Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1001/10.6TVLSB.L2-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/06/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. É válida, do ponto de vista formal, uma cláusula que consubstancia um pacto atributivo de jurisdição inserida num contrato subscrito pelas partes, na medida que obedece aos requisitos impostos pelo art. 23º, n.º 1, do Regulamento (CE) nº 44/2001, Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial.
2. O TJUE já observou (decisão do caso Castelletti, proferida dia 16/03/99), a propósito da norma do art. 17.º da Convenção de Bruxelas, similar à do art. 23º do Regulamento n.º 44/2001, que um dos “objectivos da convenção é o facto de o juiz nacional a quem foi submetida a questão poder facilmente pronunciar-se sobre a sua própria competência com base nas regras da convenção, sem ser obrigado a proceder a um exame do processo quanto ao mérito”.
3. Estando a interpretação uniforme do Regulamento (CE) nº 44/2001 confiada ao Tribunal de Justiça da União Europeia (cf. art. 267.º do TFUE), não deverá o Tribunal da Relação ficar indiferente à mesma, justificando-se a adopção dos mesmos critérios interpretativos.
4. Sendo assim, os requisitos de validade do pacto de jurisdição só podem ser aqueles que estão vertidos no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, sendo irrelevante, para este efeito, fazer qualquer tipo de apreciação da validade do pacto de jurisdição à luz do direito interno português, máxime perante o DL n.º 446/85, inexistindo qualquer disposição de Direito da União Europeia que deva ser respeitada.
5. Só assim não seria se a cláusula contratual geral estivesse integrada num contrato celebrado com um consumidor, pois, nessa circunstância, decorre do art. 67.º do Regulamento, de forma indirecta, que se impõe a consideração do disposto na Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 05/04/1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa:



I-RELATÓRIO:


I.P., Unipessoal, Lda, instaurou contra Banco P., S.A. e K., S.A., a presente acção declarativa, com processo ordinário, peticionando:

a) A anulação do contrato de compra e venda de acções celebrado com a 2ª ré, com a restituição do prestado pelos compradores, designadamente cerca de €200.000,00;
b) A anulação do contrato de abertura de conta no valor de €200.000,00 celebrado com o 1º réu e bem assim a anulação do contrato de cessão da posição contratual celebrado entre a autora e o cedente e o 1º réu;
c) A anulação do penhor constituído ao abrigo do contrato de abertura de crédito celebrado com o 1º réu e do contrato de cessão da posição contratual;
d) O pagamento pelos réus dos juros vencidos e vincendos até integral pagamento sobre as quantias a devolver.

Alegou, em síntese, que o BANCO P., S.A. apresentava-se ao público como intermediário financeiro, pondo à disposição dos clientes vários tipos de produtos financeiros, tais como acções, obrigações e unidades de participação; que o BANCO P., S.A., nos termos da lei, estava obrigado a prestar toda a informação necessária aos clientes investidores em vista a uma tonada de decisão esclarecida; que o BANCO P., S.A. contactou o seu cliente JP propondo-lhe investir capital na aquisição e subscrição de acções no aumento de capital da PF, S.A., a qual era uma sociedade-veículo de direito belga, criada pelo BANCO P., S.A. para adquirir acções do Banco C, de que já era acionista, com cerca de 2,3% do capital, e informou que o objectivo do BANCO P., S.A. era aumentar a participação da sociedade belga no capital social do BANCO C para cerca de 4%, estando o aumento de capital previsto para o final de Abril de 2008, sendo que, na qualidade de acionista, poderia adquirir cada acção ao preço de €1,20, face ao preço médio de mercado que era de €1,98; que o JP foi ainda informado pelo BANCO P., S.A. que a sociedade belga possuía um valor de situação líquida (net asset value, ou seja um nav) correspondente a 30% do valor nominal; que com base na referida informação, no dia 15/04/2008, o JP entregou ao réu BANCO P., S.A. cerca de €150.000,00 para investimento no produto financeiro apresentado, tendo este apresentado àquele, com vista a formalizar o investimento, um contrato de compra e venda de acções da sociedade-veículo PF, S.A., a assinar entre o cliente particular e a 2ª ré K, S.A.; que o JP, na qualidade de sócio-gerente da Soc. P-A.I., Lda, acedeu ainda em aplicar no referido produto financeiro a quantia de €400.000,00; que como esta sociedade não detinha essa quantia, o BANCO P., S.A. propôs que estrasse com a quantia de que tinha disponível (cerca de €200.000,00) e que lhe concederia um crédito do valor remanescente, através de um contrato de abertura de crédito, com constituição de penhor sobre os direitos emergentes do contrato de gestão n.º 213622; que foi apresentado um contrato de compra e venda de 1.333.333 de acções da sociedade PF, S.A. à sociedade Soc. P-A.I., Lda, pelo preço de €399.999,90, contrato esse que as partes assinaram em 15/04/2008, assim como um contrato de abertura de crédito em conta corrente caucionada até ao valor de €200.000,00; que esta última sociedade cedeu a sua posição contratual à autora P., Unipessoal, Lda com o consentimento do BANCO P., S.A., mediante a aceitação de uma condição imposta por este: a celebração de um contrato de penhor financeiro; que em Abril de 2008 o sócio-gerente da autora veio a constatar que o nav da sociedade PF, S.A. não era de €:0,30, mas sim de €:0,19, pelo que a informação anteriormente fornecida não era verdadeira, sendo em Maio desse ano era de €:0,14, em Junho de €:0,07, em Julho e Agosto de €:0,01, em Setembro de €:0,0025; que verificou ainda que a participação da PF, S.A. no capital do BANCO C continuou a ser na ordem de 2,3% e não dos 4% veiculados pelo BANCO P., S.A.; e que em 18 de Setembro de 2009 a referida sociedade reduziu ainda a sua participação no BANCO C para 0,31%.

A ré K., S.A. contestou, tendo arguido, além do mais, a excepção da incompetência absoluta, sustentando estar prevista nos contratos de compra e venda de acções representativas de capital da sociedade de direito belga PF, S.A., SA, nos pontos 5.3. e 5.4, regerem-se as relações emergentes dos contratos pela lei belga e ser exclusivamente competente para conhecimento dos litígios o tribunal de Bruxelas, na Bélgica; que o litígio diz respeito a direitos disponíveis e não recai sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses; e que a lei belga aceita a competência dos seus tribunais para dirimir os litígios emergentes de contratos de compra e venda de acções representativas de compra e venda de acções representativas de capital de sociedades belgas, ainda que os contraentes sejam estrangeiros e residam fora da Bélgica.

O réu BANCO P., S.A. contestou e deduziu pedido reconvencional.

Na réplica a autora alegou, além do mais, que todos os contratos foram celebrados em Portugal, sendo as sociedades vendedora e compradora portuguesas com sede em Portugal; que a R. não identificou a norma da lei belga da qual resulte que a aceitação da competência designada pelo pacto de eleição do foro para julgar litígios de pessoas de nacionalidade portuguesa, relativamente a contratos celebrados fora da Bélgica, ainda que sobre valores mobiliários de uma sociedade belga, nem invoca qualquer interesse sério de ambas as partes ou de alguma delas que a questão da anulação do contrato se processe pelos tribunais belgas; que a inclusão dessa cláusula no contrato foi feita pela R., que apresentou o texto já redigido, para dificultar o acesso a juízo da parte mais fraca, com menos acessibilidade ao foro Belga, como acontece com o declarante comprador; que não tem conhecimento da lei belga, nem da língua oficial praticada na Bélgica, não tendo qualquer actividade nesse país, sendo-lhe, por isso, bastante difícil recorrer aos tribunais belgas; que o clausulado foi pré-elaborado pela R., tendo-se limitado a aderir ao mesmo, não tendo as cláusulas sido negociadas, comunicadas, informadas ou explicadas; e que tais cláusulas devem ter-se por excluídas, para além de serem contrárias à boa fé, uma vez que provocam o desequilíbrio de posições das partes, sendo, nessa medida nulas, nos termos dos arts. 5º, 12º, 15º e 19º  al. g) do DL n.º 446/85, de 25/10.

A fls. 784 e segs. a Soc. P-A.I., Lda veio requerer a sua intervenção principal espontânea, apresentando o respectivo articulado, intervenção que veio a ser admitida.

A autora e a interveniente apresentaram réplica relativamente à matéria da excepção de incompetência absoluta, tendo propugnando pela competência dos tribunais portugueses.

Posteriormente a autora, a interveniente Soc. P-A.I., Lda e a 1ª ré BANCO P., S.A. juntaram aos autos transacção, a qual foi homologada pela sentença de fls. 1103, tendo os autos prosseguido os seus termos relativamente à 2ª ré.

Entretanto operou a incorporação por fusão da 2ª ré na sociedade PH, S.A., passando esta a intervir nos autos.

Realizada a audiência preliminar, foi proferida decisão na qual se julgou procedente a excepção da incompetência absoluta do tribunal português para o julgamento da presente acção, tendo a ré sido absolvida da instância.

Inconformadas com essa decisão, a autora e a interveniente Soc. P-A.I., Lda interpuseram recurso de apelação, que veio a ser julgado parcialmente procedente, tendo-se determinado a notificação da “ré PH, S.A. para, querendo, em prazo a fixar, ao abrigo do disposto no art. 3º, n.º 4, do CPC, contraditar a matéria alegada na réplica pela autora e pela interveniente (arts 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 24º, 25º, 26º, 29º, 30º e 31º), devendo, caso aquela factualidade seja impugnada, ser produzida prova sobre a mesma, adequando-se o processado a essa especificidade, e após decidida a excepção da incompetência absoluta”.

Baixados os autos à 1ª instância, após algumas vicissitudes, foi proferida decisão, na qual se julgou procedente a excepção da incompetência absoluta, tendo a ré sido absolvida da instância.

Inconformadas com essa decisão, vieram a autora e a interveniente Soc. P-A.I., Lda interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
(…)

Termina pedindo seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra, com as devidas consequências legais.

A apelada apresentou contra-alegações nas quais formulou as seguintes conclusões:
(…)

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

*

II. As questões a decidir consistem, fundamentalmente, em saber:
- se, para efeitos de conhecimento da excepção da incompetência internacional, importa apreciar da validade substancial do pacto atributivo de jurisdição em face da directiva 93/13/CEE de 5 de Abril de 1993 e do D.L. n.º 446/85, de 25/10;
- se é caso de revogar a decisão recorrida.

*

III. Da questão de mérito:

Na decisão recorrida - após se considerar assente nos autos, por falta de específica impugnação, que a cláusula 5.4 do contrato de compra e venda de acções foi inserida unilateralmente no contrato, que apresentou o texto já redigido sem o ter submetido a negociação, a que o comprador das acções se limitou a aderir, apondo a sua assinatura – entendeu-se que a questão em apreço “será de dirimir nos termos da jurisprudência emanada pelo STJ, designadamente da que resulta do Ac. de 27/05/2008 (Santos Bernardino), com apoio nas considerações que, sobre a mesma temática, foram expressas no acórdão uniformizador de 28/02/2008, no sentido de que são inaplicáveis os normativos do DL n.º 446/85 pois apenas tem aplicação a Convenção de Bruxelas ou o Regulamento (CE) n.º 44/2001, sobrepondo-se às regras de competência internacional ditadas por cada Estado, não devendo ser chamados à liça os normativos do direito interno português; verificados que estejam os requisitos formais e substanciais estabelecidos no art.° 23.° do referido Regulamento, inexiste fundamento legal para a não aplicação do seu regime”.

E, para o caso de se entender aplicável o regime estabelecido no D.L. n.º 446/85, de 25/10, acrescentou-se na decisão recorrida que:
“Nos termos do disposto no art.° 19.° al. g) do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, as cláusulas contratais gerais que estabeleçam um foro competente que envolva graves inconvenientes para uma das partes, sem que os interesses da outra o justifiquem.
Ora, a fórmula usada pelo legislador - "consoante o quadro negocial padronizado" - significa que "a valoração haverá de fazer-se tendo como referente, não o contrato singular ou as circunstâncias do caso, mas o tipo de negócio em causa e os elementos que normativamente o caracterizam, no interior de todo o regulamento contratual genericamente predisposto. Deste modo, na ponderação aqui pressuposta, não são os interesses individuais dos intervenientes que directamente ganham relevo, mas os interesses típicos do círculo de pessoas normalmente implicadas em negócios da espécie considerada. Toma-se, por isso, essencial a consideração da situação de interesses contratual-típica e não meramente as vicissitudes particulares do negócio individual realizado"
Por isso, e tal como a epígrafe do art.° 19.° do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro denuncia (cláusulas relativamente proibidas), estamos perante cláusulas penais susceptíveis de ser válidas para certo tipo de contratos, e não para outros. Ou seja, a verificação a realizar deverá considerar a compatibilidade e adequação da cláusula em causa face ao ramo ou sector de actividade negocial a que pertence, de acordo com um critério de índole mais objectiva, assente na desproporção da pena relativamente aos danos a ressarcir, sem que considerações de equidade sejam aqui de tomar em conta".
Em face do exposto, não assume relevância considerar as particulares inabilidades da A no uso da língua oficial da Bélgica, a sua inactividade naquele País, o custo inerente às deslocações à Bélgica.
Importa, antes, atentar na circunstância de a referida cláusula se encontrar incluído num contrato de compra e venda de acções de sociedade anónima organizada e constituída ao abrigo da legislação belga, com sede em Bruxelas. O que traduz tratar-se de uma operação que, por si mesma, extravasa o âmbito nacional português, sendo razoável assumir-se que ambos os contratantes tiveram de ter tomado consciência de que os efeitos do contrato celebrado, atribuindo ao comprador a qualidade de accionista da referida sociedade, contenderiam com a ordem jurídica belga. Atentos os "interesses típicos do círculo de pessoas normalmente implicadas em negócios" de compra e venda de ações de sociedades estrangeiras, não se afigura que a eleição do foro do País onde se encontra sediada a referida sociedade deva ser alvo de proibição à luz do citado normativo.
Invocou ainda a A o comprador não foi informado nem explicado que, em caso de litígio, teria de recorrer aos Tribunais Belgas.
Nos termos do disposto no art.° 5.° do DL n.º 446/85, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes; já o art.° 6.° estabelece que o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nela compreendidos, cuja aclaração se justifique.
Tal regime impõe, não só o dever de comunicação das cláusulas a inserir no negócio, mas também o de prestar todos os esclarecimentos sobre o conteúdo dessas cláusulas.
Para que as cláusulas a inserir num contrato passem a fazer parte integrante dele imprescindível se torna que sejam aceites pela outra parte, o que só acontecerá se ela tomar conhecimento do seu significado e das suas implicações. Deve ser proporcionada à contraparte a possibilidade razoável de tomar conhecimento dessas cláusulas, como o devia ser por um contraente que usasse da normal diligência.
Ora, atenta a simplicidade e clareza da cláusula sob apreciação, inserida num contrato cujo teor não é extenso, impresso em letra de fácil leitura, dúvidas não restam que um normal contraente fica inteirado, no momento da conclusão do contrato, do seu significado e implicações, não se justificando qualquer aclaração ou esclarecimento.
A A invoca ainda a nulidade da cláusula por via do instituto da boa-fé.
Dispõe o art.° 15.° do DL n.º 446/85, de 25/10 que "são proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa-fé".
O art.° 16.º do mesmo diploma concretiza: "Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado".
Vem sendo entendido que a boa-fé tida em vista neste diploma é a boa-fé objectiva, aqui apresentada em termos que, nas palavras dos autores do anteprojecto do DL n.º 446/85 de 25/1 0, exprime um princípio normativo que não fornece ao julgador uma regra apta a aplicação imediata, mas apenas uma proposta ou plano de disciplina, "ficando aberta, deste modo, a possibilidade de atingir todas as situações carecidas de uma intervenção postulada por exigências fundamentais de justiça'”. Afigura-se-nos que, mais do que a "aparência de um critério" ou "etiqueta em branco'", o apelo à boa fé funciona aqui como "senha de entrada" que abre a via metodológica de uma ponderação objectiva de interesses, que opera no campo do exercício da liberdade contratual na fixação do conteúdo dos contratos."
Assim sendo, uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa-fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do aderente, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato. Ou seja, uma cláusula será contrária à boa­ fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes resultar para o predisponente uma vantagem injustificável.
Analisado o teor do contrato celebrado entre as partes, e sendo certo que a própria sociedade predisponente, que declarou vender as acções da sociedade belga, tinha sede em Portugal, não se afigura resultar afirmado o invocado desequilíbrio em detrimento da A que, por via de referido contrato, pretendeu tornar-se accionista e, assim, titular de direitos sociais relativamente a uma sociedade constituída e organizada ao abrigo da legislação belga, com sede em Bruxelas.
Por conseguinte e em face do exposto, a cláusula 5.4. não padece de nulidade, pelo que integra o contrato trazido à discussão na presente lide”.

Contrapõe a apelante que:

- Considera-se a cláusula em referência nos autos excluída do conteúdo do contrato de venda de acções porquanto nos termos do arts. 5º, 6º, e 8º, nº 1 a) e b) do Decreto-Lei nº 446/85 de 25 de Outubro, por não ter sido informada nem comunicada à compradora Apelante;
- De acordo com o previsto no art.º 19º al. g) do Decreto-lei nº 446/85 de 25 de Outubro, o pacto de aforamento previsto na cláusula 5.4 do contrato de compra de acções é nulo pois é evidente a existência de um grave inconveniente para a compradora Apelante e para a interveniente de recorrer aos tribunais belgas, uma vez que tratando-se de pequenas sociedades por quotas (micro empresas), de cariz marcadamente familiar, não têm os respectivos gerentes quaisquer conhecimentos da língua oficial belga, ou da lei belga, não tendo qualquer actividade na Bélgica e teriam que recorrer a meios causídicos estrangeiros, profissionais do foro belgas, traduções para língua estrangeira, recurso a meios judiciais estranhos e cujo conteúdo desconhecem, a viagens ao estrangeiro, ao pagamento de honorários, taxas e custas calculadas com base no nível de vida da Bélgica.

