Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3014/18.0T8VFX.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1 – Para que se conclua pela nulidade da sentença por falta de fundamentação não basta a respetiva insuficiência. Esta enforma, antes, um erro de julgamento.
2 – A descaracterização do acidente de trabalho com base no disposto no Artº 14º/1-a), 2ª parte da Lei 98/2009 de 4/0 assenta em quatro pressupostos de verificação cumulativa, a saber, (a) existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (b) ato ou omissão do sinistrado que importe a violação dessas condições de segurança; (c) voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa; (d) nexo causal entre o ato ou omissão do sinistrado e o acidente.
3 – Todos estes pressupostos devem ser provados pela entidade responsável pelo acidente.
4 – A responsabilidade agravada prevista no Artº 18º/1 da LAT tem como pressupostos a falta de observação, pelo empregador, de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.
5 – No enquadramento requisitado por este normativo a primeira operação a levar a cabo pelo intérprete é a identificação da concreta regra de segurança não observada, havendo ainda que provar o nexo de causalidade entre tal inobservância e o acidente.
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

BB, Réu nos autos à margem identificados tendo sido notificado da sentença, não se conformando com o teor da mesma, vem interpor recurso.
Pede a revogação da sentença.
Alegou em peça que culminou com a apresentação de 147 conclusões.
Convidado a sintetizar as conclusões, por excessivas e não sintéticas, veio apresentar nova peça em que, sob o título conclusões, insere 79 pontos ou parágrafos, o que, verdadeiramente, se traduz numa alegação. Porém, considerando o esforço de síntese, embora não conseguido, aceita-se ter sido cumprido o convite.
As conclusões apresentadas resumem-se aos seguintes subtítulos:
- Nulidade da sentença;
- Impugnação da matéria de facto;
- Violação do Artº 8º da Lei 98/2009 com invocação de violação do Artº 14º/1-a) da Lei 98/2009;
- Violação do Artº 18 da Lei 98/2009 por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos;
- Violação do Artº 496º/4 do CC.
Dispensamo-nos de transcrever aqui o arrazoado apresentado, do qual daremos a devida nota infra e a propósito de cada uma das questões a analisar.
 AA, sinistrado nos autos à margem indicados, com o patrocínio do Ministério Público, notificado que foi da interposição do recurso e respetivas alegações vem apresentar a sua resposta na qual rebateu as alegações apresentadas.
O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
O Apelante respondeu.
*
Segue-se um breve resumo dos autos para cabal compreensão:
AA intentou a presente ação emergente de acidente de trabalho, sob a forma do processo especial, contra BB, pedindo a condenação do Réu, nos seguimentos termos:
I – Ser reconhecido que o acidente ocorrido no dia 06/09/2018 deve ser qualificado como acidente de trabalho e que o mesmo ocorreu por falta de observação pelo Réu das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
II- Ser o Réu condenado a pagar ao A. uma pensão anual no valor de 5.773,46€, vitalícia e atualizável, devida a partir de 05/07/2019, incluída do subsidio de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada, da pensão anual a pagar nos meses de junho e novembro de cada ano, III - Ser o Réu condenada a pagar ao A. a quantia de 12.657,00€ a título de indemnização por incapacidades temporárias para o trabalho;
IV- Ser o Réu condenada a pagar ao A. a quantia de 83€ a título de despesas de deslocação ao tribunal,
V-Ser o Réu condenado a pagar a quantia de 748,15€ referente a despesas com a assistência prestada, reclamadas pelo Centro Hospitalar M. Tejo
Subsidiariamente, caso se venha a considerar que o acidente não ocorreu por falta de observação pelo Réu das regras sobre segurança e saúde no trabalho:
I-Deve o Réu ser condenado a pagar ao A. uma pensão anual no valor de 4.041,42€, vitalícia e atualizável, devida a partir de 05/07/2019, incluída do subsidio de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada, da pensão anual a pagar nos meses de junho e novembro de cada ano,
II - Ser o Réu condenada a pagar ao A. a quantia de 8.860,27€ a título de indemnização por incapacidades temporárias para o trabalho;
III- Ser o Réu condenada a pagar ao A. a quantia de 83€ a título de despesas de deslocação ao tribunal,
IV- Ser o Réu condenado a pagar a quantia de 748,15€ referente a despesas com a assistência prestada, reclamadas pelo Centro Hospitalar M. Tejo.
V- Em qualquer caso, deve o Réu ser condenado a pagar ao A. juros de mora à taxa legal em vigor desde a data do vencimento de cada uma das prestações até integral pagamento.
Para o efeito alega, em apertada suma, que tendo sido contratado pelo Réu foi colocado numa obra do Réu onde lhe foi ordenado a realização de trabalho de limpeza de telhado. Para o efeito o Réu não forneceu arnês ou qualquer outro equipamento de segurança individual. O Autor acabou por cair embatendo no solo e sofrendo as lesões melhores descritas nas perícias médicas realizadas. A entidade empregadora não tinha a responsabilidade transferida para entidade seguradora. O acidente ocorreu devido ao incumprimento de regras de segurança por parte do Réu, ao não cumprir as regras de trabalhos em altura. O que agrava a responsabilidade do empregador, nos termos do art.18.º, da LAT. Caso assim não se entenda sempre será o empregador responsável pela reparação do sinistro nos termos não agravados. Para além dos períodos de incapacidade temporária, da pensão devida incapacidade permanente é a entidade empregadora ainda responsável pelas despesas médicas, medicamentosas e com deslocações.
