Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1756/14.9TBTVD.L1-2
Relator: FARINHA ALVES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
HERANÇA
QUOTA DISPONÍVEL
ESCRITURA DE DOAÇÃO
PROVA DA VERDADE DOS FACTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Na perspetiva em que os recorrentes se colocam, de que não foi feita prova bastante dos factos nucleares da presente ação, julga-se que a reapreciação da decisão impugnada assenta em toda a prova produzida, sem qualquer restrição. E essa prova foi devidamente identificada através da indicação do nome das testemunhas e das referências temporais do início e do termo dos depoimentos.
Questão diferente, que já se prende com o mérito da impugnação, é a de verificar se, e em que medida, os recorrentes se preocuparam em questionar os fundamentos concretos em que assentou a decisão impugnada. Questão que, segundo se julga, já não tem a ver com o cumprimento do ónus de especificação a cargo do recorrente que impugna a decisão de facto, estabelecido no art. 640.º do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa, 2ª Secção Cível

Delfina e e Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Júnior, (…), vieram instaurar contra Vicente e mulher, todos com os sinais dos autos, a presente ação declarativa de condenação, a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final, após convite ao aperfeiçoamento:

1- Seja declarada a anulação parcial da escritura de doação celebrada entre a autora, seu marido e o réu marido, por erro, nos termos do art.º 251.º do CC, e em consequência a redução da liberalidade em termos de se haver como doado, por conta da legítima, o prédio constituído por lote de terreno para construção, sito no lugar e freguesia de (….), concelho de Torres Vedras, com a área de 140 m2, a confrontar (…), que é parte do prédio inscrito na respetiva matriz predial;

2- Sejam os RR condenados a reconhecer a autora e a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Júnior, em comunhão hereditária, como proprietários do prédio identificado no art.º 56.º da contestação [prédio rústico sito no lugar e freguesia de (…), concelho de Torres Vedras, com a área de 4 940m2, a confrontar (….)], que resultou da divisão de facto ocorrida com a escritura de doação;

3- Subsidiariamente, nos termos do art.º 469.º do CPC, caso se entenda não haver lugar a erro e à anulação e redução do negócio, devem os RR ser condenados a reconhecer a autora e a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Júnior, em comunhão hereditária, como proprietários do mesmo prédio, mas por usucapião.

Para tanto alegaram, em síntese:

A autora Delfina e seu falecido marido eram donos do prédio rústico denominado ( ….), sito na freguesia de (…), concelho de Torre Vedras, inscrito na matriz predial respetiva sob o art.º (….) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, onde se encontrava inscrito a seu favor pela inscrição G-1.

No ano de 1980 a autora Delfina e o falecido marido autorizaram o seu filho, aqui réu marido, a edificar uma casa para si numa parcela do aludido prédio, situada junto à estrema poente/norte.

Pois que era sua intenção dividir o dito prédio pelos quatro filhos em partes iguais.

Decorridos cerca de 8 anos, e visando formalizar tal doação, a autora e o falecido deslocaram-se ao Cartório Notarial de Torres Vedras onde, no dia (…) outorgaram uma escritura de doação.

Através da qual, ao contrário do que pretendiam e sem que disso se de tivessem apercebido, doaram ao filho Vicente, e por conta das respetivas quotas disponíveis, o já identificado prédio.

Os doadores outorgaram nessa escritura convencidos de que estavam a doar ao filho Vicente apenas a parte do terreno onde se encontrava incorporada a casa.

Pois que era essa a vontade real dos doadores, que o réu Vicente bem conhecia.

O réu Vicente também sabia que os seus pais não pretendiam beneficiá-lo relativamente aos seus irmãos.

E a partir do seu casamento o réu marido passou a habitar na casa que havia construído, não tendo ocupado qualquer outra área do prédio.

A parte restante do prédio continuou a ser explorada pelos doadores e pelo filho Paulo.

Após a morte do doador marido, ocorrida a 14-12-1995, os seus herdeiros, incluindo o ora réu Vicente, acordaram, tendo em vista a partilha da respetiva herança, em dividir o prédio aqui em causa pelo ora réu e pelas duas irmãs.

Foi ao preparar a relação de bens que se deu conta de que a doação tinha abrangido a totalidade do prédio.

Na ocasião, o ora réu admitiu que a intenção dos pais era doar-lhe apenas a parcela onde está incorporada a casa e dividir o terreno por todos os filhos em partes iguais, para que todos ali pudessem construir as suas casas, sem que pretendessem beneficiá-lo em relação aos irmãos.

E aceitou a solução, proposta por advogada, que passava pelo destaque da parcela ocupada pela casa e pela doação da parte restante prédio às irmãs.

Mas os réus foram protelando e acabaram por recusar fazer a desanexação.

 Por se verificar erro que atinge parte do negócio, deve ser decretada a sua anulação parcial e a consequente redução, devendo ser declarado que aos RR foi doada apenas a dita parcela, e por conta da legítima.

Citados, os réus opuseram, em síntese:

Impugnaram o valor da causa, propondo a sua fixação em € 17.051,10.

Caducou o direito de pedir a anulação do negócio jurídico, uma vez que a A. e os herdeiros tomaram conhecimento do erro que invocam, pelo menos em Maio de 2001.

No ano de 1978 o réu foi autorizado pelos pais a construir casa própria numa parcela de terreno do prédio dos autos.

Desconhecendo se os pais tinham intenção de repartir esse prédio pelos irmãos.

Já no ano de 1988, estando a casa praticamente construída, foi contratada uma solicitadora visando proceder à inscrição dessa parcela de terreno em nome do réu marido.

Mas após uma reunião com essa solicitadora, a autora e o marido acabaram por decidir doar-lhe a totalidade do prédio. Nessa altura o pai apenas lhe pediu que, caso o irmão Paulo pretendesse construir casa própria, aquele se comprometeria a ceder uma parte de terreno do prédio.

Não houve, assim, qualquer erro dos doadores na outorga do contrato de doação, que lhes foi inteiramente lido e explicado, e com o qual concordaram.

