Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
419/13.7PAVPV-A.L1-3
Relator: MARIA DA GRAÇA DOS SANTOS SILVA
Descritores: PAGAMENTO HONORÁRIOS
CÚMULO JURÍDICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: 1– A intervenção de defensor oficioso em sede de diligências de realização de cúmulo impõe a obrigação de pagamento de honorários, não obstante o incidente não ser tributado.

2– Tais honorários devem ser fixados e pagos considerando-se que é um incidente posterior ao trânsito em julgado da sentença, do âmbito do artigo 495º/2, do CPP, no quadro correspondente da tabela anexa às Portaria 1386/2004, de 10 de Novembro, 10/2008, de 3 de Janeiro e à Portaria 210/2008, de 29 de Fevereiro.
Decisão Texto Parcial:Acordam os Juízes, em conferência, na 3ª Secção Criminal, deste Tribunal.
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I–Relatório:


Indeferido que foi o pagamento de honorários pela prestação de serviços, de defensor oficioso, relativos a um cúmulo jurídico, veio o referido defensor, Sr. Dr. S.L. recorrer, concluindo as alegações nos termos que se transcrevem:
«a)- Discorda o recorrente da decisão do tribunal "a quo" em não ordenar à Secretaria que fixasse os honorários do recorrente pelos serviços prestados e supra descritos;
b)- De acordo com o Instituto de Acesso ao Direito, tais serviços são remuneráveis, por isso deve a Secretaria fixar os respectivos honorários;
c)- É injusto e inconcebível que o ora recorrente não seja recompensado dos serviços jurídicos que prestou, o que geraria uma verdadeira injustiça.
d)- Nestes termos, foi violado o disposto no artigo 20 da CRP e o espirito da Lei 34/2004 de 29 Julho, alterada e republicada pela lei 47/2007 de 28 de Agosto, vulgo Lei do Apoio Judiciário.
Nestas circunstâncias, deve o douto despacho recorrido ser revogado por outro que determine a fixação dos honorários pretendidos».
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Contra-alegou o Ministério Público, concluindo as respectivas alegações no sentido da improcedência do recurso com fundamento em que «a diligência em causa não se trata de incidente processual tipificado, nem sendo, aliás, tributado com custas processuais. O cúmulo jurídico constitui diligência efectuada depois do trânsito em julgado, pelo que não há lugar a compensação de honorários a título de diligências, mas como sessão efectuada, prevista no n.° 9 da Portaria 1386/2004, de 10/11. ».

Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer com fundamento igual ao da contra-motivação.
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II–  Questões a decidir:
Do artº 412º/1, do CPP resulta que são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso e consequentemente, definem as questões a decidir em cada caso ([1]), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso ([2]).
A questão colocada pelo recorrente é saber se são devidos honorários pela prestação de apoio judiciário em sede de diligências tendentes à realização de cúmulo jurídico de penas.
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III–  Fundamentação de facto:
1- O Dr. S.L., advogado, interveio como defensor oficioso na audiência relativa à realização de cúmulo jurídico, feito nestes autos, relativo às penas aplicadas ao arguido M.P..
2- O referido advogado requereu nos autos o seguinte:
«O defensor prestou os serviços, conforme consta destes autos ao arguido, relativos ao cúmulo jurídico e quando lançou o pedido de honorários no sistema electrónico, a Secretaria do Tribunal recusou-o, alegando que o serviço estava errado (cfr. doc. 1).
Acontece que não existe qualquer razão para que a secretaria proceda deste modo, pois segundo indicação da Ordem dos Advogados e certamente apresentada ao Ministério da Justiça este serviço deve ser remunerado conforme doc. 2 que se anexa e se dá aqui por reproduzido.
Face ao exposto requer-se a V. Exa. que se digne ordenar à secretaria que confirme o pedido de honorários supra referido».
3- Juntou documentação comprovativa de que lançou o pedido de honorários na conta corrente como “outras intervenções de patronos oficiosos”
4- Na sequência foi proferido o seguinte despacho: « (…) esclareça a Secção, na pessoa do Exmo. Sr. Escrivão de Direito, as razões que motivaram a rejeição do pedido de honorários em causa».
5- O Sr. escrivão prestou informação no processo dizendo que «Os pedidos de pagamento das compensações devidas aos profissionais forenses, no âmbito do regime de acesso ao direito e aos tribunais, na aplicação CICAJ (Sistema de Confirmação dos Pedidos de Pagamento de Apoio Judiciário), são verificados/confirmados quinzenalmente pela secretaria junto das quais corra o processo, conforme disposto no art.° 28.° da P° n.° 10/2008, de 03.01, com as alterações das portarias n.°s 210/2008, de 29.02 e 654/2010, de 11.08, na redacção dada pela P.319/2011, de 30.12.

A rejeição do pedido de honorários teve por base a indicação constante do Manual de Apoio Judiciário - "Perguntas Frequentes", no seu ponto 4.1.1 e bem assim o pedido de esclarecimentos, via email, sobre a mesma questão, solicitado ao Centro de formação DGAJ, em 22.03.2017 e resposta do dia 23 do mesmo mês. Junto:
-Cópia da pág. 11 do Manual de Apoio Judiciário - "Perguntas Frequentes", como Doc. 1;»
6- Desse documento consta, entre o mais, que «São devidos honorários por diligências efectuadas após o trânsito em julgado?
É a posição dos organismos do Ministério da Justiça que integram o Grupo de Trabalho (….) que o cúmulo jurídico e o incidente de revogação da suspensão da pena de prisão constituem diligências efectuadas depois do trânsito em jugado, as quais não merecem acolhimento para efeitos de compensação de honorários, para além das sessões efectuadas».

7- Foi então proferido o despacho recorrido que se contem nos seguintes termos:
«Vem o Ilustre Defensor do arguido solicitar seja ordenado à Secretaria que confirme o pedido de honorários por si requerido e referente a audiência de cúmulo jurídico.
Sucede, porém, que além das razões de facto e de direito já avançadas pela secretaria judicial (cfr. fls. 259.) e as quais se reputa de correspondentes com a lei, acresce não se tratar a diligência em causa de qualquer incidente processual tipificado, veja-se, aliás, que a tal acto tão pouco é tributado com custas processuais.
Pelo exposto, aderindo aos fundamentos de facto e de direito enunciados pelo Exmo. Sr. Escrivão de Direito, a que acresce o acima exposto, indefiro o requerido pelo Ilustre Defensor.».
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IV– Fundamentos de direito:
A questão em causa é unicamente a de saber se são devidos honorários por uma intervenção de defensor oficioso em sede de diligências de realização de cúmulo.
A mesma questão já tinha surgido na mesma comarca e foi decidida por acórdão deste Tribunal da Relação, da 5ª secção, no âmbito do processo 334/14.7PA VPV-A.L1, em termos que consideramos correctos, quer na decisão quer na fundamentação e que nos limitamos a transcrever.
«Está em causa a seguinte divergência: enquanto o recorrente entende que pela sua actividade nos autos, ocorrida após trânsito em julgado da sentença, no âmbito da tomada de declarações realizada de harmonia com o artigo 495.°, n.°2, do C.P.P., deve ser compensado a título de honorários, a serem pedidos como “incidente”, o despacho recorrido remete para a informação do Sr. Escrivão, segundo a qual o pedido referente à intervenção nessa diligência não merece acolhimento para efeitos de compensação de honorários, a não ser como sessões efectuadas.
Essa informação remete para as orientações constantes do “Manual do Apoio Judiciário - Perguntas Frequentes”, ponto 4.1.1., e bem assim para uma comunicação remetida por correio electrónico proveniente do Centro de Formação da DGAJ.
Desde logo os autos revelam alguns equívocos: o recorrente lançou o pedido de honorários no sistema como “outras intervenções de patronos oficiosos” e não como “incidente”; o seu recurso parte, porém, do pressuposto de que o pedido foi lançado como respeitante a “incidente”; o despacho recorrido também parte desse pressuposto. Finalmente, da informação prestada pela secretaria resulta que, fosse o pedido de pagamento lançado como “outras intervenções de patronos oficiosos” ou como “incidente”, sempre não seria confirmado, pelas razões apresentadas e comuns a essas duas situações.
Quando o despacho recorrido manifesta a sua adesão aos “fundamentos de facto e de direito enunciados pelo Exmo. Sr. Escrivão de Direito”, não se vislumbra a que fundamentos se refere, para além de se tratar, aparentemente, de uma orientação do Ministério da Justiça - DGAJ, IGFEJ e DGPJ.
Ora, não se questionando no processo a qualidade de defensor oficioso do recorrente, nem a sua intervenção, após o trânsito em julgado da sentença, na diligência a que se refere o artigo 495.°, n.°2, do C.P.P., também não vemos como questionar o seu direito a ser compensado por essa intervenção, sabido que o acesso ao direito e aos tribunais por via, além do mais, da protecção jurídica, constitui elemento essencial à administração da justiça, o que só será alcançável com a prestação de serviços de qualidade que, naturalmente, pressupõem ajusta e adequada remuneração.
Argumenta o despacho recorrido, para que o pedido de honorários não fosse confirmado, com a circunstância de a diligência em causa não constituir qualquer incidente processual tipificado, não sendo como tal tributado com custas processuais.
A nosso ver, porém, a circunstância de não se tratar de um incidente tributável não lhe retira a efectiva natureza incidental.
Não só a jurisprudência e a doutrina mencionam, diversas vezes, o “incidente” de revogação da suspensão da pena de prisão (cfr. acórdão da Relação de Guimarães, de 19.11.2012, processo 153/06.4GEGMR.G2, in www.dgsi.pt; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2008, p. 203, nota 2, referindo-se à “suspensão do incidente de revogação da suspensão”), como a própria lei, no artigo 57.°, n.°2, do Código Penal, refere, expressamente, a pendência de “incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção”.
Tratando-se de um incidente posterior ao trânsito em julgado da sentença, com intervenção do recorrente no âmbito do artigo 495.°, n.°2, do C.P.P., não identificamos qualquer fundamento para que não seja considerado como tal, no quadro correspondente da tabela anexa à Portaria n.° 1386/2004, de 10 de Novembro (diploma que havia sido revogado pela Portaria n.° 10/2008, de 3 de Janeiro e foi repristinado, com algumas alterações, a Portaria n.° 210/2008, de 29 de Fevereiro) e pago em conformidade.
Conclui-se, assim, que o recurso merece provimento».

Resta-nos concluir, também, pela procedência do recurso pelos fundamentos supra transcritos e determinar que sejam fixados os honorários devidos pela prestação de serviços em causa.
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V– Decisão:
Acorda-se, pois, concedendo provimento ao recurso, em revogar a decisão recorrida, determinando a sua substituição por outra que fixe honorários ao recorrente pelo serviço prestado supra referido.
Sem custas
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Lisboa, 08/ 11/2017



Texto processado e integralmente revisto pela relatora.
                                                                                           
                                
(Maria da Graça M. P. dos Santos Silva)                                
(A.Augusto Lourenço)



[1]Cf. Germano Marques da Silva, em «Curso de Processo Penal», III, 2ª edição, 2000, pág. 335, e Acs. do S.T.J. de 13/5/1998, em B.M.J. 477-º 263; de 25/6/1998,em  B.M.J. 478º-242 e de 3/2/1999, em  B.M.J. 477º-271.
[2]Cf. Artºs 402º, 403º/1, 410º e 412º, todos do CPP e Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R., I – A Série, de 28/12/1995.

Decisão Texto Integral: