Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5709/2007-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: SIMULAÇÃO DE CONTRATO
PROVA TESTEMUNHAL
NULIDADE DO CONTRATO
ABUSO DE DIREITO
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
SOCIEDADES COMERCIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/03/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I- Havendo princípio de prova documental, deixa de se justificar a proibição, estabelecida no artº 394º, nº 2, do Cod. Ciivl, de prova testemunhal quanto ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado quando invocado pelos próprios simuladores.
II- No caso de o contrato de trabalho ser formalizado com uma sociedade, tendo a prestação efectiva de trabalho lugar para outra sociedade, gerida de facto pela mesma pessoa singular, que paga pessoalmente algumas das retribuições, sendo que outras são pagas pela sociedade beneficiária da prestação de trabalho é, manifestamente, um caso que, a ser tratado em termos de simulação, com a declaração de nulidade do contrato formalizado, sendo certo que (certamente por confiar no contrato escrito), não foi demandada a sociedade beneficiária da prestação do trabalho do A. nem a gerente de qualquer das sociedades, nem sequer mandadas intervir no processo, redundaria num benefício ao infractor, deixando totalmente desprotegido o trabalhador que foi alheio a essa opção.
III- A invocação da nulidade do contrato pela sociedade com quem foi formalizado o contrato com fundamento na simulação, nas referidas circunstâncias, configura abuso de direito.
IV- Sendo a opção de fazer intervir uma sociedade na formalização do contrato, apesar de se saber que o trabalho a prestar seria para outra sociedade do grupo, tomada no âmbito do grupo, tem total pertinência desconsiderar a personalidade jurídica de cada uma das empresas – a que formalizou o contrato e aquela que dele beneficiou – considerando o contrato (o formalizado e o executado) um único, pelo que, qualquer das sociedades, enquanto parte do grupo, pode responder pelo contrato. I- Havendo princípio de prova documental, deixa de se justificar a proibição, estabelecida no artº 394º, nº 2, do Cod. Ciivl, de prova testemunhal quanto ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado quando invocado pelos próprios simuladores.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

(A) instaurou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra(B) Ldª pedindo:
a) deve ser declarada a existência de contrato de trabalho sem termo entre Autor e Ré
b) deve ser declarado ilícito o despedimento e, em consequência,
c) deve a Ré ser condenada a reintegrar o Autor com a categoria e antiguidade que lhe competem ou a pagar a respectiva indemnização de antiguidade de 2.025 € se porventura este vier a exercer essa opção até à data da prolação da sentença
d) deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento ilícito até ao trânsito em julgado da decisão, no valor de 3.150 €
e) deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor a quantia de 1.800 € a título de retribuições, acrescida de juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento
f) a ser entendido considerar-se um contrato a termo certo, deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor uma compensação correspondente a três dias de remuneração por cada mês de duração do vínculo, no valor de 429,45 €
g) deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor quantia nunca inferior a 2.500 € a título de danos não patrimoniais
h) deve a Ré ser condenada a pagar os juros de mora desde a data da citação até efectivo e integral pagamento
i) deve a ré ser condenada a efectuar os respectivos descontos para a Segurança Social
Alegou, em síntese:
- foi admitido para trabalhar para a Ré em 1/3/2004 mas apenas em Fevereiro de 2005 foi o contrato de trabalho reduzido a escrito
- tal contrato escrito é a termo certo mas a razão invocada para o termo – acréscimo excepcional da actividade da empresa no concernente a Serviços de Escritório – não corresponde à verdade, pelo que este contrato de trabalho ilude as disposições convencionais e legais que regulam a contratação a termo
- por outro lado o Autor esteve a trabalhar para a Ré desde Março de 2004 sem contrato reduzido a escrito, isto é, sob um contrato sem termo – art. 131º nº 4 do Código do Trabalho pelo que essa contratação a termo teve por fim único iludir a lei e retirar direitos adquiridos
- a Ré cessou a relação laboral mas contratou de imediato um trabalhador para substituir o Autor
- o local de trabalho do Autor era na Rua ..., onde além da Ré funcionava a (S) Lda
- o Autor foi despedido pela Ré verbalmente no dia 11 de Março de 2005
- a Ré não pagou ao Autor as seguintes retribuições: 15 dias de Março de 2005, de 15 dias de Abril de 2005, de férias vencidas em 1/1/2005, proporcional de férias vencidas em 1/1/2006 e de respectivo subsídio de férias, proporcional de subsídio de Natal
- o Autor sofreu danos não patrimoniais por ter sido vexado pela gerente da Ré e por ter ficado desempregado pois subsiste do fruto do seu trabalho
A Ré contestou pugnando pela improcedência da acção dizendo, no essencial que o Autor nunca trabalhou para si e que o contrato apenas foi assinado para que o Autor conseguisse obter a autorização de permanência e manter-se em situação regular em Portugal.