Tendo perfeito conhecimento de que a doação abrangia a totalidade do prédio em apreço e que foi feita por conta da quota disponível.

O réu também não sabe se os seus pais pretendiam beneficiá-lo relativamente aos seus irmãos.

A partir da doação o réu passou a agir em relação ao prédio na convicção de que era o proprietário pleno do mesmo, amanhando-o, com a ajuda do irmão.

Para além disso, cimentou uma área de logradouro, com cerca de 200 m2 e construiu uma garagem com a área de cerca de 90 m2.

Tudo em vida do pai, e com total conhecimento e sem oposição deste.

E passou a amanhar sozinho o prédio cerca de um ano antes da morte do pai.

Após a morte do pai construiu outra garagem com telheiro, com a área bruta de 490 m2 e coberta de 90 m2.

Vedou parte do prédio para guardar ovelhas e plantou jardim com flores e árvores do lado sul do prédio.

Todas as obras foram feitas à vista de todos, sem qualquer oposição e na convicção de que eram feitas em prédio por si adquirido.

Tendo contraído dois empréstimos para lhes fazer face, garantidos por hipoteca sobre o prédio.

Nas reuniões realizadas pelos herdeiros do doador falecido, o réu anuiu em dividir o prédio com as suas irmãs de modo a evitar problemas familiares.

Mas acabou por recusar, porque isso não fazia sentido.

E já no ano de 2002, quando os autores recorreram a uma advogada, manteve essa recusa e apenas se disponibilizou para aceitar ficar com o prédio por conta da sua parte na herança, ficando o remanescente da herança, composto por vários prédios rústicos e urbanos, a dividir apenas entre os restantes herdeiros.

Concluiu defendendo a improcedência da ação e a condenação dos autores por litigância de má fé, em valor não inferior ao reembolso das despesas causadas por essa litigância, incluindo honorários, a liquidar posteriormente.

E deduziu reconvenção pedindo que os autores reconvindos fossem condenados a reconhecer o seu direito de propriedade sobre a totalidade do prédio, fundado em usucapião ou, se assim não se entendesse, por acessão industrial imobiliária.

Os autores replicaram, justificando o valor que atribuíram à causa e defendendo a improcedência da exceção de caducidade.

E contestaram a reconvenção, concluindo pela sua improcedência.

Seguiu-se o despacho saneador, onde foi proferida decisão absolutória da instância na reconvenção, foi julgado improcedente o incidente de verificação do valor da causa, e foi relegado para final o conhecimento das exceções.

Foi selecionada a matéria de facto assente e a submeter a prova, sem reclamações.

Após o que os autos prosseguiram para julgamento, no decurso do qual foi realizada inspeção judicial ao prédio dos autos.

A final, a matéria de facto foi decidida pela forma que consta de fls. 327 a 341, sem reclamações.

Seguiu-se a sentença, com a seguinte

«3. Decisão:

Em face a todo o exposto, julgo a presente acção procedente nos termos explanados e, em consequência:

3.1. declaro parcialmente anulada a escritura pública a que se reporta a al. O), outorgada em 8 de Julho de 1998 no 1.º cartório da secretaria notarial de Torres Vedras e, em consequência, decreto a redução do negócio de doação nela formalizado, em ordem a dela passar a constar ter sido doado ao aqui réu e ali segundo outorgante Vicente, por conta da legítima, o prédio constituído por lote de terreno para construção, sito no lugar e freguesia de (…), concelho de Torres Vedras, com a área de 140 m2, a confrontar (…), que é parte do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o art.º (…);

3.2- condeno os RR  Vicente e Maria a reconhecerem a autora e a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Júnior, em comunhão hereditária, como proprietários do prédio rústico sito no lugar e freguesia de (….), concelho de Torres Vedras, com a área de 4 940 m2, a confrontar do norte com(…), que resultou da desanexação da parcela doada.

Custas a cargo dos RR (art.º 446.º, nºs 1 e 2 do CPC).»

Inconformados, os réus apelaram do assim decidido, tendo apresentado alegações, rematadas pelas seguintes conclusões:

a. Seja declarada a anulação parcial da escritura de doação celebrada entre a autora, seu marido e o réu marido, por erro, nos termos do art. 251º do CC, e em consequência a redução da liberalidade em termos de se haver como doado, por conta da legítima, o prédio constituído por lote de terreno para construção, sito no lugar e freguesia de (…), concelho de Torres Vedras, com a área de 140m2, a confrontar do norte(…), que é parte do prédio inscrito na respectiva matriz predial.

b. Sejam os RR condenados a reconhecerem a autora e a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Júnior, em comunhão hereditária, como proprietário do prédio identificado no artigo 56º da contestação {prédio rústico sito no lugar e freguesia de (….), concelho de Torres Vedras, com a área de 4.940 m2, (…), que resultou da divisão de facto ocorrida com a escritura de doação.

c. Subsidiariamente, nos termos do artigo 469º do CC, caso se entenda não haver lugar a erro e á anulação e redução do negócio, devem os RR ser condenados a reconhecerem a autora e a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de Júnior, em comunhão hereditária, como proprietários do mesmo prédio, mas por usucapião”.

d. Notificados, os RR. contestaram, invocando, por excepção, a caducidade do direito de pedir a anulabilidade do negócio jurídico por ter sido ultrapassado o prazo consagrado no art. 287º/1 do CC

e. E em sede de impugnação negaram a existência de qualquer erro por parte dos doadores e ainda o seu conhecimento de eventual erro, pediram a condenação dos AA. como litigantes de má-fé e deduziram ainda pedido reconvencional no qual pediram a condenação dos AA. a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre a totalidade do prédio por usucapião e subsidiariamente por acessão industrial imobiliária, que não foi admitido por despacho, proferido findo a fase dos articulados.

f. Pelo que aos AA. competia alegar e provar (art.s 342º /1 do Código Civil), os factos atinentes ao reconhecimento do invocado erro negocial, conducente à anulabilidade do negócio jurídico celebrado entre as partes.

