Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1870/13.8TYLSB-C.L1-1
Relator: AMÉLIA SOFIA REBELO
Descritores: RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRAZO LEGAL
REJEIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - Quer porque não consubstanciam impugnação do juízo valorativo que presidiu à decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, quer porque convocam apenas a apreciação de documentos, quer porque quando surge reportada à prova oralmente produzida não respeita o objeto temático da instrução e da matéria relevante para a decisão pela irrelevância material, quer pela ilegalidade jurídico-processual de factos que os apelantes pretendem sejam aditados ou suprimidos da decisão de facto (porque são materialmente irrelevantes para a decisão, ou correspondem a matéria assente, não controvertida), a impugnação da decisão de facto apresentada pelos recorrentes não se apresenta com a consistência jurídico-processual e material que a tanto se exige e que justifica a legal concessão de acréscimo de dez dias ao prazo regra para apresentação de recurso.
II – Sob pena de - desprezando-se a sindicância dos fundamentos e crivos legais que resultam da conjugação dos requisitos impostos pelos arts. 640º, nº 1 e 638º, nº 7 do CPC - o excecional acréscimo de dez dias ao prazo legal de recurso (de 30 ou 15 dias) se tornar no prazo regra de recurso, no exercício de uma jurisprudência material de controlo da bondade do recurso das partes a benefícios que a lei concede sem que se verifiquem os pressupostos de que dependem, naquelas circunstâncias impõe-se a rejeição do recurso apresentado com aproveitamento da referida extensão de prazo, por extemporâneo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. Nos autos de insolvência de Sociedade Imobiliária Olívia, SA foi declarado aberto incidente de qualificação da insolvência na sequência do requerimento nesse sentido apresentado pelo credor Hoteles Turísticos Unidos, SA (doravante Hoteles), com fundamento em disposição de bens em prejuízo dos credores da devedora através da venda dos bens imóveis de que era proprietária, constituição fictícia de crédito através da celebração de contrato promessa de compra e venda que sabia não poder cumprir, incumprimento do dever de apresentação à insolvência em 2009 ou, pelo menos, em 2012, e ausência de depósito das contas referentes aos exercícios de 2010, 2011 e 2012, indicando como pessoas a afetar pela qualificação A (….), M(..) e C(…) na qualidade de administradores da insolvente e da sociedade adquirente dos bens.
O Sr. Administrador da Insolvência apresentou parecer concluindo que, da análise que faz, os elementos positivados no processo indiciam uma situação de insolvência fortuita, sentido que veio a alterar na sequência dos esclarecimentos que, no confronto com o alegado pelo credor, foram solicitados pelo Ministério Publico, concluindo agora pela qualificação da insolvência como culposa com fundamento na celebração de contrato promessa de compra e venda das frações a credor que, no processo, invocando o referido contrato e arrogando-se a titular de direito de retenção sobre os bens dele objeto, pretende adquiri-los gratuitamente, ou seja, com dispensa de depósito do preço, indicando como o afetar pela qualificação A(…) na qualidade de administrador da insolvente interveniente no dito contrato.
O Ministério Público emitiu parecer dando por reproduzidos factos alegados pelo credor Hoteles, mais invocando agravamento do passivo e da situação de insolvência da devedora decorrente do incumprimento do dever de apresentação à insolvência, que já se verificava à data da instauração do PER, indicando como pessoas a afetar os indicados pelo credor e pelo Sr. Administrador da Insolvência. A insolvente e os requeridos apresentaram oposição conjunta com fundamento em valoração dos factos distinta da realizada pelo credor, Administrador da Insolvência e Ministério Público, impugnando a alegada intenção de prejudicar os credores com a venda dos bens, que foi celebrada com a intervenção do credor hipotecário, e com a celebração do contrato promessa com previsão de sinal de € 2.500.000,00, que lhe foi entregue e seria suficiente para liquidação das responsabilidades da devedora junto do credor hipotecário e da Segurança Social, impugnando a responsabilidade imputada aos requeridos M.. e C…, a primeira por desconhecer os negócios celebrados, e o segundo também pela irrelevância da venda dos imóveis da insolvente para a qualificação da insolvência.
Respondeu o Sr. Administrador da Insolvência, mantendo o sentido do parecer que apresentou, de qualificação da insolvência como culposa, mais alegando que a promitente compradora não pagou à insolvente o sinal com fundamento no qual se arroga credora desta e que, no âmbito da liquidação, pretendendo que os imóveis lhe sejam vendidos sem prestação de caução ou garantia bancária, tem atuado como ‘pessoa oculta’ de quem, no âmbito de transação judicial, lhe reconheceu crédito que é fictício.
Mais respondeu o credor Hoteles e, notificada a comissão de credores para apresentar parecer, o credor BCP veio aderir ao requerimento inicial por aquele apresentado e ao parecer do Sr. Administrador da Insolvência pelo qual concluiu pela verificação da insolvência culposa.
2. Fixado o objeto do litígio e os temas de prova, foi realizada audiência de julgamento e proferida sentença condenatória e absolutória nos termos do seguinte dispositivo:
Por todo o exposto: 
a) qualifico como culposa a insolvência de Sociedade Imobiliária Olívia, S.A., NIPC 500 266 530, com sede na Av. da República, nº 50, 7º, letra B, 1050-188 Lisboa; 
b) declaro afectado pela qualificação A (…), filho de M… de L…, titular do bilhete de identidade nº com morada na Av. …., em Lisboa; 
c) em consequência, relativamente ao afectado: - declaro a inibição, pelo período de 6 (seis) anos, a contar do trânsito em julgado desta decisão, para administrar patrimónios de terceiros e o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação provada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;  - determino a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos ou a deter; - condeno-o a indemnizar os credores da sociedade insolvente, solidariamente, no montante dos créditos que venham a ser reconhecidos por sentença a proferir no apenso de verificação e graduação de créditos e que não sejam satisfeitos, até à força do respectivo património;  
d) não declaro afectada pela qualificação M(…) nascida em (….), em Lisboa; 
e) não declaro afectado pela qualificação C (…)em Lisboa; 
 Custas pelo requerido A(…)– artigo 303º, do CIRE, e artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
3. Inconformado com a dita decisão, dela interpôs recurso a insolvente e o requerido que por aquela foi declarado afetado, A(..), formulando as seguintes conclusões:
1. Hoteles Turísticos Unidos S.A. (ora Hoteles) deduziu o incidente de qualificação de insolvência da sociedade imobiliária Olívia, S.A. (ora Olívia) como culposa, indicando os seus administradores como afectados por tal qualificação, alegando evidenciados factos susceptíveis de integrar os números 1 e 2 alíneas a), f) e i) e número 3 alínea a) do artigo 186º do CIRE.  
2. Sustentando ter instaurado acção executiva contra a ora insolvente em 2009 (07/02/2009);(processo nº 2451/09.6YYLSB, do 2º Juízo de Execução de Lisboa, 2ª Secção);[facto provado R)] dando à execução a quantia de €9.066.698,63 afirmando que antes que pudesse realizar a penhora de algumas das fracções autónomas que identifica, a insolvente as transferiu para a Trefical – Transportes e Edificações, S.A. (ora Trefical) em 13/11/2009, tecendo outras considerações ao caso irrelevantes, por nos termos do número 1 do artigo 186º do CIRE só relevariam à qualificação se a insolvência tivesse sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto nos 3 anos anteriores ao início do processo. Ora o negócio com a Trefical verificou-se em 13/11/2009, pelo que se encontra fora do âmbito temporal dos presentes autos.  
3. A O… e o executado A… deduziram a oposição a esta execução em 19/04/2009.  
4. Não obstante, nenhum reparo merece esse negócio de venda pela Olívia de um conjunto de 5 fracções autónomas do prédio sito na Av. Estados Unidos da América, nº 92 e 92A, hipotecadas ao BCP, distratadas pela sua intervenção no acto da escritura. Referiu-se ainda ao negócio com a Centúria Viva – Unipessoal, Lda. (ora Centúria Viva) realizado em 10/04/2012, em que a Olívia prometeu vender pelo preço de 5M€, com sinalização do contrato de cerca de 50% do preço global da transacção, importância que foi titulada por cheques visados nºs 0918441306, 9718441307 e 8818441308, emitidos em 02/04/2012, sacados sobre a Caixa de Crédito Agrícola Entre Tejo e Sado.  A própria requerente da qualificação culposa (Hoteles) reconheceu que “a crise económica que afectou o País e se fez sentir desde 2008/2009 é que foi o fruto do incumprimento pela Olívia do negócio celebrado com a requerente e consequente acção executiva”, o que em muito contraria o que nestes autos requer, responsabilizando a insolvente e propondo a afectação dos seus administradores, como responsáveis pela crise económica que assolou o País. 