O Réu veio contestar impugnando o valor de retribuição alegado pelo Autor e indicando outro distinto. Por outro lado, o Réu impugna que tenha dado ordem ao Autor de iniciar trabalhos em altura. Ao invés alega que o Autor foi expressamente proibido de subir ao telhado, tendo sido dado ordem para limpeza de folhas à volta da casa. O incumprimento da ordem expressa da entidade empregadora levou à ocorrência do sinistro. O sinistro deveu-se a negligência grosseira do sinistrado. Conclui pela descaracterização do sinistro como acidente de trabalho. Por outro lado, impugna o nexo causal entre o sinistro e as lesões detetadas em sede de exame pericial. O Autor já teria lesões de sinistros anteriores. O Autor optou por ter alta hospitalar voluntária interrompendo o tratamento.
   Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, vindo a ser proferida sentença que condena o Réu a pagar ao Autor:
- Quanto à IPP o capital de remição correspondente a pensão anual e vitalícia no montante de € 2.100,00;
-€ 6.904,11 a título de acertos das incapacidades temporárias;
- € 70,00 a título de despesas de deslocação;
- € 748,15 a título de despesas médicas;
- Juros de mora, à taxa legal, desde a data em que as obrigações se venceram até integral pagamento.
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As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.
Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões:
A sentença é nula?
2ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto?
3ª – Existiu consciência do ato determinante do evento e das suas consequências e vontade livre de o praticar por parte do A.?
4ª – Não estão preenchidos os pressupostos do Artº 18º/1, 2ª parte da Lei 98/2009 de 4/09?
Na peça apresentada, sob o título “Violação do Artº 496º/4 do CC e do Artº 8º/3 do CC” insere-se um arrazoado do qual não se extrai qualquer questão[1]. Daí que o consideremos inócuo para este efeito. Devendo ainda salientar-se que a sentença não encerra qualquer decisão fundada no Artº 496º do CC.
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FUNDAMENTAÇÃO:
A 1ª questão supra selecionada prende-se com a nulidade da sentença.
Afirma o Apelante que existe erro na especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão porquanto o Tribunal a quo se limita a enumerar as lesões do Sinistrado sem especificar de forma completa e precisa os fundamentos de facto que justificam o nexo causal entre as lesões e a decisão – a culpa e a condenação do R..
Se bem percebemos a argumentação do Apelante a questão que suscita centra-se no campo da insuficiência de fundamentação para a conclusão final, ou seja, num erro de julgamento.
Como vimos afirmando recorrentemente as nulidades da sentença são vícios de forma. Os também denominados vícios de formação ou atividade, referentes á inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão. Por isso, afetam o silogismo judiciário, ou seja, a peça processual que é a decisão. Nada têm a ver com erros de julgamento, seja em matéria de facto, seja em matéria de direito. Neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 10/09/2019, Proc.º 800/10.3TBOLH-8 e o desta RLx. de 21/02/2024, Proc.º 29072/22.5T8LSB.
O vício imputado à decisão, com previsão no Artº 615º/1-b) do CPC pressupõe a total ausência de fundamentação, seja de facto, seja de direito.
Não cabe ali a fundamentação insuficiente ou medíocre, como aliás também vem sendo repetido pela jurisprudência dos tribunais superiores. Neste sentido, e só para citar um aresto, veja-se o Ac. do STJ de 15/05/2019, Proc.º 835/15.0T8LRA de acordo com o qual “Para que se verifique a nulidade de falta de fundamentação prescrita no art. 615, nº 1, al, b), do CPC, não basta que a justificação seja deficiente, incompleta ou não convincente. É preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.”
No caso, como dito acima, a questão conexiona-se antes com a invocação a um erro de julgamento, razão pela qual falece a invocação de nulidade da sentença aqui em apreciação.
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Centrar-nos-emos seguidamente no erro de julgamento da matéria de facto.
Entende o Apelante que os pontos de facto 3, 6, 7 a 11, 14, 22 e 24 não deveriam ter sido dados como provados porquanto, e citamos, “não resultam da interpretação correta da norma jurídica”. Isto posto, tece, em sede conclusiva, considerandos tendentes a negar a factualidade.
Da alegação precedente extrai-se a seleção de alguns meios de prova a partir dos quais pretende a inversão da decisão.
O Apelado não contrapõe com distintos meios de prova, alegando que o Tribunal apreciou livremente as provas e retirou as devidas consequências.
Ficou, pois, por dar cumprimento ao disposto no Artº 640º/2-b) do CPC.
Na audiência de julgamento o R. prestou declarações de parte e o A. depoimento de parte e declarações, sem que, contudo, se tenha registado confissão. Assim, sempre que infra mencionemos o depoimento do R. é apenas porque assim vem alegado.
Vejamos!
Assim, quanto ao ponto 3, cujo conteúdo é o seguinte:
3. Quando, pelas 8h30m e encontrando-se a proceder à limpeza de um telhado, caiu de uma altura de cerca de dez metros.
Indica o seu próprio depoimento em contraposição com o do A. e ainda o depoimento da testemunha CC, tudo indicando que o que está em causa é não ter havido ordem para ir ao telhado e não ter havido uma medição rigorosa do edifício.
No ponto de facto acima transcrito não consta qualquer ordem, pelo que a indicação de prova tendo em vista inverter a resposta a este ponto por tal razão falece. Já quanto à medição, a decisão aponta para a altura de dez metros o que está em sintonia com o depoimento do A. e o da testemunha supra referidos – ambos dão a sua ideia acerca da altura, e ambos apontam para talvez 10 metros, explicando que a sua conclusão se centra na existência de dois andares, existindo uma garagem em baixo.