g. Prova essa que não lograram fazer;

h. Desde logo não concordam os ora Recorrentes com a resposta dada à matéria de facto constantes dos artigos 4,5,6,7,9,10,11,12,13,14,15,17,18,19,20,23,26,28,31,32 e 45, por se entender que os depoimentos das testemunhas vão em sentido oposto ao que resulta daquela, bem como a documentação junta nos presentes autos, pelo que deverá o tribunal “ad quem” alterar a decisão da matéria de facto nos termos em que se deixa infra referido;

i. Da matéria de facto assim alterada resulta alteração da decisão proferida pelo tribunal de 1ª instância no que respeita à divergência entre a vontade real e a vontade declarada e à caducidade do direito de pedir a anulação do negócio de doação, porquanto:

j. Não provaram os autores os factos atinentes ao reconhecimento do invocado erro negocial conducente á anulabilidade do negócio jurídico celebrado e a cognoscibilidade da essencialidade desse erro pelo Recorrente marido;

k. Ficou por provar que Delfina e o marido autorizaram o seu filho a construir apenas numa determinada parcela de terreno;

l. Ficou por provar que Delfina e em especial o seu marido tenham tido intenção de doar apenas a parcela de terreno onde havia sido edificado a casa, ou antes a totalidade do terreno;

m. Ficou por provar que os doadores tenham outorgado a escritura de doação convictos de que apenas estavam a doar a parte do terreno onde estava implantada a casa e respectivo logradouro;

n. Ficou por provar que não fosse intenção dos doadores beneficiar o ora Recorrente face aos demais filhos;

o. Ficou por provar que outro negócio pretendiam os doadores celebrar caso não tivessem querido doar a totalidade do terreno;

p. Ficou por provar em suma que tivesse existido algum erro na vontade declarada e por isso que tivesse havido divergência entre a vontade real e aquela que ficou declarada na escritura de doação;

q. Assim como não ficou provado que o ora Recorrente tivesse conhecimento desse erro, pelas atitudes que teve após a outorga da escritura nomeadamente as várias construções que fez no terreno, com conhecimento dos doadores, com quem sempre teve um convívio muito próximo e diário;

r. Cremos pois que à luz da factualidade resultante provada não ter existido qualquer divergência entre a vontade real e a vontade declarada, não sendo de aplicar o disposto no artigo 236º do CC., devendo pois manter-se na íntegra o negócio de doação tal como foi celebrado, não se verificando reunidos os requisitos que tornem aplicável o regime do erro-vício e por isso determinar a anulação, ainda que parcial da escritura pública de doação, nos termos das disposições conjugadas dos art.s 286º, 287º e 292º

s. Além disso entende-se verificar-se a excepção peremptória de caducidade do direito de pedir a anulação do negócio em causa, nos termos do disposto no artigo 287º, nº 1 do CC, uma vez que não tendo resultado minimamente provado que o ora Recorrente admitiu o alegado erro existente e que nessa sequência aceitou nalgum momento, dividir o prédio que lhe havia sido doado com as irmãs, não ocorreu a causa impeditiva da caducidade prevista no nº 2 do art. 331º do CC.

t. Devendo julgar-se a procedência da invocada excepção de caducidade.

u. O Tribunal “a quo”, violou as disposições contidos no artigo 236º,287º 292º, 331º e 342º, nº 2, todos do Código Civil, 414º, 615º do CPC, e consequentemente deverá ser revogada a sentença recorrida substituindo-a por outra que:

a. Condene os AA/Apelados a reconhecerem que os RR/Apelantes são donos e legítimos proprietários do prédio misto sito na freguesia de (….), concelho de Torres Vedras inscrito na matriz predial r(…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.º (…), com a área total de 5080 metros quadrados.

b. E a manter-se e, por isso, prevalecer a inscrição registral do prédio atrás descrito em nome dos ora Recorrentes   

Termos em que se requer a alteração da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância e a sua substituição por outra que venha reconhecer o direito de propriedade sobre o prédio misto sito na freguesia de (…), uma vez que aquele fez uma incorrecta apreciação dos factos e consequentemente uma incorrecta aplicação do direito; 

u. O Tribunal “a quo”, violou as disposições contidos no artigo 236º,287º 292º, 331º e 342º, nº 2, todos do Código Civil, 414º, 615º do CPC, e consequentemente deverá ser revogada a sentença recorrida substituindo-a por outra que:

a. Condene os AA/Apelados a reconhecerem que os RR/Apelantes são donos e legítimos proprietários do prédio misto sito (…), com a área total de 5080 metros quadrados.

b. E a manter-se e, por isso, prevalecer a inscrição registral do prédio atrás descrito em nome dos ora Recorrentes   

As apeladas contra-alegaram, defendendo a confirmação do julgado.

Distribuído o processo, foi elaborado projeto de acórdão onde era proposta a rejeição do recurso sobre matéria de facto, por incumprimento do ónus de alegação a cargo dos recorrentes, proposta que não obteve vencimento, tendo dado lugar a mudança de relator.

Cumprindo agora decidir.

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, no presente recurso está em causa a reapreciação da decisão sobre matéria de facto, pretendo os recorrentes que a prova produzida não permite julgar provados os seguintes factos, tal como constam identificados na decisão recorrida:

H- A autora Delfina e o seu marido deram o seu acordo a que o réu marido construísse a casa na aludida parcela de terreno do prédio identificado em D). (resposta ao art.º 4.º).

N- Na sequência do referido em K) a autora Delfina e o seu marido deram o seu acordo a que o réu marido contactasse uma solicitadora para passar para o seu nome a parcela do terreno do prédio identificado em D) dos factos provados na qual tinha construído a casa (resposta ao art.º 5.º).

R- No dia 08/07/1988, a autora Delfina e o seu marido assinaram a escritura referida no ponto O) dos factos assentes na convicção de que estavam a doar ao seu filho Vicente apenas e só a parte do terreno onde se encontrava incorporada a casa e logradouro da mesma, com exclusão da área por aqueles amanhada (resposta ao art.º 6.º).

