Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3862/2007-6
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: COISA DEFEITUOSA
CONSUMIDOR
COMPRA E VENDA
GARANTIA DE BOM FUNCIONAMENTO
PRESCRIÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/31/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1 – O regime previsto no Código Civil não é o único que rege a venda de coisas defeituosas. A venda de bens de consumo conhece variadas especificidades, nomeadamente a Directiva 1994/44/CE, que veio regular determinados aspectos dessa venda e das garantias dos consumidores, vindo a ser transposta para o direito interno pelo DL n.º 67/2003, de 8 de Abril.
2 – A Directiva apenas se reporta à venda de bens de consumo, aplicando-se apenas quando o comprador seja consumidor, ficando excluídos todos os consumidores que sejam pessoas jurídicas bem como as pessoas singulares que actuem no âmbito da sua actividade profissional.
3 – O vendedor responde pelo “defeito” existente no momento em que entrega o bem ao consumidor, presumindo-se que as faltas de conformidade que se manifestem no período da garantia já existiam no momento da entrega, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.
4 – As garantias voluntárias ou de bom funcionamento são aplicáveis em tudo o que possa conferir mais e melhor protecção ao consumidor, mas não afasta, nem pode afastar o conteúdo (mínimo) da garantia legal.
5 – Um dos meios de tutela do consumidor é a resolução do contrato, que pode ser exercido mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.
6 – O consumidor goza também do direito de ser indemnizado, podendo essa faculdade ser usada isoladamente ou em conjunto com outros direitos, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
7 – O direito do comprador à resolução do contrato de compra e venda de automóvel que apresenta defeitos no sistema hidráulico não depende da existência do nexo de causalidade entre o defeito do sistema de travões e o acidente em que o defeito foi detectado. O vendedor é responsável pelo defeito, quer o mesmo fosse ou não causa do acidente ou mesmo que o acidente não tivesse ocorrido.
(G.F.)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:
1.
M apresentou reclamação, no Centro de Arbitragem do Sector Automóvel, contra Sociedade “ Automóvel L. da”, alegando, em síntese, que a reclamada vendeu ao reclamante, em 3 de Agosto de 2005, o automóvel usado marca Daihatsu, modelo Terios, matrícula ND, pelo preço de € 7.500, que o reclamante pagou. Acrescenta que, à data da venda o automóvel tinha 62.471 Kms de uso, tendo ambas as partes subscrito uma garantia de bom funcionamento, em 5 de Agosto de 2005, pelo período de um ano, que abrangia, entre outros sistemas, o conjunto do circuito de travagem.
Entretanto, em 27 de Agosto de 2005, cerca das 22,50 h, o reclamante conduzia o referido automóvel na estrada municipal n.º 1190, a cerca de um quilómetro da localidade de Cambas, concelho de Oleiros, no sentido Pisoria – Cambas, apresentando-se a estrada, naquele local, atento o sentido de marcha, em descida com muita inclinação, o piso estava seco e o espaço visível não era reduzido.
Ora, dada a acentuada inclinação da via, o reclamante accionou o travão de pé da mencionada viatura para reduzir a velocidade de circulação, mas o sistema de travagem da viatura não funcionou, o que o obrigou a direccioná-la contra uma barreira existente no lado esquerdo do seu sentido de marcha, em ordem a imobilizá-la.
Após o embate na barreira, o automóvel capotou, sendo que os airbags não funcionaram e, no momento do sinistro, o conta – quilómetros da viatura marcava 64.723 Kms.
A falta de funcionamento do sistema de travagem foi causado por falta de pressão de óleo da bomba do travão da roda da frente do lado esquerdo, tendo, por sua vez, a falta de pressão resultado de uma fuga de óleo no tubo flexível condutor de óleo entre a suspensão e a bomba de travão, em virtude de o referido tubo estar desapertado.
Conclui, pedindo a resolução do contrato de compra e venda do automóvel, com a consequente restituição pela reclamada do preço de € 7.500, acrescidos de juros à taxa legal e do custo da peritagem requerida, ou, em alternativa, que a reclamada reponha o automóvel em bom estado de funcionamento no que toca ao mencionado sistema de travagem e à reparação dos airbags, bem como a indemnizá-lo dos prejuízos sofridos pelo acidente e custo de peritagem, prejuízos aqueles a apurar em liquidação de execução de sentença.

A reclamada, não obstante ter sido notificada para contestar, nada disse, limitando-se a apresentar uma carta, datada de 18 de Janeiro de 2006, na qual declina a responsabilidade pelo sinistro, por o acidente não lhe poder ser imputado.