Não existe, pois, razão para inverter a resposta para não provado.
Passamos ao ponto 6 que tem o seguinte conteúdo:
6. O Réu havia sido contratado para efetuar algumas reparações e limpeza no imóvel sito em Rua ….
Nesta parte vem indicado o depoimento do R. que, na leitura que fazemos, está em sintonia com a resposta ali consignada.
Do mesmo modo, o depoimento da testemunha DD, que pôs o anúncio para a contratação, mencionando um servente, não infirma a conclusão do Tribunal, devendo dizer-se que para efeitos de acidente de trabalho é absolutamente indiferente falar na contratação de um servente ou de um trabalhador para aquelas funções. Certo é que a matéria constante do ponto em referência vai ao encontro das declarações do próprio R..
Improcede, por isso, a questão em apreciação.
Passamos ao ponto 7, que tem o seguinte teor:
7. No dia 6 de setembro de 2018, logo pela manhã, o Réu foi buscar o A. a um café em Tomar e levou-o até a uma vivenda de um cliente que o contratara para proceder à limpeza do telhado da sua habitação, sita na Rua ….
Indica-se o depoimento da testemunha DD na parte em que menciona ter posto o anúncio para a contratação e o depoimento do R., resultando deste que no dia deu ordens ao A. para afastar os vasos e varrer umas folhas enquanto ia fazer o seguro. Mais se indica o depoimento da testemunha EE que fala nas ordens dadas pelo R..
Nada decorre destes depoimentos que possa infirmar aquele ponto de facto.
Improcede a questão.
Quanto ao ponto 8, é o seguinte o seu conteúdo:
8. Ali chegado, o Réu deu ordem ao A. e ao seu colega de trabalho GG para subirem para o telhado através de um andaime que ali se encontrava, afim de procederam à limpeza do telhado, utilizando para o efeito ácido muriático e uma máquina de lavar à pressão.
Nesta matéria decorre do depoimento de EE e do do próprio R. que não ficara ali nenhum GG.
Quanto às ordens a testemunha EE esclarece que o R. deu ordens para ninguém subir para cima do telhado sem sua autorização e o R. assevera que lhe transmitiu que varresse as folhas e tirasse os vasos, pois era pelo tempo em que iria fazer o seguro (os seguros abrem à 9h). O R. explica ainda que o A. lhe respondeu que era experiente era no telhado, ao que lhe retorquiu “Eh pá, mas eu não quero saber, eu sou pedreiro e tu és um servente e não tens seguro”, que eu tinha seguro, sempre tive seguro, eu sempre tive seguro pessoal. E, à pergunta do Sr. Juiz ainda reforçou ter dito “Mas tu para o telhado não vais, quem vai para o telhado é o… são os profissionais, que eu sou pedreiro e não tinha lógica nenhuma o servente ir para o telhado e eu ficar cá em baixo, eu é que sou profissional, pedreiro. E depois eu saí com o rapaz, com o EE, ao fim de um quarto de hora recebi um telefonema a dizer que ele tinha caído.”
Tal como se reconhece na decisão recorrida, o cerne da discussão nestes autos centra-se na existência destas ordens. Ponderou-se ali:
Na apreciação das duas versões cumpre notar que a versão do Réu é inverosímil. Em primeiro lugar não faz sentido, e a prova produzida não ofereceu explicação, iniciar tarefas de limpeza do solo quando se ia iniciar um trabalho que ia produzir, necessariamente, detritos. Por outro lado, não é razoável que um trabalhador tome por sua iniciativa subir a um telhado e iniciar uma tarefa mais penosa quando lhe tinham ordenado uma tarefa menos penosa e perigosa.
Acresce que resulta do inquérito de acidente de trabalho elaborado pela ACT junto como doc. 4 da PI, e junto aos autos a 19/03/2021, e da consulta das respetivas fotografias que o Réu tinha já um andaime de acesso ao telhado da habitação. O Réu tinha na obra a máquina para limpeza do telhado e, no entanto, não tinha equipamento de proteção individual ou coletiva em obra.
O Réu nas suas declarações manteve que ainda ia buscar os restantes andaimes e ainda ia buscar o equipamento de segurança. Neste ponto cumpre observar que pagando a um trabalhador ao dia, contratado especificamente para a obra em causa, não se percebe a razão para colocar o trabalhador na obra sem fazer nada e só depois ir buscar o equipamento necessário.
Por outro lado, a testemunha EE, amigo do Réu, que prestou um depoimento marcado por essa relação, confirmou a versão do Réu. Contudo, nas suas declarações a testemunha referiu que o Réu se afastou da obra para ir levantar dinheiro e não para comparar material.
Da conjugação da prova produzida não mereceu credibilidade a versão do Réu. Sendo que o Autor estava a executar a obra para a qual o Réu tinha sido efetivamente contratado.
Subscrevemos o juízo assim formulado. Por um lado porque consideramos que a 1ª instância está efetivamente em melhores condições para apreciar a prova, dado o contacto visual que pode manter com depoentes. Por outro lado, porque, do Artº 662º/1 do CPC resulta claramente que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
A tónica deve pôr-se neste segmento normativo – “impuserem decisão diversa”.
Decorre daqui que ainda que a prova possa comportar outra decisão, tal não basta. A prova reapreciada tem que impor distinta decisão.
Ora, da conjugação de todas as provas não vemos que seja, em presença delas, um imperativo dar como não provada a matéria em referência.
Não só porque estava montado um andaime e existia no local a máquina para limpeza, como também porque não faria sentido colocar o trabalhador em obra para os efeitos adiantados pelo R.
Improcede, pois, a impugnação, também na parte em que se menciona o GG. Muito embora a presença deste seja refutada pelo R., ela vem mencionada no Inquérito da ACT (fls. 164)
E passamos ao ponto 9, onde se menciona:
9. O Réu não tinha e consequentemente não entregou ao A. nem ao GG qualquer equipamento de proteção individual, nomeadamente arnês de segurança.
Acerca desta matéria respondeu o A. que não pôde recusar subir ao telhado porque tinha crianças em casa com fome e que o patrão lhe disse “Ou sobes ou podes ir e não ganhas o teu dia”. Razão pela qual não recusou subir sem proteção alguma.
A testemunha CC, que se deslocou ao local, a chamado da GNR confirmou a inexistência de equipamento de proteção.
O próprio R. confirma a inexistência dos equipamentos e que “iria trazer aquilo que se usa para os telhados, que é uma coisa que se mete à cintura, é com uma cinta…”
Em presença das provas não há qualquer dúvida acerca do acerto da resposta em referência. Improcede, neste ponto, a impugnação.
Quanto ao ponto 10, que apresenta o seguinte conteúdo:
10. No cumprimento das ordens e orientações emanadas pelo Réu, o A. e o GG subiram para o telhado através do andaime que se encontrava na parte da frente da moradia.
Indica-se o depoimento do R. e o de EE que, como acima já vimos negam a presença do GG e refutam as ordens para subir ao telhado.
Pelos motivos já adiantados mantém-se a resposta.
Relativamente ao ponto 11, que tem a seguinte redação:
11. Aí chegados, e na execução do determinado pelo Réu, o GG foi colocando o ácido muriático no telhado, enquanto o A. lavava o telhado com a máquina de pressão.
Pelos mesmos fundamentos, não se modifica a decisão.
Avançamos com o ponto 14, a saber:
14. Cerca das 8H30, quando executava a tarefa para a qual tinha sido contratado, o A. escorregou no telhado e caiu de uma altura de cerca de 10 metros da cota da soleira.
Voltamos ao depoimento de DD que assevera ter sido posto o anúncio para contratação de um servente e não para limpar o telhado.
Daí não emerge que o facto relatado neste ponto não tenha ocorrido e não emerge que a um servente não possa ter sido ordenado aquele trabalho.
Quanto ao ponto 22 que tem a seguinte redação:
22. Com alta a 04/07/2019.
Vem indicada uma troca de argumentos entre o mandatário do R. e o Sr. Juiz.
Como deveria parecer óbvio tal atividade não tem nem pode ter quaisquer reflexos na prova. Assim, não se indicando qualquer meio probatório, rejeita-se, nesta parte, a impugnação (Artº 640º/1-b) do CPC.
E, por último, o ponto 24:
24. O Autor requereu alta médica após internamento hospitalar a 08/09/2018.
Indica-se o depoimento do A. do qual consta ter saído do hospital, abandonado e assinado a alta médica e ter ido à ACT fazer queixa.
A fls. 7 consta uma Nota de Alta com data de 8/09/2018 e a anotação “Saída contra parecer do médico”.
Donde, a resposta em causa não merece censura.
***
OS FACTOS:
1. O autor celebrou com o réu um contrato de trabalho nos termos do qual se obrigou ao exercício das funções de servente de construção civil sob as ordens, direção e fiscalização do reu.
2. No dia 6-9-2018, por determinação do réu, o autor encontrava-se numa obra sita na Rua…, para executar as suas funções de servente.
3. Quando, pelas 8h30m e encontrando-se a proceder à limpeza de um telhado, caiu de uma altura de cerca de dez metros.
4. O reu não tinha celebrado contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho e com referência à prestação acordada com o autor.
5. Autor e Réu convencionaram a retribuição base de € 30,00 por dia.
6. O Réu havia sido contratado para efetuar algumas reparações e limpeza no imóvel sito em Rua…
7. No dia 6 de setembro de 2018, logo pela manhã, o Réu foi buscar o A. a um café em Tomar e levou-o até a uma vivenda de um cliente que o contratara para proceder à limpeza do telhado da sua habitação, sita na Rua….
8. Ali chegado, o Réu deu ordem ao A. e ao seu colega de trabalho GG para subirem para o telhado através de um andaime que ali se encontrava, afim de procederam à limpeza do telhado, utilizando para o efeito ácido muriático e uma máquina de lavar à pressão.
9. O Réu não tinha e consequentemente não entregou ao A. nem ao GG qualquer equipamento de proteção individual, nomeadamente arnês de segurança.
10. No cumprimento das ordens e orientações emanadas pelo Réu, o A. e o GG subiram para o telhado através do andaime que se encontrava na parte da frente da moradia.
11. Aí chegados, e na execução do determinado pelo Réu, o GG foi colocando o ácido muriático no telhado, enquanto o A. lavava o telhado com a máquina de pressão.
12. O que faziam sem a utilização de qualquer equipamento de proteção individual, designadamente arnês de segurança amarrado a um ponto fixo e sem que a moradia dispusesse de qualquer proteção coletiva,
13. Sendo que o telhado do imóvel, distava cerca de 10 metros do solo, era inclinado e era “corrido”, isto é, não tinha qualquer “beiral” de proteção, o que era do conhecimento do Réu.
14. Cerca das 8H30, quando executava a tarefa para a qual tinha sido contratado, o A. escorregou no telhado e caiu de uma altura de cerca de 10 metros da cota da soleira.
15. Vindo a embater desamparado no empedrado existente à volta do imóvel.
16. O A. foi transportado para o hospital de Abrantes, onde foi de imediato assistido e posteriormente transferido para o Hospital de S. José em Lisboa, onde esteve internado no Serviço de Maxilo-Facial até ao dia 08/09/2018.
17. Resultou para o A. em consequência do acidente traumatismo facial sem perda de consciência, fratura do seio frontal, parede anterior, com afundamento imagiológico e aparente envolvimento do ducto/recesso frontal, fratura do teto da órbita esquerda e parede interna orbita bilaterais, fratura das CZM bilaterais (poupa pilar infra-orbitário direito e nasomaxilares bilaterais), fratura dos ossos próprios do nariz e septo nasal e fratura parasagital direita e do palato, fratura do inciso central e eventual avulsão inciso lateral e feridas inciso-contusas da mucosa vestíbulos 1.2 e 3º Qs e lábio inferior.
18. E resultaram como sequelas fratura da pirâmide nasal (com obstrução nasal), com desvio de septo, afundamento do malato à esquerda e perda de 6 peças dentárias.
19. O A. pagou as viagens com as deslocações que fez ao GML (3 vezes), e as viagens (4 vezes) que fez quando realizou exames médicos de especialidade a Lisboa, solicitados pelo ilustre perito médico do Tribunal.
20. Pela assistência que lhe foi prestada, o Centro Hospitalar M. Tejo o A. terá de pagar a quantia de 748,15€.
21. O Autor encontra-se afetado por uma IPP de 25% desde a data da alta.
22. Com alta a 04/07/2019.
23. O período de ITA entre os dias 07/09/2018 e 03/07/2019, no total de 300 dias.
24. O Autor requereu alta médica após internamento hospitalar a 08/09/2018.
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O DIREITO:
Em sede estritamente jurídica elencámos duas questões. Passamos, pois, à respetiva discussão e análise.
Assim, com o número 3 teremos que dar resposta ao seguinte – Existiu consciência do ato determinante do evento e das suas consequências e vontade livre de o praticar por parte do A.?
Tal afirmação enforma a conclusão oo., apontando a conclusão pp. para a descaracterização do acidente por força do consignado no Artº 14º/1-a) 2ª parte da Lei 98/2009 de 4/09.
Antes de avançarmos impõe-se, porém, um esclarecimento.
Neste grupo de conclusões – constituído pelas conclusões ee. a uu.-, encimado pelo título “Violação do Artº 8º da Lei 98/2009 de 4/09”, são tecidos argumentos a propósito do conceito de acidente de trabalho. Contudo, e não obstante a aparência daí resultante, não se põe em causa a qualificação do evento como tal.
Em sede de alegações afirma-se que o Tribunal a quo não foi equitativo, tendo condenado o aqui Apelante com base em opiniões e suposições e que a imparcialidade não vigorou na decisão do processo; produzem-se vários considerandos acerca do conceito de acidente de trabalho, foca-se o conceito de negligência grosseira com reporte aos Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 09/6/2010, Proc.º n.º 579/09.1YFLSB, 11/02/2015, cita-se doutrina sobre este conceito, parte-se para considerandos sobre a causa de descaracterização do Artº 14º/1-a) 2ª parte, cita-se doutrina a propósito da mesma, e afirma-se que para todas as funções que foram diretamente atribuídas ao autor, estavam reunidas as condições de segurança necessárias. Conclui-se esta parte das alegações nos seguintes termos: No caso em apreço deu-se como provado que o Autor sofreu um acidente no tempo e local de trabalho e como resultado desse trabalho que estava a ser desempenhado, ignorando a culpa grave do Autor ao subir ao telhado desrespeitando as ordens da sua entidade patronal, ora Apelante, ou havendo, pelo menos, negligência grosseira do Autor no desrespeito dessas ordens, e ao subir ao telhado por sua livre iniciativa e sem material de proteção e segurança, não podemos caracterizar este sinistro como acidente de trabalho.
Resulta daqui que por um lado se sustenta a culpa grave do A. na produção do evento e, por outro, a negligência grosseira.
Ora, a negligência grosseira não é questão que emerja das conclusões. Não obstante se tecerem considerandos acerca desta – conclusões kk. a nn.-, é uma evidência que a mesma não é ali afirmada. Das conclusões emerge, como dito, a questão que elencámos e sobre ela nos deteremos, visto que, também como supra mencionado, a delimitação do objeto do recurso é feita nas conclusões.
Antes de avançarmos ainda uma palavra para a iniquidade do Tribunal afirmada pelo Apelante.
O recurso é um meio de impugnar decisões judiciais.
A demonstração da falta de sustentação fática da decisão faz-se no âmbito da impugnação da decisão de facto, dispensando queixas sem sustentação em provas. A impugnação que o Apelante efetuou da matéria de facto revelou-se improcedente pelas razões que ficaram ditas. Cumpre agora apreciar o enquadramento jurídico efetuado, sem prejuízo de deixarmos bem explícito que o Apelante não sustentou neste recurso o aditamento de algum facto.
Vejamos então!
O Artº 14º/1-a) da Lei 98/2009 dispõe que o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei.
Sobre a descaracterização do acidente tendo por base este normativo discorreu-se na sentença nos seguintes termos:
Neste ponto cumpre notar o que sobre este ponto foi observado no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-01-2017, relatado por VERA MARIA SOTTOMAYOR, processo n.º 1907/14.3T8GMR.G1, disponível em www.dgsi.pt: “No que respeita à descaracterização do acidente nos termos previstos na al. a) 2ª parte do n.º 1do artigo 14º da NLAT, a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a descaracterização só ocorre, nesta situação, se se verificarem cumulativamente os seguintes requisitos:
1 - Que sejam voluntariamente violadas as condições de segurança, exigindo-se aqui a intencionalidade ou dolo, na prática, ou omissão, o que exclui as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração, esquecimento, ou outras atitudes que se prendem com os atos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco.
2- Que a violação das condições de segurança sejam sem causa justificativa (do ponto de vista do trabalhador), o que passa pelo claro conhecimento do perigo que possa resultar do ato ou omissão, a causa justificativa ou explicativa não tem que ter um carácter lógico ou normal em relação à atividade laboral; pode ser uma brincadeira a que não se associam consequências danosas, uma inadvertência ou momentânea negligência, uma imprudência, ou mesmo um impulso instintivo ou altruísta.
3- Que as condições de segurança sejam estabelecidas legalmente ou pela entidade patronal.
4- Que se verifique que o acidente seja consequência necessária do ato ou omissão do sinistrado.
É de realçar que o ónus da prova dos factos que importam a descaracterização incumbe à entidade responsável pela reparação.
A violação das regras de segurança estabelecidas por lei contemplada no n.º 1 al. a) do artigo 14º da NLAT deve ser entendida como abarcando as normas ou instruções que visam acautelar e prevenir a segurança dos trabalhadores, tendo em vista a eliminação ou diminuição dos perigos/riscos para a saúde vida ou integridade física do trabalhador, razão pela qual não podemos concluir que a violação pelo trabalhador de qualquer norma prevista na lei dá lugar à descaracterização do acidente. A violação terá de ser de norma legal que vise acautelar ou prevenir a segurança dos trabalhadores abrangendo apenas as que se conexionam com o risco da atividade profissional exercida, as que estão de alguma forma ligadas à própria execução do trabalho que o sinistrado se obrigou a prestar no exercício da sua atividade.
Transpondo esse raciocínio para o caso em apreço teria o Réu de demonstrar que o Autor se recusou a usar equipamento de proteção, ou que o mesmo ignorou esse equipamento que havia sido fornecido. Ora, no caso em apreço não ficou demonstrada a violação de qualquer regra de segurança. Não resultou provado que o Réu tenha estabelecido uma concreta regra de segurança que tenha sido infringida.
Que dizer?
No concernente aos pressupostos de aplicação do normativo em referência não muito mais do que aquilo que ficou dito através da transcrição do supra mencionado acórdão. Neste sentido o Ac. desta RLx. de 25/10/2023, Proc.º 336/21.7T8SNT[2] ou da RG de 12/02/2015, Proc.º 679/11.8TTVNF[3].
Cumpre ainda reforçar o ónus probatório a cargo da parte que se queira valer da descaracterização – ou seja, nos termos do disposto no Artº 342º/2 do CC cumpre ao réu a alegação e prova de todos os pressupostos que enformam a descaracterização do ato como acidente de trabalho.
Significa isto que competia provar a violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou decorrentes da lei.
Ora, salienta-se que, tendo impugnado a decisão que incidiu sobre a matéria de facto, o Apelante apenas insistiu na resposta de não provado a um conjunto de factos. Não formulou qualquer pedido de provado a alguma matéria que pudesse enformar os pressupostos de aplicação do normativo a que apela. Circunstância que leva a que faleça a sua argumentação.
Explicando mais detalhadamente!
O acidente que ocorra no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, tem-se como de trabalho (Artº 8º/1).
Contudo, a lei consagra algumas causas de exclusão da responsabilidade, entre as quais, e no que por ora releva, a violação de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou pela lei.
É assim que, por força do que dispõe o Artº 14º/1-a), o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que provier de ato ou omissão do trabalhador, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas por aquele.
O nº 2 da mencionada disposição esclarece ainda o que deva entender-se por causa justificativa – aquela que resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
A jurisprudência dos tribunais superiores, desde há algum tempo assentou em que a exclusão de responsabilidade assim prevista assenta em quatro pressupostos de verificação cumulativa, a saber, (a) existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (b) ato ou omissão do sinistrado que importe a violação dessas condições de segurança; (c) voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa; (d) nexo causal entre o ato ou omissão do sinistrado e o acidente.
No caso concreto, não vemos que o acervo fático seja revelador da existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador – o que parece ser o pressuposto de alegação do Apelante – ou da inexistência de alguma causa justificativa da violação perpetrada.
Dos factos apenas decorre a existência do acidente traduzido numa queda em altura, acidente que teve como sequelas as ali descritas e que ocorreu na sequência de ordens dadas no sentido da execução de um certo trabalho.
Como se vê não resulta da matéria fáctica a aludida vontade livre de o trabalhador sofrer ou assumir a possibilidade de sofrer a queda que o lesionou, o desrespeito por alguma ordem e a inexistência de alguma causa para tal desrespeito.
Nada vem, pois, provado no sentido de preenchimento dos pressupostos exigidos pelo já transcrito nº 1-a) do Artº 14º.
Concluindo, não provados os pressupostos fáticos de aplicação da invocada causa descaracterizadora, a sentença, deste ponto de vista, não merece censura.
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Por último a questão selecionada em 4º lugarNão estão preenchidos os pressupostos do Artº 18º/1, 2ª parte da Lei 98/2009 de 4/09?
Alega o Apelante que o Tribunal recorrido afirmou que não resultou provado que o R. tenha estabelecido uma concreta regra de segurança que tenha sido infringida. Porém, o A. não cumpriu as ordens e/ou tarefas que lhe foram dadas.
Esta parte da impugnação pressupunha a prova da alegação do R. no sentido de o A. não ter cumprido com as ordens que lhe foram dadas.
Porém, em parte alguma do acervo fático resulta demonstrado tal facto, pelo que sobre o mesmo dispensamos outros comentários, sublinhando apenas, como aliás já acima fizemos, que o Apelante não impugnou a decisão de facto no sentido do aditamento de qualquer matéria essencial á decisão.
Defende ainda o Apelante que o Tribunal andou mal quando afirmou que o R. violou os princípios gerais que obrigam a assegurar aos seus trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando medidas necessárias de prevenção. Assenta esta conclusão na prova que diz ter sido produzida. Ou seja, parte, mais uma vez de pressupostos fáticos não demonstrados.
Ainda o Apelante alega que o Tribunal recorrido não identificou as normas ou regras de segurança que deveriam ter sido observadas por si, pelo que não pode concluir terem sido violadas regras de segurança.
Detenhamo-nos sobre este argumento!
De acordo com o que se dispõe no Artº 18º/1, tendo o acidente resultado da falta de observação de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, a responsabilidade decorrente da lei é agravada e incide, em primeira linha, sobre o empregador (Artº 37º/2).
Como pressupostos de aplicação deste normativo temos, pois, a inobservância por parte do empregador de alguma regra sobre segurança, higiene e saúde e, bem assim, o nexo causal entre esta e o acidente.
É, assim, necessário, que se estabeleça um nexo causal entre o acidente e a inobservância das regras sobre segurança, isto é, não basta que ela ocorra, impõe-se que ela seja determinante na produção do evento. Neste sentido o Ac. do STJ de 3/11/2023, Proc.º 151/21.8T8OAZ. Donde, estar afastada a possibilidade de enquadramento neste título de responsabilidade de todas e quaisquer violações de princípios ou normas sobre segurança se de tal violação não resultar o evento
A lei exige, pois, nesta matéria, que a violação ou inobservância de regras de segurança seja determinante do acidente, pelo que a primeira operação de subsunção do caso à lei aplicável consiste na determinação da norma de segurança violada.
A este propósito cabe, desde já, salientar que a lei não se basta com a violação de um qualquer dever de cuidado ou de alguma genérica obrigação de segurança. Tais violações inserem-se nos riscos próprios da atividade e são absorvidas pela responsabilidade geral (objetiva) decorrente de acidentes de trabalho. Neste sentido o Ac. do STJ de 13/10/2016, Proc.º 443/13.0TTVNF.
O que no Artº 18º da LAT se prevê é a responsabilidade decorrente da concreta violação de uma específica regra de segurança, causal do acidente.
Daí que a argumentação do Apelante mereça ponderação.
O Tribunal recorrido concluiu estar verificada a violação de regras de segurança por parte da Empregadora. Para o efeito ponderou o seguinte:
Considerando novamente o manancial factual provado, verifica-se que o Sinistrado quando lavava o telhado caiu de uma altura de 10 metros. Mais se provou que o Réu não forneceu equipamento de proteção individual e o local da obra não tinha qualquer meio de proteção coletiva.
Nos termos do art.2.º, al.c), do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de outubro, a disciplina nele prevista é aplicável às operações de limpeza de edifícios.
Nos termos do art.44.º, do Regulamento: “No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
§ 1.º As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança. As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente.
§ 2.º Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção.”
Ora, no caso em apreço, e independentemente do resultado e da sua efetiva utilização conclui-se que a arguida não disponibilizou as medidas de proteção adequadas considerando o local onde estava a ser efetuado o trabalho.
Como se vê pelo presente extrato não corresponde à verdade que a sentença não tivesse identificado a concreta norma de segurança violada.
É cristalino que a identificou cabalmente.
Assim, violada a dita norma por parte do Apelante, cumpre determinar se a violação é causal do acidente.
   Sobre tal temática também a sentença discorreu ponderando:
Verificada a violação de regras de segurança por parte do Empregador cumpre apurar da existência de nexo de causalidade entre a omissão e o sinistro. Dito de outra forma terá de se demonstrar que o sinistro ocorreu como concretização de um risco existente por incumprimento daquelas regras.
Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16-11-2017, processo n.º 63/14.1TTGMR.G1, relatado por VERA SOTTOMAYOR “Com efeito, como já acima referimos, não basta que se verifique a inobservância de uma qualquer regra sobre segurança, higiene e saúde o trabalho imputável ao empregador para que este possa ser responsabilizado de forma agravada pelas consequências do acidente, é imprescindível que se alegue e se prove o nexo de causalidade entre a inobservância das regras e a produção do acidente por força do estabelecido no citado artigo 18.º da NLAT.
O artigo 563.º do Código Civil sob a epígrafe «Nexo de causalidade», ao prever que « [a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», alicerçando a solução legislativa na probabilidade de não ter havido prejuízo se não fosse a lesão, revela que foi acolhida a teoria da causalidade adequada, na sua formulação mais generalizada e segundo a qual só deve considerar-se como causa jurídica do prejuízo a condição que, pela sua natureza e em face das circunstâncias do caso, se mostre apropriada para o gerar, razão pela qual, no juízo de prognose a realizar, se deve ponderar se, em condições regulares, o resultado lesivo é uma consequência normal típica, provável da conduta ou omissão concretamente verificada.”
No caso em apreço não restam dúvidas quanto ao nexo de causalidade.
O acidente – queda no solo - não teria ocorrido se o Autor estivesse preso a algum ponto fixo ou se existissem no local os equipamentos de proteção coletiva.
Muito além da causalidade sine qua non cumpre observar a “teoria da causalidade adequada”, expressamente acolhida no no artigo 563.º do Código Civil. Para o efeito terá que se atender a todo o processo causal para concluir que, em abstrato, a ação ou omissão era adequada a produzir aquele resultado.
Ora, no caso em apreço terá de se considerar que existe este nexo causal também por esta via. De facto, a existência de equipamento de proteção de queda em altura visa exatamente acautelar o risco de queda.
É obrigação do empregador velar pela execução do trabalho em perfeitas condições de segurança.
Provou-se que o Réu deu ordem ao A. para subir para o telhado através de um andaime que ali se encontrava, afim de proceder à limpeza do telhado, utilizando para o efeito ácido muriático e uma máquina de lavar à pressão. O Réu não tinha e consequentemente não entregou ao A. nem ao GG qualquer equipamento de proteção individual, nomeadamente arnês de segurança. Com o que violou a norma já referida.
No cumprimento das ordens e orientações emanadas pelo Réu, o A. e o colega subiram para o telhado através do andaime que se encontrava na parte da frente da moradia. Aí chegados, e na execução do determinado pelo Réu, enquanto um colocava o ácido muriático no telhado, o outro – no caso o A. - lavava o telhado com a máquina de pressão. O que faziam sem a utilização de qualquer equipamento de proteção individual, designadamente arnês de segurança amarrado a um ponto fixo e sem que a moradia dispusesse de qualquer proteção coletiva.
Ora, distando o telhado cerca de 10 metros do solo, sendo inclinado e “corrido”, circunstâncias que eram do conhecimento do Réu, estavam reunidas as condições para, sem equipamento de proteção, alguém escorregar, como escorregou, vindo a cair de uma altura de cerca de 10 metros da cota da soleira.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 12/11/2009, “a apreciação do nexo de causalidade envolve dois patamares. O primeiro prende-se com a determinação naturalística dos factos, em ordem a determinar a sua causa-efeito e constitui matéria de facto... e que, por isso, implica uma avaliação de prova. O segundo implica o confronto daquela sequência cronológica com as regras jurídicas que delimitam o conceito de causalidade adequada, o que já é uma operação de subsunção jurídica.”
Significa isto, que constituindo, em abstrato, como acima se disse, a inobservância da regra a cargo do empregador condição idónea à ocorrência de sinistros, o que levará à conclusão deste nexo causal, em concreto será necessário que a factualidade seja reveladora de modo a permitir estabelecer a correspondência entre a inobservância da regra e a ocorrência. O que, como vimos, é uma conclusão lógica a extrair da matéria de facto.
Com o que não podemos deixar de concluir que a queda foi resultado da falta de observação de regras de segurança no trabalho por parte do empregador. Daí que a sua responsabilidade se agrave nos termos do disposto no Artº 18º/1 da LAT conforme decidido.
Improcede, deste modo, a apelação.
<>
Considerando que a apelação improcedeu, o Apelante deverá suportar as respetivas custas (Artº 527º do CPC).
*
Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença.
Custas pelo Apelante.
Notifique.

Lisboa, 6/03/2024
MANUELA FIALHO
MARIA LUZIA CARVALHO
ALVES DUARTE

[1] É o seguinte o teor de tal arrazoado:
www. No sentido da jurisprudência, e mais especificamente, de acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-11-2019, Processo n.º 107/17.5T8MMV.C1.S1, “V. — Em relação aos danos não patrimoniais, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º, n.º 4, do Código Civil). A equidade funciona como único recurso, “ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar, a saber: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (por exemplo, a natureza e a intensidade e da lesão infligida) ”.”
xxx. O Douto Acórdão, ainda refere que, “Visto que o Código Civil não contém quaisquer tabelas que estabeleçam montantes de indemnização em função da gravidade dos danos e que a compensação devida pelos danos não patrimoniais prevista na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, serve para efeitos de apresentação aos lesados, por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, por parte das seguradoras, não afastando a fixação de valores superiores aos aí previstos (n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º da Portaria), os tribunais procuram alcançar a equidade, a proporcionalidade na fixação da indemnização, recorrendo ao que é decidido, especialmente pelo Supremo Tribunal de Justiça, em casos análogos. Este caminho tem apoio no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, que estabelece que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” e no princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei (n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa. […]” (sublinhado e negrito nossos)
yyy. No que diz respeito à Condenação no pagamento de quanto à IPP o capital de remição correspondente a pensão anual e vitalícia no montante de € 2.100,00, € 6.904,11 a título de acertos das incapacidades temporárias, € 70,00 a título de despesas de deslocação e € 748,15 a título de despesas médicas, teria o Autor que pagar no imediato € 7.722,22 (sete mil setecentos e vinte e dois euros e vinte e dois cêntimos) e ainda, de forma permanente, anual e vitalícia, pagar no montante de € 2.100,00 (dois mil e cem euros).
zzz. Deste modo, verifica-se que no caso vertente temos um Sinistrado nascido a 03/11/1986, com um histórico de acidentes e comportamentos desviantes, tendo o tribunal ignorado o histórico do sinistrado, atribuindo todas as lesões ao acidente, contudo e tendo por base o ano de nascimento do sinistrado a sua esperança de vida à nascença total é de 73,4 anos, em média o Alegante estará 37 anos a pagar uma pensão vitalícia ao Autor, o que perfaz um montante esperado de € 78.540,00 (setenta e oito mil, quinhentos e quarenta euros).
[2] Com relato da ora Relatora
[3] Idem