5. O Parecer emitido pelo administrador de insolvência em 21/02/2014 após ter sido proferido despacho de abertura do incidente de qualificação (29/01/2014) foi no sentido da sua qualificação como fortuita, por se ter concluído durante o Processo Especial de Revitalização que “não havia possibilidade de apresentar aos credores uma proposta viável”;“sustentando o entendimento de que as alegações da requerente (Hoteles) não permitem apontar uma qualificação culposa” quer no que concerne à operação de venda à Trefical, bem como ao contrato com a Centúria Viva, que entretanto considerou “ruinosos” concluindo “que foram ambos que determinaram a situação de insolvência”.  Dois anos depois concretamente em 02/05/2016, altera por completo o seu Parecer anteriormente emitido, concluindo que “o contrato promessa celebrado com a Centúria Viva se teria limitado à constituição de créditos fictícios” passando assim a entender que a insolvência deverá ser qualificada como culposa e “afectados os propostos pela requerente”. 
6. Alegou para esta inversão do seu antecedente entendimento que “o pagamento da Centúria Viva à insolvente nunca ocorreu”, justificando-se com a circunstância – que afirmou – de ter apreendido os cheques entregues como sinal e princípio de pagamento nessa promessa de alienação, numa outra insolvência (Distrialmada, Lda.) sendo o montante que titulavam depositado pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo na conta à ordem da massa insolvente desta sociedade. Veremos que o que de facto apreendeu foram pretendidas fotocópias dos originais – que se encontram extraviados – destes cheques, que uma leitura atenta logo comprova que não podem corresponder aos cheques originais.  
7. Mas na obstinada convicção de que se tratam de fotocópias dos originais, concluiu que a transacção judicial homologada por sentença transitada em julgado no âmbito do processo nº 630/13.OTVLSB “teve por base um incumprimento que nunca ocorreu” sendo por aqui que erradamente adjectiva de “crédito fictício” – por tais cheques que nunca apareceram – estarem também referidos como  utilizados no âmbito de outros processos que cita. 
8. Decidiu-se por isso pela qualificação da insolvência da Olívia como dolosa e pela afectação do requerido A…., que não teve qualquer intervenção nem sequer conhecimento dos factos constantes desses processos, ao que acresce que as fotocópias que o administrador de insolvência juntou são documentos falsos, que não podem corresponder aos cheques originais visados, entregues pela Centúria Viva, para sinalização do contrato promessa com a Olívia. 
9. Convencido pelo errado entendimento do administrador de insolvência, o Ministério Público em 04/04/2017, invocando os mesmos fundamentos, emitiu o Parecer no sentido da insolvência ser qualificada como culposa, nos termos do artigo 186º número 2 alíneas b), d), f) e g) e alínea a) do número 3 do CIRE. 
10. Fixados os temas de prova foram também fixadas como questões a decidir, a saber: - apurar se a insolvência da Olívia pode ser qualificada como culposa e em caso afirmativo - se devem ser afectados por essa qualificação A…, M… e C…, administradores da Olívia. 
11. Na exposição dos factos provados foi deliberadamente por nós nestas alegações alterada a ordem com que os mesmos estão apresentados pela Instância recorrida, por não respeitarem uma perspectiva cronológica, o que torna muito difícil a sua apreensão, pelo que não alterando o seu conteúdo nem a sua identificação, trocou-se no seu elenco a ordem de apresentação, respeitando a cronologia dos factos, por nos parecer ser o único critério que consente a definitiva apreensão do acontecido.  Onde a prova entendida produzida nos mereceu reparo, introduzimos no fim do texto proposto pela Instância a quo uma nota crítica, justificando a nossa discordância, propondo nova formulação  quando foi entendido por necessário ou um novo texto ou desdobramento temporal dos factos na prova produzida. 
12. Nos processos referidos pelo administrador de insolvência afirma terem sido utilizados os cheques entregues à Olívia pela Centúria Viva no acto da celebração da promessa, o mesmo acontecendo em outros negócios, quando o que de facto apreendeu foram – como dissemos – pretendidas fotocópias da frente e do verso desses cheques e não os cheques originais que até hoje ainda não apareceram, apesar da diligente investigação da Polícia Judiciária. 
13. Alguém seguramente os fez desaparecer e seguramente que não a Olívia, porque como ficou também provado [OO)] os endossou, seis dias passados sobre o seu recebimento, em sinalização da pretendida compra à Fadodesign dos prédios urbanos descritos na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob os nºs 8702 e 8703 conforme provado em OO). 
14. Estando provado que os endossou e entregou à Fadodesign [OO)] não lhe cabe qualquer responsabilidade pelo desaparecimento dos originais, de que as fotocópias juntas aos autos pelo administrador de insolvência são uma mera montagem, pela inequívoca evidente razão documentada nas fotocópias, tendo presente os negócios comprovados em HH) e OO), que por sua vez comprovam que as fotocópias dos versos apresentadas não correspondem às fotocópias dos versos dos originais. 
15. Tendo presente os negócios referidos, necessariamente que no verso dos cheques originais (desaparecidos) terá inevitavelmente que constar um primeiro endosso da Distrialmada à Olívia consequente à sua entrega como sinalização do contrato promessa outorgado em 10/04/2012 [HH)]. 
16. E subsequente e também necessariamente um segundo endosso agora da Olívia à Fadodesign na celebração do negócio provado em OO) ocorrido em 16/04/2012.  Primeiros negócios subsequentes à emissão dos respectivos cheques em 02/04/2012.
17. Nas fotocópias juntas pelo administrador de insolvência só correspondem à verdade dos cheques originais as fotocópias das frentes, sendo necessariamente falsas as que falsamente se dizem corresponder aos respectivos versos, porque se referem a outros negócios, em que necessariamente foram utilizados outros cheques, uma vez que o que desses versos consta são endossos da Ditrialmada a uma tal de Estoril Invest, que por sua vez terá posteriormente endossado à Fadodesign. 
18. Os factos comprovam então inequivocamente uma montagem, juntando fotocópias das frentes dos cheques originais com fotocópias dos versos de um ou de outros cheques, que não comprovam sequer que tenham sido emitidos na mesma data dos originais, uma vez que nos endossos não consta as respectivas datas e até podem ter sido emitidos por montantes bem diversos, podendo nem se tratar também de cheques visados como os originais, pela Caixa de Crédito Agrícola, que tudo indica que tenha sido também vítima de uma fraude ao disponibilizar o respectivo pagamento titulado nas falsas fotocópias desses cheques originais, julgando cumprir a obrigação do  pagamento dos cheques originais por si visados. 
19. A importância que o administrador de insolvência decidiu colocar à ordem da massa insolvente da Distrialmada, não se sustenta em razões  que se entendam, porque não pertenciam em  circunstância nenhuma a esta sociedade, porque se nos originais nos confrontamos com o seu endosso nos termos descrito, nos versos das fotocópias juntas também se verifica o seu endosso ainda que a uma outra entidade. Seja então que num e noutro caso, por endosso, a Distrialmada cedeu a importância que titulam. 
20. Temos por isso de seguro que são falsas as fotocópias juntas pelo administrador de insolvência por não corresponderem aos originais dos cheques visados pela Caixa de Crédito Agrícola e que a transferência que ordenou à ordem da Distrialmada, não se mostra justificada, porque os documentos juntos aos autos comprovam inequivocamente que essa importância lhe não pertence. 
21. As decisões de participação em negócios que pudessem determinar a qualificação como culposa da insolvência da Olívia, só poderiam ser assim – como a Instância recorrida também considera – os contratos promessa decididos celebrar na qualidade de promitente vendedora com a Centúria Viva em 10/04/2012 e na qualidade de promitente adquirente (6 dias passados) em 16/04/2012 com a Fadodesign. 
22. No que concerne ao primeiro (contrato promessa com a Centúria Viva) em 10/04/2012, não dispondo da liquidez proveniente da venda do seu património imobiliário, em virtude da estagnação do sector a partir de 2008/2009, não se vislumbra sequer como fosse à Olívia possível distratar as hipotecas que oneravam as fracções que prometeu vender para o pagamento do crédito que elas próprias garantiam e que lhe tinha sido concedido pelo BCP (credor hipotecário).  