- Termos em que é proibida tal cláusula, sendo nula, nos termos do art.º 19º alo g) e art.º 15º do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro - diploma este que é o normativo aplicável ao caso sub judice dado que o seu art.º 23º nº 1 postula que independentemente da lei escolhida entre as partes para regular o contrato, as normas desta seção aplicam-se sempre que o mesmo apresente uma conexão estreita com o território português.

- Em virtude da não admissibilidade e da exclusão da cláusula contratual geral 5.4 (pacto de jurisdição) por não ter sido comunicada, informada e por impor um grave inconveniente para uma das partes sem que o interesse da outra o justifique - o normativo legal a aplicar será a lei processual civil interna e assim o art.º 65º do código de Processo Civil, que não contende com o Regulamento Comunitário e na ausência de pacto de aforamento (excluído e nulo) postula que serão os tribunais portugueses os competentes para dirimir a questão;
- A exigência contida no regime das cláusulas contratuais gerais que vigora na comunidade europeia, e que vigora em Portugal em virtude da transposição da directiva comunitária n.º 93/13/CEE (arts. 1º, 5º e 6º do Decreto-lei nº 446/85), não é afastada pelo facto de, nos termos da alínea a) do nº 1 do art.º 23º do Regulamento nº 44/2001, apenas se exigir que exista um acordo verbal com uma mera confirmação escrita do pacto de jurisdição. Isto é, a exigência de que tenha que existir um prévio conhecimento e acordo, uma comunicação e uma informação sobre o disposto nessa cláusula - e não uma mera adesão sem negociação e aceitação dessa cláusula especifica, por ter a cláusula sido inserida unilateralmente por uma das partes - não esquecendo que essa mesma cláusula já ao abrigo do art.º 19º al.º g) do Decreto-lei nº 446/85 era nula e logo, proibida.

- O Meritíssimo Juiz a quo parece esquecer-se que o contrato em apreço não foi assinado sozinho mas sim em conjunto com o contrato de financiamento (abertura de crédito) associado e o contrato de cessão de posição contratual cuja anulação igualmente se requer nos autos - e que expressamente convencionam a lei portuguesa e o foro da comarca de Lisboa para dirimir os litígios deles resultantes (respectivamente, cláusula 23ª e 10ª dos doc.s 13 e 14 juntos com a petição inicial).

- Por outro lado, vem a decisão de que se recorre solicitar-se do chamado "quadro negocial padronizado", ou seja, um juízo valorativo suplementar que conduza (ou não) à utilização lícita nos contratos efectuados através do mecanismo da adesão, juízo este "realizado em face das próprias cláusulas, encaradas no seu conjunto - não a partir dos negócios concretos - e de acordo com os padrões considerados". Ora, levanta-se, assim, in casu, a questão de saber qual a situação de interesses contratual.

- Uma coisa é afirmar-se que o quadro negocial padronizado da aquisição de imobiliário, por exemplo, é expectável que a legislação/jurisdição aplicável será a do foro da situação dos bens. Outra bem diferente é ter-se por verificada, como na Douta Sentença de que se recorre, que tal jurisdição será aplicável a uma sociedade meramente instrumental criada, por razões maioritariamente fiscais, por um Banco Português para investir no mercado de capitais português e para apresentar aos Clientes desse mesmo Banco, por maioria de razão, também eles maioritariamente portugueses. A ligação com o ordenamento jurídico Belga, não poderá, com o devido respeito, ter-se senão por meramente incidental.

- Discorda-se da decisão recorrida quando afirma que a cláusula em causa não é contrária à boa fé por não resultar para a Ré uma vantagem injustificável, pois que a sociedade Ré, além de ser uma Sociedade Gestora de Participações Sociais de elevada capacidade económica (controlava um Banco e inúmeras outras sociedades), através do Banco que controlava, controlava também a sociedade instrumental objecto da venda das participações sociais (PF, S.A.), e que, portanto, tinha já estabelecido na Bélgica uma estrutura legal de apoio que lhe permite estar numa posição de vantagem (injustificável) perante os seus Clientes (entre os quais as Apelantes) a quem o investimento era apresentado como sendo de ligação meramente incidental à Bélgica e para investir em Portugal (no BANCO C).

- Tão pouco se pode considerar que a compradora Apelante conhecesse ou devesse conhecer que à compra dos valores mobiliários em causa (feita a uma sociedade vendedora portuguesa, pertencente ao mesmo grupo societário do banco português de que era cliente e que lhe propôs o investimento) fosse de aplicar a lei e a jurisdição de tribunais estrangeiros (faltando o requisito da estraneidade)!

