Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | PAULA CRISTINA BIZARRO | ||
| Descritores: | LIBERDADE CONDICIONAL PRESSUPOSTOS CRIME DE INCÊNDIO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 07/06/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | 1. A aplicação do instituto da liberdade condicional depende da verificação dos pressupostos formais e materiais enunciados no art.º 61º do Código Penal, sendo que tais pressupostos divergem, consoante se trate de avaliar a sua aplicação após o cumprimento de metade da pena de prisão ou após dois terços desse cumprimento. 2. No que respeita aos pressupostos de natureza material, quando seja atingido o cumprimento de metade da pena, é necessário que seja possível formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade, e que a libertação do condenado seja compatível com as exigências de ordem e paz social (alíneas a) e b) do nº 2 do mencionado art.º 61º). Tais requisitos são consentâneos com os fins das penas estabelecidos no art.º 40º/1 do mesmo Código: a sua aplicação visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 3. Não bastará, assim, que seja possível efectuar um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do condenado, no sentido de que o mesmo detém já a capacidade para continuar a sua vida em liberdade, abstendo-se do cometimento de outros crimes, para que se conceda a liberdade condicional. Essencial será ainda que no caso concreto, as exigências de revalidação das normas jurídicas violadas não imponham a permanência em reclusão, sob pena de resultar frustrada a defesa do ordenamento jurídico, a qual será sempre irrenunciável. 4. As exigências de prevenção geral, não poderão ser avaliadas e ponderadas, apenas limitadas ou restringidas à área onde o crime foi cometido. A defesa do ordenamento jurídico, enquanto finalidade primacial da aplicação das penas, não é avaliada em função de uma restrita área geográfica, antes se aferindo em função do sentimento geral comunitário. 5. Cumprindo o recorrente a pena de seis anos e seis meses de prisão pela prática de quatro crimes de incêndio florestal, três deles agravados, as exigências de prevenção geral são inequivocamente de grau elevadíssimo. O sentimento geral da comunidade é de profunda repulsa por crimes dessa natureza, atentas as consequências trágicas, não raras vezes de autêntica catástrofe, que os incêndios florestais acarretam, e acarretaram num passado ainda muito recente no País, na memória de todos, porquanto dificilmente serão alguma vez esquecidos mesmo por aqueles que apenas à distância assistiram. 6. O crime de incêndio é considerado de intervenção e investigação prioritárias e, quando violada a norma jurídico-penal incriminadora que o tipifica, exige-se uma resposta eficiente em termos penais com vista ao restabelecimento da confiança da comunidade, sendo inequívocas as exigências de prevenção geral de grau elevadíssimo quanto a tal tipo de crime. 7. A gravidade dos crimes praticados e a danosidade social a eles inerente, torna inevitável a conclusão de que a colocação do recorrente em liberdade condicional após o cumprimento de apenas metade da pena em que foi condenado, resultaria na frustração das expectativas comunitárias na revalidação das normas jurídico-penais violadas. Nestes termos, as exigências de prevenção geral impedem a concessão da liberdade condicional a meio da pena. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes da 9ª secção criminal deste Tribunal da Relação I. RELATÓRIO Inconformado com a sentença de 3-02-2023, proferida nestes autos de processo liberdade condicional com o n.º 1822/19.4TXLSB-C, que decidiu não lhe conceder a liberdade condicional, dela veio interpor recurso o arguido: ALM, nascido em 15-04-1981, casado, filho de AM e de MCM, natural de Vila Nova de Souto d' El-Rei, Lamego, residente antes da reclusão na Rua …, Torres Vedras, actualmente em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Lamego (atenta a informação com a ref.ª citius 630977). * As razões da sua discordância encontram-se expressas nas conclusões da motivação do recurso, que em seguida se transcrevem: 1. A decisão aqui questionada não é passível de ser aceite de ânimo leve e, sem pugnar pela sua alteração, atendendo ao percurso positivo do Recorrente dentro do Estabelecimento Prisional de Alcoentre nela destacado, os mui positivos relatórios da DGRS e o relatório dos SEE do EP, o voto positivo da Área do Tratamento Penitenciário e Serviço de Reinserção Social em sede conselho técnico contra apenas os votos negativos dos Serviço de Vigilância e Segurança e do Diretor do Estabelecimento Prisional – que de resto se mostram incompreensíveis. 2. Discordando assim da douta sentença, por entendermos que foram desconsiderados todos os aspetos positivos e atenuantes, principalmente no que concerne à análise da conduta do Recluso desde a sua detenção. 3. Na verdade foi feita tábua rasa do Relatório Social para Concessão da Liberdade Condicional, elaborado pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (D.G.R.S.P.), decidindo em sentido contrario ao parecer daquela entidade apesar de sublinhar as competências favoráveis do Recluso que lhe permitirão promover um modo de vida socialmente integrado na vida em liberdade como refere o Relatório Social elaborado pela D.G.R.S.P. 4. De facto aquele organismo concluiu que: “ALM aparenta ter registado um processo de socialização com indicadores positivos, assim como, aparentemente, ter desenvolvido um percurso adaptado e responsável até ao envolvimento no processo conducente à prisão. Detém condições de reinserção favoráveis aos níveis familiar, social, habitacional e de empregabilidade. Apesar de subsistirem, aos níveis pessoal e de saúde, necessidades de reinserção social relacionadas com apreciações mais egocêntricas acerca da causalidade e consequência dos seus comportamentos criminais, afigurasse-nos que estas poderão ser minimizadas em meio livre com o suporte contentor que dispõe por parte da família e a toma regular de medicação prescrita pela valência de psiquiatria. Acrescem a estes aspetos, o percurso prisional associado à pró-atividade na preparação da sua liberdade e a ausência de anomalias durante os momentos de reaproximação ao exterior. Face ao exposto, entendemos que o condenado reúne condições para a execução da medida de flexibilização da pena, pelo que somos de parecer favorável à sua concessão.” 5. Sendo que o prisional do Recorrente fala por si: “O recluso tem passado criminal sendo esta a sua 1ª reclusão. Beneficiou de Medidas de Flexibilização da Pena, 2 L.S.J. e 2 L.C.D. o que importa no sentido de testar o seu comportamento, nomeadamente a sua adesão a comportamentos normativos, em liberdade. Tem um percurso disciplinar sem infracções disciplinares registadas. Investiu na sua permanência no E.P. em termos laborais. Demonstra consciência crítica face aos factos por cuja prática foi condenado. Não demonstrou capacidade em alterar o seu percurso de vida. Apresenta problemática de saúde, supra descrita, controlada em meio prisional.” 6. Ora, a verdadeira função liberdade condicional no sistema no sistema punitivo reside efetivamente numa incondicional proibição de excesso que pode resultar em função da alteração das exigências de prevenção com o decorrer do cumprimento da pena. 7. Não podendo nos conformar, com a interpretação de que são ainda acentuadas as exigências de Prevenção Geral e de Prevenção Especial. 8. O Relatório Social reconhece claramente o potencial de reinserção social recorrente, desde que este mantenha o acompanhamento clínico, para a interiorização do bem jurídico em causa bem como para a intervenção ao nível do desenvolvimento de competências essencialmente centradas no pensamento consequencial e resolução de problemas, essenciais para o processo de tomada de decisão, de forma a concretizar um processo de reintegração social condigno com as normas sociais. 9. É dito no referido relatório que o condenado no estabelecimento prisional tem revelado uma postura adequada, cordial e colaborante em sede de atendimento assim como boa capacidade de integração e adaptação no relacionamento com os pares, serviços de vigilância e técnicos. Não tem sanções averbadas no seu registo disciplinar, tendo desempenhado desde o primeiro momento actividade laboral no estabelecimento, a receber acompanhamento em consulta de psicologia e psiquiatria, cumprindo a terapêutica prescrita. 10. O Recorrente está ainda inserido familiar e socialmente, tendo uma companheira que ficou sozinha e a cardo das duas filhas menores. 11. Aliás, resulta do relatório social o impacto negativo que a privação de liberdade teve para o seu agregado familiar a nível financeiro mas sobretudo emocional. 