Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9176/2006-2
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PEDIDO
ALTERAÇÃO
COMPRA E VENDA
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I A admissibilidade legal da ampliação do pedido implica que esta venha a emergir como corolário lógico do pedido inicial e não como afirmação de um novo direito.
II Se o pedido inicialmente formulado pelos Autores consiste na declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre o Réu/Apelado Instituto X e a Ré/Apelada M C, cujo objecto é a fracção autónoma constituída pelo segundo andar esquerdo do prédio sito na Rua … em Lisboa e o consequente cancelamento do respectivo registo não se poderá admitir, em sede de ampliação que o Tribunal condene o R. instituto X a celebrar o contrato com quem tem o direito de nele outorgar, ou seja, com os Autores e os Réus, na proporção de metade para cada um, pois este pedido envolve a alegação de nova factualidade não contida na causa de pedir inicial.
III Nos termos do artigo 2º, nº1 do DL 288/93, de 20 de Agosto a aquisição da casa dada de arrendamento em regime de habitação social, caso o proprietário, Instituto X, a queira vender, pode vir a ser adquirida pelo respectivo arrendatário ou cônjuge.
IV Sendo as arrendatárias da casa a Apelante e a Apelada, o arrendamento constituía direito próprio destas tendo em atenção o normativo inserto no artigo 83º do RAU (em vigor à data dos factos), pois fosse qual fosse o regime de bens do casamento dos arrendatários, o arrendamento nunca se comunicava ao cônjuge e caducava por óbito do respectivo arrendatário (sem prejuízo da sua eventual transmissão por via de divórcio ou por óbito daquele, nos termos dos artigos 84º e 85º, daquele mesmo diploma, daí a referência expressa a este efectuada pelo DL 288/93, no artigo 2º, nº1,a fim de salvaguardar estas duas situações excepcionadas pelo RAU).
(APB)
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I J e M, intentaram acção declarativa com processo ordinário, contra M C, C A e INSTITUTO X, pedindo a declaração de nulidade do contrato de compra e venda da fracção sita na Rua….., Lisboa, celebrado entre os réus, bem como o cancelamento do respectivo registo, alegando, para tanto, que eram arrendatários da aludida fracção juntamente com a ré M C, sendo senhorio o Instituto X, tendo este vendido a fracção à aludida Ré, à revelia dos Autores.

A fls 288 vieram os Autores requerer a ampliação do pedindo, com a condenação do Réu Instituto X a contratar com aqueles a venda de metade do prédio, nas mesmas condições estabelecidas na compra e venda cuja nulidade peticionaram, devendo o respectivo contrato ser celebrado no prazo de trinta dias após o trânsito em julgado da sentença que puser termo ao processo.

Este requerimento para ampliação do pedido veio a ser indeferido por despacho de fls 314 a 316 e a final veio a acção a ser julgada improcedente.

Os Autores agravaram do despacho que indeferiu a ampliação do pedido por si suscitada e recorreram, posteriormente, da sentença, tendo apresentado as seguintes conclusões:

Quanto ao Agravo:
- 0 corolário lógico da causa de pedir nos presentes autos, caso venha a ser julgada provada, é a declaração de nulidade da compra e venda celebrada apenas com a R. mulher na qualidade de vendedora e a condenação do R. Instituto X a celebrar o contrato com quem tem o direito de nele outorgar, ou seja, com os A. e os RR., na proporção de metade para cada urre.
- A condenação do Réu Instituto X a contratar também com os AA. na qualidade de compradores de metade da fracção autónoma objecto da compra e venda é o desenvolvimento da declaração de nulidade da escritura celebrada apenas com a A. mulher.
- Tendo os AA., na petição inicial, apenas formulado pedido de nulidade da escritura de compra e venda, podem, agora, em desenvolvimento desse pedido, amplia-lo de forma a nele se integrar também a obrigação de celebração de novo contrato de compra e venda, tendo o Tribunal violado o disposto no artigo 273º in fine, do CPCivil.

Da Apelação:
- Para se poder avaliar da boa ou má fé com que litiga a Ré M C deve acrescentar-se à base instrutória o seguinte facto: “A declaração de fls 210 não foi assinada pelo Autor J?”
- Suficiente prova consta dos autos, apta a fundamentar aquele facto como provado.
- Consequentemente, a Ré M C invocou facto que bem sabia não corresponder à verdade, com o exclusivo objectivo de enganar o tribunal levando-o a decidir a seu favor, em detrimento da Justiça, logo litiga de má fé, como tal devendo ser condenada.
- Se se entender que as anteriores conclusões não procedem, sempre resulta como certo que se não provou ter o Autor J tenha assinado a Declaração de fls. 210.
- Porque os RR não lograram provar tal facto - e incumbia-lhes o respectivo ónus - não se pode adquirir que o Autor J assinou a Declaração de fls. 210.
- Como se extrai do facto assente sob letra H) do douto despacho saneador de fls. I 66 e estes, na sequência do contrato de compra e venda ora em crise, ficaram sem a casa e sem o arrendamento, ou seja, ficaram sem casa para viver
- Por força do regime de relação de bens em vigor no casamento dos primitivos AA (comunhão geral), e também pelo facto que integra a anterior conclusão, a Autora M não podia ceder validamente à co-inquilina M C, desacompanhada do marido J, o direito que lhe assistia de comprar a casa que com aquela coabitava na qualidade de co-arrendatária, em face da disponibilidade do senhorio em vender.
- Consequentemente, a Declaração corporizada a fls. 210 não é apta a produzimos efeitos jurídicos que incorpora.
- Porque a compra e venda foi celebrada tendo como compradora apenas a Ré mulher, desacompanhada da co-inquilina e seu marido (os primitivos autores), no pressuposto, errado, de que estes haviam cedido àquela o seu direito de comprar, tal contrato é nulo, cone resulta da aplicação conjugada dos artigos 294° e 1404°, do Código Civil e artigo 2º do DL 141/88, de 22 de Abril, com a redacção que lhe foi dada pelo artigo 10 do DL 288/93, de 20 de Agosto, cujas normas cremos serem imperativas.
- A violação do disposto nos artigos 1682°-A, nº2, 1682°-B, al. c) (por aplicação analógica) do Código Civil geram anulabilidade, sendo certo que a caducidade da sua invocação não foi invocada pelos RR, nas suas doutas contestações e não é de conhecimento
(artigo 333º nº1 aplicado a contrario e nº2, do C. Civil).
- Caso se entenda não estarmos perante nulidade do contrato de compra e venda, sempre deve o mesmo ser anulado porque celebrado com fundamento na preterição do direito de adquirir por parte da Autora M a favor da M C, preterição essa que, para ser válida, teria de ser acompanhada do marido J, o que não aconteceu.
-Seja pela via da nulidade, seja da anulabilidade, sempre o contrato de compra e venda outorgado pelo Réu Instituto enquanto vendedor e pela Ré M C enquanto compradora da totalidade da fracção autónoma correspondente ao 2° andar … da Rua …., em Lisboa, terá de ser julgado inválido.
- Sobre toda a matéria incorporada nas anteriores conclusões o Tribunal não se pronunciou, quando tinha o dever de se pronunciar, consequentemente, é nula a sua sentença, artigo 668° nº1, alínea d) do CPCivil.

Nas contra alegações, os Réus pugnam pela manutenção do decidido e foi sustentado o despacho agravado.

II A sentença sob recurso deu como assentes os seguintes factos:
- Os primitivos autores eram casados entre si, desde 16
de Dezembro de 1951.
- O prédio urbano sito em Lisboa na Rua …., foi “prédio de habitação social” e proprieda­de do Instituto X, tudo como se extrai da certidão registral que se encontra junta a fls. 12 a 16 (conf. inscrição … - Ap. 1 de 13 de Maio de 1953 - fls. 4)
- O dito andar esquerdo é composto por cozinha, instalações sanitárias e mais cinco divisões.
- Por morte dos pais da autora M, sucederam no identificado arrendamento suas duas filhas, a saber, aquela M e sua irmã A.
- Ali nasceu sua filha M L, que com eles conviveu até à data do seu próprio casamento.
- Por seu turno, a outra co-arrendatária., A S, faleceu.
- Sucedeu-lhe na respectiva quota-parte do mesmo arren­damento, sua filha M C, ora ré mulher, que igualmente ali residia.
- Em consequência do óbito dos anteriores arrendatá­rios, em princípios de 1994 eram titulares do arrendamento, os ora autores, por um lado e a ré M C, por outro, em comum e sem determinação de parte ou direito.
- Tudo como era do perfeito conhecimento do senhorio Instituto X.
- A ré é a única titular inscrita da dita fracção autó­noma … correspondente ao 2° andar … da Rua …., em Lisboa.
- Em escritura notarial datada de 22 de Março de 1994, a ré mulher consta como tendo comprado ao Instituto X o referido segundo andar … (fracção …) do identificado prédio.
- Na verdade, por contrato escrito de 21 de Setembro de 1993, deu o ora réu Instituto X deu de arrendamento à autora mulher, M e à ré mulher, M C, o 2° andar … do prédio sito na Rua …, em Lisboa, com início em 1 de Outubro de 1993, pela renda mensal de Esc. 30.406$00.
- Ali residia a M quando, em 16 de Dezembro 1951, casou com J, ambos primitivos autores.
- Ali ambos passaram a residir permanentemente e até à data de propositura da acção.
- À data de propositura da acção, o identificado andar continuava a constituir a única residência dos primitivos autores e também dos primeiros réus.
- O agregado familiar dos primeiros réus é constituído apenas por eles próprios.
- A autora mulher assinou a declaração de fls. 210.
- O Instituto X, através do oficio nº121223, de 29 de Novembro de 1993, informou as então co-arrendatárias de que se encontrava à venda a aludida fracção com indicação do preço e das demais condições de compra.
- Foi entregue ao Instituto Xa declaração de fls. 210, com as assinaturas notarialmente reconhecida, em 21 de Dezembro de 1993, donde textualmente consta que «cedem a sua parte a sua sobrinha, M C, na compra do andar onde são co-inquilinas Rua …, em Lisboa».
- Os primitivos autores pagavam metade do valor da ren­da estipulada no montante de Esc. 16,300500 (dezasseis mil e trezentos escudos).
- Mantendo-se o pagamento da renda pelos autores e pela ré mulher até à data de aquisição do imóvel em 22 de Março de 1994, pela ré mulher.
- Em data que remonta ao ano de 1993, a autora mulher e a ré mulher foram destinatárias de uma proposta de venda da supracitada fracção formulada pelo ora réu Instituto X, e comunicada através de carta fechada devidamente endereçada a ambas para o devido efeito.
- A autora mulher foi informada da proposta de venda formulada pelo réu Instituto X.

1. Do Agravo interlocutório

Insurgem-se os Autores contra o despacho que lhes não admitiu a ampliação do pedido formulado, uma vez que na sua tese o corolário lógico da causa de pedir nos presentes autos, caso venha a ser julgada provada, é a declaração de nulidade da compra e venda celebrada apenas com a R. mulher na qualidade de vendedora e a condenação do R. instituto X a celebrar o contrato com quem tem o direito de nele outorgar, ou seja, com os A. e os RR., na proporção de metade para cada um.

Salvo o devido respeito, não assiste razão aos Autores.

Se não.

O pedido que os Autores formularam nestes autos é claro, preciso e conciso: consistindo o mesmo na declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre o Réu/Apelado Instituto X e a Ré/Apelada M C, cujo objecto é a fracção autónoma constituída pelo segundo andar esquerdo do prédio sito na Rua … em Lisboa e o consequente cancelamento do respectivo registo.

A consequência lógica e legal da procedência de tal petitório, é a que vem prevenida no normativo inserto no artigo 289º, nº1 do CCivil, isto é, implica a retroactividade da situação e a restituição de tudo quanto houver sido prestado, o que vale por dizer, que tudo se passa como se nada se tivesse passado.

É óbvio que tal declaração pode originar o exercício de outro direito pelos Autores, qual seja o de haverem para si a propriedade do imóvel objecto daquele contrato, caso tal direito lhes assista.

Mas essa será uma questão subsequente, não enunciada em termos de causa de pedir, nesta acção.

Ora, dispõe o artigo 272º do CPCivil, que o pedido poderá ser alterado ou ampliado, em qualquer altura do processo, por acordo das partes e, não havendo acordo, o mesmo só poderá ser ampliado, além do mais, até ao encerramento da discussão em primeira instância, desde que tal ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, artigo 273º, nº2 do mesmo diploma legal.

O petitório formulado pelos Apelantes, em sede de ampliação, constitui um novo pedido, e não uma mera consequência do pedido inicial.

Efectivamente, tal pedido não emerge como corolário lógico do pedido inicial, tratando-se, antes, da afirmação de um novo direito – a ver celebrada a escritura nos mesmos termos – ao qual só se poderia vir a dar provimento, com a alegação e prova dos factos consubstanciadores do direito dos Autores a co-adquirirem a propriedade da fracção, sendo que, a mencionada factualidade passaria pela enunciação dos elementos que integram as condições legais precisas a que alude o artigo 2º, nº1, do DL 141/88, de 22 de Abril, na redacção introduzida pelo artigo 1º do DL 288/93, de 20 de Agosto.

Ora, em relação a este particular, os Autores/Agravantes, em nada esclareceram o Tribunal aquando da Petição Inicial, tendo-se limitado a enunciar genericamente que lhes assiste o direito a co-adquirir a fracção e que a ele não renunciaram, mas, este conspectu apresenta-se como uma proposição genérica destituída de qualquer elemento factual que a suporte.

E, porque o pedido efectuado em sede de ampliação não é uma decorrência automática do pedido inicial, antes impondo que os Agravantes o sustentem em novos factos com vista a comprovar que são eles as pessoas (ou são eles também as pessoas) a quem aquele diploma impõe que a venda seja feita, e que estão nas condições previstas no mesmo, afastada fica a conclusão de que, o requerimento feito traduz o corolário lógico da causa de pedir dos autos.

As conclusões improcedem assim.

II Da Apelação.

1. Da formulação de um novo quesito.

Impugnam os Apelantes a sentença recorrida, pretendendo que se adite à base instrutória um facto do seguinte teor «A declaração de fls 210 não foi assinada pelo Autor J?», já que no seu entender existe prova suficiente nos autos para dar tal facto como provado e consequentemente condenar-se a Apelada M C como litigante de má fé.

Vejamos.

A propósito deste ponto de facto, isto é, da bondade da assinatura do Apelante na declaração de fls 210 dos autos – declaração essa que constitui um dos pomos da discórdia na presente acção – foi efectuado pelo Laboratório de Polícia Cientifica da Policia Judiciária um exame pericial à letra e assinatura, cfr fls, no qual se concluiu do seguinte modo (sic) «(…) não permitem concluir quanto à possibilidade de a referida assinatura poder ter sido, ou não, de autoria do autografado (…)».

A questão que os Apelantes ora pretendem ver formulada, constitui um acto inútil, pois que, já foi a mesma objecto de prova, existindo um ponto que foi aditado à base instrutória, por despacho proferido em acta de audiência de discussão e julgamento constante de fls 287 a 292 com a seguinte redacção «O falecido J assinou a declaração de fls 43 dos presentes autos?», mostrando-se, assim despicienda qualquer formulação pela negativa da mesma questão, à qual, aliás, foi dada a resposta de não provado.

Além do mais, o exame efectuado revelou-se inconclusivo e tratando-se, como se trata de um elemento de prova cuja apreciação é livre pelo Tribunal, este órgão, conjugando tal elemento com outros, dele extraiu as suas conclusões, que não poderiam ser outras se não as de um non liquet acerca da bondade da assinatura: a resposta de não provado significa que pode ou não, ser do punho do falecido Autor a assinatura constante do documento de fls 210 e, do mesmo modo, se a pergunta estivesse formulada na negativa, uma resposta negativa teria sempre o significado de não se ficar a saber efectivamente, se a assinatura não corresponderia à autoria que lhe é imputada.

De qualquer forma, sendo a questão formulada um facto essencial à procedência do pedido, a dúvida sobre o facto, bem como sobre a repartição do ónus da prova, decide-se contra a parte a quem aproveita o mesmo, o que significa que tal facto se tem sempre como constitutivo do direito, artigo 342º, nº3 do CCivil e 516º do CPCivil, cfr neste sentido, embora em questões diversas, os Ac STJ de 29 de Novembro de 2005 (Relator Cons Fernandes Magalhães) e de 26 de Outubro de 2006 (Relator Cons Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt.

É que no caso sub judice, aquele ponto controvertido não provém da mera impugnação da assinatura do falecido Autor nos termos do normativo inserto no artigo 374º do CCivil, mas antes da alegação pelos Autores de tal circunstância para sustentar o pedido formulado, uma vez que se trata de um facto cuja alegação e prova era indispensável à sua pretensão.

Acrescenta-se ainda, ex abundanti, se os Apelantes, com tal panóplia de meios probatórios ao seu dispor, e ainda em vida do Autor J, não conseguiram fazer a prova de que a assinatura constante do documento de fls 210 não era do punho daquele (maxime através do exame que lhe foi feito pelo organismo competente), não seria através da repetição eventual dos meios de prova testemunhais, com a formulação da mesma questão, agora pela forma negativa, e sem o apoio de um novo exame pericial (impossível de ser feito, neste momento, nos termos do disposto no artigo 584º do CPCivil, por o primitivo Autor ter falecido), mas sempre com o recurso ao primeiro exame (o qual, ressalte-se, não mereceu qualquer discordância por parte dos Apelantes que sobre o mesmo poderiam ter requerido uma segunda perícia com vista a corrigir a eventual inexactidão dos seus resultados, nos termos do normativo inserto no artigo 589º do CPCivil), que se que se chegaria àquele resultado.

Além do mais, a pretensão ora formulada, mostra-se inoportuna, já que, não se arguiu (nem existe, acrescentamos nós), qualquer insuficiência da matéria factual no que tange a este particular.

Visando tal factualidade – na tese sustentada pelos Apelantes - a possível condenação da Apelada como litigante de má fé, a mesma nunca seria suficiente, pois não resultam dos autos quaisquer outras circunstâncias que nos permitam concluir que tal documento houvesse sido por qualquer meio forjado ou quiçá fabricado por aquela com intuitos de prejudicar os Apelantes, tese esta que sempre cairia pela base, uma vez que nunca se pôs em causa que a outra assinatura dele constante não fosse da Apelante M e aqueloutros factos não resultaram provados.

Improcedem as conclusões quanto a este ponto.

2. Da cedência do direito a comprar a casa.

Concluem ainda os Apelantes que por força do regime de de bens em vigor no casamento dos primitivos Autores (comunhão geral), a Apelante M não podia ceder validamente à co-inquilina M C, desacompanhada do marido J, o direito que lhe assistia de comprar a casa que com aquela coabitava na qualidade de co-arrendatária, em face da disponibilidade do senhorio em vender.

Nos termos do artigo 2º, nº1 do DL 288/93, de 20 de Agosto «Os fogos de habitação social arrendados (…) podem ser vendidos ao respectivo arrendatário ou cônjuge e, a requerimento destes, aos seus parentes ou afins ou a outras pessoas que com ele coabitem há mais de um ano.».

Quer dizer, a Lei, neste normativo, permite que a aquisição da casa dada de arrendamento em regime de habitação social, caso o respectivo proprietário, o Apelado Instituto X a queira vender, possa vir a ser adquirida pelo respectivo arrendatário ou cônjuge, no que à economia do processo diz respeito.

In casu, as arrendatárias da casa eram respectivamente a Apelante e a Apelada, sendo certo que, nos termos do normativo inserto no artigo 83º do RAU (em vigor à data dos factos), fosse qual fosse o regime de bens do casamento dos arrendatários, o arrendamento nunca se comunicava e caducava por óbito do respectivo arrendatário, sem prejuízo da sua eventual transmissão por via de divórcio ou por óbito daquele, nos termos dos artigos 84º e 85º, daquele mesmo diploma.

Quer dizer, o arrendamento constituía direito próprio do arrendatário, incomunicável ao seu cônjuge, daí a referência expressa a este efectuada pelo DL 288/93, no artigo 2º, nº1, supra transcrito, a fim de salvaguardar estas duas situações excepcionadas pelo RAU.

Conforme resulta dos autos, e não é posto em causa pela Apelante, esta teve conhecimento da intenção de venda da fracção por parte do Apelante e, como igualmente se provou, procedeu à assinatura do documento de fls 210, cujas assinaturas se encontram reconhecidas pelo notário, em que cedia à Apelada a sua parte na compra da fracção de que ambas eram arrendatárias.

A Apelante dispôs livremente de um direito que poderia dispor e acrescentamos, que só ela tinha legitimidade para dispor, e, no caso de querer adquirir o direito de propriedade sobre a fracção na parte respectiva, sempre o poderia fazer desacompanhada do seu cônjuge.

É certo que se poderia questionar o seguinte: tratando-se como se tratou da disposição de um direito que implicava a potencial perda da casa de morada de família, não obstante se tratasse de um direito próprio, a renúncia ao mesmo deveria ter sido expressa pelos dois, arrendatário e cônjuge por força do disposto no artigo 1682º-A, nº2 do CCivil, já que, tal renúncia implicava a «alienação» da casa de morada de família.

De facto, assim é.

Todavia, veja-se que neste conspectu, impendia sobre os Apelantes o ónus de provar, face ao disposto no artigo 342º, nº1 do CCivil que nunca subscreveram a declaração de fls 210 (assinada por ambos, repete-se), ou tendo-a subscrito desconheciam por completo o seu teor, ou que a tivessem subscrito através de coacção física ou moral (respostas negativas aos pontos 6º, 7º, 8º, 9º da base instrutória), uma vez que tais factos são constitutivos do direito que se arrogam e são, por isso, o núcleo fundamental da causa de pedir na acção.

Aliás, é de estranhar que tendo a Apelante assinado tal declaração, sabendo assim o que a mesma implicaria (não se logrou demonstrar que não se soubesse o significado da declaração efectuada), nunca tivesse contactado o Apelado, no sentido de lhe chamar a atenção para o facto de ser casada e, vg, o seu cônjuge pretender adquirir a fracção, isto no seguimento da hipótese aventada de que este não teria assinado a sobredita declaração, ou de, pelo menos, nunca ter tido conhecimento da intenção de venda por banda do Apelado.

Quer dizer, em primeiro lugar, para que esta acção pudesse ter sucesso, necessário se tornaria que os Apelantes tivessem alegado e provado, ao abrigo das regras gerais do ónus da prova que o Apelado havia procedido à venda da fracção à Apelada, sem o seu conhecimento, o que não lograram fazer, sendo por demais elucidativa as respostas afirmativas aos pontos 15º e 16º da base instrutória, no que concerne ao efectivo conhecimento pela Apelante da intenção de venda por parte do Apelado.

Em segundo lugar, tendo-se provado nos autos que a Apelante teve conhecimento da projectada venda, bem como que renunciou ao seu direito a adquirir a fracção a favor da Apelada, e, mesmo que nenhuma relevância jurídica fosse dada ao documento de fls 210, no que tange à bondade do reconhecimento notarial da assinatura do falecido Autor J, de forma a extrair a falsidade da declaração constante do mesmo, no que tange a este, nos termos dos artigos 377º e 371º, nº1 e 372º do CCivil, nunca poderia esta vir arguir o vicio da venda (sendo pois parte ilegítima, aferindo-se esta legitimidade em termos substantivos, e por não lhe assistir o direito que se arroga), sendo que a anulabilidade deste acto só poderia ser suscitada por aquele Autor, com fundamento na preterição do seu consentimento, nos termos do disposto no artigo 1687º do CCivil, factos estes que não foram considerados em sede de causa petendi.

Por outro lado, a renúncia expressa poderia implicar a cessação do contrato de arrendamento existente como parece defluir do artigo 2º, nº4 do DL 288/93, de 20 de Agosto, mas uma vez que no caso dos autos, se trata de um arrendamento conjunto e, por isso não enquadrável na hipótese versada naquele segmento normativo (veja-se que este dispositivo prevê a hipótese de acordo, entre o arrendatário que não adquira a fracção e o Instituto, de transferência daquele para uma fracção de outro prédio mediante uma compensação), não se compreende, ou mal se compreende (uma vez que nada foi alegado nesse sentido por forma a que se pudesse extrair tal ilação, não obstante estejamos em face de um arrendamento com características especiais, já que se trata de habitação social e/ou de função) que o contrato de arrendamento havido com a ora Apelante tenha cessado, face ao disposto no artigo 1057º do CCivil «O adquirente do direito com base no qual foi celebrado o contrato sucede nos direitos e obrigações do locador (…)».

As conclusões também improcedem nesta parte.

3. Da nulidade da sentença.

Argúem os Apelantes a nulidade da sentença recorrida, uma vez que a mesma não se pronunciou quer da nulidade do contrato.

Dispõe o normativo inserto no artigo 668º, nº1, alínea d) do CPCivil que a sentença é nula «Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)».

In casu, inexiste qualquer omissão de pronúncia por parte do Tribunal recorrido, já que foram analisadas todas as questões controvertidas suscitadas pelas partes e feita a respectiva subsunção jurídica, sendo certo que o Tribunal não está sujeito à alegação das partes no que tange aos fundamentos de direito, nos termos do disposto no artigo 664º do CPCivil, aliás porque só existe omissão de pronúncia quando é omitida a apreciação das questões postas pelas partes à apreciação jurisdicional e não quando se deixa de apreciar os argumentos esgrimidos no processo para sustentar a versão apresentada, cfr Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, voIII/228 e inter alia o Ac STJ de 16 de Janeiro de 1996, CJ, 1996, tomo 1/44.

As conclusões claudicam in totum.

III Destarte, nega-se provimento ao Agravo interlocutório, mantendo-se o despacho recorrido e julga-se a Apelação improcedente, confirmando-se a sentença impugnada.

Custas do Agravo e da Apelação pela Apelante.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2006

(Ana Paula Boularot)
(Lúcia de Sousa)
(Luciano Farinha Alves, voto a decisão)