Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11687/2005-6
Relator: CARLOS VALVERDE
Descritores: CAPITALIZAÇÃO DE JUROS
ANATOCISMO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I - A proibição do anatocismo não é absoluta, admitindo as excepções, entre as quais a existência de regras ou usos particulares do comércio e, designadamente, do comércio bancário, tendo a capitalização de juros pelas instituições de crédito hoje consagração legal no Dec-Lei nº 344/78, de 17-11.

II - A perda do benefício do prazo, por falta de cumprimento de uma prestação nas dívidas pagáveis em prestações, aplica-se à falta de pagamento das prestações de juros.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:



Banco …, S.A., com sede em Lisboa, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Eduardo … e Adélia …, pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de E. 15.212,65, acrescida de E. 759,55 de juros vencidos e E. 30,38 de imposto de selo sobre os juros, e ainda juros que, sobre a dita quantia de E. 15.212,65, se vencerem, à taxa anual de 21,44% e correspondente imposto de selo, desde 2-2-2002 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que sobre estes recair, à taxa de 4%, para o que alega que, no exercício da sua actividade, concedeu ao R. crédito directo sob a forma de mútuo, no montante de Esc. 3.050.000$00, à taxa anual de 17,44% a ser pago em 60 prestações mensais e sucessivas, acrescendo em caso de mora, uma sobretaxa de 4%; o R. Eduardo não pagou a 1ª e seguintes prestações, vencendo-se então todas; a Ré Adélia assumiu, por termo de fiança, a responsabilidade de fiadora solidária, por todas as obrigações contratuais do R. Eduardo.

Citados, com a advertência que a falta de contestação implicaria a confissão dos factos articulados pela A., só a Ré Adélia contestou, negando a sua constituição como fiadora das obrigações assumidas pelo R. Eduardo.

Foi proferido despacho saneador e procedeu-se, sem reclamação, à condensação da matéria de facto.

Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, absolveu a Ré Adélia do pedido e condenou o R. Eduardo no pagamento à A. de uma quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente às prestações de capital não pagas, acrescida de juros moratórios, à taxa anual de 17,44% - deduzida do valor de E. 9.630,52 -, desde 7-12-2001.

Inconformada com a decisão, dela interpôs recurso a A., cujas conclusões, devidamente resumidas - artº 690º, 1, do C.P.C. -, se traduzem, no fundo, na seguinte questão colocada à apreciação deste Tribunal de recurso:

- a validade e a interpretação da cláusula 8ª das Condições Gerais do contrato ajuizado.

Não houve contra-alegação.

Cumpre decidir, atenta a factualidade apurada na instância recorrida e constante da decisão impugnada, para a qual, por não ter sido posta em causa nem haver lugar à sua alteração, se remete, ao abrigo do disposto no nº 6 do artº 713º do CPC, na redacção introduzida pelo DL nº 329-A/95, de 12/12.