Em audiência de julgamento veio o Autor declarar que em caso de procedência da acção opta pela indemnização legal, conforme consta na Acta de fls. 190.
Após audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu:
a) declarar que entre o Autor e a Ré foi celebrado um contrato de trabalho sem termo
b) declarar ilícito o despedimento do Autor
c) condenar a Ré a pagar ao Autor a indemnização em substituição da reintegração que se fixa em 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, não podendo ser inferior a três meses (368,30 € x 3= 1.194,90 €), calculando-se a indemnização até ao trânsito em julgado da decisão judicial, a que acrescerão os juros de mora à taxa legal, que está fixada em 4%, que se vencerem desde essa data até integral pagamento absolver a Ré do mais que era pedido
            Inconformada, apelou a R., que sintetiza as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
            O apelado contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença.
No mesmo sentido se pronunciou o M.P. nesta Relação.

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do A., verifica-se das precedentes conclusões que o mesmo coloca duas questões:
- se pode ser atendida prova testemunhal quanto à simulação do contrato, invocada por um dos simuladores;
- se, nas circunstâncias dadas como provadas (não ter sido executado o contrato firmado, mas outro, com outra entidade, que não a R.), a condenação da R. em indemnização ao A. em substituição da reintegração constitui abuso de direito.

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1 – O Autor é de nacionalidade brasileira.
2 – O Autor e a Ré outorgaram o escrito intitulado «Contrato de trabalho» datado de 01/03/2004 cuja cópia consta como documento 1 de fls. 29/30 que se dá aqui por reproduzido.
3 – Esse escrito foi registado sob o nº 1705001260 na Inspecção Geral do Trabalho em 15/4/2005 tendo merecido parecer favorável.
4 – Por carta registada com aviso de recepção datada de 17/3/2005 e enviada em 30/3/2005 a Ré comunicou ao Autor: «Venho por este meio informar V. Exa de que não pretendo proceder à renovação do seu contrato de trabalho a termo celebrado em 1 de Março de 2004, em face de se encontrarem preenchidas as necessidades temporárias da empresa, que originaram a sua contratação.
Os efeitos da rescisão produziram-se a partir do terminus do seu período de gozo de férias, nos termos previstos na lei.»
5 – O Autor desempenhou funções de atendimento ao público e na área informática desde data não concretamente apurada de Março de 2004 na Rua ...em Rio de Mouro.
6 – Na Rua ... funcionava e funciona a (S) – Empresa de Trabalho Temporário Lda.
7 – A Ré nunca exerceu a sua actividade nem nunca teve domicílio na Rua ... em Rio de Mouro.
8 – A Ré tem escritório na Av... Loja A.
9 – Nas instalações da (S) Lda na Rua ...o Autor teve o horário de trabalho da 9h00 às 13h00 com intervalo de uma hora para almoço e das 14h00 às 18h00 e depois, em virtude de se encontrar a frequentar o curso de engenharia informática, passou a ter o horário das 9h00 às 13h00 com intervalo de uma hora para almoço e das 14h00 às 17h00.
10 – Em data não concretamente apurada do ano de 2005 mas cerca de Fevereiro,(B) solicitou ao Autor que passasse a trabalhar no período compreendido das 9h00 às 22h00, para realizar também o horário da irmã deste, (C), tendo o Autor recusado, pelo que aquela lhe disse que assim não precisava do serviço dele.
11 – O Autor prestou trabalho na Rua ...em sábados.
12 – Em data não concretamente apurada do ano de 2005(B) expulsou o Autor das instalações da (S) na Rua ....
13 – A Ré não fez descontos para a Segurança Social no que respeita ao Autor relativamente aos meses de Março e Abril de 2005.
14 – O Autor ficou trancado no WC nas instalações da (S) Lda na Rua ...e pagou a despesa de 95,20 € referente ao serviço de abertura da porta e colocação de nova fechadura por tal lhe ter sido exigido por(B).
15 – O Autor ficou muito abatido por não lhe ter sido permitido continuar a prestar a sua actividade e por deixar de auferir retribuição.
16 – O Autor subsistia do seu trabalho.