12. Todavia, o que de mais relevante resulta do relatório social, quer para efeitos da prevenção geral quer para a prevenção especial que não existindo indicadores de alarme social não sendo esperadas reações adversas ao condenado no meio sociocomunitário” e bem assim que “ o condenado tem consciência da gravidade da situação processual em que se encontra envolvido, reconhece os factos constantes na acusação como crime e manifesta consciência crítica face a questões de natureza ilícita de forma geral. 13. Para que se faça justiça, pede-se, como a lei prevê, que se faça uma análise global dos factos, do agente, e das necessidades de Prevenção Geral e de Prevenção Especial e não apenas às que resultam de clara fragilidade na sua saúde mental. Termos em que e, demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, por via dele, ser Revogada a Decisão Recorrida, e substituída por outra que lhe conceda a Liberdade Condicional. V. Ex.ªs, no entanto, melhor decidirão e farão, com sempre, a habitual Justiça. (fim de transcrição) * O recurso foi admitido com subida em separado, imediatamente e com efeito meramente devolutivo – art.º 235º, 238º n.º 2 e 3 do mesmo Cód. de Execução de Penas e 414º do Cód. de Proc. Penal. (despacho com a ref.ª citius 9860252) * O Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo arguido, apresentando as seguintes conclusões (transcrição): 1. a decisão recorrida não concedeu a liberdade condicional ao ora recorrente, por referência ao meio da pena (atingido em 17/12/2022), estando em causa a prática de 4 crimes de incêndio florestal, 3 deles agravados; 2. há que considerar as exigências de prevenção especial, porquanto será necessária a consolidação do seu percurso penitenciário, para uma melhor avaliação da real motivação e capacidade para a mudança comportamental, devendo o recorrente (bombeiro profissional, à data dos factos) evoluir no sentido colmatar as suas fragilidades pessoais [nomeadamente, as associadas aos transtornos de ordem psíquica (problemas graves de ansiedade) de que padece] e interiorizar o sentido da pena e a gravidade das suas condutas, de forma a não as repetir, para além de continuar ser testado em meio livre através do gozo de licenças de saída, já iniciado; 3. o recorrente está a cumprir pena pela prática de crimes graves (incêndios florestais), pelo que deve demonstrar (o que ainda não sucedeu) um percurso prisional consolidado, devidamente testado e revelador de que atingiu as diversas etapas do tratamento penitenciário; 4. as necessidades de prevenção geral são elevadas e imperiosas, atenta a natureza dos crimes em causa, a frequência da sua prática e as suas repercussões ao nível da comunidade em geral, tornando-se necessário dissuadir a prática deste tipo de condutas e premente a reposição da confiança dos cidadãos no efeito tutelar das normas violadas; 5. a continuação da execução da pena impõe-se para que haja consolidação do efeito de pacificação, decorrente da tranquilização da consciência jurídica geral, iniciada com a imposição de sanção adequada; 6. assim, exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico impedem para já a liberdade, ainda que condicionada, a qual seria mal tolerada pela comunidade globalmente considerada; 7. a concessão da medida, antecipando a liberdade quando ainda faltam mais de 3 anos para o termo da pena, não seria compreendida pelo cidadão comum e afrontaria, sem dúvida, as finalidades que devem presidir à execução da pena de prisão, deixando sem tutela eficaz os bens jurídicos protegidos; 8. a decisão recorrida fez correta interpretação e aplicação do direito, mormente, do art.º 61º n.ºs 2 als. a) e b) do Código Penal, pelo que deve ser mantida. Contudo V. Ex.ªs, decidindo, farão, como sempre JUSTIÇA (fim de transcrição) * Neste Tribunal da Relação, pelo Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, foi emitido parecer, nos termos seguintes (transcrição parcial): (…) Confrontados os fundamentos do recurso e a douta decisão recorrida, em consonância com a resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância, conforme melhor se alcança do teor da argumentação expendida na peça com REF. 1808878, sou do entender que a mesma deve ser mantida. Por conseguinte, dispensando aduzir demais considerandos e acompanhando a completa e bem elaborada resposta do Ministério Público junto da 1.