As actuais estruturas de produção económica e a respectiva distribuição de bens e serviços ditaram aos agentes económicos o modelo de contratação baseado em cláusulas contratuais gerais; as empresas, por seu turno, reféns de critérios de racionalização, planeamento, celeridade e eficácia, passaram a adoptar, generalizadamente, as condições gerais do contrato como um instrumento indispensável das suas negociações.
Porém, a contratação com recurso às denominadas condições contratuais gerais comporta riscos evidentes. Esta modalidade de contratação afasta-se daquilo que poderíamos designar como o paradigma do processo de contratação, que está consagrado no nosso Código Civil, ou seja, as partes contratantes, em posição de igualdade e por aproximações sucessivas, vão definindo o que consideram ser seu interesse, até alcançarem o patamar final, livremente negociado, num processo do qual nunca está ausente o poder recíproco de aceitação ou de rejeição. Os contratos são concluídos, em regra, após negociações prévias, com propostas e contrapropostas, de tal sorte que uma das partes fique a saber dos seus direitos e obrigações quando os mesmos se formalizarem.
Tal não acontece com os contratos de adesão.
Se num contrato negociado o conteúdo deste beneficia da presunção de que corresponderá à vontade de ambas as partes, isso já não acontece nos contratos de adesão cujo conteúdo resulta, de facto, apenas de uma vontade, dispondo esta, para o efeito, de todo um arsenal de técnicos e de meios para se impor à contraparte ( Ac. STJ,. de 5-7-94, BMJ 439-521).
A vontade do aderente, para além de não ser livre, também não estará, na maioria dos casos, plenamente esclarecida. mesmo que se leia o manancial de cláusulas extensas impressas em letra miúda e postas perante o potencial aderente carecido de conhecimentos jurídicos (Correia dos Santos, Cláusulas Contratuais Gerais, pags. 35 e sgs,).
Quando estão em causa as cláusulas contratuais gerais, a liberdade da contraparte fica praticamente limitada a aceitar ou a rejeitar, sem poder realmente interferir, ou interferir de forma significativa, na conformação do conteúdo negocial que lhe é proposto, visto que o emitente das condições gerais não está disposto a alterá-las ou a negociá-las; se o cliente decidir contratar terá de se sujeitar às cláusulas previamente determinadas por outrem, no exercício de um law making power de que este de facto disfruta, limitando-se aquele, pois, a aderir a um modelo préfixado ( António Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, pag, 748; Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, pags, 96 e sgs; Vaz Serra, Obrigações, Ideias Preliminares, pags. 162 e sgs; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., pág. 266; Almeida Costa, Direito das Obrigações, págs, 196 e sgs; Mota Pinto, Contratos de Adesão, Revista de Direito e de Estudos Sociais, págs. 119 e sgs.).
É a utilização, em grande escala, das condições gerais que desperta as legislações europeias para a necessidade da instituição de um regime que acautelasse os interesses dos aderentes, pois que ninguém, hoje, consegue escapar a ser contratante num contrato de adesão ou num contrato que insere um núcleo mais ou menos vasto de cláusulas contratuais gerais, cláusulas em cuja conformação, como se sabe, o predisponente não permite qualquer interferência por parte do aderente: este apenas terá de pegar ou largar.
"A observância do cumprimento dos imperativos constitucionais de combate aos abusos do poder económico e de defesa do consumidor, aliada à necessidade de preservar a autonomia privada, determinaram o legislador português, à semelhança de outros ordenamentos jurídicos europeus, à regulamentação das cláusulas contratuais gerais (também designadas "condições negociais gerais ", "contratos de ou por adesão ", " contratos de série, e " contratos standartizados") elaborados de antemão, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou a aceitar " (João Lobo, O Contrato no Direito Civil Português: Seu Sentido e Evolução, pag, 181).
O DL n° 446/85, na redacção dada pelo DL n° 220/95 é o diploma através do qual se instituiu, em Portugal, o regime a que estão sujeitas as cláusulas contratuais gerais.
