Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
778/20.5PULSB.L1-3
Relator: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
FALTA DO ARGUIDO
JUSTIFICAÇÃO
REPRESENTAÇÃO POR ADVOGADO
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/24/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:  O recorrente quando comunicou a sua impossibilidade de presença na audiência não disse ao tribunal que queria estar presente ou ser ouvido mais tarde. Apenas disse que não iria estar presente e que juntaria justificação da sua falta.
 O arguido é das personagens mais protegidas no processo penal, quer pela  presunção de inocência, quer pelo in dubio pro reo, quer pela segurança de se  lhe dar   conhecimento dos actos de que é alvo e em que tem de intervir.
A sua defesa foi garantida e a sua falta justificada. A sua presença não era essencial nem o mesmo a requereu.  Não existe nulidade alguma que implique  repetição da audiência de julgamento.
O artigo 32.º nº 6 da Constituição da República Portuguesa   estabelece-se que a lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em atos processuais, incluindo a audiência de julgamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acórdão proferido na 3ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa
 
Nos presentes autos veio RAG_____ , arguido nos autos à margem referenciados, notificado de douta sentença e, porque não concorda com o despacho  antes da audiência de julgamento, dele recorrer apresentando para tanto as seguintes 
I – Conclusões 
1 - Não tendo o Tribunal atendido ao fundamento do arguido que não pôde estar
presente em julgamento, deveria ter sido adiada a diligência, para que o arguido pudesse estar presente e fizesse o contraditório da participação policial do incidente rodoviário.
1 - Não tendo o Tribunal dado a possibilidade de defesa ao arguido, foram violados os princípios da legalidade do contraditório vigentes no C. P. Penal.
2 - Tendo o Tribunal preterido formalidade essencial do processo penal, deve ser revogada a sentença proferida e ser designada data e hora para julgamento.
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Respondeu o MP apresentando as seguintes 
Conclusões que se abreviam por constarem dos autos.
O arguido foi condenado na pena de 50 dias de multa à taxa de 7,00 euros pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artºs  292.°, n.° 1, e 69.° ambos do Código Penal bem como na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 3 meses.
2. A audiência de julgamento realizou-se na sua ausência.
3. Entende o recorrente que deveria ter sido adiada a audiência de julgamento
para que fosse garantido o contraditório.
4. Não põe em causa o teor da decisão proferida, mas considera terem sido
violados os princípios da legalidade e do contraditório.
5. A data da audiência de julgamento foi notificada ao arguido na morada do TIR tendo o mesmo apresentado rol de testemunhas.
6. Na véspera da diligência o arguido apresentou um requerimento onde informava que, por motivo de doença inadiável, não poderia comparecer na data da audiência de julgamento e protestava juntar documento comprovativo, nada mais tendo requerido.
7. Na data e hora da audiência de julgamento não estavam presentes nem o arguido nem o mandatário. 
Foi então nomeado defensor oficioso ao arguido e iniciada a audiência de julgamento uma vez que o arguido estava devido e regularmente notificado e o Tribunal considerou que a presença do mesmo, desde o início da diligencia, não era imprescindível à descoberta da verdade.
8. O arguido (...) justificou a sua falta, motivo pelo qual não foi condenado em multa processual. Assim, deve entender-se estarmos perante a situação prevista nos artigos 117.°, n.os 2 e 3, e 333.°, n.os 1 e 2 do Código de Processo Penal.
9. O defensor não se opôs ao início da audiência nem requereu que o arguido fosse ouvido em data posterior, tendo a audiência tido lugar com todo o formalismo legal.
10. Nesse mesmo, dia após a audiência de julgamento, foi junto o documento que o arguido protestara juntar para justificação da falta.
11. O mandatário não estava presente na chamada para a audiência de julgamento, todavia a sua falta não implica o adiamento da diligência, - art° 330°, n.° 1 do Código de Processo Penal, foi nomeado defensor oficioso.
12. A falta do arguido, justificada ou não, apenas implicaria o adiamento da audiência de julgamento se o tribunal considerasse que era absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a presença do mesmo desde o início da audiência (art.° 333.°, n.° 1 e 2, do Código de Processo Penal).
13. O tribunal   pronunciou-se sobre a falta do arguido  
14. O arguido apenas seria ouvido em nova data caso o advogado constituído ou o defensor o tivessem requerido, o que não se verificou nestes autos.
15. A ausência do arguido e do seu defensor apenas constitui nulidade prevista no art.° 119.° do Código de Processo Penal nos casos em que a lei exigir a sua comparência (alínea c).
16. Não é este o caso dos autos pois o defensor foi substituído e a diligência foi iniciada ao abrigo do disposto no art.° 333.°, n.os 1 e 2 e art.° 117.°, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Penal.
17. A justificação da falta pelo arguido nos termos do art.° 117.° do Código de Processo Penal, apenas implica que o mesmo não seja condenado em multa processual pela falta e não implica o adiamento da diligência.
18. O princípio do contraditório foi garantido pelo defensor oficioso 
19. (...)
22. Apenas poderia haver vício na realização da audiência em que, faltando o arguido, o tribunal não se tivesse pronunciado, nos termos do art.° 333.° n.° 1, do Código de Processo Penal .
23. Entende-se não assistir, deverá ser negado provimento ao presente recurso e mantida a decisão recorrida.
Nestes termos, e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, negando provimento ao recurso e, em consequência, mantendo, na íntegra, a douta decisão recorrida, Vas. Exas. farão, como sempre, a costumada JUSTIÇA.
***
O Exmº Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal  emitiu parecer, subscrevendo a posição do Ministério Público, concluindo pelo não  provimento do recurso. 
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente. Só estas o tribunal ad quem deve apreciar artºs 403º e 412º nº 1 CPP sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - artº 410º nº 2 CPP.
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Cumpre decidir
Do despacho que o recorrente põe em causa resulta 
Quando eram 11 horas e 33 minutos a Mmª Juiza de Direito declarou aberta a audiência de julgamento, e não antes por o tribunal ter aguardado a comparência do ilustre mandatário o que não ocorreu, tendo sido necessário diligenciar-se pela sua substituição por defensor de escala.
Foi nomeada, para o acto, a Sra Dra. Ana Paula Imaginário, C.P. n° 17685L, que se encontrava de escala neste tribunal e aceitou o cargo. 
De imediato a Mma juiza concedeu a palavra à Digna Magistrada do M.P. que no uso da mesma não promoveu a condenação do arguido em multa, uma vez que o mesmo protestou juntar comprovativo da doença e requereu o inicio da audiência de julgamento. 
Dada a palavra à ilustre defensora oficiosa, pela mesma foi dito nada ter a opor.
Seguidamente pela Mma Juiza foi proferido despacho determinando que os autos aguardem a junção do aludido comprovativo de doença, dando início à audiência de julgamento uma vez que não se afigura como imprescindível a presença do arguido desde o início da audiência cfr. art° 333° do C.P.P.
Vejamos:
Nos presentes autos o arguido tem TIR prestado.
Foi devidamente notificado e informou o tribunal da sua impossibilidade de estar presente.
 Faltou o arguido que juntou depois justificação da razão da falta e faltou o seu defensor.
Foi nomeado defensor ao arguido conforme resulta da acta de audiência onde se incluiu o despacho recorrido.
 Nada requereu quanto à sua vontade de ser ouvido.  
 Perante isto e porque considerou o Tribunal que não era imprescindível á realização da audiência a presença do arguido, prosseguiu o julgamento sem que fosse requerido o que quer que fosse por parte do seu defensor, cumprindo-se todos os formalismos impostos por lei. 
É certo que o disposto no artº 61º nº 1ª) CPP protege o arguido garantindo o seu direito a estar presente em acto processual que lhe disser diretamente respeito como é o caso da audiência de julgamento permitindo os artigos 333º CPP e 32º CRP que o tribunal dispense a presença do arguido se a sua presença não for imprescindível caso contrário estaríamos perante uma nulidade insanável conforme o disposto no artº 119º CPP isto porque, como sabemos, os direitos de defesa do arguido se sobrepõem à justiça formal. Sucede que o arguido foi notificado, prestou TIR, informou o Tribunal da sua impossibilidade de comparência e justificou a falta para que não fosse sancionado o que tribunal teve em conta
 Foi-lhe nomeado defensor e não foi a sua presença considerada imprescindível á condução da audiência e descoberta da verdade material.
 Tudo isto foi publicitado e nada foi requerido até ao final do julgamento.
 Do objeto da decisão ninguém recorreu aceitando a mesma.
 Como é sabido  e defendido pelo nosso Supremo Tribunal de Justiça de acordo com a Lei ( C STJ do STJ de 18/12/2008[1]: “1 – A imposição de termo de identidade e residência, de acordo com o art. 196° do CPP, significa que, para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 113.º, o arguido indicou um domicílio à sua escolha (n.º 2) e lhe foi dado conhecimento (n.º 3) da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado, da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado ;  de que as posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada por si indicada, exceto se comunicasse uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria do Tribunal Judicial onde correm os autos [c)]; 
e de que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente; e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artº 333ºd) CPP.
 O recorrente quando comunicou a sua impossibilidade de presença na audiência não disse ao tribunal que queria estar presente. Apenas disse que não iria estar presente e que juntaria justificação da sua falta.
Prosseguir a tese do recorrente seria pactuar com causas de morosidade processual, permitir manobras dilatórias embora no caso em questão a falta esteja devidamente justificada.
 O arguido é das personagens mais protegidas no processo penal, quer pela presunção de inocência, quer pelo in dubio pro reo, quer pela segurança desse lhe ter dado conhecimento dos actos de que é alvo e em que tem de intervir.
 Tudo foi dado a conhecer ao recorrente com tudo colaborou e concordou, não pode permitir-se a sua total desresponsabilização em relação ao andamento do processo ou ao seu julgamento.
 A sua defesa foi garantida e a sua falta justificada. A sua presença não era essencial nem o mesmo a requereu. Na verdade, o ilícito pelo qual vinha acusado e que facilmente se provou tanto que nem põe o recorrente em causa a apreciação da prova, demostram bem que nada foi mal calculado ou praticado e nenhuma garantia foi negligenciada nem nenhum direito foi violado.
 Se o tribunal tivesse considerado, porque o arguido o havia requerido, que havia pretensão do arguido para estar presente apesar da momentânea impossibilidade, teria ouvido quem estava presente e suspendido a audiência para continuação noutra data.
Encontramo-nos no âmbito de processo especial, na forma sumária, cujo regime se revela especialmente vocacionado para o combate célere e eficaz da criminalidade menos grave – a pequena e a média criminalidade – e apto a aliviar a investigação criminal e a economizar tempo aos intervenientes processuais.
Subjacente a semelhante opção legislativa está também a convicção de que o julgamento realizado a “curta distância” garante melhor o sentimento de validade e de proteção dos bens jurídicos e assegura, em patamar mais elevado, as exigências de prevenção. E num processo que se pretende breve, tratamento diverso do comum teve a forma de reagir às decisões que nele são proferidas.
O artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa estabelece, no seu n.º 1, que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa incluindo o recurso que no processo em causa só pode ter lugar a final.
Aí, ainda se consagra – no n.º 5 –, que o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
Todavia, no n.º 6 do mencionado artigo 32.º, estabelece-se que a lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em atos processuais, incluindo a audiência de julgamento.
O  julgamento regula-se pelas disposições relativas ao julgamento em processo comum com intervenção do Tribunal Singular, sendo os seus atos e termos reduzidos ao mínimo indispensável ao conhecimento e boa decisão da causa – artigo 386.º CPP com as modificações decorrentes do disposto nos artigos 388.º   389.º, n.º 2  , n.º 3  e 389.º-A CPP.
Até ao final da audiência poderia o arguido ter requerido a sua audição, mas não
o fez imitando-se a juntar a sua justificação de falta.
 Não existe nulidade alguma que implique a declaração de nulidade da audiência de julgamento e a sua repetição.
Assim sendo
Nega-se provimento ao recurso apresentado mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente fixando a taxa de justiça em 3 Ucs.
Dn
AC elaborado e revisto pelas desembargadoras relatora e adjunta
 
Lisboa, 24. Fevereiro de 2021
Adelina Barradas de Oliveira
Margarida Ramos de Almeida 

[1] Acórdão do STJ de 18/12/2008, relatado por Simas Santos, in www.gde.mj.pt, Processo 08P2816.