S- A Autora Delfina e o seu marido estavam igualmente convictos que da doação da referida parcela de terreno não resultaria para seu filho Vicente benefício em relação aos demais filhos do casal aquando da partilha dos seus bens (resposta ao art.º 7.º).

T- Aquando da realização da escritura a que se alude na al. O) o réu marido encontrava-se convencido de que os pais pretendiam somente doar-lhe parte, e não a totalidade do prédio rústico, e que pela escritura apenas parte do prédio lhe havia sido doada (resposta ao art.º 10.º).

U- O réu marido sabia igualmente não ser intenção dos seus pais doadores beneficiá-lo em relação aos seus irmãos (resposta ao art.º 11.º).

V- Nem Júnior nem a Autora Delfina se aperceberam da divergência entre a vontade declarada na escritura de 08/07/1988 e a sua vontade real quanto ao objecto do negócio (resposta ao art.º 12.º).

W- Após o seu casamento no ano de 1994, o réu marido passou a habitar a casa que havia construído, sem que viesse a ocupar a área restante do prédio rústico (resposta ao art.º 13.º).

X- Após o casamento dos RR, a restante parte do prédio identificado em D) continuou a ser explorada e amanhada pela autora Delfina e seu marido, que ali mantinham vinha, árvores de fruto e uma pequena horta, no que eram auxiliados pelos seus filhos, o aqui réu e Paulo, quando se encontravam em Portugal (resposta ao art.º 14.º)

Y- Passaram cada um deles, autora Delfina e marido, por um lado, e réus por outro, a utilizar, respectivamente, cada uma das respectivas parcelas, como se de prédios distintos se tratassem (resposta ao art.º 15.º).

AA- Mesmo depois da morte do marido, a autora Delfina, com a ajuda dos filhos Paulo e Vicente continuou a manter a horta, as árvores de fruto, a lavrar e tratar a terra para a manter limpa, o que se verificou ainda pelo menos nos dois anos subsequentes à morte daquele  Júnior (resposta ao art.º 17.º).

AC- Após a morte do marido da Autora Delfina, esta e os seus quatro filhos, incluindo o R. marido, acordaram dividir o prédio identificado em D) pelo Réu marido e pelas suas duas irmãs (resposta ao art.º 18.º).

AD- Na altura, convenceram-se a A. Delfina e os seus outros filhos que do acervo dos bens da herança do falecido constava o dito prédio rústico, com excepção da parcela onde estava construída a casa dos Réus, que consideravam estar destacada (resposta ao art.º 19.º).

AE- Só quando a Autora Delfina, o Réu marido e os irmãos solicitaram a uma advogada a legalização da totalidade da relação de bens imóveis do “de cujus”, constataram que a escritura de doação incluía a totalidade do prédio e havia sido feita por conta da quota disponível (resposta ao art.º 20.º).

AG- Confrontado o Réu com tal facto, aceitou destacar a parte sobrante do prédio da parcela onde havia edificado a casa e respectivo logradouro, sendo aquela área dividida pelas suas duas irmãs (resposta aos art.ºs 23.º, 24.º e 25.º).

AH- Posteriormente, os RR recusaram-se a proceder à acordada desanexação (resposta ao art.º 26.º).

 AR- As obras referidas foram efectuadas pelos RR. à vista de todos, sem qualquer oposição e na convicção de que eram feitas em proveito próprio em seu benefício e na parcela de prédio que havia sido dada ao réu marido (resposta ao art.º 45.º).

E pretendem, diversamente, ver julgados provados os factos dos seguintes artigos da base instrutória (BI):

9) A autora Delfina e o seu marido sabiam que a doação abrangia a totalidade do prédio e que foi feita por conta da quota disponível?

28) Antes da celebração da escritura a 08-07-1988 o réu marido já cultivava o prédio em apreço, amanhando, lavrando, adubando, fazendo todos os tratamentos necessários, bem como a poda das árvores de fruto e da vinha?

31) O réu marido sempre agiu na convicção de que era o proprietário da totalidade do prédio?

32) Cultivava e cultiva a quase totalidade do prédio, lavrando, adubando, amanhando, fazendo todos os tratamentos necessários, bem como a poda das árvores e vinha, colhendo os respetivos frutos?

Fundando nessas alterações da matéria de facto a alteração da decisão de direito, seja por não terem sido provados os pressupostos da anulabilidade da doação, seja pela procedência da exceção de caducidade do direito de requerer essa anulabilidade.

Terminando a pedir que a decisão seja revogada e substituída por outra que:

a. Condene os AA/Apelados a reconhecerem que os RR/Apelantes são donos e legítimos proprietários do prédio misto sito na freguesia de (…), concelho de Torres Vedras inscrito na matriz predial (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o nº (…), com a área total de 5080 metros quadrados.

São estas as questões de que cumpre conhecer e que, como se afigura evidente, assentam na impugnação/alteração da decisão sobre matéria de facto. Posto que nenhuma questão de direito foi suscitada sem dependência da alteração da decisão sobre matéria de facto no sentido pretendido pelos recorrentes.

Preliminarmente, importa justificar o entendimento de que cumpre conhecer do recurso sobre matéria de facto.

Segundo se julga, apenas está em causa a forma como os recorrentes identificaram as passagens da gravação da prova testemunhal em que fundam a impugnação da decisão de facto. No projeto de acórdão relevou-se o facto de os recorrentes não terem identificado, com exatidão, as passagens da gravação da prova testemunhal em que fundam a impugnação. Tendo feito vencimento o entendimento de que, nas circunstâncias em que a discussão vinha suscitada, o ónus de alegação estava suficientemente cumprido.

A questão não será inteiramente pacífica, mas propendemos a manter este entendimento. De facto, na perspetiva em que os recorrentes se colocam, de que não foi feita prova bastante dos factos nucleares da presente ação, julga-se que a reapreciação da decisão impugnada assenta em toda a prova produzida, sem qualquer restrição. E essa prova foi devidamente identificada através da indicação do nome das testemunhas e das referências temporais do início e do termo dos depoimentos.