Este diploma legal atravessa, longitudinalmente, todo o ordenamento jurídico português, e é aplicável a todo o tipo de negócios em cujos contratos singulares ou elaborados em forma de minuta, para o futuro, se incluam cláusulas contratuais gerais, só cedendo perante as excepções que ele próprio a si mesmo se impôs e que constam do seu art. 3º, cuja redacção foi alterada pelo DL 220/95, de 31 de Agosto, (diploma que transpôs para o ordenamento jurídico português a Directiva n° 93/13/CEE, do Conselho de 5 de Abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores), ou seja, cláusulas típicas aprovadas pelo legislador, cláusulas que resultem de tratados ou convenções internacionais vigentes em Portugal, contratos submetidos a normas de direito público, actos do direito da família ou do direito das sucessões e cláusulas de instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho.
O contrato ajuizado é um contrato de mútuo oneroso e formalmente válido (arts. 2º, 1 e 6º, 1 do DL nº 359/91 e 1142º e sgs. do CC).
O clausulado geral do contrato foi plasmado no verso do documento formalizador, encontrando-se este documento apenas assinado no rosto.
A cláusula geral questionada respeita à mora e à penalização pelo incumprimento.
Na decisão sindicanda, considerou-se esta cláusula (8ª) como excluída do contrato, por violação do artº 8º, al. d), do DL nº 446/85, de 25/10, com as alterações introduzidas pelo DL nº 220/95, de 31/8.
Pese embora toda a filosofia do diploma que consagra a disciplina legal das chamadas Cláusulas Gerais esteja virada para a defesa de uma vontade negocial do aderente bem estruturada e formada, o que passa, forçosamente, pela correcta informação deste declarante dos termos do negócio e dos seus efeitos, maxime por um conhecimento preciso e claro do respectivo clausulado, não cremos poder concluir-se, sem mais, do facto de o R. ter aposto a sua assinatura apenas no rosto do documento suportador do contrato ajuizado, que o R. não se tenha apercebido da existência do clausulado do contrato constante do seu verso e do seu teor não se tenha inteirado, quando é certo que no seu rosto se faz alusão às condições gerais - "É celebrado o contrato de mútuo constante das Condições Específicas e gerais seguintes"-, sendo irrecusável que o clausulado geral constava necessariamente do documento quando neste o R. apôs a sua assinatura.
Pelo contrário, tal é de configurar como assente, face à aceitação pelo mesmo R., da factualidade alicerçadora do peticionado.
Da análise externa do documento inculca-se, ex adverso, que o R., ao apor a sua assinatura no rosto do contrato de mútuo a que se vinculou, não podia deixar de conhecer as ditas condições gerais integralmente impressas na folha (verso) que constitui o contrato de mútuo, em caracteres facilmente legíveis. Eficazes, a nosso ver, já que, pelo menos o R. as deveria conhecer usando da diligência normal (do homem comum). E ademais, o R. não contrapôs a falta de mútuo consenso das mesmas, porquanto não contestou a acção" (neste sentido, o Ac. desta Relação de 8-5-2003, de que fomos subscritor, CJ, XXVIII, III, pag. 73).
Assim, salvo o devido respeito, não podia o Sr. Juiz, declarar, sem mais, a inexistência da cláusula geral do contrato em referência.
Discute-se ainda se o segmento normativo que determina a perda do benefício do prazo, por falta de cumprimento de uma prestação nas dívidas pagáveis em prestações, se deve aplicar à falta de pagamento das prestações de juros.
Salvo o devido respeito, no caso vertente não há que entrar em polémica.
É que o falado art. 781° não constitui uma norma imperativa, podendo, consequentemente, ser afastada por vontade das partes.
Os juros questionados são juros remuneratórios, que, por isso mesmo, não têm qualquer relação com o incumprimento do contrato: constituem apenas a contraprestação onerosa pela cedência do capital.