ª instância, sou de parecer que ao recurso interposto pelo arguido ALM deve ser negado provimento, julgando-o improcedente e confirmando-se a douta decisão impugnada. (fim de transcrição) * Cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta. * Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. * II. FUNDAMENTAÇÃO 1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal que “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”. Daí o entendimento unânime de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo que apenas as questões aí resumidas deverão ser apreciadas pelo tribunal de recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente os vícios previstos no n.º 2 do art.º 410º do mesmo Código. Em conformidade, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, a única questão a decidir no presente recurso é a seguinte: - se se verificam os pressupostos da concessão da liberdade condicional. * II. DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1. É o seguinte o teor da decisão recorrida (transcrição): I - Relatório Foram instaurados os presentes autos com vista à eventual concessão de liberdade condicional ao condenado ALM, já identificado nos autos, em reclusão no Estabelecimento Prisional de Alcoentre. O Conselho Técnico prestou os necessários esclarecimentos, mais tendo sido emitido parecer maioritariamente desfavorável à concessão de liberdade condicional, assim como o Ministério Público emitiu, posteriormente ao referido Conselho Técnico, parecer desfavorável à concessão de liberdade condicional. Ouvido o recluso, em Auto de Declarações, após a realização do Conselho Técnico, o mesmo não requereu a produção de provas suplementares, autorizando a eventual colocação em liberdade condicional. * II - Saneamento O tribunal é competente, o processo é o próprio, não há nulidades, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa. * III - Os Factos Considerando a análise conjugada dos elementos existentes nos autos, em especial a certidão da decisão condenatória, o CRC, a ficha biográfica, o auto de audição do recluso, a acta da realização do conselho técnico, o parecer do Ministério Público, o parecer do Sr. Director do E.P., o relatório da DGRS e o relatório dos SEE do EP, pode dar-se como demonstrado o seguinte quadro factual: 1. Cumpre a pena de 6 anos e 6 meses de prisão, à ordem do processo 300/19.6GDTVD, do Juízo Central Criminal de Loures – Juiz 4, pela prática de 4 crimes de incêndio florestal, 3 deles agravados. 2. Atingiu metade do cumprimento da pena em 17/12/2022, atingirá os dois terços em 17/01/2024, os cinco sextos em 17/02/2025 e o fim da pena em 17/03/2026. 3. Fora as condenações supra, o recluso foi julgado e condenado pela prática de 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal. 4. Não tem registadas infracções disciplinares. 5. Beneficiou de 3 L.S.J. e 2 L.C.D.. 6. Cumpre a pena em R.A.I.. 7. O recluso está pela primeira vez privado de liberdade. Na abordagem ao comportamento criminal e à reação penal aplicada, evidencia resignação, revela raciocínio crítico e reflexão sobre as consequências mais gravosas que poderiam ter resultado do seu comportamento, embora tenda a minimizá-lo. Percepcionam-se sentimentos de penalização perante o Sistema da Justiça, com um discurso autocentrado e tendência para a minimização e desculpabilização do seu comportamento criminal, que justifica com os problemas graves de ansiedade que vivenciava, posicionamento que se avalia associado a uma atitude tendencial de justificação dos crimes cometidos. Demonstra competências favoráveis de interação pessoal e social, apesar de ao longo da pena de prisão ter registado episódios relacionados com crises de pânico na sequência de ansiedade elevada e perturbações relacionadas com um comportamento hipocondríaco, ao momento, minimizadas. A par, tem apresentado atitude ajustada à especificidade normativa a que está sujeito, não registando qualquer conduta sancionável. Paralelamente, demonstrou motivação para o acompanhamento psiquiátrico / psicológico, para o desenvolvimento de atividades laborais e capacidade de ajustamento durante o benefício das medidas de flexibilização da pena. Tal indicia competências pessoais em termos dos processos de tomada de decisão. Na globalidade, o condenado, encontra-se essencialmente direcionado para a reorganização familiar, laboral e económica e acompanhamento ao nível da saúde mental, por forma a gerir o seu futuro de um modo responsável. 