17 – A Ré enviou ao Autor a comunicação de 17/3/2005 conforme documento 3 de fls. 35 pois o consultor da Ré (L)aconselhou-a a fazer a denúncia do contrato porque havia sido outorgado pela Ré e a (S) – Empresa de Trabalho Temporário Lda já não queria que o Autor continuasse ao seu  serviço.
18 – O Autor nunca prestou actividade sob as ordens e direcção da Ré mas sim da (S) – Empresa de Trabalho Temporário Lda.
19 – A Ré outorgou com o Autor o escrito intitulado «Contrato de trabalho» datado de  01/03/2004 cuja cópia consta como documento 1 de fls. 29/30 para que o Autor conseguisse obter a autorização de permanência e manter-se em situação regular em Portugal apesar de o Autor não prestar a sua actividade para a Ré mas sim para a (S)  Empresa de Trabalho Temporário Lda, tendo a Ré outorgado esse contrato a conselho do seu consultor (L) porque entendeu que a celebração do contrato com a Ré, que já tinha uma estrutura com pessoal, facturação e clientes, era o processo que mais rapidamente permitiria obter a regularização da situação do Autor em Portugal já que a (S) não tinha quadro de pessoal, não fazendo descontos para a Segurança Social.

            Apreciação
            Como se vê do despacho de fls. 182/189, mais precisamente a fls. 184/185 e 186 a Srª Juíza considerou provada a matéria constante dos nºs 18 e 19 (que fora alegada pela R.) com fundamento no depoimento da testemunha (L), economista e consultor da R. desde que esta foi constituída, o qual aconselhou a pessoa singular(B), gerente da R., “a que fosse celebrado o contrato dos autos entre o A. e a R. apesar de ele trabalhar para a empresa (S) e não para a R., pois o A. precisava de se legalizar, havia que fazer um contrato de trabalho e punha-se a questão de a (S) não ter quadro de pessoal, não fazendo por isso descontos para a Segurança Social, e a testemunha ter entendido que a celebração do contrato com a R., que já tinha uma estrutura com pessoal, facturação, e clientes, era o processo que mais facilmente permitiria obter a legalização, tendo também explicado que a (S) até inícios de 2006 só desenvolveu a sua actividade com pessoas contratadas no regime de recibos verdes, sendo que os cheques de fls. 37 e 38 não foram emitidos pela R.”.
Todavia, na sentença, a Srª Juíza considerou não escrito, para efeito de arguição e prova do acordo simulatório, o facto nº 19, face à proibição do art. 394º do CC, decretando, em consequência, não poder ser oficiosamente declarada a nulidade do contrato com fundamento na simulação. Em seu entender o facto nº 19 apenas pode ser atendido como instrumental para a compreensão da matéria de facto quanto à razão pela qual o A. não prestou actividade para a R..
E não podendo o contrato ser declarado nulo, apreciando a validade do respectivo termo, considerou-o inválido, qualificando como despedimento ilícito a forma como a R. fez cessar o contrato, condenando-a, consequentemente a pagar ao A. indemnização em substituição da reintegração, mas não nos salários por, não tendo o contrato de trabalho sido cumprido ou executado pelas partes, o A. não se ter constituído credor de retribuições referentes ao período anterior ou posterior ao despedimento.
A R. impugna a decisão recorrida relativamente a duas questões: a desconsideração da simulação do contrato de trabalho, por em seu entender não assentar apenas em prova testemunhal mas também documental e por não ter julgado improcedente o pedido de condenação em indemnização por antiguidade com fundamento em abuso de direito.
Vejamos se lhe assiste razão.
Da conjugação pelo menos dos factos consignados nos nº 1, 5, 6, 7,  9, 10, 12, 14, 18 e 19 parece indesmentível que, efectivamente, sob o contrato assinado por A. e  R., cuja cópia consta de fls. 29/30, existiu um outro que as “partes”[1] quiseram realizar e efectivamente realizaram, que foi a celebração de um contrato de trabalho em que o beneficiário da actividade do A. era a “(S) – Empresa de Trabalho Temporário, Ldª”. O contrato com a R. será pois um contrato simulado e aquele que foi efectivamente executado, o contrato dissimulado.
Face ao disposto no art. 394º nº 2 do CC, segundo o qual é inadmissível a prova por testemunhas do acordo simulatório e do negócio dissimulado quando invocado pelos simuladores, estaria o tribunal impedido de valorar o depoimento da testemunha (L) quanto à simulação e como tal dever-se-á considerar não escrito o ponto 19 no que concerne à simulação?