Foi convencionado que as prestações por que se estende o contrato englobavam cada uma delas parte do capital e os correspondentes juros remuneratórios, como é consentido pelo artº 4º do DL nº 359/91, de 21/9 e mais que o mutuário ficava constituído em mora no caso de não efectuar, aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação, que a falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implicava o imediato vencimento de todas as restantes e que, em caso de mora, incidiria sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais (cfr., condições específicas do financiamento e als. a), b) e c) da cláusula 8° das condições gerais). Sendo assim, não podem restar dúvidas de que é devida a totalidade de cada uma das prestações vencidas por força do incumprimento, juros remuneratórios incluídos. Como se escreve no Ac. do STJ. de 22-2-2005, "está-se perante o que se pode chamar de «custo total do crédito» e que se justifica até pelos especiais riscos que envolve a concessão do crédito ao consumo e pelas limitações que se impõe sejam criadas a tal forma de financiamento.
É certo que não existe decurso do tempo, que, em princípio, está ligado aos juros, mas nem só a contabilização do período do tempo justifica os juros remuneratórios.
O referido artº 4º do Dec-Lei nº 359/91 que estabelece o cálculo da «taxa anual de encargos efectiva global», determina no nº 3 que o cálculo é efectuado no pressuposto de que o contrato de crédito vigorará pelo período de tempo acordado e que as respectivas obrigações serão cumpridas nos prazos e datas convencionados.
Vencida a dívida, estão vencidas todas as prestações, sendo o montante de cada uma o estipulado tendo em conta a referida TAEG" (CJ, STJ, XIII, I, 86).
Este o sentido avançado pela A. e, na ausência de contestação, aceite pelo R., não havendo, por isso, na interpretação da vontade negocial, que coligir o disposto nos arts. 236º, 1 e 237º do CC e 11º do DL 446/85, de 25/10.
Por outro lado e como resulta do clausulado geral que concretamente se referenciou, a A. resguardou-se ainda com uma garantia mais forte do que a garantia que a lei eventualmente lhe conferiria, fazendo incidir, a título de cláusula penal, uma sobretaxa de 4% sobre a taxa de juros convencionada.
A cláusula penal tem, por regra, uma dupla função: indemnizatória pela prévia fixação da indemnização devida ao credor e coercitiva pela pressão que é susceptível de causar no sentido do cumprimento da obrigação (Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 247 e sgs.).
Passando os objectivos e o êxito desta segunda função pela maior ou menor pressão do devedor ao cumprimento, a tendência dos credores para a fixação de penas elevadas, que ultrapassam, por vezes, em muito, o dano efectivo, não surpreende.
Daí a necessidade de contrariar a intangibilidade, sustentada na liberdade negocial (artº 405º do CC), da cláusula penal, a que o próprio legislador, vindo de encontro a exigências jurisprudenciais e doutrinais nesse sentido, deu resposta, como é exemplo, entre nós, o artº 812º do CC.
Aqui se dispõe que a pena convencional pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda por causa superveniente, sendo que a redução é também possível se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida.
A intervenção judicial, porém, não pode ser sistemática, antes deve ser excepcional e em condições e limites apertados, “de modo a não arruinar o legítimo e salutar valor coercitivo da cláusula penal e nunca perdendo de vista o seu carácter à forfait", como observa Calvão da Silva, que acrescenta ainda que, “na apreciação do carácter manifestamente excessivo da cláusula penal, o juiz não deverá deixar de atender à natureza e condições de formação do contrato (por exemplo, se a cláusula for contrapartida de melhores condições negociais), à situação respectiva das partes, nomeadamente à sua situação económica e social, os seus interesses legítimos, patrimoniais ou não patrimoniais; à circunstância de se tratar ou não de um contrato de adesão; ao prejuízo sofrido pelo credor; às causas explicativas do não cumprimento da obrigação, em particular à boa ou má fé do devedor; ao próprio carácter à forfait da cláusula e, obviamente, à salvaguarda do seu valor cominatório” (ob. cit., págs. 273 e sgs.).