- Por último o art.º 20º da Constituição da República Portuguesa, fonte de direito suprema na ordem jurídica nacional, postula que: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos ... ", Ora, exigir que uma contraparte mais débil tenha que recorrer a tribunais estrangeiros, com todas as dificuldades e custos daí advenientes para fazer valer o seu direito e procurar a obter justiça, é o equivalente a retirar-lhe o acesso ao direito e aos tribunais, já que a extrema dificuldade e o elevado custo que isso implicaria, levaria essa mesma parte a recear os elevados custos e dificuldades de recorrer a um tribunal de um país desconhecido e, assim, a desistir de defender os seus direitos em tribunal.

Vejamos.

São do seguinte teor as cláusulas 5.3 e 5.4 apostas nos contratos de compra e venda de acções outorgados entre K., S.A., na qualidade de vendedora de acções da PF, SA, e JP (fls. 77 a 83) e Soc. P-A.I., Lda (fls. 85 a 91), estes na qualidade de compradores:

“5.3. Lei Aplicável
O presente contrato reger-se-á e será interpretado em conformidade com as leis da Bélgica.
5.4. Jurisdição
Todos os litígios decorrentes ou relacionados com o presente Contrato, que as partes não consigam resolver de forma amigável, devem ser submetidos à jurisdição exclusiva dos tribunais de Bruxelas (Bélgica).»

Como é sabido, a competência deve ser determinada face à relação jurídica tal como o autor a configura na petição inicial, em articulação com o pedido formulado.

No caso dos autos encontramo-nos perante um litígio privado internacional entre duas sociedades comerciais, sedeadas em Portugal, visando a acção, primacialmente, a anulação do contrato de compra e venda e transmissão de acções da soc. PF, S.A., esta com sede na Bélgica.

Ora, em decorrência do primado do direito comunitário e da sua prevalência sobre o direito nacional (art. 8.º, nº 3 da CRP), é indubitável que as regras comunitárias, do Regulamento (CE) nº 44/2001, Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, que entrou em vigor em 1 de Março de 2002, prevalecem sobre as normas nacionais, expressas nos arts. 65° e 65°-A do CPC, que regulam a competência internacional.

E estabelece o art. 2.º do Regulamento (CE) nº 44/2001 que “Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado”.

Contudo, estipula o art. 23.º, n.º 1:

“1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:
a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou
b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou
c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado”.

É essa a situação que ocorre nos autos, pois que ambas as partes subscreveram um contrato que contém uma cláusula que consubstancia um pacto atributivo de jurisdição aos tribunais belgas.

Esse pacto atributivo de jurisdição incluído no documento obedece indiscutivelmente aos requisitos formais impostos pelo citado artº 23º, nº 1.

O pacto jurisdição em apreço constitui uma cláusula contratual geral.

Pese embora o mesmo constitua uma cláusula do negócio fundamental, deve ser encarado como um negócio jurídico autónomo, pelo que a sua validade e eficácia deve ser apreciada separadamente da validade e eficácia do contrato em que está inserida – neste sentido cfr. Luís de Lima Pinheiro (in Direito Internacional Pivado, volume III, ano de 2012, pag. 304).

Por outro lado, como nos dá conta o STJ no Acórdão de 11/02/15 (relatado pelo Cons. Gregório Silva Jesus, acessível in www.dgsi.pt), o TJUE já observou (decisão do caso Castelletti, proferida dia 16/03/99), a propósito da norma do art. 17.º da Convenção de Bruxelas, similar à do art. 23º do Regulamento n.º 44/2001, que um dos “objectivos da convenção é o facto de o juiz nacional a quem foi submetida a questão poder facilmente pronunciar-se sobre a sua própria competência com base nas regras da convenção, sem ser obrigado a proceder a um exame do processo quanto ao mérito (acórdãos de 22 de Março de 1983, Peters, 34/82, Recueil, p. 987, n.° 17; de 29 de Junho de 1994, Custom Made Commercial, C-288/92, Colect., p. 1-2913, n.° 20; e Benincasa, já referido, n.° 27). Nos n.ºs 28 e 29 do acórdão Benincasa, já referido, o Tribunal de Justiça precisou que esta preocupação de garantir a segurança jurídica através da possibilidade de prever com segurança o foro competente foi interpretada, no âmbito do artigo 17.° da convenção, através da fixação de condições de forma estritas, tendo esta disposição por objectivo designar, de forma clara e precisa, um tribunal de um Estado contratante a quem é atribuída competência exclusiva em conformidade com o consenso das partes.
E que foi por estas razões que o Tribunal de Justiça concluiu em várias ocasiões que o artigo 17.° da convenção abstrai de qualquer elemento objectivo de conexão entre a relação controvertida e o tribunal designado (acórdãos de 17 de Janeiro de 1980, Zeiger, 56/79, Recueil, p. 89, n.° 4; MSG, já referido, n.° 34; e Benincasa, já referido, n.° 28)”.

