Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7531/2006-7
Relator: ANA RESENDE
Descritores: SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
TUTELA
TUTOR
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Se o a autorização concedida ao tutor, nos termos do artigo 1938º/1, alínea e) do Código Civil, não abranger todos os pedidos deduzidos na acção, deve o tribunal suspender a instância de acordo com o disposto no artigo 1940.º/3 do Código Civil

(SC)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I – Relatório

1. CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, SA, veio interpor recurso de agravo do despacho que determinou a suspensão da instância nos autos contra ela interpostos por JOSÉ […], NÉLIA […] e LUÍS […], por intermédio do seu tutor Tiago[…].
 
2. Nas suas alegações, formula as seguintes conclusões:
- Vem o presente recurso interposto da douta decisão proferida em 21.12.2005 que determinou a suspensão da instância.
- Mas no caso vertente não tem aplicação a cominação do preceituado no art.º 1940, n.º 3, do CC.
- Pois a suspensão da instância só ocorre se e quando o “tutor intentar alguma acção em contravenção do disposto na alínea e) do n.º do art.º 1938.”;
- Isto é, se o autor instaurar acção judicial sem previamente se ter munido de autorização judicial para a sua propositura;
- O tutor intentou previamente a competente acção judicial para a autorização para a propositura da presente acção, mas abusivamente propôs a acção em termos que extravasam a autorização concedida pelo Tribunal.
- Tendo o Mmº Juiz a quo concluído que tutor “não dispõe de autorização para instaurar contra a Caixa Geral de Depósitos, SA, acção judicial nos termos em que o faz nestes autos”
- De acordo com as regras gerais do Direito conclui-se que os AA não têm legitimidade para os termos da acção que foi proposta contra a recorrente.
- Pelo que a R. deve ser absolvida da instância, já que só no âmbito estrito da autorização concedida pelo tribunal os AA representados pelo tutor, têm interesse em demandar a CGD.
- Para os fins pretendidos pelos AA, e nos termos que peticionaram, o tutor tem de obter autorização judicial para todas as pretensões que tenciona formular.
- Caso a obtenha, deverá, então, propor nova acção.

3. O Mm.º Juiz a quo entendeu reparar o agravo, e assim absolveu a R. da instância relativamente aos pedidos formulados na petição inicial sob i) e ii), ordenando quanto ao demais o prosseguimento dos autos.
 
4. Não se conformando com a reparação do agravo, vieram os AA requerer a sua subida, para se decidir a questão sobre que recaíram os dois despachos opostos.

5. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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II –  Enquadramento facto - jurídico

Tal como nos surge processualmente configurada a questão (1) a resolver nos presentes, importa determinar se a instância deve ser suspensa, ou se como foi posteriormente decidido, absolvida a Ré da instância de parte dos pedidos contra ela formulados, devem os autos prosseguir.

Na realidade, e explicitando, no despacho de fls. 325 e seguintes, entendeu-se que Tiago […], na qualidade de tutor dos interditos, não dispunha de autorização judicial para instaurar contra a Caixa Geral de Depósitos a acção nos termos em que o fez, suspendendo-se a instância até se mostrar concedida a autorização adequada aos pedidos formulados, com fundamento no disposto no art.º 1940, n.º 3, do CC.

A fls. 358 e seguintes, reparando o agravo, considerou-se que tendo o tutor instaurado previamente a acção judicial com vista a obter a devida autorização judicial, não se configurava uma situação passível de ser enquadrada no aludido n.º3, do art.º 1940, antes devendo entender-se que o tutor dos AA agiu de forma abusiva, em desconformidade e desrespeito pela autorização que lhe foi dada pelo Tribunal, levando à absolvição da instância dos pedidos não abrangidos pela autorização judicialmente dada, conforme o disposto no art.º 25, do CPC.

Apreciando.

Sabendo-se que ao suprimento da incapacidade resultante da interdição são aplicáveis, com as necessárias adaptações, os normativos que regulam a incapacidade por menoridade, bem como os que fixam os meios de suprir o poder paternal, art.º 139, tem o tutor os mesmos direitos e obrigações dos pais, art.º 1935, com as restrições dos art.º 1937 e 1938, todos do CC.

Em tal âmbito está a necessária autorização do tribunal para o tutor interpor acções como representante do incapaz, excepcionando-se o caso das destinadas à cobrança de prestações periódicas ou quando a demora decorrente do recurso aos mecanismos legalmente indicados possa causar prejuízo, alínea e) do art.º 1938, do CC, prevendo-se que sendo a acção intentada sem a devida autorização, o tribunal, oficiosamente, ordene a suspensão da instância, depois da citação, até ser concedida a aquela autorização, n.º 3, do art.º 1940, também do CC.

Por sua vez, e na óptica de falta de pressupostos processuais na vertente da incapacidade judiciária e da irregularidade da representação, consigna-se que na falta de autorização do representante da parte, será designado um prazo dentro do qual o representante deve obter a respectiva autorização, suspendendo-se entretanto os termos da causa, n.º1, do art.º 25, do CPC.

Não se mostrando sanada a falta no prazo concedido, o réu é absolvido da instância, caso a autorização devesse ser obtida pelo representante do autor, ou prosseguindo os autos como o réu não tivesse deduzido oposição, se fosse o representante que devesse prover pela autorização omitida, n.º2, do mesmo art.º 25, do CPC.

A falta de autorização configura-se assim como uma excepção dilatória sanável, cujo suprimento poderá ser oficiosamente providenciado pelo julgador, quer determinando a realização dos actos necessários para tanto (2), quer convidando as partes a praticá-los (3), n.º2, do art.º 265, do CPC, afastando-se óbices impeditivos da prolação da decisão de mérito, fim último que se consubstancia na verdadeira realização da Justiça.

Neste enquadramento, e reportando-nos aos presentes autos, temos que por sentença proferida em 11 de Janeiro de 2002, no processo n.º 326/97, da 2ª secção da 17ª Vara foi decretada a interdição total e definitiva de José […], Nélia […], sendo nomeado tutor dos mesmos Tiago […].

Em apenso a tal processo de interdição por anomalia psíquica, correram termos os autos de autorização judicial n.º […], nos quais por decisão de 22.10.04 foi deferido o pedido formulado pelo tutor de o autorizar a intentar acção judicial contra a Caixa Geral de Depósitos, SA, com fundamento na recusa ilícita de prestação de informações relativas a saldos e movimentos bancários das contas n.º […], demandando esta Instituição de crédito a informar o requerente dos saldos actuais e a entregar-lhe os extractos dos movimentos bancários, quer a débito quer a crédito, de cada uma das referidas contas”.

Em 21 de Abril de 2005, José […], Nélia […] e Luís […], representados pelo seu tutor Tiago […] vieram interpor a presente acção contra Caixa Geral de Depósitos, pedindo:
a) a sua condenação a pagar:
i) a quantia de €36.470,28 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da citação para a presente acção;
ii) a quantia de € 75.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal desde a data da citação para a presente acção;
iii) o montante global correspondente aos prejuízos que ainda se venham a apurar ou a produzir, em montante a fixar pelo Tribunal
b) a sua condenação a informar quais os saldos actuais das contas bancárias em apreço;
c) a sua condenação a entregar/enviar os extractos dos movimentos bancários, quer a débito quer a crédito, de cada uma das referidas contas.

Assim, quanto aos montantes indemnizatórios peticionados, visando ressarcir danos, alegadamente resultantes da conduta imputada à R., pode-se dizer que foi extravasado o âmbito da autorização concedida, aliás, nos termos em que foi requerida, carecendo o tutor, nessa exacta medida, da necessária autorização para interpor a acção no concerne a tais pedidos.

Para o saneamento de tal vício deverá o Tribunal, mesmo oficiosamente, diligenciar, para que seja obtida a autorização em falta, suspendendo-se os termos da causa, sem prejuízo da imposição de um prazo tido por razoável para tanto, findo o qual, e ouvidas as partes, se a omissão não tiver sido superada, poderá ser decidida a absolvição da instância quanto aos pedidos não suportados por autorização judicial.

Entendendo, diversamente, isto é, no sentido que a falta detectada importaria desde logo a absolvição da instância ao abrigo do disposto no art.º 25, do CPC, estaríamos a contrariar, como vimos, o preceituado nesse normativo, mas também a ir contra o acima mencionado n.º 3, do art.º 1940, do CC, que sempre possibilita ao tutor obter, depois de intentada a acção, a respectiva autorização para tanto, suspendendo-se, contudo os termos da causa.

Deste modo não pode manter-se a decisão de fls. 358 a 366 na parte que absolveu a R. da instância, que assim deve ser revogada, impondo-se, de acordo com o exposto, a manutenção da proferida a fls. 325 a 328, suspendendo a instância, e da qual foi interposto o presente recurso.

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III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao agravo, mantendo a decisão recorrida, e revogando a posteriormente proferida, nos termos supra indicados.
Custas pela Ré.
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Lisboa, 24 de Outubro de 2006

(Ana Resende)
(Dina Monteiro)
(Luís Espírito Santo)



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1.-Sabendo-se que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos ou fundamentos que as partes indiquem para fazer valer o seu ponto de vista, nem está sujeito às razões jurídicas invocadas pelas mesmas, pois o julgador é livre na interpretação e aplicação do direito, art.º 664, do CPC.

2.-Nomeadamente se irrelevar a vontade da parte no concerne ao meio ou forma de suprir a falta.

3.-Caso de uma modificação objectiva da instância, na consideração do princípio do dispositivo.