O reclamante requereu a peritagem do automóvel, cujo relatório foi junto a fls. 137, tendo a reclamada requerido que o perito fosse ouvido em audiência.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença, julgando o Exc. mo Árbitro a reclamação procedente e provada e, em consequência, declarou resolvido o contrato de compra e venda, que reclamante e reclamada haviam outorgado e condenou a reclamada a restituir ao reclamante o preço de € 7.500, acrescido de juros à taxa legal, desde 3 de Agosto de 2005 até efectivo pagamento. E mais condenou a reclamada a pagar ao reclamante a importância de € 181, 26, que este pagou a título de caução pela peritagem efectuada ao seu automóvel.

Inconformada, apelou a reclamada, formulando as seguintes conclusões:
1ª – Não se encontra provada a inexistência de conformidade do bem com o contrato, pelo que não pode o reclamante invocar o direito de resolver o contrato de compra e venda e muito menos a obrigação da reclamada ser condenada a indemnizar.
2ª – Da decisão recorrida não resulta de forma clara e inequívoca, como deveria, a existência de nexo de causalidade entre a eventual anomalia no veículo e a ocorrência do acidente.
3ª – Não tendo sido declarada a existência de nexo de causalidade entre a anomalia e o acidente, não poderia o Sr. Árbitro condenar a apelante na resolução do contrato de compra e venda e consequente pagamento de indemnização, devendo por isso a sentença ser declarada nula.

A reclamada contra – alegou, defendendo a bondade da resolução.
2.
Tendo em conta a prova pericial, documental e testemunhal, foram considerados provados pelo Tribunal Arbitral os seguintes factos:
1º - A reclamada vendeu ao reclamante, em 3 de Agosto de 2005, o automóvel usado marca Daihatsu, modelo Terios, matrícula ND, pelo preço de 7.500 €.
2º - O automóvel foi entregue ao reclamante, em 5 de Agosto de 2005, com 62.471 Kms de uso, tendo reclamante e reclamada subscrito nesta data a garantia de fls. 81.
3º - A garantia foi acordada por um período de doze meses e abrangia, entre outros componentes, o conjunto do circuito de travagem (fls. 81).
4º - Em 27 de Agosto de 2005, pelas 22,50 h, o reclamante circulava com o automóvel na estrada municipal 1190, no sentido Pisoria – Cambas.
5º - No dia e hora referidos, o reclamante foi obrigado a direccionar o automóvel para uma barreira sita no lado esquerdo da estrada, para imobilizá-lo, em virtude de ter ficado sem travões numa descida acentuada.
6º - Após o que o automóvel capotou e ficou imobilizado.
7º - O local do acidente tinha boa visibilidade, o piso estava seco e a inclinação era de 15%.
8º - A fuga de fluído detectada no terminal do tubo flexível do sistema de travagem da roda dianteira esquerda provocou a diminuição do nível de fluido dos travões e a perda total de pressão no pedal do travão de serviço (fls. 136).
9º - Como o veículo dispõe de dois circuitos independentes de travões, a perda total de pressão no pedal de serviço deveu-se à ausência de antepara no reservatório da bomba principal dos travões (fls. 136).
10º - A perda de pressão no pedal do travão de serviço foi provocada pela diminuição do nível de fluído de travões nos dois circuitos de travagem (fls. 136).
11º - Apesar da perda de travões não retirar a direccionalidade do veículo, esta contribuiu para a ocorrência do acidente (fls. 136).
12º - No momento do acidente, o flexível que liga a suspensão à bomba de travão da roda dianteira esquerda estava desapertado, o que causou a falta de pressão de óleo e o consequente acidente (fls. 75).
13º - A fuga total de óleo deu-se através do olhal, peça esta redonda na qual encaixa um parafuso que o aperta contra o macaco do travão, designado tecnicamente por bombito.
14º - O flexível do travão é um tubo em borracha que faz a ligação à bomba do travão, junto da qual se encontra o olhal.
15º - A manobra efectuada pelo reclamante no momento do acidente foi a única adequada para evitar danos maiores, incluindo o risco de vida, já que o lado direito da estrada tinha um declive de cerca de 500 metros até à ribeira.
16º - A opção de seguir em frente aumentaria incontrolavelmente a velocidade do veículo e envolvia um risco maior de danos corporais e materiais.
17º - No momento do acidente os airbags do automóvel não dispararam.
3.
Uma vez que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente (artigos 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 CPC), interessa, in casu, saber:
1ª – Se há ou não “inexistência de conformidade” do bem (o veículo vendido pela reclamada à reclamante) com o contrato de compra e venda do mesmo;
2ª – Se da decisão recorrida resulta ou não de forma clara e inequívoca a existência de nexo de causalidade entre a eventual anomalia no veículo e a ocorrência do acidente;
3ª – Se, não tendo sido declarada a existência de nexo de causalidade entre a anomalia e o acidente, poderia ou não o Sr. Árbitro condenar a apelante na resolução do contrato de compra e venda e consequente pagamento de indemnização.
4.
Ao propor a acção, o autor formulará a pretensão de tutela jurisdicional que visa obter e exporá as razões de facto e de direito em que a fundamenta.
O pedido é, assim, o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor e a causa de pedir é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido.
Na sua forma mais simples, o pedido é certo ou fixo. Mas permite a lei que o autor possa formular um pedido que não é certo ou fixo mas alternativo (cfr. artigo 468º, n.º 1 CPC).

Os pedidos alternativos opõem-se, portanto, aos pedidos certos ou fixos.
Verifica-se um caso de pedidos alternativos quando num mesmo processo se formulam duas ou mais pretensões, disjuntivamente, para vir a ser satisfeita em última análise apenas uma.
A alternatividade resulta das características da própria relação material.
Assim, o autor, ainda que a escolha lhe pertença, pode pedir ao tribunal que o réu seja condenado em alternativa em dois casos:
a) – Quando o seu direito seja em alternativa (“por sua natureza ou origem”);
b) – Quando o seu direito (que não pode ser de crédito, note-se) se resolva em alternativa por mora debitoris.

Reportando-nos ao caso concreto, verifica-se que, na sua reclamação de fls. 88, o reclamante pede a resolução do contrato de compra e venda do automóvel, atrás referido, e a condenação da reclamada na restituição do preço de 7.500 €, acrescida de juros à taxa legal, bem como do custo da peritagem.

Em alternativa, pede que a reclamada seja condenada a indemnizá-lo por todos os prejuízos decorrentes do sinistro, a liquidar em execução de sentença, bem como pelo pagamento do custo da peritagem.
O reclamante formula, então, duas pretensões disjuntivamente, para vir a ser satisfeita em última análise apenas uma.
E, de facto, a sentença satisfez apenas a primeira das pretensões formuladas, não conhecendo, por imperativo legal, da segunda.
Logo a sentença é apenas desfavorável para a reclamada, na exacta medida em que esta pretensão foi satisfeita, o que significa que o recurso apenas se pode cingir à decisão que sobre esta pretensão recaiu.

Com efeito, quanto ao objecto do recurso, o princípio a salientar é que ele só pode abranger a parte desfavorável da decisão (cfr. artigo 682º, n.º 1 CPC).
Se não houver limitação do objecto no requerimento de interposição do recurso, entende-se que este abrange toda a parte que for desfavorável ao recorrente (artigo 684º, n.º 2 CPC).
Donde, não tendo sido apreciada, (aliás nem o podia ser), pela 1ª instância, a segunda pretensão apresentada pelo reclamante, (porque o foi em alternativa), não se pode pretender que a Relação se venha a debruçar sobre os factos concretos que serviam de fundamento a esta última pretensão da reclamante.

Vale isto para dizer que o direito do Apelado à resolução do contrato de compra e venda da viatura não depende da existência de nexo de causalidade entre o defeito do sistema de travões e o acidente em que o defeito foi detectado.
Ora, como no essencial, a Apelante sustenta que, não tendo sido declarada a existência de nexo de causalidade entre a anomalia e o acidente, não poderia o Sr. Árbitro condenar a apelante na resolução do contrato de compra e venda e consequente pagamento de indemnização, torna-se patente que as duas últimas conclusões devem improceder.

Resta, então, saber se os factos provados permitem concluir se há ou não uma inexistência de conformidade do bem (veículo automóvel dos autos) com o contrato de compra e venda do mesmo e se, a existir, tal desconformidade faculta ao reclamante o direito à resolução do contrato e à indemnização das despesas efectuadas com a realização da peritagem.
*
O regime previsto no Código Civil não é o único que rege a venda de coisas defeituosas. A venda de bens de consumo conhece variadas especificidades.
Desde logo, a Directiva 1994/44/CE, de 25 de Maio, veio regular determinados aspectos da venda de bens de consumo e das garantias dos consumidores, vindo a ser transposta para o direito interno pelo DL n.º 67/2003, de 8 de Abril.

Esta Directiva, enquadrando-se nos propósitos de contribuição para a realização de um nível elevado de defesa dos consumidores na União Europeia, da criação de regras comuns de Direito do Consumo, procura proteger os consumidores relativamente à aquisição de bens defeituosos, independentemente do país da União Europeia em que estes sejam adquiridos, e de evitar distorções na concorrência entre os vendedores em resultado das disparidades das legislações dos Estados – Membros respeitantes às vendas de bens de consumo.
A Directiva apenas se reporta à venda de bens de consumo, aplicando-se apenas quando o comprador seja consumidor. E é considerado consumidor qualquer pessoa singular que actue com objectivos não respeitantes à sua actividade comercial ou profissional, tendo sido acolhido o conceito de consumidor stricto sensu. Excluídos ficam, assim, todos os consumidores que sejam pessoas jurídicas (sociedades e pessoas colectivas), bem como as pessoas singulares que actuem no âmbito da sua actividade profissional. O n.º 1 do artigo 1º do DL n.º 67/2003 remete para o conceito de consumidor, previsto na Lei 24/96, de 31 de Julho, a qual considera consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados ao uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.

Estabelece-se, no artigo 2º, n.º 1, do DL 67/2003, a regra de que os bens devem ser conformes com o contrato de compra e venda, enunciando o n.º 2 do mesmo preceito os casos em que se presume que os bens de consumo não são conformes com o contrato.

De acordo com o n.º 1 do artigo 3º da Directiva (reproduzido no DL 67/2003), o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue. Acrescenta o n.º 2 do artigo 3º do citado DL que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade. Ou seja, se o vendedor responde pelo “defeito” existente no momento em que entrega o bem ao consumidor, estabelece-se a presunção de que os “defeitos” (faltas de conformidade) manifestados nos aludidos prazos a partir da entrega já existiam nessa data. A não ser assim, o consumidor suportaria um duplo ónus: por um lado teria de alegar e provar a falta de conformidade e, por outro lado, teria de alegar e provar que o defeito, embora manifestado ou exteriorizado em momento ulterior, já se verificava aquando da entrega do bem. Esta presunção legal de que o defeito já se verificava à data da entrega do bem não é aplicável quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade (artigo 3º, n.º 2, in fine, do DL n.º 67/2003). Aqui o legislador terá tido, sobretudo, em consideração os casos em que o bem esteja sujeito a um prazo de validade ou de consumo mais curto.
Os direitos do consumidor também são tutelados em caso de venda de coisas móveis usadas. Neste caso, o prazo mínimo de protecção pode, no entanto, ser reduzido a um ano, havendo acordo das partes (n.º 2 do artigo 5º do DL n.º 67/2003).
O DL n.º 67/2003, veio também regular as chamadas “garantias voluntárias” ou de bom funcionamento, ou seja, a declaração pela qual o vendedor, o fabricante ou qualquer intermediário promete reembolsar o preço pago, substituir, reparar ou ocupar-se, de qualquer modo, da coisa defeituosa vincula o seu autor nas condições constantes dela e da correspondente publicidade (artigo 9º).

A garantia voluntária é aplicável em tudo o que possa conferir mais e melhor protecção ao consumidor, mas não afasta, nem pode afastar o conteúdo (mínimo) da garantia legal.
Um dos meios de tutela do consumidor é a resolução do contrato (artigo 4º, n.º 1, do DL n.º 67/2003), que pode ser exercido mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador (n.º 4 do artigo 4º do DL 67/2003). Mas o consumidor não terá direito à rescisão do contrato se a falta de conformidade for insignificante (n.º 6 do artigo 3º da Directiva), regra esta que resultaria já dos princípios gerais do direito (nomeadamente, da boa fé) e da proibição do abuso de direito (artigo 334º do Código Civil e n.º 5 do artigo 4º do DL 67/2003).

A par dos meios de tutela enunciados na Directiva e no DL 67/2003, o consumidor goza também do direito a ser indemnizado, podendo esta faculdade ser usada isoladamente ou em conjunto com outros direitos, de acordo com as circunstâncias do caso concreto. É que, apesar de não ser previsto na Directiva, o direito a indemnização deve considerar-se aplicável por recurso às regras gerais, nomeadamente, conforme previsão expressa do n.º 1 do artigo 12º da Lei 24/96, de 31/07, uma vez que a Directiva tem por objectivos a definição de um conteúdo mínimo de protecção do consumidor e a fixação de regras uniformes da União Europeia Armando Braga, A Venda de Bens de Consumo, 71.. Aliás, é o próprio n.º 1 do artigo 8 da Directiva que prescreve que “o exercício dos direitos resultantes da presente directiva não prejudica o exercício de outros direitos que o consumidor possa invocar ao abrigo de outras disposições nacionais relativas à responsabilidade contratual ou extracontratual”.

Reportando-nos, então, ao caso em apreço, comprovam os factos que a reclamada vendeu ao reclamante, em 3 de Agosto de 2005, um bem de consumo, isto é, o automóvel usado marca Daihatsu, modelo Terios, matrícula ND, pelo preço de 7.500 €, bem esse que foi entregue ao reclamante, em 5 de Agosto de 2005, com 62.471 Kms de uso, tendo reclamante e reclamada subscrito nesta data a garantia de fls. 81, garantia acordada por um período de doze meses e abrangia, entre outros componentes, o conjunto do circuito de travagem (cfr. artigos 9º e 5º, n.º 2 do DL 67/2003).
Acontece, porém, que o bem vendido não era conforme com o contrato de compra e venda, ou seja, apresentava defeitos, que o comprador desconhecia (artigo 2º, n. os 1 e 2 do DL 67/2003), porquanto a fuga de óleo e a consequente falta de travões constituem falta de qualidade e de desempenho que é habitual nas viaturas do mesmo tipo, que o Apelado razoavelmente esperava e o Apelante lhe garantiu existirem.

E, assim, em 27/08/2005, quando o reclamante circulava com a viatura na estrada municipal 1190, no sentido Pisoria – Cambas, concelho de Oleiros, foi obrigado a direccioná-lo para uma barreira sita no lado esquerdo da estrada, a fim de o imobilizar, em virtude de ter ficado sem travões numa descida cuja inclinação era de 15%, após o que o automóvel capotou e ficou imobilizado.
Na verdade, no momento do acidente, o flexível que liga a suspensão à bomba de travão da roda dianteira esquerda estava desapertado, o que causou a falta de pressão de óleo e o consequente acidente.
Como tal, o vendedor responde pela aludida falha ou defeito, já que, embora se tratasse de um bem usado, a mesma manifestou-se antes de decorrido um ano após a venda, presumindo-se que tal falha existia já na data em que o bem foi entregue ao consumidor (cfr. artigos 3º, n. os 1 e 2 e 5º, n.º 2 do DL 67/2003).

Resultou, ainda, provado que a manobra efectuada pelo reclamante no momento do acidente foi a única adequada para evitar danos maiores, incluindo o risco de vida, já que o lado direito da estrada tinha um declive de cerca de 500 metros até à ribeira. A opção de seguir em frente aumentaria incontrolavelmente a velocidade do veículo e envolvia um risco maior de danos corporais e materiais.
Ora, o direito de resolução do contrato é um dos meios de tutela do reclamante que pode ser exercido mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador, como, in casu, sucedeu (artigo 4º, n.º 4 do DL 67/2003).

Assim, o direito do Apelado à resolução do contrato de compra e venda do automóvel não depende da existência do nexo de causalidade entre o defeito do sistema de travões e o acidente em que o defeito foi detectado. O Apelante, como vendedor, é responsável pelo defeito, quer o mesmo fosse ou não causa do acidente ou mesmo que o acidente não tivesse ocorrido.
Apesar disso, porque o acidente foi causado por falta de pressão do óleo devida a desaperto do tubo de óleo do travão, nada impede que o reclamante possa exercer o direito de resolução do contrato, não obstante a viatura se haver deteriorado acentuadamente, uma vez que o condutor em nada contribuiu para essa deterioração, como atrás se referiu (artigo 4º, n.º 4 do DL 67/2003).
Acresce que, desse imperfeito cumprimento, resultaram para o Apelado prejuízos, entre os quais se conta a despesa com o montante da caução de peritagem para o apuramento do mencionado defeito no sistema de travagem do veículo, no montante de 181,26 €.
Ora, o devedor que culposamente não cumpre o contrato é responsável pelos prejuízos que cause ao credor, sendo que a sua culpa se presume (artigos 798º e 799º CC).
O Apelante é, pois, responsável pelos referidos prejuízos, não só com fundamento nas referidas disposições do Código Civil, como também ao abrigo do artigo 21º, n.º 5 do Regulamento do Centro de Peritagem.
Obrigação essa a que acresce a obrigação de juros pedidos pelo reclamante, os quais devem ser calculados de harmonia com o artigo 559º, n.º 1 Código Civil.

Improcedem, pois, as conclusões do Apelante.
5.
Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.
Lisboa, 31 de Maio de 2007.
Manuel F. Granja da Fonseca
Fernando Pereira Rodrigues
Fernanda Isabel Pereira