E concluiu “que o artigo 17.°, primeiro parágrafo, segunda frase, terceira hipótese, da convenção deve ser interpretado no sentido de que a escolha do tribunal designado numa cláusula atributiva de jurisdição só pode ser apreciada à luz de considerações ligadas às exigências estabelecidas pelo artigo 17.° da convenção. São estranhas a estas exigências quaisquer considerações relativas aos elementos de conexão entre o tribunal designado e a relação controvertida, ao mérito da causa e às normas substantivas em matéria de responsabilidade aplicáveis no tribunal escolhido”.

Estando a interpretação uniforme do Regulamento (CE) nº 44/2001 confiada ao Tribunal de Justiça da União Europeia, pelos procedimentos ordinários de interpretação do direito comunitário (cf. art. 267.º do TFUE), não deverá esta Relação ficar indiferente à mesma, justificando-se a sua adopção no caso em apreciação.

Sendo assim, os requisitos de validade do pacto de jurisdição só podem ser aqueles que estão vertidos no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001.

É, pois, irrelevante, para este efeito, fazer qualquer tipo de apreciação da validade do pacto de jurisdição à luz do direito interno português, máxime perante o DL n.º 446/85, inexistindo qualquer disposição de Direito da União Europeia que deva ser respeitada, ao abrigo do art. 67.º do Regulamento, pelo que a validade do pacto de jurisdição é aferida exclusivamente pelo disposto no citado art. 23.º do Regulamento.

Como se refere no citado Ac. do STJ, “só assim não seria se a cláusula contratual geral estivesse integrada num contrato celebrado com um consumidor, pois, nessa circunstância, decorre do art. 67.º do Regulamento, de forma indirecta, que se impõe a consideração do disposto na Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 05/04/1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores – cf., v.g., art. 3.º, n.º 3 da Directiva e n.º 1, al. q), do Anexo à Directiva (pode ser abusiva a cláusula que suprima ou entrave a possibilidade de intentar acções judiciais ou seguir outras vias de recurso por parte do consumidor)”.

Porém, não revestindo as partes a qualidade de consumidor, não é de aplicar a Directiva 93/13/CEE.

Não se ignora que no art. 23º do DL 446/85 se estabelece que:
1 - Independentemente da lei escolhida pelas partes para regular o contrato, as normas desta secção aplicam-se sempre que o mesmo apresente uma conexão estreita com o território português.
2 - No caso de o contrato apresentar uma conexão estreita com o território de outro Estado membro da Comunidade Europeia aplicam-se as disposições correspondentes desse país na medida em que este determine a sua aplicação.

Porém, respeitando o litígio a relações transnacionais, não pode invocar-se esse normativo de direito interno português, por a tal se opor o primado do direito comunitário (art. 8.º, nº 3 da CRP).
Refira-se ainda que também não se apurou a existência de uma situação de fraude à lei.

Com efeito, no plano das regras de competência internacional, tal verificar-se-ia se, por via do pacto de jurisdição, ocorresse uma internacionalização fictícia de uma relação controvertida meramente interna.

Ora, tal não foi demonstrado nos autos, tanto mais que nem sequer se provou que a inclusão da cláusula 5.4. tivesse sido feita pela ré para dificultar o acesso a juízo do comprador, com menos acessibilidade ao foro belga, sendo que as acções são de uma sociedade sedeada na Bélgica.

Concluímos, pois, no sentido propugnado na decisão recorrida.

Sem prejuízo do que se deixa dito sempre se acrescentará que, ainda que se entendesse aplicável ao caso o estatuído no art. 19º, al. g) do DL n.º 446/85, por força do estatuído no art. 17º, o certo é que não se verifica a situação nele retratada (graves inconvenientes para uma das partes), como bem se concluiu em 1ª instância, desde logo por não se ter provado que os representantes legais da compradora das acções (Soc. P-A.I., Lda) não têm conhecimento da lei belga, nem da língua oficial praticada na Bélgica, nem que a referida sociedade não tem qualquer actividade nesse país, sendo-lhe, por isso, bastante difícil recorrer aos tribunais belgas.