23. Ao que acrescia, para além do débil estado de saúde de A…, comprovado por documentos juntos aos autos e declarações e depoimentos prestados, um risco presente de não vir a obter provimento a oposição de 15/04/2009 à execução movida pela Hoteles em 07/02/2009 pela já referida (absurda) quantia de €9.066.698.63 que lhe afectou em absoluto o recurso ao crédito bancário e consequentemente ao seu aviamento comercial. 
24. Só posteriormente à realização desta promessa de venda, em 13/06/2012, foi proferida a sentença que julgou parcialmente procedente a oposição, reduzindo a quantia exequenda para cerca de metade (4,5M€) da qual também foi interposto recurso, que veio a  ser decidido por Acórdão confirmatório proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 19/02/2013. 
25. Factos que comprovam (pelas respectivas datas) que ao momento da realização de ambos os negócios com a Centúria Viva e com a Fadodesign, a requerente Hoteles não tinha ainda qualquer crédito definitivamente reconhecido, embora tivesse presente o risco presencial de o poder vir a ser. 
26. O negócio com a Centúria Viva foi indiscutivelmente um acto de boa gestão, quer no preço negociado para a alienação das fracções prometidas vender (5M€), superior ao preço conseguido pelo administrador de insolvência (sobretudo na 2ª licitação a que procedeu), quer no montante e qualidade do sinal antecipadamente pago pela Centúria Viva de 2,5M€ (correspondente a 50% do valor total da alienação). 
27. Sinalização que foi cumprida no acto da assinatura da promessa referida em HH) pela entrega dos 3 cheques visados pela Caixa de Crédito Agrícola de pagamento imediato garantido [facto provado HH)]. 
28. Responsabiliza a Instância recorrida o proposto afectado A… por não ter de imediato procedido ao distrate das hipotecas que oneravam as referidas fracções, uma vez que – como afirma – com a disponibilidade financeira obtida na sinalização do negócio, deveria ter liquidado por inteiro a sua dívida ao credor hipotecário.  O que em seu entender lhe seria exigível, entendendo não o ter feito com culpa grave, qualificando a insolvência da Olívia como culposa, entendendo justificada a afectação do administrador A… que teria decidido a realização desses negócios.
29. Só que o proposto afectado A… foi toda a sua vida conhecido como excelente gestor e tinha presente a absurda importância dada à execução pela requerente da insolvência culposa (Hoteles), ainda não decidida judicialmente, mas que tinha presente um risco de até vir a ser confirmada na totalidade. 
30. E é neste quadro de busca (quase desesperada) do melhor caminho possível para a Olívia, que muito doente e afastado da administração de facto da ora insolvente, aceita decidir realizar o negócio que lhe foi proposto pelo Sr. (…) com a Fadodesign, seis dias decorridos (16/04/2012) [facto provado OO)]. Portanto em data ainda antecedente ao reconhecimento pela 1ª Instância (13/06/2012) recorrida, do crédito à requerente Hoteles, no montante ainda que reduzido de 4,5M€. 
31. Negócio que face ao normal acontecer lhe consentia uma porta ainda que estreita para evitar a insolvência da Olívia potenciada e receada depois pela absurda quantia dada à execução pela Hoteles, que no processo arbitral justificou no estabelecido acordo de uma cláusula penal nesse quantitativo, numa promessa de futura realização de um negócio gratuito e inexistente, com uma sociedade (Olhar Repousado), que também ainda haveria de ser constituída, mas que transitado em julgado este Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa [facto provado ZZ)] não pode merecer qualquer apreciação crítica. 
32. Negócio que não afectava, no normal acontecer, a insolvência da Olívia, que só aconteceria irreversivelmente com o reconhecimento do crédito da Hoteles. Com efeito, o que prometia com a entrega à Fadodesign dos cheques visados que tinha recebido da Centúria Viva, como sinal e princípio de pagamento, era a aquisição dos prédios urbanos de Palmela referidos em OO) pelo valor acordado de 5M€, que lhe foi garantido terem sido avaliados em mais de 7/8 milhões de euros por negócio a concretizar nos 8 meses que separavam a marcação a seu cargo da escritura de entrega das fracções pretendidas  vender à Centúria Viva. 
33. Negócios que em nada prejudicavam também o credor hipotecário, pelo contrário, porquanto o distrate das hipotecas e integral pagamento do crédito se podia verificar até ao fim do ano, em acto simultâneo com a alienação das fracções à Centúria Viva, que sempre implicava esse distrate. 
34. Caso a sua opção de correcta e avisada gestão tivesse sido – como pretende a Instância recorrida – o imediato distrate das hipotecas que oneravam as fracções prometidas vender à Centúria Viva até ao fim do ano, imediatamente após o recebimento dos 3 cheques visados como sinalização do contrato promessa celebrado em 10/04/2012, teria – é certo – libertado as fracções desse ónus hipotecário e consequentemente liquidado por inteiro o crédito ao BCP que já não figuraria como credor nesta insolvência. 
35. Mas não evitaria a insolvência da Olívia, uma vez que pouco tempo passado, concretamente em 13/06/2012 [facto provado ZZ)] embora por decisão de parcial provimento da oposição deduzida pela Olívia à execução da Hoteles, foi-lhe reconhecido (à Hoteles) um crédito de 4,5M€, posteriormente confirmado por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa [facto provado ZZ), parte final]. 
36. Penhoradas que se encontravam as referidas fracções, prometidas alienar desoneradas até ao fim do ano (2012) à Centúria Viva, nos termos contratados com a Olívia, esta não conseguiria realizar as escrituras sem que primeiro liquidasse este crédito para o que não dispunha obviamente de capacidade financeira, tornando impossível o cumprimento do contrato. 
37. O que confirma à evidência que foi o reconhecimento judicial deste crédito, neste  montante, em 13/06/2012,  que determinou a insolvência – veremos que irreversível – da Olívia.  Veremos que mesmo que dispusesse dos 2,5M€ que utilizou na sinalização do negócio com a Fadodesign, seriam manifestamente insuficientes para pagar os créditos do credor hipotecário (cerca de 2M€) e da Hoteles (reconhecido em 4,5M€) ainda que – insiste-se – na data antecedente (16/04/2012) não tivesse concretizado a promessa com a Fadodesign. 
38. Negócio que como acabamos de ver, acabou por ser absolutamente irrelevante, apesar da aparente perda dessa importância, face ao encerramento da liquidação e cancelamento da matrícula da Fadodesign em 14/10/2012 [factos provados SS) e TT)] que acabou por ser recuperada na íntegra pelo administrador de insolvência (cumulativamente da Olívia e da Distrialmada) e pago pelo banco sacado o montante dos cheques originais (que não as falsas fotocópias juntas) por terem sido visados e por tal lhes corresponder um efectivo
e bom pagamento. 
39. Importância que não foi apreendida para a massa insolvente da Olívia em agravado prejuízo dos seus credores, mas por razões que não podem ser imputáveis à insolvente ou ao proposto afectado, por serem da responsabilidade exclusiva da Fadodesign e do administrador de insolvência.  
40. Mas o que sobretudo importa é que a não ter acontecido o negócio com a Fadodesign assim apenas disporia apenas de 2,5M€ (entregues à Fadodesign) para satisfação dos créditos do BCP (credor hipotecário) e da Hoteles (credor penhoratício) além dos outros credores em montante próximo dos 7M€, sem considerar os direitos da Centúria Viva que foi quem disponibilizou de facto essa importância de pagamento garantido (porque os cheques por si entregues se mantinham visados) que tinha direito pelo incumprimento do contrato a receber em dobro.  
41. Por isso fazendo distribuir a respectiva acção judicial (Processo nº 630/13.OTVLSB da 1ª Vara Cível de Lisboa) arvorando a qualidade de titular de um direito de retenção sobre as fracções que identifica, cuja posse lhe foi transmitida pela “traditio” ainda que “ficta” na promessa antecedente referida em HH) sinalizada em 50% do valor acordado para a transacção, através dos cheques originais supra referidos, visados pela Caixa de Crédito Agrícola, justamente peticionando a restituição em dobro do sinal comprovadamente por si pago, face ao incumprimento da promessa de entrega até ao fim do ano, livre de ónus e encargos, das fracções prometidas vender pela Olívia [facto provado LL)].  
