Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5543/2003-7
Relator: SANTOS MARTINS
Descritores: PETIÇÃO INICIAL
ERRO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Sumário: Encontrando-se em curso a citação do réu e verificando o autor que a identificação daquele não se encontrava completa ou que existiu algum erro, inexiste obstáculo legal a que seja deferido o requerimento apresentado pelo autor para correcção do erro.
Decisão Texto Integral: I - Relatório

A, B e C intentaram acção declarativa de despejo, com processo sumário, cuja petição foi apresentada em Juízo no dia 14 de Maio de 2002, contra "Maria Helena Bulhosa", viúva, reformada, todos melhor identificados na petição, pedindo a declaração da resolução do contrato de arrendamento do prédio que identificam e, em consequência o despejo do mesmo, condenando-se a ré a entregá-lo aos AA., livre e devoluto de pessoas e objectos.

Tentada a citação pessoal da ré, conforme consta da respectiva certidão, aquela não foi possível, sendo que o Sr. funcionário, que procedeu a essa diligência, fez ali consignar que "Após vários chamamentos na morada supra, colhi informação que o prédio da pretendida citanda se encontra devoluto".

Notificados os AA. do conteúdo dessa certidão, por requerimento de 9 de Julho de 2.002, aqueles alegaram que:

- Segundo informações, entretanto, obtidas, concluíram que existiu um lapso, quanto à correcta identificação da ré na petição inicial;

- Com efeito, a identificação correcta desta é "Maria Helena Boulhosa Suarez" e não "Maria Helena Bulhosa";

Em consequência, pediram que se procedesse à rectificação desse lapso.

Feitos os autos conclusos, por despacho de fls. 35, proferido naquele processo, com data de 5 de Dezembro de 2002, o M.º juiz, considerando que o aludido pedido de rectificação não constitui qualquer lapso que se integre no preceituado no artº 249º do Cód.Civil, indeferiu aquele pedido.

Inconformados com essa decisão, dela apresentaram recurso os AA., o qual foi recebido como agravo.

Apresentadas as alegações, os agravantes formularam as seguintes conclusões:

(...)

Embora, neste caso, também não tivesse sido caso disso, não foi apresentada resposta.

O M.º juiz manteve o despacho recorrido.

Dada a simplicidade da questão, entende-se que, neste caso, deverá ser observado o disposto nos artºs 700º, nº 1, alínea g) e 705º, ambos do C.P.C.

II- Fundamentação

Sendo o objecto e o âmbito dos recursos limitado pelas respectivas conclusões (no caso ora em apreço, dos agravantes) - artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do C.P.C. -, no essencial, a única questão relevante a resolver consiste apenas em saber-se se, atentos os fundamentos invocados pelos AA./agravantes, o M.mº juiz deveria ou não ter deferido o referido pedido de rectificação, quanto à correcta/exacta identificação da ré.

Por razões de comodidade de exposição e, de resto, evitando-se a repetição de facto e demais elementos, consideram-se aqui como reproduzidos os que já cima constam da parte do relatório, sem prejuízo do que, a seguir, também vai ser mencionado.

Vejamos, pois.

Na petição inicial, os AA.. identificaram a ré como sendo "Maria Helena Bulhosa", sendo que, no seguimento das dificuldades de citação daquela, designadamente, quanto à sua localização, vieram a obter informações no sentido de que a sua correcta identificação é "Maria Helena Boulhosa Suarez".

Assim, e relativamente ao sobrenome "Bulhosa", em vez de "Boulhosa", como agora se refere naquele requerimento, é notório/evidente que poderá ter-se tratado de simples e manifesto lapso ou erro de escrita, sendo que, nessa parte, não carece essa questão de qualquer outra justificação.

E, no tocante ao apelido "Suarez", dir-se-á que, aquando da apresentação da petição em Juízo, os AA.. poderiam até desconhecer que a ré também tinha esse apelido, tratando-se apenas de uma identificação incompleta da mesma ré.

Ora, embora não sendo desejáveis essas situações, que se traduzem em incidentes anómalos e susceptíveis de tributação, nos termos do disposto no artº 16º do C.C.J., e que apenas redundam em atrasos na normal tramitação do respectivo processo, mas a verdade é que, por vezes, tais aspectos se verificam; e, naturalmente, sendo pedida a respectiva rectificação, por parte do A.., nada obsta a que possa e deva ser deferida.

Com efeito, a propósito da questão ora em apreço - e que se considera bastante elucidativa -, escreveu o Prof. Alberto dos Reis:

"Se os erros, omissões e lapsos cometidos pelo juiz na sentença são susceptíveis de rectificação, não há razão alguma para que não suceda o mesmo quanto aos erros, omissões e lapsos cometidos pelas partes nos articulados ou em quaisquer outras peças do processo. O que a ordem jurídica exige é que a vontade real prevaleça sobre a vontade declarada; para que este resultado se consiga, hão-se admitir-se, necessariamente, os meios adequados. Se for manifesto que o autor ou o réu, ao escrever ou dizer uma coisa, quis dizer coisa diferente, não pode ele ficar vinculado a uma declaração que não traduz a sua vontade.

Pela mesma ordem de considerações, de houver elementos para admitir que a parte quis dizer mais alguma coisa do que disse, que foi vítima de uma omissão ou de um lapso involuntário, também se lhe não pode negar o direito de restabelecer o seu pensamento, de exprimir, de modo completo, toda a vontade" (cfr. R.L.J., 77º-180).

Dispõe o artº 249º do Cód.Civil que "O simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta", sendo que essa regra constitui um princípio geral, aplicável, nomeadamente, aos actos judiciais e das partes (v., designadamente, entre outros, os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 8/11/83, B.M.J., 332º-518 e 7/3/95, B.M.J., 445º-627).

Por outro lado, estabelece o artº 268º do C.P.C., sob a epígrafe "Princípio da estabilidade da instância" que "Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei".

Ora, independentemente dessas possibilidades de modificação (que não interessa serem aqui apreciadas efectivamente), atente-se que, no caso aqui em apreço, aquando do aludido pedido de rectificação, por não haver sido ainda localizada, a ré ainda nem sequer tinha sido citada. Daí que não seria com esse fundamento que, justificadamente, poderia haver lugar ao indeferimento do requerido pelos AA., aqui agravantes.  

Acresce que, para além do já expendido, cujos fundamentos se entende que permitem o deferimento da requerida rectificação, e também aliados a razões de celeridade e economia processuais, não se compreenderia que, neste caso, os AA. tivessem de intentar uma nova acção, com todos os inconvenientes por demais evidentes e daí decorrentes (nomeadamente, quanto aos atrasos no prosseguimento dos objectivos da acção), não podendo ainda olvidar-se que, de acordo com as diversas alterações processuais introduzidas pela reforma processual de 1995, e com a letra e o espírito da mesma (D.L. nº 329-A/95, de 12 de Dezembro), pretende-se, precisamente, que sejam supridas as deficiências, omissões, lapsos ou erros contidos nos respectivos articulados pelas partes, tendo-se em vista a justa e célere composição do litígio, tanto mais que, como se disse e sublinha-se, a citação da ré ainda não havia sido levada a efeito (cfr., designadamente, artº 265º, nº 2 do C.P.C.)   

Em conclusão: Havendo sido ordenada, como foi, a citação pessoal da ré, no acto de citação desta, caso se verificasse alguma imprecisão ou omissão na identificação correcta/completa daquela na petição inicial, deveria o respectivo funcionário, encarregado da diligência, anotar na respectiva certidão a identificação correcta e completa do citando, notificando-se após o A. dessa situação (o qual, se caso disso, poderia requerer o que entendesse por conveniente), sendo que só depois de decorrido o prazo para a eventual apresentação de contestação e conforme o conteúdo desta, nomeadamente, nessa parte, o tribunal se pronunciaria; e, verificando-se que, efectivamente, se tratava da mesma pessoa, cuja citação havia sido por aquele (A.) pedida (que não qualquer outra), após a necessária rectificação, deveriam os autos prosseguir a restante tramitação processual.

Destarte, sem mais considerações, por desnecessárias, procedendo, no essencial, as conclusões dos agravantes, dando-se provimento ao agravo, deverá ser revogada a decisão recorrida.

III-Decisão

Nos termos e com os fundamentos de facto e de direito supra mencionados, dando-se provimento ao agravo, revoga-se a decisão recorrida, devendo o Mº juiz ordenar que a Secção de Processos proceda à requerida rectificação da identificação da ré, nos termos requeridos, embora com custas do incidente a cargo dos AA./agravantes, devendo os autos prosseguir a restante tramitação processual.

Sem custas, por, no caso, não serem devidas.

Lisboa, 18 de Junho de 2003.

(Santos Martins)