Acresce que, como se refere no citado Ac. do STJ, em face do estatuído no art. 23º do Regulamento, para que a escolha do tribunal seja válida, é desnecessário que exista qualquer conexão entre o objecto do litígio e o tribunal designado, não sendo valoráveis, designadamente, os hipotéticos inconvenientes, para uma das partes, da localização do foro convencionado. “Aliás, parece ostensivo, sempre que as partes atribuem, através de uma pacto de jurisdição, competência a um tribunal estrangeiro, o qual se situa forçosamente noutro Estado-Membro, ocorrerá sempre o inconveniente, pelo menos para uma delas, de esse tribunal ser distante da respectiva sede”.

No que toca à questão da cláusula 5.4 ser alegadamente contrária à boa fé (arts. 15º e 16º do DL n.º 446/85):
Como se salienta na decisão recorrida, o que está em causa é a salvaguarda de uma composição de interesses que não seja excessivamente desequilibrada e que importem, em benefício do predisponente, uma desvirtuação significativa do equilíbrio dos efeitos contratuais.

Sustenta a apelante que para a Ré resultou uma vantagem injustificável, pois que, além de ser uma Sociedade Gestora de Participações Sociais de elevada capacidade económica (controlava um Banco e inúmeras outras sociedades), através do Banco que controlava, controlava também a sociedade instrumental objecto da venda das participações sociais (PF, S.A.), e que, portanto, tinha já estabelecido na Bélgica uma estrutura legal de apoio que lhe permite estar numa posição de vantagem (injustificável) perante os seus Clientes (entre os quais as Apelantes) a quem o investimento era apresentado como sendo de ligação meramente incidental à Bélgica e para investir em Portugal (no BANCO C).

Assim, a alegada posição de vantagem da predisponente (que tem a sua sede em Portugal) decorria do facto de ter elevada capacidade económica e possuir na Bélgica uma estrutura legal de apoio.

Certo é, porém, que a apelante não logrou demonstrar que não tem qualquer actividade na Bélgica.

Sendo assim não se pode afirmar o invocado desequilíbrio em detrimento da apelante, o qual, importa frisar, tem de ser excessivo.

No que tange à alegada violação do art.º 20º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa:
Estabelece esse normativo que: “A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos".

Reafirma-se assim nesse normativo o princípio geral da igualdade consignado no n.º 1 do artigo 13.º .

Ora, ainda que se admitisse que a sociedade Soc. P-A.I., Lda, era, comparativamente à ré, economicamente mais débil, o certo é que daí não resultaria qualquer violação do acesso ao direito e aos tribunais, desde logo por aquela não ter demonstrado que os custos judiciais na Bélgica são superiores aos registados em Portugal, estando, por isso, impedida de intentar acção naquele país.

Tanto basta para se poder concluir que não se mostra violado o citado normativo constitucional.

Improcede, assim, a apelação.

Sumário:

1. É válida, do ponto de vista formal, uma cláusula que consubstancia um pacto atributivo de jurisdição inserida num contrato subscrito pelas partes, na medida que obedece aos requisitos impostos pelo art. 23º, n.º 1, do Regulamento (CE) nº 44/2001, Relativo à Competência Judiciária, ao Reconhecimento e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial.

2. O TJUE já observou (decisão do caso Castelletti, proferida dia 16/03/99), a propósito da norma do art. 17.º da Convenção de Bruxelas, similar à do art. 23º do Regulamento n.º 44/2001, que um dos “objectivos da convenção é o facto de o juiz nacional a quem foi submetida a questão poder facilmente pronunciar-se sobre a sua própria competência com base nas regras da convenção, sem ser obrigado a proceder a um exame do processo quanto ao mérito”.

3. Estando a interpretação uniforme do Regulamento (CE) nº 44/2001 confiada ao Tribunal de Justiça da União Europeia (cf. art. 267.º do TFUE), não deverá o Tribunal da Relação ficar indiferente à mesma, justificando-se a adopção dos mesmos critérios interpretativos.

4. Sendo assim, os requisitos de validade do pacto de jurisdição só podem ser aqueles que estão vertidos no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001, sendo irrelevante, para este efeito, fazer qualquer tipo de apreciação da validade do pacto de jurisdição à luz do direito interno português, máxime perante o DL n.º 446/85, inexistindo qualquer disposição de Direito da União Europeia que deva ser respeitada.

5. Só assim não seria se a cláusula contratual geral estivesse integrada num contrato celebrado com um consumidor, pois, nessa circunstância, decorre do art. 67.º do Regulamento, de forma indirecta, que se impõe a consideração do disposto na Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 05/04/1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores.

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V. Decisão:

Pelo acima exposto, julga-se a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.


Lisboa, 6 de Outubro de 2015

(Manuel Ribeiro Marques - Relator)
(Pedro Brighton - 1º Adjunto)
(Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta)
Decisão Texto Integral: