do Tribunal, em virtude da relação jurídica estabelecida entre o Estado e os particulares, para a emissão do certificado de importação, ser de direito público. Respondeu a Requerente, referindo estar em causa apenas a reforma de documento cuja forma de processo está prevista no CPC. Em 12 de Janeiro de 2006, foi proferido despacho que, julgando procedente a excepção de incompetência material, absolveu a Ré da instância. Inconformada com essa decisão, a Autora agravou e, tendo alegado, formulou, no essencial, as seguintes conclusões: a) O processo de reforma de documentos, previsto no CPC, é aplicável a todos os documentos emanados quer de entidades públicas, quer privadas. b) Ao Tribunal cabe a verificação dos requisitos necessários e da sua respectiva prova, para determinar, por sentença, que a entidade emitente do documento extraviado, emita novo documento em sua substituição, independentemente do prazo da sua validade, pois, obtida a reforma há mecanismos legais para a sua prorrogação. c) Tal não envolve o Tribunal na apreciação da relação jurídico-administrativa subjacente ao documento emitido por entidade pública. d) A decisão recorrida violou, entre outros, os art.º s 1069.º do CPC e 37.º, n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 1291/2000. Pretende, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida. Contra-alegou a parte contrária, no sentido de ser negado provimento ao recurso. A decisão recorrida foi sustentada. Cumpre apreciar e decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Descrita a dinâmica processual, importa conhecer do objecto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, e cuja questão jurídica emergente se reporta unicamente à competência material do tribunal. Decorre do art.º 66.º do Código de Processo Civil (CPC) que os tribunais judiciais são competentes, em razão da matéria, para conhecer das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional. A competência material dos tribunais comuns é fixada, assim, em termos residuais. Aos tribunais administrativos, segundo o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, e pela Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro, incumbe apreciar os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas (art.º 1.º, n.º 1). As relações jurídicas administrativas comportam todas aquelas que decorrem do exercício da função administrativa. Todavia, para a delimitação da competência jurisdicional, interessa distinguir ainda entre actos de gestão pública e actos de gestão privada, sendo certo que apenas os primeiros estão submetidos à jurisdição administrativa. Seguindo Freitas do Amaral, a gestão pública é a actividade da Administração Pública desenvolvida sob a égide do Direito Administrativo, enquanto a gestão privada é actividade da Administração Pública desenvolvida sob a égide do Direito Privado (Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 1986, pág. 134). Em sentido idêntico, segue também Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª edição, pág. 648). Nesta perspectiva, no caso presente, foi pedida a reforma de documento, nomeadamente de um certificado de importação extraviado, com a atribuição do prazo de validade, pelo menos, até 7 de Janeiro de 2006. A emissão do certificado de importação cabe no âmbito da gestão pública que está cometida ao Estado Português, nomeadamente no que se refere à importação e exportação de produtos. Assim, a relação jurídica que se estabelece entre o Estado Português, através da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, e os respectivos interessados é materialmente regulada pelo Direito Administrativo. Tal como a pretensão jurisdicional aparece formulada nos autos, a mesma vai para além da reconstituição do documento extraviado, finalidade específica do processo especial de reforma de documentos previsto no art.º 1069.º do CPC, na medida em que se pretende, também e especialmente, a concessão de um prazo de validade diferente daquele que estava previsto no documento a reformar (7 de Outubro de 2005), como foi expresso no artigo 16.º da petição inicial. Esta última circunstância, todavia, para além de colidir com a referida reconstituição, interfere indelevelmente no conteúdo da relação jurídica administrativa estabelecida entre o Estado Português e a agravante, subjacente à emissão do certificado de importação, nomeadamente quanto ao prazo de validade, que está subtraída à jurisdição dos tribunais comuns. Revela-se, por isso, evidente que, tratando-se, sobretudo, de uma relação jurídica administrativa, a competência para a acção está reservada aos tribunais administrativos. A mesma conclusão deve ser retirada, por maioria de razão, se com a acção se pretende obter a emissão do certificado de substituição do certificado de importação prevista no n.º 2 do art.º 37.º do Regulamento (CE) n.º 1291/2000, finalidade especificada na decisão recorrida e que as conclusões da recorrente parecem confirmar, e cuja respectiva emissão cabe no âmbito da gestão pública atribuída ao Estado Português. Estando a competência material para a acção atribuída à jurisdição administrativa, há infracção das regras da competência em razão da matéria, quando aquela, com a particularidade mencionada, é submetida à jurisdição dos tribunais comuns, pelo que bem se decidiu, quando se absolveu da instância a agravada, não tendo sido violada qualquer disposição legal, designadamente as enumeradas pela agravante. Nesta conformidade, carecendo de fundamento, deve ser negado provimento ao agravo. 2.2. A agravante, ao ficar vencida por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, de harmonia com a regra da causalidade consagrada no art.º 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC. III. DECISÃO Pelo exposto, decide-se: 1) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida. 2) Condenar a agravante no pagamento das custas. Lisboa, 18 de Maio de 2005 (Olindo dos Santos Geraldes) (Ana Luísa de Passos Geraldes) (Fátima Galante) |