Interpretando a redacção actual do art. 812º, nº 1 do C.Civil, depois das alterações introduzidas pelo D.L. 262/83, o mesmo Autor faz também notar que “o juiz tem o poder de reduzir, mas não de invalidar ou suprimir a cláusula penal manifestamente excessiva, e que só tem o poder de reduzir a cláusula manifestamente excessiva e já não a cláusula excessiva” (ainda ob. cit., pág. 276).
A cláusula penal não se confunde pura e simplesmente com uma sanção para quem não cumpre as suas obrigações contratuais; como supra se referiu, tem, em primeira linha, uma natureza indemnizatória: é uma forma de fixar previamente a indemnização devida, em caso de incumprimento determinante da resolução do contrato.
Se assim é, a cláusula penal dispensa o credor de provar quer os danos, quer o seu montante; porque a indemnização ficou, desde logo, calculada; o ónus da prova sofre aqui uma inversão, passando a caber ao devedor, se quiser afastar a actuação do clausulado, a prova da inexistência de prejuízos ou a desproporção entre estes e o montante indemnizatório preconvencionado - artº 342º, nº 2 do CC -, ou, doutra forma, o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, conferido ao tribunal pelo artº 812º do CC, por um lado, não é oficioso, antes dependendo do pedido do devedor nesse sentido e, por outro, impõe a este a alegação e demonstração, porque de excepção peremptória se trata, dos factos susceptíveis de suportar essa sua pretensão (Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, vol. II, 4ª ed., pág. 81, Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, págs. 734 e 747, Antunes Varela, ob. cit., II vol., 7ª ed., pág. 148 e Acs. do STJ de 5-11-97, de 21-5-98 e 10-2-2000, respectivamente, CJ, STJ, V, III, 120, BMJ, 477-489 e CJ, STJ, VIII, I, 76 e da RP de 23-11-93 e da RL de 27-4-95, CJ, respectivamente, XVIII, V, 230 e XX, II, 120 ).
A falta de contestação do R. afasta, desde logo, qualquer hipótese de fundamentação da eventual manifesta e excessiva onerosidade da cláusula em referência.
Prejudicado, pois, o juízo em concreto sobre a proibição de tal cláusula, acontece que em termos abstractos também a mesma não é de configurar como desproporcionada em relação aos danos a ressarcir, se sopesarmos devidamente os fortes riscos assumidos pela entidade financiadora do crédito ao consumo, bem espelhados na significativa percentagem de incumprimento contratual dos mutuários, em muitos casos consequenciador de dívidas incobráveis ou de difícil cobrança, sendo cada vez mais frequentes os casos em que os devedores, após a obtenção do crédito e adquirido o respectivo bem a que o valor do crédito se destina, manifestam um total alheamento não só quanto à assunção dos compromissos assumidos, como em relação ao resultado das acções originadas pelo incumprimento.
Por outro lado, os juros peticionados não violam o disposto no artº 560º do CC (anatocismo).
Nos termos deste normativo só é admissível a capitalização de juros se, posteriormente ao vencimento dos juros, for celebrada, entre credor e devedor, convenção nesse sentido ou, também posteriormente ao vencimento dos juros, for feita ao devedor notificação judicial para capitalizar os juros vencidos ou proceder ao seu pagamento sob pena de capitalização (nº 1); ou ainda se tal prática fizer parte das regras ou usos particulares do comércio (nº 3).
Temos, assim, que a proibição do anatocismo não é absoluta, admitindo as excepções que se enunciaram, entre as quais a existência de regras ou usos particulares do comércio e, designadamente, do comércio bancário (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., vol. I, 4ª ed., pág. 575).
Como é de todos sabido a capitalização de juros pelas instituições de crédito é prática generalizada e tem, inclusive, hoje consagração legal no Dec-Lei nº 344/78, de 17-11 (ver, entre outros, os Acs. do S.T.J. de 14-3-1990 e 5-5-1994, respectivamente, in BMJ, 395º, 556 e Col. Jur., Acs. S.T.J., Tomo II, pág. 82 e da Relação de Lisboa de 7-7-93, Col. Jur., Tomo III, pág. 150).