Como referiam Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao preceito em causa[2], “O objectivo dos nºs 1 e 2 é afastar os perigos que a admissibilidade da prova testemunhal seria susceptível de originar: quando uma das partes (ou ambas) quisessem infirmar ou frustrar os efeitos do negócio poderia socorrer-se de testemunhas para demonstrar que o negócio foi simulado, destruindo assim, mediante uma prova extremamente insegura, a eficácia do documento (vide Vaz Serra, Provas nº 136).
Não obstante a formulação irrestrita dos nºs 1 e 2, Vaz Serra propugna a admissibilidade da prova testemunhal em determinadas situações excepcionais: quando exista um começo ou princípio de prova por escrito; quando se demonstre ter sido moral ou materialmente impossível a obtenção de uma prova escrita; e ainda em caso de perda não culposa  do documento que fornecia a prova.”
Com efeito, referia o Prof. Vaz Serra[3]  “Quando há um princípio de prova por escrito que torne verosímil o facto alegado, a  prova testemunhal já não é o único meio de prova do facto, justificando-se a excepção por, então, o perigo da prova testemunhal ser eliminado em grande parte visto a convicção do tribunal se achar já formada parcialmente com base num documento.”
            Também o Prof. Mota Pinto, em parecer publicado na CJ  ano X, T. 3, pag. 10 e seg.  sustentava:
“A interpretação do art. 394º impõe, com efeito, alguma maleabilidade, sob pena de a rigidez de interpretação desta norma conduzir nalguns casos a graves iniquidades.
Por razões de justiça, entendemos que a existência de um princípio de prova por escrito, tal como é definido e aplicado nos sistemas jurídicos francês e italiano, poderá permitir o recurso à prova testemunhal.
Com menos hesitação afirmamos ainda que, existindo já prova documental susceptível de formar a convicção de verificação do facto alegado, é de admitir a prova por testemunhas, a fim de:
1º- interpretar o contexto dos documentos conforme prescreve o nº 3 do art. 393º do CC, na linha de uma orientação fortemente sedimentada na jurisprudência e na doutrina.  …
2º- completar a prova documental desde que esta, a existir … constitua por si só, um indício que torne verosímil a existência de simulação, a qual poderá ser plenamente comprovada não só com a audição de testemunhas juxta scripturum – pelos esclarecimentos e precisões que venham a fornecer à interpretação dos documentos – mas mesmo como modo de integração – complementar, repetimos – da prova documental.”
            Ora no caso vertente foram juntos aos autos pelo próprio A., para comprovar o pagamento da retribuição, cópia de quatro cheques emitidos, dois deles  por (B) (datados respectivamente de 31/3/2004 e de 31/7/2004) e os outros dois (datados respectivamente de 30/6/2004 e de 31/8/2004) por “(S) – Empresa de Trabalho Temporário, Ldª”. Mostram-se ainda juntos aos autos a fls. 152 a 156 cinco documentos (quatro recibos e uma declaração) emitidos pelo A. em nome de “(S) – Centro de Formação Profissional”.
Tais documentos comprovam que as retribuições do A. eram pagas umas vezes pela “(S) – Empresa de Trabalho Temporário, Ldª”, outras vezes pela gerente da R., (B), pessoa que seguramente desempenhava na referida “(S)…” poderes de direcção e autoridade, pois só assim se compreende que tivesse proposto ao A. a alteração do horário que nela tinha atribuído e, face à  recusa do mesmo, lhe tivesse dito que já não precisava do serviço dele (cfr. nºs 6, 9 e 10), que tivesse expulsado o A. das respectivas instalações (cfr. nº 12) e que lhe tivesse exigido o pagamento da fechadura como referido em 14, e comprovam por outro lado que o A. desenvolvia actividade para “(S) – Centro de Formação Profissional”. Constituem, pois, um princípio de prova documental de que o beneficiário da actividade profissional do A. não era a R. mas a  “(S)…”.
E havendo princípio de prova documental, como sustentam os eminentes autores atrás mencionados, deixaria de se justificar a proibição de prova testemunhal quanto ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado quando invocado pelos próprios simuladores (como foi o caso), pelo que não estava o tribunal impedido de declarar a nulidade do negócio simulado, não sendo afectada a validade do negócio dissimulado (cfr. art. 241º do CC).