42. A acção foi decidida por sentença homologatória da transacção operada, de inevitável reconhecimento desse crédito pela Olívia, nos termos peticionados, apenas tendo conseguido (a Olívia) uma redução do seu montante para 4,5M€.  Decisão transitada em julgado proferida a 06/06/2013 [facto provado LL)]. Crédito que foi reclamado na insolvência e reconhecido como crédito garantido, posteriormente também reconhecido por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, também transitado em julgado, que ordenou o cumprimento do número 3 do artigo 185º do CPC por remissão do artigo 165º do CIRE, ordenando o cumprimento da sua disciplina, na celebração das escrituras decorrentes da primeira licitação. Decisão que vem sendo desobedecida pelo administrador de insolvência, protelando injustificadamente a realização ordenada das escrituras das fracções adjudicadas. Note-se que em todas as intervenções do administrador de insolvência, resulta uma inconfessada tentativa de benefício à requerente Hoteles, credora comum, que até empossou na presidência da comissão de credores, com imprestável argumento de desinteresse da Centúria Viva, maior credora e anterior presidente, ter deixado de responder às convocatórias para as respectivas reuniões da comissão de credores, sem dar justificação, quando bem sabia que a verdade é que a Centúria Viva tinha perdido o interesse justamente porque tinha cedido o seu crédito e a sua posição na licitação à cessionária que apesar de ter  de imediato requerido a sua habilitação, continuava à espera de decisão. Situação como dissemos que aproveitou para empossar na presidência a Hoteles. Compreendemos que esta aqui requerente tenha todo o interesse no afastamento de um credor garantido, como única possibilidade de lasto para o ressarcimento do seu crédito. E realmente não lhe tem faltado neste processo a ajuda do administrador de insolvência. 
43. Perante estes factos e respectivos direitos, entende a Instância recorrida que a responsabilidade pela insolvência da Olívia cabe à própria insolvente e ao proposto afectado A… por a sua conduta analisada nas decisões de participação em negócios, como o contrato celebrado pela insolvente na qualidade de promitente vendedora com a Centúria Viva em 10/04/2012 e na qualidade de promitente adquirente (6 dias passados) em 16/04/2012 com a Fadodesign, foram responsáveis pelo agravamento da situação da insolvência da Olívia.  Assim entendendo a factualidade provada relativa a esses dois contratos como subsumível ao número 1 do artigo 186º do CIRE, bem como as alíneas b) e f) do número 2 do mesmo Preceito Legal. 
44. Muito crítica subsunção da factualidade provada ao Direito, quando no que concerne ao contrato promessa com a Centúria Viva, nem sequer havia antes da sua celebração capacidade financeira para distratar as hipotecas que oneravam as fracções que integravam o seu património imobiliário se não tivesse e bem decidido efectuá-lo. Negócio por isso absolutamente irrepreensível. Sendo que em relação ao segundo foi tão só o risco previsível de eventual incumprimento por parte da Fadodesign, o que previsivelmente poderia, no normal acontecer, seria o eventual incumprimento deste contrato celebrado (Fadodesign), que o que implicaria seria a duplicação do valor sinalizado, seja então, o acréscimo de mais 2,5M€ ao património da insolvente Olívia.
O efectivamente acontecido foi como bem se vê a sua absoluta irrelevância à criação ou agravamento da situação de insolvência da Olívia, só a podendo ter afectado pela decisão do administrador de insolvência de injustificadamente destinar a importância efectivamente paga pela Olívia a crédito da massa insolvente da Distrialmada. Mas não falamos de factos que possam ser imputáveis à insolvente ou ao proposto afectado. 
45. Decisão muito crítica porque salvo o imenso respeito devido – não ponderou devidamente os factos provados – embrenhando-se na confusão admitida da sua inclusão num elenco propiciador das dificuldades anotadas, resultantes de uma desconsideração cronológica do acontecido, do qual resulta à evidência que a factualidade não é subsumível ao número 1 do artigo 186º do CIRE, porque a decisão de participação nas promessas de alienação à Centúria Viva e de aquisição à Fadodesign, não criaram nem agravaram – como dissemos – em consequência da actuação da insolvente ou do proposto afectado dolosamente ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto a insolvência. 
46. Também não é subsumível às alíneas b) e f) do número 2 do mesmo preceito legal, porque não foram criados ou agravados artificialmente passivos ou prejuízos, nem foram reduzidos lucros, muito menos tendo causado a celebração de negócios ruinosos. Seguramente que nenhum em seu proveito ou no de pessoas com ele especialmente relacionadas [alínea b) número 2 do artigo 186º do CIRE]. E seguramente que não foi feito do crédito ou dos bens do devedor um uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tem interesse directo ou
indirecto [alínea f) do número 2 do mesmo preceito legal]. 
47. A insolvência deve por isso ser qualificada como fortuita, cumprindo o estatuído no número 1 do artigo 189º do CIRE, porque a actuação quer da insolvente quer do proposto afectado foi sempre no interesse da insolvente, tentando evitar a insolvência, criando condições para a satisfação de todos os créditos.  
Terminam requerendo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que declare a insolvência como fortuita.
4. O Ministério Público apresentou contra-alegações, que sintetizou nas seguintes conclusões:
- O RECURSO INTERPOSTO NÃO REÚNE OS PRESSUPOSTOS EXIGIDOS NO ARTº 640 Nº 1 DO CPC PARA O RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO;  
- A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA FEZ UMA CORRECTA INTERPRETAÇÃO DA PROVA PRODUZIDA EM AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO, MAIORITARIAMENTE DOCUMENTAL, COMO TAMBÉM É ADEQUADA A APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS PROVADOS; 
- O RECORRENTE, CIENTE DA SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA EMINENTE DA REQUERIDA, DISPÔS DE ACTIVOS RELEVANTES DESTA, REDUZINDO SIGNIFICATIVAMENTE O SEU PATRIMÓNIO, BEM SABENDO QUE CAUSAVAM PREJUÍZOS AOS CREDORES BENEFICIANDO UNS, COM OS QUAIS TINHAM ESPECIAIS RELAÇÕES DE PROXIMIDADE, NOMEADAMENTE ATRAVÉS DA CRIAÇÃO ARTIFICIAL DE CRÉDITOS GARANTIDOS, EM DETRIMENTO DE OUTROS, DESIGNADAMENTE DA REQUERENTE DO INCIDENTE; 
- FIZERAM-NO SUBSTITUINDO-SE AO TRIBUNAL E “GRADUANDO” OS CREDORES, REAIS OU PUTATIVOS, DE ACORDO COM OS SEUS CRITÉRIOS, À REVELIA DA LEI E DO TRIBUNAL, INCLUSIVÉ DE PENHORAS JUDICIALMENTE DETERMINADAS; 
- EM VEZ DE SE APRESENTAREM, COMO DEVIAM, À INSOLVÊNCIA, REDUZIRAM AO MÍNIMO O RESPECTIVO PATRIMÓNIO, ENQUANTO APRESENTAVAM PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO (PONTO A DOS FACTOS PROVADOS) NO AMBITO DO QUAL NÃO FIZERAM QUALQUER ESFORÇO PARA REVITALIZAR A EMPRESA (V. FLS. 17 DA SENTENÇA, PARÁGRAFO 2º); 
- BENEFICIARAM ENTIDADES COLECTIVAS E INDIVÍDUOS COM OS QUAIS ESTAVAM ESPECIALMENTE RELACIONADOS;  
- AGRAVARAM SUBSTANCIALMENTE, DE FORMA DECISIVA, A SITUAÇÃO DE INSOLVÊNCIA EM QUE SE ENCONTRAVA A EMPRESA E FRUSTRARAM OS INTERESSES DOS CREDORES.  
Termina requerendo a manutenção da decisão recorrida.
5. O tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso nos seguintes termos:
Inconformados com a sentença proferida, vieram Sociedade Imobiliária Olívia, SA e A… dela recorrer com fundamento, além do mais, no erro na apreciação da prova.
Analisadas as alegações, suscitam-se dúvidas quanto à suficiente indicação dos pontos de facto que os recorrentes consideram incorrectamente julgados e dos meios probatórios que, no seu entender, impunham decisão de facto diversa.  
Por essa razão, pese embora cientes do disposto no art.640º n.º1 b) do Código de Processo Civil, entendemos não rejeitar o recurso, nessa parte. 
Pelo exposto, por a decisão ser recorrível, os recorrentes terem legitimidade e estarem em tempo (atenta a impugnação da decisão de facto), admite-se o recurso interposto por Sociedade Imobiliária Olívia, SA e A…, o qual é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo (artigos 14º n.º5 e 6º b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e 629º n.º1, 631º, 637º, 638º n.º1 e 7, 639º do CPC).
6. Cumprindo o art. 652º, nº 1, al. b) do CPC foi ordenada a notificação dos recorrentes para se pronunciarem sobre a ausência de cabimento processual legal e de seriedade da impugnação que dirigem à decisão da matéria de facto nos segmentos em que convocam a reapreciação da prova gravada, e sobre a rejeição do recurso, por extemporâneo, por não corresponder aquela impugnação aos pressupostos que legalmente justificam a concessão de acréscimo de dez dias ao prazo regra para apresentação de recurso. Do mesmo passo mais foram notificados para se pronunciarem sobre a ausência, em sede de conclusões das alegações, de requisitos de que dependem a admissibilidade da impugnação à matéria de facto (indicação dos concretos pontos de facto pretendidos alterar), e da consequente rejeição da mesma. 
Os recorrentes pronunciaram-se concluindo que não procede a invocada rejeição da impugnação dirigida à decisão de facto, bem como a rejeição do recurso por apresentação fora de prazo, alegando, em síntese, que: Nas conclusões da alegação de recuso de apelação em que impugne matéria de facto deve o recorrente respeitar, relativamente a essa matéria, o disposto nº1 do art.º 639 º do CPC afirmando a sua pretensão no sentido da alteração de matéria de facto e concretizando os pontos que pretende ver alterados, não se mostra evidenciada qualquer falta de cumprimento do ónus de alegação previsto no art.º640º do CPC; neste processo a prova é essencialmente documental; nas notas 1, 2 e 3 do ponto AAA) [v]em feita referência expressa, devidamente localizada na prova gravada às declarações de parte de A… e aos depoimentos das testemunhas (…).; não conseguir [a]tingir a pretendida irrelevância e muito menos a ilegalidade jurídico-processual dos factos pretendidos aditar ou suprimir da decisão de facto; não pode ser feita qualquer associação entre admissibilidade formal da impugnação da decisão da matéria de facto e a tempestividade do recurso de apelação e Se o recorrente mostrou a vontade de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada a verificação da tempestividade do recurso de apelação não é prejudicada ainda que houvesse motivos para rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto com fundamento na insatisfação de algum do ónus previstos no nº1 do art.º 640º do CPC.
7. Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.
II - OBJECTO DO RECURSO:
Nos termos dos arts. 635º, nº 5 e 639º, nº 1 e 3, do Código de Processo Civil, o objeto do recurso, que incide sobre o mérito da crítica que vem dirigida à decisão recorrida (no caso, com fundamento em incorreta interpretação do direito aplicável) e não sobre o mérito dos pedidos formulados nos articulados, é balizado pelo objeto do processo, tal qual como o mesmo surge configurado pelas partes de acordo com as questões por elas suscitadas, e destina-se a reapreciar e, se for o caso, a revogar ou a modificar decisões proferidas, e não a analisar e a criar soluções sobre questões que não foram sujeitas à apreciação do tribunal a quo e que, por isso, se apresentam como novas, ficando vedado, em sede de recurso, a apreciação de novos fundamentos de sustentação do pedido ou da defesa. Tal como o Juiz da 1ª instância, em sede de recurso o tribunal ad quem está limitado pelo pedido e pela defesa e os respetivos fundamentos, tal como descritos e configurados na ação, motivo pelo qual está impedido de conhecer de factos e questões que não foram oportunamente submetidas a apreciação.
Acresce que o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas das questões de facto ou de direito suscitadas que, contidas nos elementos da causa, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto. Assim, conforme conclusões enunciadas pelos apelantes e pelo Ministério Publico, cumpre apreciar: 
A) Antes de mais, da admissibilidade da impugnação da decisão de facto e, considerando os termos em que esta vem deduzida, da admissibilidade do recurso.
B) Caso não resulte prejudicada pela questão antecedente, apreciar se os factos adquiridos nos autos concretizam ou não pressupostos da qualificação da insolvência como culposa, por referência à celebração do contrato promessa celebrado pela insolvente (circunstâncias em que foi celebrado, objetivos por ele visados alcançar e/ou efeitos pelo mesmo produzidos).
III – FUNDAMENTAÇÃO
1. O tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:
i) Factos provados, com relevância para a decisão: 
 (Omissio) 
2. Do processado nos autos mais resulta que os recorrentes foram notificados da sentença recorrida por expediente processual remetido em 30.03.2019 e o requerimento e alegações de recurso foram apresentados no dia 28.05.2019.
A) Da (in)admissibilidade da impugnação da decisão de facto e do recurso.
1) Sob a epígrafe Ónus de alegar e formular conclusões o art. 639º nº 1 do CPC prevê que O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
Especificamente para o segmento do recurso pelo qual venha impugnada a decisão de facto do tribunal recorrido, no contra polo do dever de fundamentação/motivação que o art. 607º, nº 4 impõe ao julgador, impõe o art. 640º, nº 1 do CPC que, pretendendo o recorrente a reapreciação da matéria de facto em sede de recurso, sob pena de rejeição, sobre ele recai o ónus de delimitar o objeto e o sentido da sua pretensão recursiva especificando:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;  (…)
Dispõe o art. 638º, nº 1 do CPC que O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão, reduzindo-se para 15 dias nos processos urgentes e nos casos previstos no n.º 2 do artigo 644.º e no artigo 677.º., No seu nº 7 mais prevê que, Se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias.
2) Conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial que, senão unânime, no mínimo pode dizer-se maioritário, citando Abrantes Geraldes, (E]stabelecendo o paralelismo com a petição inicial, tal como esta está ferida de ineptidão quando falta a indicação do pedido, também as alegações destituídas em absoluto de conclusões são “ineptas”, determinando a rejeição de recurso (art. 641º, nº 2, al. b), sem que se justifique a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação.(…) [E]m quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões. (…).//[1] No mesmo sentido, acórdão do STJ de 19.02.2015: A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto”, sendo que no que respeita à exigência da especificação dos concretos meios probatórios e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, “além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.”.[2]
Como consequência, e recorrendo de novo aos elucidativos e experientes ensinamentos de Abrantes Geraldes, impõe-se a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto nas seguintes situações[3]:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam alguns dos elementos referidos.
Fazendo referência aos objetivos propostos pelo legislador no contexto histórico da introdução de um efetivo segundo grau de jurisdição em matéria de facto, acrescenta o autor que temos vindo de citar que, o ónus imposto às partes e a consequência que do seu incumprimento resulta, corresponde a [u]ma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Mais acrescentando, e citando o legislador do Decreto Lei nº 39/95 de 15.02, que “este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, decorre, aliás, dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processual, assegurando, em ultima análise, a seriedade do próprio recurso intentado”.[4]
Descendo ao caso em apreço, a única referência que da impugnação que dirige à matéria de facto consta em sede de conclusões, corresponde à exarada sob o ponto 11, e nos seguintes termos: Na exposição dos factos provados foi deliberadamente por nós nestas alegações alterada a ordem com que os mesmos estão apresentados pela Instância recorrida, por não respeitarem uma perspectiva cronológica, o que torna muito difícil a sua apreensão, pelo que não alterando o seu conteúdo nem a sua identificação, trocou-se no seu elenco a ordem de apresentação, respeitando a cronologia dos factos, por nos parecer ser o único critério que consente a definitiva apreensão do acontecido.  Onde a prova entendida produzida nos mereceu reparo, introduzimos no fim do texto proposto pela Instância a quo uma nota crítica, justificando a nossa discordância, propondo nova formulação quando foi entendido por necessário ou um novo texto ou desdobramento temporal dos factos na prova produzida.
Sendo aquela a única conclusão com referência à invocada impugnação da decisão da matéria de facto, resulta manifesto que, em sede de conclusões, logo à cabeça os recorrentes omitem em absoluto os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, omitindo de resto qualquer referência aos demais elementos/requisitos exigidos pelo supra citado nº 1 do art. 640º do CPC. Lacuna omissiva que, de per si, e não sendo passível de objeto de convite ao aperfeiçoamento (cfr. Ac. do STJ de 27.09.2018, disponível no site da dgsi), constitui fundamento legal de rejeição da impugnação da decisão de facto, que desde já se declara.[5]
3) Considerando que a sentença foi notificada por expediente processual de 30 de abril e que o recurso foi apresentado no dia 28 de maio, temos que o foi no ultimo dia do prazo de 25 dias resultante da adição do prolongamento do prazo concedido pelo art. 638º, nº 7 do CPC para a impugnação da matéria de facto que tenha por objeto a reapreciação da prova gravada (15 +10). 
Atendendo à já declarada rejeição do segmento recursório da invocada impugnação à decisão da matéria de facto, conforme questão pertinentemente suscitada no despacho de admissão do recurso proferido pelo tribunal recorrido, importa agora apreciar da (in)admissibilidade do recurso por referência à (in)tempestividade do mesmo.
Desde já se adianta que, a supra descrita omissão dos requisitos previstos pelo art. 644º, nº 1 do CPC em sede de conclusões, mais não reflete os termos da motivação que nessa matéria vem alegada, como infra se descreve e expõe:
a) Em sede de motivação, na introdução à fundamentação do recurso (ponto II das alegações) os recorrentes resumem a metodologia adotada na formalização da impugnação na seguinte Nota Prévia: A exposição dos factos provados por parte da Instância recorrida, não respeita uma perspectiva cronológica tornando difícil a sua apreensão pelo que, sem alterar o seu conteúdo bem como a sua identificação, optamos por trocar no seu elenco a ordem de apresentação, optando por um critério cronológico, por nos parecer ser a forma mais exacta, por ser o único que consente a efectiva apreensão do acontecido. Quando a prova entendida por produzida nos merecer qualquer reparo, introduziremos no fim do texto proposto pela Instância recorrida uma nota crítica, justificando a nossa discordância e eventualmente um novo texto ou desdobramento temporal dos factos na prova produzida, se for o caso.  Percorrendo as alegações subsequentes constata-se que, a par com a enunciação de factos julgados assentes/provados pela sentença recorrida na sequência que entendem mais correta, as notas criticas e as propostas de reformulação da redação adotada pelo tribunal a quo (que se vislumbra lógica e tematicamente organizada), resumem-se, na sua larga maioria, a: (re)conformação lógica do teor das alíneas determinada pela reordenação sequencial apresentada pelos recorrentes, correção de lapsos materiais de escrita, e eliminação de alíneas dos factos provados por corresponderem a repetição/sobreposição do teor de outras. Assim sucede relativamente às notas críticas reportadas aos factos provados descritos sob as alíenas Q), FF), R), EE) (onde efetivamente se constata o lapso material de escrita apontado), KK), e  ZZ).
Manifesto é que o teor de tais notas criticas não consubstancia um qualquer juízo de censura ao juízo que presidiu à seleção e valoração, pelo tribunal recorrido, dos factos a que respeitam. Traduzem o que poderá ser designado de propostas de (re)estruturação formal da descrição dos factos julgados provados e de retificação de erros materiais de escrita, mas não contendem nem questionam a realidade factual que os mesmos reproduzem. 
b) As únicas alterações que pelos recorrentes vêm ‘propostas’ à decisão da matéria de facto resumem-se às seguintes:
i) Sob a Nota esclarecedora que reportam ao facto P) (correspondendo este à descrição do contrato de compra e venda de frações celebrado entre a insolvente e a sociedade Trefical no dia 13.11.2009), os recorrentes propõem que sob a letra P1) seja aditado que, na data em que aquele contrato foi celebrado, foram distratadas as hipotecas das frações dele objeto e proporcionalmente amortizada a dívida da insolvente junto do BCP. Suportam o requerido aditamento no teor da escritura publica junta aos autos e justificam-no pela relevância de tal facto na motivação subjacente à realização daquele negócio.
Ora, anotando-se desde já que o fundamento probatório da requerida alteração corresponde a documento (e não a depoimentos gravados), da mera leitura da sentença recorrida mais resulta que o facto pretendido aditar surge perfeitamente irrelevante para a apreciação de mérito, tal como foi irrelevante o contrato de compra e venda a que reporta, posto que este contrato foi expressamente afastado como fundamento legal da proposta qualificação da insolvência como culposa, precisamente, com fundamento na barreira temporal dos três anos prevista pelo art. 186º, nº 1 do CIRE, aferida por referência ao início do processo de insolvência. Com efeito, a qualificação da insolvência como culposa não vem factualmente suportada nas circunstâncias, vicissitudes e/ou efeitos daquele contrato pelo que, não tendo sido erigido a fundamento do sentido da decisão recorrida, curial será dizer que também não integra (nem podia integrar) o objeto do presente recurso[6], desde logo por ausência de legitimidade dos recorrentes para requerer a reapreciação ou valoração de tal facto como fundamento para a qualificação da insolvência como culposa, segmento da decisão que, na ausência de recurso da parte contrária com esse desiderato, formou caso julgado.
ii) Sob a Nota Crítica que reportam ao facto AAA) - correspondendo este ao conhecimento e decisão da realização dos acordos descritos em HH) e OO) pelo requerido/recorrente A….que é por este aceite -, os recorrentes propõem que, sob as alíneas AAA1), AAA2) e AAA3), seja aditado que à data da celebração daqueles acordos o recorrente A…se encontrava hospitalizado, que foi por isso que quem neles outorgou foi M…, que este só em 28.12.2012 veio a integrar o Conselho de Administração da insolvente na sequência da renuncia do recorrente A… e, esta, por agravamento do estado da saúde e de novo internamento do recorrente em inícios de 2013. Sob as notas de rodapé 1, 2 e 3 de fls. 21vº, e na extensa narrativa epigrafada de motivação alegada sob o ponto 9. iii) da fundamentação do recurso, deteta-se que os recorrentes mais alegam que o débil estado de saúde do recorrente foi confirmado pela testemunha L…, gerente do credor Hoteles, e pela testemunha J…, advogado e administrador na área financeira.  
Novamente, para além de a sucessiva composição do Conselho de Administração da insolvente constar da certidão comercial desta – para a qual os recorrentes remetem – e de a identificação dos intervenientes na celebração dos acordos resultar dos respetivos suportes escritos, os demais factos (hospitalização do requerido/recorrente à data da celebração dos contrato promessa descritos na decisão de facto, agravamento do respetivo estado de saúde, e renuncia ao cargo de administrador da insolvente por tal motivo), para além de não integrarem o objeto factual do processo porque nada a esse respeito foi alegado na oposição, ainda que o tivesse sido, não eram aptos a integrar os temas de prova, novamente, pelo simples facto de serem perfeitamente irrelevantes para a decisão de mérito da causa a partir
do momento em que, logo em sede de oposição, o requerido/recorrente aceitou a autoria da decisão da celebração daqueles acordos pressuposta pelas alegações e pareceres da qualificação (posto que apenas foi contestada relativamente aos demais administradores da insolvente, M… e C…). Não releva para a decisão de mérito se o recorrente estava hospitalizado ou se estava, por exemplo, ausente do país, em gozo de férias, ou em qualquer outra situação circunstancial; o que releva/interessa é que foi ele quem decidiu celebrar os negócios, que esse facto não foi por ele contestado e que, estando por isso desde logo excluído do thema probandum, também se impõe excluído do objeto de uma qualquer impugnação com fundamento na incorreção do seu julgamento (valoração factual).
Sem que constitua omissão jurídico-processualmente relevante no que ora se aprecia, sempre se acrescenta, em reforço da já supra declarada rejeição da impugnação da decisão de facto, que, relativamente aos depoimentos indicados como fundamento probatório para o requerido aditamento, não vêm indicadas/localizadas as passagens da gravação nas quais constem declarações por aqueles prestadas relativamente a tais concretos factos[7], factos que não correspondem a qualquer um dos referidos nas referidas notas de rodapé que, de resto, estão reportadas ao facto não controvertido descrito sob a alínea AAA). 
iii)  Requerem seja suprimido o facto assente descrito sob a al. CCC) -  O A… decidiu que a Sociedade Imobiliária Olívia, S.A. apresentasse o processo especial de revitalização referido em A) – alegando em fundamento que tal facto [n]ão parece verdadeiro, uma vez que nesta data o proposto afectado A… já tinha, por razões de saúde, renunciado ao Conselho de Administração da Olívia em 28/12/2012, sendo nessa data substituído por M….. (subl. nosso).
Para além de fundamentarem a requerida supressão em juízo indutivo com  recurso a prova documental (certidão comercial da insolvente) e factos que sequer foram invocados em sede de oposição (estado de saúde do recorrente), de invocarem a suposta inverdade como uma aparência ou sem a convicção firme e declarada de tratar-se de facto que corresponde ou não corresponde à realidade devida conhecer pelo recorrente A… (posto tratar-se de facto do foro pessoal e interior), determinante é que o facto descrito em CCC) - à laia do que sucede relativamente ao facto assente e descrito em AAA), e este e aquele implicitamente imputados a todos os requeridos nas alegações do credor Hoteles, somente ao requerido no parecer do Sr. Administrador da Insolvência e, de forma expressa, novamente a todos os requeridos no parecer do Ministério Público (Por outro lado, os responsáveis da insolvente incumpriram o dever de apresentação à insolvência, requerendo o PER (…).//A insolvência deverá ser qualificada como culposa, com afectação dos responsáveis indicados pelo credor e pelo AI)não constituía/constitui facto controvertido e, por isso, não integrava (nem integrou) os temas de prova, dado que a imputação da decisão dos atos ali descritos ao recorrente não foi por ele e quanto a ele impugnada. 
c) Finalmente, nas Notas Críticas reportadas aos factos descritos sob as alíneas HH), LL), MM) da sentença recorrida, na Nota Crítica reportada ao facto que pelos recorrentes é pretendido aditar sob a al. AAA3), e no segmento das alegações epigrafado de Motivação (ponto 9.iii), com exceção da referência a lapso na transcrição da qualidade em que o representante da insolvente interveio na celebração do contrato promessa de compra e venda descrito sob a al. HH), e do pretendido aditamento da redução do alegado crédito de Centuria de € 5M para €4,5M no âmbito do acordo homologado por sentença referido em MM) – factos que resultam exclusivamente de prova documental - o demais ali exposto não enuncia uma qualquer crítica ao julgamento que presidiu à concreta decisão da matéria de facto, no sentido de considerar este ou aquele facto como provado ou como não provado; antes consubstanciam críticas ao sentido ou valoração jurídica que dos factos provados foi extraída no confronto com os qualificativos da insolvência previstos pelo art. 186º, nº 2 do CIRE e enquadramento jurídico que daqueles foi feito, crítica que os recorrentes tecem por recurso a juízos conclusivos, absolutamente desacompanhados de suporte factual descrito na decisão de facto do tribunal a quo ou que pudesse resultar da invocada impugnação que à mesma dirigiram, e por recurso aos putativos efeitos que alegam que da celebração dos contratos promessa iriam decorrer em benefício da insolvente[8]; argumentação que, sintomaticamente, surge desacompanhada da indicação dos concretos pontos de factos que consideram incorretamente provados, dos meios probatórios em que se funda, e de posição expressa sobre o concreto facto que pretendem seja dado como provado ou como não provado.
No âmbito do recurso com impugnação da decisão da matéria de facto, para além de se impor aquilatar se cada alteração ou aditamento factual pretendido cumpre o princípio do dispositivo, mais se impõe que a matéria pretendida aditar corresponda a factos, concretos e individualizáveis - por contraposição a referências vagas, genéricas ou conclusivas -, e que sejam relevantes ou essenciais para a decisão de mérito na qualidade de factos concretizadores dos pressupostos constitutivos do direito a que o autor se arroga ou da defesa excetiva invocada pelo réu, por contraposição com os factos de natureza instrumental que, conforme da própria designação resulta, apenas relevam para fundamentar raciocínios lógicos-indutivos que concluam ou não pela existência dos próprios factos fundamentadores do direito ou da excepção, tarefa que tem o seu lugar próprio na valoração ou julgamento da matéria de facto. Nesse sentido, acórdão desta Relação de 26.09.2019 (processo nº 144/15.4T8MTJ.L1-2): Não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.). (disponível em www.dgsi).
Acresce que, conforme defende Abrantes Geraldes, [O] recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus da alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto. (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., p. 133, subl. nosso). Ora, à parte as alterações que requerem à matéria de facto com fundamento na prova documental produzida nos autos, não decorre das alegações das apelantes uma qualquer divergência com a apreciação crítica da prova levada a cabo pelo tribunal recorrido. Assim, não só pela ausência jurídico-processualmente relevante de conclusões relativamente à invocada impugnação da matéria de facto mas, também, pelo teor da fundamentação e âmbito do segmento recursório da pretensa impugnação da decisão de facto, o pedido de reapreciação da matéria de facto resulta transfigurado em pedido sem objeto. Desde logo porque do que maioritariamente vem alegado no âmbito da invocada impugnação da matéria de facto (quer sob as Notas Críticas quer sob o ponto Motivação das alegações) resulta que os recorrentes não se insurgem contra o juízo probatório ou julgamento de facto que a Mmª Juiz a quo alcançou e sustentou por recurso aos factos disponíveis nos autos, à posição quanto aos mesmos assumidas pelos opoentes no respetivo articulado, e aos meios probatórios produzidos – no sentido de a prova produzida permitir resultado distinto do alcançado pelo julgador, como é pressuposto da impugnação dirigida à decisão de facto -, mas sim contra a valoração jurídica que dos mesmos foi feita.
Citando acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.03.2007, o fundamento para a concessão do alargamento do prazo de recurso [r]adica na maior dificuldade que se depara ao recorrente, quando pretenda impugnar a matéria de facto, por virtude da imposição legal de identificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios, constantes da gravação, que justifiquem uma decisão diversa da que foi proferida. A atribuição de um prazo suplementar está, pois, diretamente relacionada com o cumprimento do especial ónus de alegação, naquela específica circunstância. Representaria uma fraude à lei e uma violação do princípio da igualdade das partes, que constitui também a concretização de um princípio constitucionalmente consagrado – o princípio da igualdade vertido no artigo 13º da Lei Fundamental (Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, 1996, pág. 39) -, que o recorrente pudesse obter uma ampliação do prazo de recurso, passando a dispor de um prazo superior ao que se encontra geralmente fixado, apenas porque se limitou a anunciar a possibilidade de impugnar a decisão de facto e a requerer a cópia da gravação.[9]                                              
Assim, quer porque não consubstanciam impugnação do juízo valorativo que presidiu à decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, quer porque convocam apenas a apreciação de documentos[10], quer pela irrelevância material e/ou ilegalidade jurídico-processual de factos que os apelantes pretendem sejam aditados ou suprimidos da decisão de facto (mas que, ou são materialmente irrelevantes para a decisão, ou correspondem a matéria assente, não controvertida), a invocada impugnação da decisão de facto não só não reúne os requisitos como não se apresenta com a seriedade que a tanto se exige e que justificam a legal concessão de acréscimo de dez dias ao prazo regra para apresentação de recurso, e do que a nosso ver impõe sejam extraídas e em toda a linha as consequências que daí devem decorrer para os recorrentes que, sem a seriedade objetiva que se exige, usaram do acréscimo de um prazo que, analisados os termos da impugnação da decisão de facto, se conclui não lhe ser aplicável por não o justificar de todo, com consequente rejeição do recurso por intempestivo. Consequência que se impõe extrair sob pena de, desprezando-se a sindicância dos fundamentos e crivos legais que resultam da conjugação dos requisitos impostos pelos arts. 640º, nº 1 e 638º, nº 7 do CPC, o excecional acréscimo de dez dias ao prazo de recurso de 30 ou 15 dias se tornar no prazo regra de recurso (posto que, assim, qualquer decisão proferida após instrução da causa através de meios de prova oralmente produzidos permitiria sempre, sem exceção, invocar uma alegada impugnação à decisão da matéria de facto). 
Nesse mesmo sentido propugna Abrantes Geraldes, afirmando que [P]ara que o recorrente possa aproveitar esta ampliação é mister que impugne efectivamente a matéria de facto com base em prova gravada (cfr. o Ac. A Rel. de Évora, de 15.11-07, CJ, tomo V, pág. 242, e o Ac. Da Rel. de Coimbra de 29-11-07, CJ, tomo V, pág. 63), sendo indiferente para o efeito o resultado que for obtido.[11] Sentido que manifestou no acórdão do STJ de ao refrisar que - O sistema não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, cumprindo ao recorrente designar os pontos de facto que merecem uma resposta diversa e fazer a apreciação crítica dos meios de prova que determinam um resultado diverso;//- Importa que seja feito do sistema um uso sério, de forma evitar impugnações injustificadas e, com isso, os efeitos dilatórios que são potenciados pelo uso abusivo de instrumentos processuais.[12] 
Não obstante os arestos já proferidos na matéria pelo Supremo Tribunal de Justiça, afigura-se-nos que as situações por eles apreciadas não se reconduzem à configurada nestes autos.
Assim, pelo já citado acórdão de 06.06.2018 mais foi decidido e estabelecido que III. Apesar de não haver lugar à reapreciação da prova gravada, por não fazer parte do objeto da apelação, continua a justificar-se o alongamento do prazo, por mais 10 dias, para a interposição da apelação, se na alegação o recorrente tiver impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, nomeadamente, indicando e transcrevendo os trechos dos depoimentos gravados que, no seu entender, impõem a alteração da matéria de facto. Aresto que foi tomado com voto vencido nos seguintes termos: Tenho defendido que a falta de cumprimento dos ónus da impugnação da decisão de facto (artigo 640º, do CPC) não impede que o recorrente se aproveite do alargamento do prazo, por 10 dias, para recorrer.//Creio que também o acórdão do STJ de 09 de fevereiro de 2017, citado neste aresto vai neste caminho (não estando o sumário deste, ao referir apenas as conclusões, em total consonância com o texto do acórdão).//No caso vertente, contudo, não consta sequer das conclusões da recorrente uma pretensão no sentido de alterar a decisão de facto.//Assim, voto a decisão de rejeição do recurso por extemporaneidade por a impugnação da decisão de facto não integrar o objeto do recurso traçado nas conclusões e não por não estarem cumpridos os ónus da referida impugnação, pois a meu ver este aspeto não colide com o prazo do recurso.  
No caso em apreço verifica-se o circunstancialismo que fundamenta o voto vencido e, por outro lado, não se verifica o que fundamentou o sentido do acórdão onde foi proferido. Com efeito, os aqui recorrentes não cumpriram a indicação e/ou transcrição dos depoimentos gravados, com exceção da indicação dos minutos do registo das declarações prestadas pelo recorrente mas, estas, reportam a facto que não impugnam e a factos (estado de saúde do recorrente) que não integram o thema probandum, quer porque não foram alegados quer porque, ainda que o tivessem sido, se apresentam manifestamente irrelevantes para a decisão de mérito e, mais ainda, para a reapreciação da bondade da mesma nesta instância recursiva (face ao facto descrito em AAA) dos factos assentes). Como se consignou no acórdão do STJ de 09.02.2017, (…) no caso concreto não existe qualquer razão para a existência do acréscimo do prazo de 10 dias ao prazo geral por ausência total, e não apenas parcial, dos meios necessários para se poder reapreciar a prova gravada, ou dito de outra forma, aqui não há lugar à reapreciação da prova gravada por as conclusões serem completamente omissas quanto a ela.[13]
Retornando aos ensinamentos pragmáticos de Abrantes Geraldes, a par com o rigor a que faz apelo, o coletivo do acórdão de 28.04.2016 por ele relatado prossegue referindo que, [p]ese embora o rigor e a seriedade com que as partes devem enfrentar as exigências legais, estas não devem ser exponenciadas pelo Tribunal da Relação a quem a pretensão é dirigida. Importa que não se sacrifique o direito das partes no altar de uma jurisprudência formal a um ponto que seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto, com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara nem na letra, nem no espírito do legislador (subl. nosso). Ora, contrariamente ao que no caso em apreço sucede, ali estava em causa a prévia questão da admissibilidade ou inadmissibilidade da impugnação à decisão da matéria de facto com fundamento na ausência de especificação dos meios de prova ou a indicação das passagens das gravações, concluindo que, contrariamente ao que se exige relativamente aos concretos pontos de facto (que ali se mantém deverem constar das conclusões recursórias), basta que aquela (especificação dos meios de prova) figurem no corpo das alegações. Por outro lado, das alegações ali resultava demonstrada a vontade séria do recorrente de impugnar a decisão da matéria de facto com base na reapreciação de prova gravada, dirigindo a impugnação ao juízo valorativo negativo da primeira instância sobre concreto facto que o recorrente pretendia ver julgado provado com fundamento no depoimento de uma testemunha, do qual especificou/demarcou as passagens da gravação contendo as declaração que, no entender do ali recorrente, justificavam a conclusão de facto por ele propugnada. Contexto que diverge substancialmente, não só dos fundamentos da rejeição da impugnação da decisão de facto invocada pelos recorrentes - posto que das conclusões das alegações sequer constam especificados os concretos pontos de facto censurados -, mas também e de sobremaneira dos fundamentos e âmbito da pretensa impugnação à decisão de facto que, para além de não cumprir os ónus especificamente previstos pelo art. 640º, nº 1 do CPC, quando surge reportada à prova oralmente produzida, sequer respeita o objeto temático da instrução e da matéria relevante para a decisão, a impor, mais do que uma jurisprudência formal (que não perfilhamos/defendemos), uma jurisprudência material de controlo da bondade/seriedade do recurso das partes a benefícios que a lei concede sem que se verifiquem os pressupostos de que depende; no caso, a ampliação de dez dias do prazo de recurso para impugnação da matéria de facto tendo por objeto reapreciação de prova gravada que, no caso, não se acha legal e seriamente requerida.
Assim, considerando que os recorrentes se consideram notificados da decisão recorrida no dia 03 de maio de 2019, dispunham de prazo até ao dia 20 de maio (posto que o termo do prazo legal regra de 15 dias coincidiu com um sábado) para apresentação de recurso visando a apreciação da bondade do enquadramento jurídico dos factos provados operado pela decisão proferida pelo tribunal a quo, objeto a que se resume o recurso que vieram a apresentar no dia 28 de maio. Do que resulta a extemporaneidade do recurso que, consequentemente, impõe a sua rejeição. 
IV – Decisão
Em conformidade, decide-se pela rejeição da impugnação da matéria de facto e, com fundamentos distintos dos fundamentos daquela, decide-se pela rejeição do recurso.
 
Lisboa, 30.06.2020
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
Fernando Barroso Cabanelas
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª ed., p. 122 e 132
[2] Disponível no site da dgsi.
[3] Ob. cit. p. 135.
[4] Ob. cit., p. 135.
[5] Nesse sentido, acórdão do STJ de 06.06.2018: II. São as conclusões que delimitam o objeto do recurso, não podendo o Tribunal “ad quem” conhecer de questão que delas não conste.//II. Se o recorrente, ao explanar e ao desenvolver os fundamentos da sua alegação, impugnar a decisão proferida na 1ª instância sobre a matéria de facto, pugnando pela sua alteração/modificação, mas omitindo nas conclusões qualquer referência a essa decisão e a essa impugnação, essa questão não faz parte do objeto do recurso. (processo nº 4691/16.2T8LSB.L1.S1, disponível na página da dgsi).
[6] Conforme, de resto, surge reconhecido pelos recorrentes a fls. 33 das alegações de recurso (fls. 670vº dos autos).
[7] O que nesta sede recursiva levaria à inatendibilidade dos depoimentos prestados pelas testemunhas, na esteira do vertido pelo acórdão do STJ de 19.02.2015: A exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto”, sendo que no que respeita à exigência da especificação dos concretos meios probatórios e a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, “além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.”. (disponível no site da dgsi).
[8] Não obstante, diga-se, os recorrentes reconhecerem o contrato promessa subscrito com a Fadodesign e a alegada entrega, a esta sociedade, de sinal titulado pelos cheques visados emitidos pela Centuria, como um ato de quase desespero e como uma ‘porta’ estreita para evitar a insolvência da devedora no futuro…(cfr. conclusões 30 e 31). Cheques que, de resto foram por aquela Centuria emitidos em benefício de uma terceira sociedade e que, não obstante se presumir de facto como meio de pagamento de uma obrigação daquela Centuria à tomadora dos cheques (considerando a função típica dos cheques, máxime visados), afinal, na versão dos recorrentes, aqueles cheques, através do alegado endosso da tomadora à insolvente, viriam a ser novamente utilizados pela Centuria para pagamento de uma outra obrigação, agora à insolvente…
[9] Revista nº n.º 06S979, disponível na pág. da dgsi.
[10] Conforme acórdão do STJ de 15.11.2017, O benefício [do alargamento do prazo de recurs] não se estende à impugnação da matéria de facto baseada apenas na reapreciação da prova documental. (Revista nº 461/14.0T8VFR.P1.S1, disponível na pág. da dgsi).
[11] Ob. cit., p. 113, nota 181, interpretando-se o segmento o resultado que for obtido como reportado ao que resultar da efetiva apreciação do mérito da impugnação da decisão, o que desde logo pressupõe a sua admissibilidade.
[12] Revista nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, disponível na pág. da dgsi.
[13] Processo nº 471/10.7TTCSC.L1.S1, disponível na página da dgsi.