Dispõe o art. 7º do Dec-Lei nº 344/78, na redacção introduzida pelo Dec-Lei nº 83/86, de 6/5, que as instituições de crédito ou parabancárias poderão cobrar, em caso de mora do devedor, uma sobretaxa de 2% a acrescer, em alternativa, à taxa de juro que seria aplicada à operação de crédito se esta tivesse sido renovada ou à taxa de juro máxima permitida para as operações de crédito activas de prazo igual por que durar a mora (nº 1) e acrescenta que os juros de mora incidem sobre o capital já vencido, podendo incluir-se neste juros capitalizados correspondentes ao período mínimo de um ano (nº 3).
Por sua vez, o art. 5º, do mesmo diploma, que começou por traduzir, no essencial, a doutrina do nº 1 do art. 560º do C. Civil, veio a permitir a capitalização de juros por parte das instituições de crédito ou parabancárias, desde que anteriormente convencionada e dispõe, actualmente (redacção dada pelo Dec-Lei nº 204/87, de 16-5) que "não podem ser capitalizados juros correspondentes a um período inferior a três meses".
Tem vindo, pois, a ser alargada a possibilidade das instituições de crédito capitalizarem os juros das suas operações de crédito, de tal forma que hoje a única restrição é não poderem capitalizar juros por períodos inferiores a três meses.
A este propósito, observa Correia das Neves que "o nº 4 do art 5º do Dec-Lei nº 344/78, na sua primitiva redacção, exigia, para a capitalização, convenção posterior ao vencimento dos juros; a nova redacção que lhe foi dada pelo Dec-Lei nº 83/86 contenta-se com a convenção, eliminando o "posterior"; e agora o actual nº 6 desse art. 5º, introduzido pelo Decreto-lei nº 204/87, limita-se a dizer que "não são capitalizáveis juros que correspondam a um período inferior a três meses" (in Manual de juros, 3ª ed., pág. 227).
E acrescenta o mesmo Autor que, "por fim, pode fazer-se este raciocínio simples: o nº 3 do art. 560º do C. Civil ressalva não só os usos como as regras de comércio contrárias às restrições dos números anteriores; ora, estas regras tanto são as costumeiras ou da prática como as de natureza administrativa ou legal; acontece que existe regra geral a respeito de capitalização de juros nas operações activas das instituições de crédito, que é neste momento o citado nº 6, do art. 5º do Dec-Lei nº 344/78, e esta norma apenas impõe uma restrição que se refere ao período mínimo de juros capitalizáveis; logo não impondo ela outras restrições e sendo aquele o lugar próprio para o fazer, podem capitalizar-se juros mesmo por convenção antecipada ao vencimento." (in ob. cit., pág. 228).
Posto isto, resta concluir que, enquanto instituição de crédito, tem de reconhecer-se que à A. era permitido capitalizar as importâncias respeitantes aos juros remuneratórios do empréstimo que concedeu ao R., como capitalizou, uma vez que respeitou o limite que a lei lhe impôe - os juros capitalizados respeitam a um período superior ao período de três meses, impositivo do nº 6, do artº 5º do citado DL 344/78, de 17/11 -, bem como o limite da sobretaxa, a acrescer à taxa convencionada de juro ( artº 7º, nºs 1 e 2 do DL. n° 344/78, de 17/11, na redacção introduzida pelo DL. nº 83/86, de 6/5), como uma leitura atenta do texto da lei ( citado nº 2 do artº 7º do DL 344/78) revela: o limite máximo da sobretaxa em referência é exactamente de 4% ("A cláusula penal devida em caso de mora não pode exceder o correspondente a quatro pontos percentuais... considerando-se reduzida a este limite máximo na parte em que o exceda...). Seja, o convencionado pelas partes não foi além da previsão legal.
E tendo-se essas importâncias incorporado no capital, deixaram naturalmente de ser consideradas juros, podendo, elas próprias, vencer juros ou sobre elas incidirem juros moratórios (artº 7º, 3, ainda do DL 344/78), de acordo com o que consta do título constitutivo do empréstimo - o contrato de mútuo outorgado pelas partes.
Por último, o apuramento efectuado pela A. da conta de custas de parte mostra-se conforme aos limites do nº 1 do artº 106º do CCJ, não se vendo razões para a redução efectuada.

Pelo exposto, na procedência da apelação, acorda-se em alterar a decisão recorrida, condenando-se o R. Eduardo Mário Rosas Andrade no peticionado pela A., deduzido da importância de E. 9.630,52, que esta imputou à dívida daquele pela venda que realizou do veículo adquirido com o empréstimo ajuizado.


Custas pelo apelado.


Lisboa, 15 de Dezembro de 2005

Carlos Valverde
Granja da Fonseca
Roger de Sousa