Afigura-se-nos todavia que uma outra razão impede que se declare a referida nulidade e que tem a ver com a circunstância de a opção de formalizar o contrato de trabalho com o A. através da ora R. e não da sociedade que efectivamente viria a beneficiar do respectiva prestação de trabalho – sendo inequívoco e indiscutível que este desenvolveu, desde Março de 2004 e até ser dispensado e expulso pela gerente da ora R., em 2005, actividade profissional, sujeito a horário de trabalho para a “(S) – Empresa de Trabalho Temporário, Ldª”- foi tomada pela gerente da R., seguramente na qualidade de gestora do grupo empresarial de facto (como decorre do timbre “Grupo F Coimbra” aposto nos doc. juntos a fls. 40 e 41), a que ambas as sociedades pertencem, pois só assim se compreende aquela opção, que foi feita exclusivamente atendendo ao interesse das respectivas empresas, seguindo o conselho do respectivo consultor.
Ora uma situação como a vertente em que, através de uma pessoa singular com poderes de representação de diversas sociedades pertencentes a um grupo (ainda que meramente de facto) se assiste, na relação com um trabalhador, a uma autêntica confusão e mistura de esferas, é uma situação típica de abuso do instituto da pessoa jurídica, no domínio de um grupo de empresas, em que se justifica a desconsideração da personalidade jurídica precisamente para contrariar o abuso e repor a relação sob o domínio do Direito.
Com efeito o caso do autos em que, apesar de o contrato ser formalizado com uma das sociedades, a prestação efectiva de trabalho teve lugar para outra sociedade, gerida de facto pela mesma pessoa singular, que paga pessoalmente algumas das retribuições, sendo que outras  são pagas pela sociedade beneficiária da prestação de trabalho é, manifestamente, um caso que, a ser tratado em termos de simulação, com a declaração de nulidade do contrato formalizado, sendo certo que (certamente por confiar no contrato escrito), não foi demandada a sociedade beneficiária da prestação do trabalho do A. nem a gerente de qualquer das sociedades, nem sequer mandadas intervir no processo, redundaria num benefício ao infractor (o grupo societário que através da referida gerente optou por formalizar o contrato com uma das sociedades, apesar de a respectiva execução se realizar no âmbito da outra sociedade, no seu exclusivo interesse), deixando totalmente desprotegido o trabalhador que foi alheio a essa opção.
A invocação da nulidade do contrato pela R. com fundamento na simulação nestas circunstâncias excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, configurando pois verdadeiro abuso de direito (art. 334º), pelo que não pode proceder. 
A opção de fazer intervir uma sociedade na formalização do contrato, apesar de se saber que o trabalho a prestar seria para outra sociedade do grupo, foi tomada no âmbito do grupo (pois só assim se explica a intervenção do consultor), portanto em termos unitários. Ora, nessa medida, tem total pertinência  desconsiderar a personalidade jurídica de cada uma das empresas – a que formalizou o contrato e aquela que dele beneficiou – considerando o contrato (o formalizado e o executado) um único, no âmbito do “Grupo F Coimbra” independentemente de o escrito estar assinado em nome de uma sociedade, a ora R e apelante, e a efectiva entidade patronal de facto ter sido a “(S)-…”, pelo que, qualquer das sociedades, enquanto parte do grupo, pode responder pelo contrato.
Tendo sido demandada a R. e concluindo, como concluímos, que o contrato não é nulo (sob pena de grave abuso de direito), tem a R. de ser condenada nos termos em que o foi (uma vez que na parte em que foi absolvida do pedido, ocorreu o trânsito em julgado) havendo apenas que rectificar o valor da indemnização, que, neste momento é de € 1473,2 (368,30x4).
Face ao que ficou exposto fica manifestamente prejudicado o alegado abuso de direito no reconhecimento ao A. do direito à indemnização, já que, como deixámos referido, manifesto e chocante abuso de direito seria a absolvição do pedido mercê de uma opção que dependeu apenas das empresas do grupo “FCoimbra”   e da respectiva gestora.
 Termos em que, embora com fundamentação algo diferente, é de confirmar inteiramente a sentença e julgar improcedente o recurso.

            Decisão
Pelo que antecede se acorda em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
            Lisboa, 3 de Outubro de 2007


Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira

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[1] Entendida uma delas – a entidade patronal - em sentido amplo, enquanto grupo de empresas, na medida em que a pessoa singular (B), gerente da R., agia também em representação da (S), como decorre dos pontos 10, 12 e 14, funcionando as respectivas empresas de facto como grupo empresarial de que a referida (B) é a “cabeça”, como decorre, por um lado dos documentos juntos a fls. 40 e 41, contendo o timbre “Grupo F Coimbra”, e por outro da existência do aludido consultor, a funcionar nos moldes mencionados na motivação da matéria de facto, isto é aconselhando o uso de uma sociedade ou de outra. 
[2] CC Anotado, 1º vol., 3ª ed. pag. 342.
[3]  RLJ nº 107, a fls. 312.