Os recorrentes transcreveram longos excertos dos diversos depoimentos prestados, agrupados pelas diversas questões de facto em discussão, e, no fim de cada transcrição, fizeram uma síntese do depoimento. E, efetivamente, não identificaram o início e o termo de cada passagem da gravação que transcreveram. Mas, nos termos já referidos, parecendo seguro que a impugnação deduzida assenta em toda a prova produzida, essa discussão, que pode ser limitada às sínteses conclusivas finais, visa apenas identificar o que, na perspetiva dos recorrentes, resultou, ou não, dos diversos depoimentos, que o tribunal de recurso não está dispensado de ouvir na sua totalidade.

Questão diferente, que já se prende com o mérito da impugnação, é a de verificar se, e em que medida, os recorrentes se preocuparam em questionar os fundamentos concretos em que assentou a decisão impugnada. Questão que, segundo se julga, já não tem a ver com o cumprimento do ónus de especificação a cargo do recorrente que impugna a decisão de facto, estabelecido no art. 640.º do CPC.

Vejamos, então.

A matéria de facto a reapreciar é a já acima indicada, que os recorrentes sintetizam nas seguintes conclusões:

p. Ficou por provar em suma que tivesse existido algum erro na vontade declarada e por isso que tivesse havido divergência entre a vontade real e aquela que ficou declarada na escritura de doação;

q. Assim como não ficou provado que o ora Recorrente tivesse conhecimento desse erro, pelas atitudes que teve após a outorga da escritura nomeadamente as várias construções que fez no terreno, com conhecimento dos doadores, com quem sempre teve um convívio muito próximo e diário;

De facto, o que está em causa é saber se não ficou provada qualquer divergência entre a vontade real dos doadores e a vontade declarada no contrato de doação. Nem, a ter existido essa divergência, que os ora recorrentes dela se tivessem apercebido.

Antecipando a conclusão, julga-se que não asiste razão aos apelantes, ao menos nas questões essenciais, devendo antes ser confirmada a decisão recorrida, que se mostra convincentemente fundamentada.

E a convicção de que assim é começa a formar-se logo nos articulados, em particular na contestação, também valorada na fundamentação da decisão.

Como acima se sintetizou, os réus alegaram, designadamente:

No ano de 1978 o réu foi autorizado pelos pais a construir casa própria numa parcela de terreno do prédio, que se chama (…).

Desconhecendo se os pais tinham intenção de repartir esse prédio pelos irmãos.

Já no ano de 1988, estando a casa praticamente construída, foi contratada uma solicitadora visando proceder à inscrição dessa parcela de terreno em nome do réu marido.

Mas após uma reunião com essa solicitadora, a autora e o marido acabaram por decidir doar-lhe a totalidade do prédio. Nessa altura o pai apenas lhe pediu que, caso o irmão Paulo pretendesse construir casa própria, aquele se comprometeria a ceder uma parte de terreno do prédio.

(…)

O réu também não sabe se os seus pais pretendiam beneficiá-lo relativamente aos seus irmãos.

(…)

Nas reuniões realizadas pelos herdeiros do doador falecido, o réu anuiu em dividir o prédio com as suas irmãs de modo a evitar problemas familiares.

Mas acabou por recusar, porque isso não fazia sentido.

E já no ano de 2002, quando os autores recorreram a uma advogada, manteve essa recusa e apenas se disponibilizou para aceitar ficar com o prédio por conta da sua parte na herança, ficando o remanescente da herança, composto por vários prédios rústicos e urbanos, a dividir apenas entre os restantes herdeiros.

Do assim alegado pelos réus resulta o reconhecimento de que, ao menos no início e até ao momento em que foi promovida a formalização da doação, o réu apenas tinha sido autorizado pelos pais a construir casa própria numa parcela de terreno do prédio, que se chama (…). Em todo esse período, os pais do réu não manifestaram a intenção de doar a este filho a totalidade do referido prédio. O que, não só não foi alegado, como resulta da alegação deste réu de que desconhecia se os pais tinham intenção de repartir esse prédio pelos irmãos.

E essa intenção também não existia quando, já no ano de 1988, e estando a casa praticamente construída, foi contratada uma solicitadora para formalizar a doação a fazer aos réus. Pois que, conforme alegado no art. 32 da contestação, essa solicitadora foi procurada para proceder à passagem, para o nome do réu, da parcela de terreno onde havia sido construída a casa, e não de todo o prédio.

Ficando, assim, desautorizados os depoimentos das testemunhas que declaram que o falecido Júnior sempre tivera a intenção, publicamente anunciada, de doar a totalidade do prédio ao filho Vicente. Pois que está assente que essa intenção não existia quando foi dada autorização ao réu para construir a sua casa, nem foi formada ao longo de todo o tempo, que foi longo, de construção, e ainda não existia quando se tratou de formalizar a doação. Que apenas visava colocar em nome do réu a parcela de terreno onde havia sido construída a casa, e não a totalidade do prédio.

Aliás, a iniciativa da doação foi do ora réu Vicente, que a justificou com a necessidade de requisitar os fornecimentos de água e eletricidade, e não tanto com a intenção de assegurar ao réu a propriedade da parcela em causa.

De acordo com o alegado na contestação, essa intenção de fazer a doação de todo o prédio apenas teria sido formada após uma reunião dos doadores com a solicitadora, sem qualquer indicação das razões que a teriam justificado. O que torna pouco consistente/verosímil a existência de tal intenção, que não poderia deixar de assentar em razões muito relevantes, e do conhecimento do réu. Não fazendo sentido que, tendo sido contemplado, para mais por conta da quota disponível dos doadores, com a doação de um prédio que, de acordo com a prova testemunhal produzida, era o bem mais valioso do património dos doadores, o mesmo não soubesse se os seus pais pretendiam beneficiá-lo. Se não sabia isso, não sabia que os pais pretendiam fazer a doação naqueles termos, mas apenas doar-lhe a parcela de terreno onde tinha sido construída a casa, e por conta do seu quinhão hereditário. Do mesmo modo, os pais doadores só poderiam não saber que, com aquela doação, estavam a beneficiar aquele filho em detrimento dos demais, se estivessem convencidos de que apenas lhe estavam a doar uma parcela de terreno, e por conta do respetivo quinhão hereditário.

As testemunhas ouvidas sob indicação dos réus referiram que os doadores teriam razões para beneficiarem o filho Vicente em relação aos demais filhos. Uma vez que este teria ido trabalhar muito cedo, logo depois de sair da escola, e teria contribuído com a quase totalidade dos seus ganhos para as despesas do agregado familiar, que, até aí, enfrentaria dificuldades.

Ainda assim, não afirmaram que tivesse sido intenção dos doadores beneficiar este filho em relação aos demais, referindo apenas que havia razões para isso.

Mas nem estas razões convencem.

Desde logo, nada foi alegado na contestação a este respeito. E, diferentemente, o réu alegou não saber se os pais pretendiam beneficiá-lo.

Depois, também resultou da prova produzida que o réu começou a construção da sua casa muito novo, com 19 ou 20 anos. E mesmo que ele, ligado à construção civil, conseguisse assegurar a mão-de-obra necessária, sem custos acrescidos, a construção de uma casa de habitação, com a superfície coberta de 140 m2, exige montantes significativos. Sendo de supor que o réu não se decidia a iniciar um tal empreendimento sem dispor de meios para o prosseguir, mesmo devagar.

As mesmas testemunhas também referiram o contentamento que o falecido Júnior teria evidenciado por, através da doação da totalidade do prédio, ter assegurado que o genro X já não iria conseguir aceder a qualquer parte do mesmo.

Mais uma justificação que o réu não alegou e que, com todo o respeito, não justifica nada.

De facto, ficou claro que, pelo menos até à contratação dos serviços de uma solicitadora, os doadores apenas queriam doar a este filho uma parcela de terreno, e não todo o prédio. Depois, se pretendessem impedir que um genro, e uma filha, acedessem ao referido prédio, os doadores haveriam de fazer doação do mesmo aos outros três filhos, e não apenas a um deles.

Os réus alegaram que os pais, sabendo que estavam a fazer a doação de todo o prédio, lhe fizeram prometer que, caso o irmão Paulo ali quisesse construir, lhe cederia uma parte de terreno para esse fim.

O que também se afigura não ser verosímil, e não se ajusta ao que foi declarado pelas testemunhas ouvidas, designadamente, sob indicação dos réus.

De facto, não faz sentido que, tendo quatro filhos, e sem que se identifique outra razão, para além da indicação de que o falecido Júnior nunca gostou do genro X, os pais se decidam a fazer doação do bem mais valioso do seu património a apenas um filho, desconsiderando completamente as filhas, e limitando-se a assegurar para o outro filho o compromisso do filho contemplado no sentido de que lhe cederia uma parcela de terreno se o mesmo ali quisesse construir.

Em condições normais, nenhuma pessoa avisada procede assim, nem os pais discriminam os filhos, salvo motivação relevante, que não foi alegada nos autos nem resultou da discussão da causa.

Aliás, o que estas testemunhas, ouvidas sob indicação do réu, disseram foi que o falecido Júnior, quando anunciava a sua intenção de doar ao filho Vicente o prédio dos autos, também anunciava que o filho Paulo iria ficar com as casas onde vivia a família.

O que também não se ajusta ao que foi alegado na contestação, para além de que também não foi minimamente concretizado.

Depois, todas as testemunhas confirmaram que a parte do prédio destinada a exploração agrícola sempre foi explorada, mesmo depois da doação, pelos doadores, ainda que com a ajuda dos filhos, Vicente e Paulo. Situação que ainda se manteve durante algum tempo depois do óbito do doador. Ou seja, sendo verdade que o réu Vicente realizou trabalhos agrícolas no referido prédio, até algum tempo depois de o pai ter falecido, não o fez por sua conta, mas por conta dos pais, ou do coletivo familiar. O mesmo se tendo passado com o irmão Paulo.

E essa exploração parece ter cessado quando o réu e os irmãos chegaram a acordo em relação à partilha, que incluía a parte do prédio dos autos que era suposto não ter sido objeto de doação. Altura em que o réu Vicente tratou de vedar a parte que lhe caberia nesse acordo de partilhas, de que passou a cuidar exclusivamente. E a parte restante do prédio, atribuída às duas irmãs, ficou de pousio, tendo o réu ido cultivar para a Charneca.

Na sua contestação o réu reconheceu que, nas reuniões realizadas pelos herdeiros do doador falecido, chegou a anuir em dividir o prédio com as suas irmãs, o que justificou com a surpresa e com o propósito de evitar problemas familiares. Só depois se tendo dado conta de que isso não fazia sentido, uma vez que o prédio já seria todo seu.

Mas, as razões assim invocadas não convencem, ajustando-se, antes, à falta de invocação de fundamento para a doação da totalidade do prédio a apenas um de quatro irmãos. Com todo o respeito, não é verosímil que o réu, se soubesse que a doação da totalidade do prédio correspondia à vontade dos doadores, aceitasse abrir mão de uma parte, quer fosse de metade, quer de dois terços, em favor das irmãs, ou dos demais herdeiros do doador falecido.

E, também sugestivamente, as testemunhas indicadas pelo réu afirmaram não ter conhecimento deste acordo, que até tinha sido materializado no terreno.

O réu ainda manifestou disponibilidade para ver imputada a doação do prédio no seu quinhão hereditário, o que continuaria a representar uma cedência muito relevante em relação ao que resultava da escritura de doação, difícil de entender se aquela correspondesse à vontade real dos doadores.

Por fim, também não foi ensaiada qualquer explicação para a suposta mudança de posição da autora Delfina ao instaurar a presente ação. E, antes disso, ao afirmar perante terceiros que o filho Vicente estava a roubar a fazenda às irmãs. A ser verdadeira essa mudança de posição, também haveria de haver motivação para a mesma, e o réu haveria de conhecê-la.

Concluindo-se, assim, que deve ser mantida inalterada a decisão sobre matéria de facto, improcedendo a impugnação.

Essa matéria é a seguinte:

A- A Autora Delfina era casada no regime da comunhão geral de bens com Júnior (al. A).

B- Júnior faleceu em 14-12-1995, sem testamento ou qualquer outra disposição da sua última vontade (al. B).

C- Júnior deixou como seus únicos e universais herdeiros: a Autora, Delfina; o Réu Vicente, e ainda Maria, Ana e Paulo (al. C).

D- A Autora Delfina e o seu falecido marido eram donos e legítimos proprietários do prédio rústico denominado (…), sito na freguesia de (…), concelho de Torres Vedras, inscrito na respectiva matriz (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.º (…), e aí registado a seu favor (al. D).

E- O prédio identificado em D) era composto por terra de cultura arvense, vinha e árvores de fruto e tinha a área de 5.080 m2, confrontando (…) (al. F).

F- A A. Delfina da Piedade e o seu marido adquiriram o imóvel por usucapião (al. G).

G- Em data não concretamente apurada, mas anterior a 1980, o R. marido pediu aos pais autorização para construir uma casa para si numa parcela do terreno referido em D) (resposta aos art.ºs 1.º e 2.º).

H- A autora Delfina e o seu marido deram o seu acordo a que o réu marido construísse a casa na aludida parcela de terreno do prédio identificado em D). (resposta ao art.º 4.º).

I- O réu deu início à construção da casa, implantando-a numa parcela situada junto à estrema Poente/Norte do prédio (resposta ao art.º 3.º).

J- O Réu marido iniciou em 1980 a edificação de uma casa para habitação no terreno referido em D) e em 1988 já tinha levantado as paredes, rebocado e posto o telhado e janelas, embora a obra só ficasse definitivamente concluída muito perto da data do seu casamento (al. H).

K- Até ao dia do seu casamento, o Réu nunca habitou a casa que construiu no terreno descrito no ponto D) dos factos assentes (al. I).

L- No terreno descrito no ponto D) dos factos assentes surgiu uma casa de habitação de cave para garagem e rés-do-chão com a área de 140 m2, actualmente inscrita na respectiva matriz predial da freguesia de Campelos sob o artigo (…) e descrita na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o n.º (…) da dita freguesia (al. J).

M- Em 1988 o R. marido argumentou junto dos pais que, para pôr água e luz na casa, tinha de inscrevê-la em seu nome, nas Finanças, razão porque lhes referiu que iria contactar uma solicitadora para a legalização da parcela de terreno onde se encontrava construída a casa, de forma a que esta passasse para o seu nome (al. K).

N- Na sequência do referido em K) a autora Delfina e o seu marido deram o seu acordo a que o réu marido contactasse uma solicitadora para passar para o seu nome a parcela do terreno do prédio identificado em D) dos factos provados na qual tinha construído a casa (resposta ao art.º 5.º).

O- No dia 08/07/1988, a Autora Delfina e Júnior outorgaram escritura pública de doação ao réu marido do terreno referido no ponto D) dos factos provados, por conta das respectivas quotas disponíveis (al. L).

P- Da escritura a que se reporta a al. O) consta ter a mesma sido lida e explicado o respectivo conteúdo, em voz alta, aos outorgantes, na presença simultânea de todos (resposta ao art.º 8.º).

Q- Júnior era analfabeto e apenas conseguia assinar copiando as letras do seu Bilhete de Identidade (al. M).

R- No dia 08/07/1988, a Autora Delfina e o seu marido assinaram a escritura referida no ponto O) dos factos assentes na convicção de que estavam a doar ao seu filho Vicente apenas e só a parte do terreno onde se encontrava incorporada a casa e logradouro da mesma, com exclusão da área por aqueles amanhada (resposta ao art.º 6.º).

S- A Autora Delfina e o seu marido estavam igualmente convictos que da doação da referida parcela de terreno não resultaria para seu filho Vicente benefício em relação aos demais filhos do casal aquando da partilha dos seus bens (resposta ao art.º 7.º).

T- Aquando da realização da escritura a que se alude na al. O) o réu marido encontrava-se convencido de que os pais pretendiam somente doar-lhe parte, e não a totalidade do prédio rústico, e que pela escritura apenas parte do prédio lhe havia sido doada (resposta ao art.º 10.º).

U- O réu marido sabia igualmente não ser intenção dos seus pais doadores beneficiá-lo em relação aos seus irmãos (resposta ao art.º 11.º).

V- Nem Júnior nem a Autora Delfina se aperceberam da divergência entre a vontade declarada na escritura de 08/07/1988 e a sua vontade real quanto ao objecto do negócio (resposta ao art.º 12.º).

W- Após o seu casamento no ano de 1994, o réu marido passou a habitar a casa que havia construído, sem que viesse a ocupar a área restante do prédio rústico (resposta ao art.º 13.º).

X- Após o casamento dos RR, a restante parte do prédio identificado em D) continuou a ser explorada e amanhada pela Autora Delfina e seu marido, que ali mantinham vinha, árvores de fruto e uma pequena horta, no que eram auxiliados pelos seus filhos, o aqui réu e Paulo, quando se encontravam em Portugal (resposta ao art.º 14.º)

Y- Passaram cada um deles, Autora Delfina e marido, por um lado, e Réus por outro, a utilizar, respectivamente, cada uma das respectivas parcelas, como se de prédios distintos se tratassem (resposta ao art.º 15.º).

Z- Na parcela de terreno contígua àquela onde o réu marido havia edificado a casa de habitação, incluindo a cave, ampliada cerca dos anos 90, a autora Delfina e o seu marido ali continuaram a ter uma horta e a cultivar árvores de fruto, plantando-o e semeando-o com alfaces, feijão, couves, cebolas, ervilhas e tomates, vinha e árvores de fruto, amanhando, adubando e lavrando a terra, procedendo à poda e à vindima, sem oposição de ninguém, nem sequer dos Réus (resposta ao art.º 16.º).

AA- Mesmo depois da morte do marido, a autora Delfina, com a ajuda dos filhos Paulo e Vicente continuou a manter a horta, as árvores de fruto, a lavrar e tratar a terra para a manter limpa, o que se verificou ainda pelo menos nos dois anos subsequentes à morte daquele Júnior (resposta ao art.º 17.º).

AB- Após a morte de seu pai o réu marido fez o manifesto do vinho, transportou e recebeu o dinheiro relativo à venda do vinho na campanha 1996/1997 (resposta ao art.º 30.º).

AC- Após a morte do marido da Autora Delfina, esta e os seus quatro filhos, incluindo o R. marido, acordaram dividir o prédio identificado em D) pelo Réu marido e pelas suas duas irmãs (resposta ao art.º 18.º).

AD- Na altura, convenceram-se a A. Delfina e os seus outros filhos que do acervo dos bens da herança do falecido constava o dito prédio rústico, com excepção da parcela onde estava construída a casa dos Réus, que consideravam estar destacada (resposta ao art.º 19.º).

AE- Só quando a Autora Delfina, o Réu marido e os irmãos solicitaram a uma advogada a legalização da totalidade da relação de bens imóveis do “de cujus”, constataram que a escritura de doação incluía a totalidade do prédio e havia sido feita por conta da quota disponível (resposta ao art.º 20.º).

AF- Pelo menos em Maio de 2001 já a autora tinha conhecimento de que a escritura incluía a totalidade do imóvel (resposta aos art.ºs 21.º e 22.º).

AG- Confrontado o Réu com tal facto, aceitou destacar a parte sobrante do prédio da parcela onde havia edificado a casa e respectivo logradouro, sendo aquela área dividida pelas suas duas irmãs (resposta aos art.ºs 23.º, 24.º e 25.º).

AH- Posteriormente, os RR recusaram-se a proceder à acordada desanexação (resposta ao art.º 26.º).

AI- Antes da celebração da escritura outorgada em 08/07/1988, já o réu marido iniciara, na parcela situada a poente/norte do prédio identificado em A), a construção da casa de habitação, inscrita posteriormente na matriz predial urbana sob o art.º 1500 (resposta ao art.º 27.º).

AJ- No ano de 1991 o réu realizou obras de ampliação da cave em aproveitamento do espaço existente entre a estrema, a norte, e a moradia, ocupando o espaço assinalado na planta de fls. 74, e de construção do muro de vedação, licenciado sob o n.º 158/91, com uma extensão de 17m e com altura de 1,10m, na confinância com o caminho público, a poente (resposta ao art.º 35.º).

AK- Na cave em causa passaram os RR a guardar os utensílios agrícolas (resposta ao art.º 38.º).

AL- Em data não concretamente apurada, o réu cimentou uma área de logradouro à volta da casa com uma área não apurada, e construiu muretes com uma altura de cerca de 30 cm para estabilizar o terreno (resposta ao art.º 36.º).

AM- Tais obras foram realizadas ainda em vida do pai do réu marido, marido da 1.ª Autora, sem qualquer oposição, quer por parte deste, quer por parte dos actuais herdeiros (resposta ao art.º 37.º).

AN- Cerca do ano de 2000, o Réu iniciou a construção de uma garagem e anexo, licenciada sob o n.º 526/02, com uma área bruta de 490m2, sendo a área coberta de 90m2, obras que ocupam a área assinalada na planta de fls. 102, com a denominação “a construir” (resposta ao art.º 39.º).

AO- O réu colocou na estrema poente do prédio uma vedação com grade em ferro, coberta com rede, no prolongamento do muro de vedação antes construído e a que se alude na resposta aos art.ºs 34.º e 35.º (resposta ao art.º 40.º).

AP- Os Réus plantaram jardim perto da casa de habitação do lado sul (resposta ao art.º 41.º).

AQ- Foram os réus quem suportou o custo das aludidas edificações (resposta ao art.º 42.º).

AR- As obras referidas foram efectuadas pelos RR. à vista de todos, sem qualquer oposição e na convicção de que eram feitas em proveito próprio em seu benefício e na parcela de prédio que havia sido dada ao réu marido (resposta ao art.º 45.º).

AS- O direito de propriedade sobre o prédio referido em D) encontra-se registado a favor do réu marido pela inscrição G-2, Ap. 4, de 29/07/88 (al. E).

AT- Em Maio de 2000 os réus contraíram empréstimo junto do Banco (…) no valor de 10 000 000$00, constituindo a favor da instituição bancária hipoteca sobre o prédio identificado em D) (al. N) e resposta ao art.º 43.º).

AU- Em Abril de 2001 os Réus contraíram novo empréstimo junto do (….) no valor de 4 000 000$00, constituindo a favor da instituição bancária nova hipoteca incidente sobre o prédio identificado em D (al. O) e resposta ao art.º 44.º).”

             O Direito

Nos termos já referidos, os recorrentes não suscitaram a apreciação de qualquer questão de direito, sem dependência da alteração da decisão de facto.

Os recorrentes pretendiam ver julgada não provada a existência de divergência entre a vontade real dos doadores e a vontade declarada na escritura de doação, em que foi fundada a decisão de anulação. Que, consequentemente, não poderia ser mantida, por carecer de fundamento.

Pretendiam, ainda, ver julgado não provado que eles, réus, tivessem reconhecido a existência desse erro, e aceitado dividir o prédio, pelo que deveria ser julgada procedente a exceção de caducidade do direito de ação.

Uma vez mantida inalterada a matéria de facto, não estão verificados os pressupostos invocados para a alteração da decisão de direito, em qualquer das suas vertentes.

Nem se identificam questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal.

Devendo ser confirmada a decisão.

Termos em que acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

Lisboa, 05-11-2015

Farinha Alves

Tibério Silva

  Magda Geraldes