Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
258/14.8TBPDL.L1-6
Relator: ANABELA CALAFATE
Descritores: ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - A segunda prestação da remuneração fixa do administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz vence-se seis meses após a data da sua nomeação.
- Mas se na data em que o processo for encerrado ainda não tiver decorrido aquele prazo, a segunda prestação vence-se na data do encerramento do processo.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Lisboa:


I – Relatório:

Nos autos em que foi declarada insolvente M... por sentença proferida em 13/02/2014 e nomeada administradora da insolvência P..., foi por esta apresentado relatório em 31/03/2014 em que propôs o encerramento do processo nos termos do disposto no art. 231º nº 2 do CIRE.

Na assembleia de credores realizada em 03/04/2014 foram proferidos os seguintes despachos:

«Atento o teor do relatório apresentado pela Sraª Administradora da insolvência, declaro aberto o incidente de qualificação de insolvência (art. 188º nº 2 do C.I.R.E.).

Ficam os credores notificados nos termos do artigo 188º nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, bem como o Administrador de Insolvência nos termos do nº 3 do mesmo artigo».

«No seu relatório a Exma Sra Administradora da insolvência propôs o encerramento do processo face à inexistência de quaisquer bens susceptíveis de serem vendidos para pagamento das custas do processo e demais encargos da massa insolvente.
Na presente assembleia foi cumprido o disposto no art. 232º nº 2 do CIRE, tendo sido aprovado tal encerramento.

Por outro lado não foi depositada à ordem dos presentes autos a quantia necessária para satisfação das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente.

Assim, atento o exposto declaro encerrado o processo por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e as restantes dívidas da massa insolvente (arts 230º nº 1 al d), 232º e 233º todos do CIRE).

Publique e proceda ao registo da presente decisão (arºs 232º nº 2 e 38º do CIRE), com indicação expressa que o encerramento foi determinado pela insuficiência da massa insolvente.

Proceda à comunicação ao Serviço de Finanças, nos termos do art. 65º nº 3 do C.R.E.

Cumpra o disposto no artigo 234º nº 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Fica a Exma Administradora de Insolvência notificada para dar cumprimento ao artº 233º nº 5 do C.I.R.E.».

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Mais consta na acta dessa assembleia que pela administradora da insolvência foi solicitado que seja permitida «a apresentação da lista prevista no art. 129º do CIRE de modo a permitir que a trabalhadora possa ter acesso ao fundo de garantia salarial», o que foi deferido.

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Em 21/04/2011 a administradora da insolvência requereu:
«(…) se digne a V. Exa a emissão das notas relativas à segunda provisão para despesas e remuneração fixa, devida seis meses após o encerramento do processo, informando que não recebeu qualquer documento ou pasta de contabilidade da insolvente que tenha que entregar ao Tribunal, nos termos do disposto no artº. 23º do CIRE».

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Em 28/04/2015 foi proferido o seguinte despacho:
«Diligencie pelo pagamento da segunda provisão para despesas à Administradora de Insolvência (artigo 3º da Portaria nº 51/2015, de 20 de Janeiro).
Contudo, não há lugar ao pagamento da segunda prestação a título de honorários, atento o encerramento por insuficiência da massa insolvente e a duração inferior a seis meses do processo, pelo que a Administradora de Insolvência apenas tem direito à primeira prestação de honorários, nos termos dos artigos 60º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 23º, 29º nº 1 e 2 da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro e 1º da Portaria 51/05, de 20 de Janeiro (repare-se que a nomeação é de 13/02/2014 e o encerramento de 03/04/2014, não tendo a Administradora de Insolvência prolongado a sua actividade para além de dois meses).
Notifique e oportunamente arquive».

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Inconformada, apelou a administradora da insolvência, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1 - Por despacho proferido nos autos com a referência 40443373 decidiu o Mmo Juiz a quo que «em face do disposto nos artigos 23.º n.º 1 e 29.º n.º 2 da lei n.º 22/2013 de 26 de fevereiro e 1.º, n.º 1 da Portaria n.º 51/2005, de 20 de janeiro, «não há lugar ao pagamento da segunda prestação a título de honorários, atento o encerramento por insuficiência da massa insolvente e a duração inferior a seis meses do processo, pelo que a Administradora de Insolvência apenas tem direito à primeira prestação de honorários nos termos dos artigos 60º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, 23º, 29º, nº1 e 2 da Lei nº 22/2013, de 26 de Fevereiro e 1º da Portaria 51/05, de 20 de Janeiro (repare-se que a nomeação é de 13.02.2014 e o encerramento de 03.04.2014, não tendo a Administradora de Insolvência prolongado a sua actividade para além de dois meses).»
2 - A recorrente não pode conformar-se com tal decisão que, salvo o devido respeito, faz uma errada interpretação dos artigos 22.º, 23.º, 29.º e 30.º da lei 22/2013 de 26 de fevereiro.
3 - Por sentença proferida em 13-02-2014 no âmbito do presente processo foi declarada a insolvência de M... e nomeada administradora a recorrente.
4 – Em 03-04-2014 foi determinado o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, nos termos do disposto no artigo 232.º do CIRE.
5 - Estabelece o artigo 22.º da lei 22/2013 de 26 de fevereiro que aprovou o Estatuto do Administrador judicial que «O administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas».
6 - O n.º 1 do artigo 23.º da lei 22/2013 de 26 de fevereiro dispõe que «(…) o administrador de insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria (…)».
7 - Esclarece o n.º 1 do artigo 29.º da lei 22/2013 de 26 de fevereiro que «(…) a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas são suportados pela massa insolvente, salvo o disposto no artigo seguinte», artigo (artigo 30.º n.º 1 do CIRE) que prevê que «nas situações previstas nos artigos 39.º e 232.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas são suportados pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça».
8 - Prevê o n.º 2 do artigo 29.º da lei 22/2013 de 26 de fevereiro que a remuneração prevista no n.º 1 do artigo 23.º é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data do encerramento do processo.
9 - Ora, salvo o devido respeito, o despacho recorrido interpreta erradamente tal norma legal ao considerar que «não há lugar ao pagamento da segunda prestação a título de honorários, atento o encerramento por insuficiência da Massa Insolvente e a duração inferior a seis meses do processo, pelo que a Administradora de Insolvência apenas tem direito à primeira prestação de honorários».
10 - O artigo 29.º n.º 2 do CIRE estabelece que a remuneração, que no caso é de €2.000,00 será paga em duas prestações, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses depois, mas nunca após a data do encerramento do processo.
11- A interpretação que entendemos dever ser feita dessa disposição legal é de que a remuneração de €2.000,00 é sempre devida, sendo que, caso o processo venha a ser encerrado antes de decorrerem seis meses após a nomeação a segunda prestação se vencerá na data do encerramento do processo.
12- É esse aliás o entendimento da jurisprudência sufragado, designadamente, no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no âmbito do processo n.º 2266/13.7TBGMR-F.G1.
13- A remuneração fixa devida ao administrador de insolvência, que por força do artigo 1.º n.º 1 da portaria n.º 51/2005 de 20 de janeiro é de €2.000,00 apenas será reduzida quando o encerramento do processo é logo determinado na sentença de declaração de insolvência nos termos do artigo 39.º n.º 1 do CIRE em conjugação com o artigo 30.º n.º 4 e 23.º n.º 1 da lei 22/2013 de 26 de fevereiro. Acórdão citado
14- «O CIRE prevê dois momentos em que deve ser encerrado o processo de insolvência por insuficiência de bens – um aquando da sentença a declarar a insolvência (artigo 39 n.º 1 do CIRE) e outro posteriormente à declaração de insolvência (artigo 232 n.º 1 e 2 do CIRE). O artigo 30º n.º 4 da lei 22/2013 de 26/02 apenas alude ao artigo 39 do CIRE, isto é, ao encerramento do processo na sentença declarativa de insolvência.» Acórdão citado
15- «(…) Como o encerramento foi posterior à sentença que declarou a insolvência, o artigo 30 n.º 4 da lei 22/2013 de 26/02 não se aplica ao caso. Daí que a remuneração não seja reduzida a ¼ do seu valor total de 2.000,00€.» Acórdão citado
16- «A remuneração é paga em duas prestações de 1.000,00€ cada, tendo-se vencido a primeira com a nomeação, e a outra vencer-se-ia seis meses depois. Mas como o processo encerrou antes do prazo de 6 meses, ter-se-á de considerar que se venceu com o encerramento, porque o seu vencimento não poderia ocorrer depois do encerramento, como resulta da leitura do artigo 29 n.º 2 da lei 22/2013 de 26/02». Acórdão citado
17- O encerramento por insuficiência da massa insolvente determinado em momento posterior à declaração de insolvência não implica a redução da remuneração fixa que se mantém nos €2.000,00.
18- Do n.º 2 do artigo 29.º não se pode retirar semelhante redução no valor. A norma terá que ser interpretada como ordenando o pagamento da segunda prestação da remuneração no prazo de seis meses após a nomeação, mas antes desses seis meses decorrerem se antes desse prazo o processo vier a ser encerrado.
19- Não tendo o processo sido encerrado na sentença que declarou a insolvência o recorrente passou a ter direito a uma remuneração fixa no valor de €2.000,00, não podendo a mesma ser reduzida por força do encerramento posterior do processo.
20 - Em face do exposto e da interpretação que deve ser feita das normas legais supra citadas, designadamente os artigos 22.º, 23.º, 29.º e 30.º da lei 22/2013 de 26 de fevereiro deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que ordene o pagamento à recorrente, a título de remuneração fixa devida pelo desempenho das funções que lhe foram cometidas, da quantia de €2.000,00, quantia a suportar pelo IGFEJ. Assim se fazendo a costumada justiça.

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Não houve contra-alegação.

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Cumpre decidir.

II – Questão a decidir:
- se é devida à apelante a remuneração integral prevista no nº 1 do art. 23º do estatuto do administrador judicial aprovado pela Lei 22/2013 de 26/02.

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III – Fundamentação:
A factualidade a considerar é a constante do relatório.
O art. 23º nº 1 do estatuto do administrador judicial – aprovado pela Lei 22/2013 de 26/02, que revogou a Lei 32/2004 de 22/07 - determina que o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos actos praticados de acordo com o montante estabelecido em portaria.
O art. 1º da Portaria 51/2005 de 20/01 (que ainda faz referência ao anterior estatuto) estabelece:
«1– O valor da remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, nos termos do nº 1 do artigo 20º da Lei nº 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência, é de € 2000.
2– No caso de o administrador da insolvência exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador, aquele terá direito somente à primeira das prestações referidas no nº 2 do artigo 26º da Lei nº 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência».
O art. 29º do estatuto aprovado pela Lei 22/2013 prevê, na parte que ora interessa:

«(…)

2– A remuneração prevista no nº 1 do artigo 23º é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data de encerramento do processo.

(…)

4– Nos casos previstos no artigo 39º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador da insolvência é reduzida a um quarto do valor fixado pela portaria referida no nº 1 do artigo 23º.

(…)».

O nº 1 do art. 39º do CIRE dispõe: «Concluindo o juiz que o património do devedor não é presumivelmente suficiente para a satisfação das custas do processo e das dívidas previsíveis da massa insolvente e não estando essa satisfação por outra forma garantida, faz menção desse facto na sentença de declaração da insolvência».

No caso dos autos não é aplicável o preceituado no art. 39º do CIRE, pois só na assembleia de credores foi declarado encerrado o processo por insuficiência da massa insolvente para satisfação das custas do processo e as restantes dívidas, nos termos dos art. 230º nº 1 al d), 232º e 233º do CIRE. Portanto, a remuneração da administradora da insolvência não tem de ser reduzida a ¼.

Também não estamos perante um caso de exercício das funções por menos de seis meses devido a substituição por outro administrador da insolvência, pelo que naturalmente também não é aplicável o nº 2 do art. 1º da Portaria 51/2005.

Será então de interpretar o nº 2 do art. 29º da Lei 22/2013 como pretende a apelante e seguindo o entendimento da Decisão Singular de 19/03/2015 proferida na Relação de Guimarães no Proc. 2266/13.7TbGMR-F.G1, ou seja, que por não ser admitido o pagamento da segunda das prestações da remuneração após a data do encerramento do processo, o seu vencimento antecipar-se-à para esta data?

Ora, sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (cfr art. 9º do Código Civil), se fosse sua intenção que o administrador judicial não teria direito às duas prestações, tê-lo-ia dito expressamente como no caso do exercício das funções por menos de seis meses devido a substituição por outro administrador ou como nos casos em que estabeleceu reduções da remuneração.

Conclui-se, assim, que a segunda prestação da remuneração fixa do administrador da insolvência nomeado por iniciativa do juiz vence-se seis meses após a data da sua nomeação, mas se na data em que o processo for encerrado ainda não tiver decorrido esse prazo, a segunda prestação vence-se na data do encerramento do processo.

Portanto, a apelante tem direito à segunda prestação da remuneração fixa.

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IV – Decisão:

Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e revoga-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra ordenando o pagamento da segunda prestação da remuneração fixa à apelante, no montante de 1.000 €.
Custas pela massa insolvente.


Lisboa, 02 de Julho de 2015

Anabela Calafate
Tomé Ramião
José Vítor dos Santos Amaral