8. O recluso foi diagnosticado há alguns anos atrás com síndrome conversivo/distúrbio de ansiedade, que o tem remetido para o acompanhamento psiquiátrico regular, que segundo refere, encontrava-se descontinuado à data dos factos criminais. Apesar de tal situação de saúde poder ter diminuído algumas das suas capacidades pessoais, ao nível relacional manteve sempre adequação junto da família e de terceiros, sendo maioritariamente um indivíduo carinhoso, protector e envolvente na dinâmica familiar. Em meio prisional tem sido sujeito a acompanhamento psicológico com uma periocidade quinzenal, psiquiátrico e à toma de medicação, o que lhe tem conferido na maior parte do tempo capacidade de autocontrolo e mais estabilidade emocional, não obstante em determinados períodos continuar a apresentar recaídas -estado de pânico e ansiedade. A manutenção de tal acompanhamento afere-se como fundamental no alcance da sua estabilidade pessoal futura. 9. Trabalhou na brigada de obras internas, com a colocação em R.A.I. transitou para a brigada agrícola. 10. não frequentou o ensino ou formação profissional. 11. No exterior conta com o apoio dos seus pais, irmãos e esposa. Em liberdade perspectiva trabalhar na construção civil. 12. Praticou os factos por cuja pena se encontra a cumprir pena enquanto bombeiro voluntário, à data desde 24 anos, na Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras, exercendo, à data dos factos, as suas funções na secção da Silveira. Não obstante exercer tais funções, nos anos de 2018 e 2019 o arguido ateou propositadamente os fogos em áreas florestais e de mato na zona da Silveira, provocando, dessa forma, os incêndios por cuja prática veio a ser condenado. IV- O Direito 1. O instituto da liberdade condicional assume “um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições (…) que lhe são aplicadas. Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento”1 (1Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 528). 2. São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes: a) O consentimento do condenado (artigo 61º, nº 1, do Código Penal, doravante CP), o que se verificou no caso concreto; b) O cumprimento de pelo menos 1/2 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61º, nºs 2, 3 e 4 e 63º, nº 2, do CP), o que também ocorre, já que o recluso cumpriu mais de ½ da pena de prisão. 3. São requisitos de ordem material: a) O já referido juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (als. a) e b), do artigo 61º, do CP), o qual assenta, de forma determinante, numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização); b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social. V - Aplicação do Direito aos Factos O recluso tem passado criminal sendo esta a sua 1ª reclusão. Beneficiou de Medidas de Flexibilização da Pena, 2 L.S.J. e 2 L.C.D. o que importa no sentido de testar o seu comportamento, nomeadamente a sua adesão a comportamentos normativos, em liberdade. Tem um percurso disciplinar sem infracções disciplinares registadas. Investiu na sua permanência no E.P. em termos laborais. Demonstra consciência crítica face aos factos por cuja prática foi condenado. Não demonstrou capacidade em alterar o seu percurso de vida. Apresenta problemática de saúde, supra descrita, controlada em meio prisional. O recluso refere uma personalidade susceptível a variação de humores e fragilidades no seu processo de decisão, atribuindo tais fragilidades a doença que afirma controlada em meio prisional, avultando igualmente uma fragilidade ao nível da interiorização da conduta criminal, tendendo à justificação e relativização do seu comportamento quer pela situação de saúde quer pelo que entende ser as poucas consequências do seu comportamento, referindo, aliás, ter chamado os seus colegas bombeiros, factores estes que, aliados à sua problemática de saúde, não transmitem garantias suficientes de que aquele tenha criado os contraestímulos adequados à tendência criminosa e aptidão para se reinserir socialmente. Verificam-se, assim, as apontadas necessidades de prevenção especial. Por outro lado, entendemos que se evidenciam necessidades de prevenção geral, exigências de tutela do ordenamento jurídico concretizadas na reafirmação da validade e vigência da norma penal violada. O tempo de manutenção da reclusão não pode alhear-se do sentimento social de profunda reprovação que decorre da lesão dos bens jurídicos protegidos, pelo que a colocação na situação de liberdade condicional, neste momento, abalaria a confiança da consciência jurídica comunitária no seu sistema protetor de bens jurídico criminais e a pena deixaria de ter utilidade como instrumento de pacificação social. O cidadão comum e, eventualmente, mesmo o incomum não compreenderia o benefício tão cedo da libertação, ainda que condicionada. Concordamos assim com o Ministério Público e o Conselho Técnico, sendo ainda prematura a concessão da liberdade condicional. VI - Dispositivo Em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se não conceder ao condenado ALM a liberdade condicional. * Notifique e comunique ao processo da condenação e à DGRS. * 2/3 da pena em 17/01/2024, solicitando-se 60 dias antes a junção de relatórios, a juntar em 30 dias. (fim de transcrição) * III. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO A única questão colocada no presente recurso, como atrás se disse, prende-se com o preenchimento dos pressupostos da liberdade condicional. Para o efeito, importa atentar no preceituado no art.º 61º do Código Penal. Dispõe tal normativo que: 1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado. 2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se: a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social. 3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior. 4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena. 5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena. Como resulta da factualidade provada, o recluso atingiu metade do cumprimento da pena em 17/12/2022 e atingirá os dois terços em 17/01/2024. Relevam assim e apenas os requisitos da concessão da liberdade condicional estatuídos legalmente no nº 2 do citado normativo, respeitantes aos casos em que tenha sido atingida metade do cumprimento da pena em que foi condenado. A liberdade condicional reveste-se de «um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica – que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada – de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições – substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova – que lhe são aplicadas. Foi, desta forma, uma finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção político-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento» (in Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 528). A aplicação do instituto da liberdade condicional depende da verificação dos pressupostos formais e materiais enunciados no citado art.º 61º do Código Penal, sendo que tais pressupostos divergem, consoante se trate de avaliar a sua aplicação após o cumprimento de metade da pena de prisão ou após dois terços desse cumprimento. Relativamente aos pressupostos de índole formal, os mesmos são os seguintes: o consentimento do condenado (art.º 61º/1, do Código Penal), o cumprimento de pelo menos seis meses da pena de prisão (art.º 61º/2, do mesmo CP), a que acresce o cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (art.ºs 61º/2, 3 e 4 e 63º/2, do Código Penal). No que respeita aos pressupostos de natureza material, quando seja atingido o cumprimento de metade da pena, é necessário que seja possível formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade, e que a libertação do condenado seja compatível com as exigências de ordem e paz social (alíneas a) e b) do nº 2 do mencionado art.º 61º). Tais requisitos são consentâneos com os fins das penas estabelecidos no art.º 40º/1 do mesmo Código: a sua aplicação visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Nestes termos, a concessão da liberdade condicional assenta na ponderação de duas vertentes: as exigências de prevenção especial a que se refere a citada a alínea a) e as exigências de prevenção geral, a que se reporta a citada alínea b). Só quando se demonstre que tais exigências de prevenção especial e geral serão devidamente acauteladas com a concessão da liberdade condicional é que esta poderá ser aplicada. Não bastará, assim, que seja possível efectuar um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do condenado, no sentido de que o mesmo detém já a capacidade para continuar a sua vida em liberdade, abstendo-se do cometimento de outros crimes, para que se conceda a liberdade condicional. Essencial será ainda que no caso concreto as exigências de revalidação das normas jurídicas violadas não imponham a permanência em reclusão, sob pena de resultar frustrada a defesa do ordenamento jurídico, a qual será sempre irrenunciável. Tecidas as considerações precedentes, passemos a analisar o caso concreto. Para fundamentar a sua pretensão recursiva, o recorrente argumenta essencialmente o seguinte: - nos autos em referência ao condenado, mais que confessar em audiência de julgamento, desde o primeiro momento em que se tornou pessoa de interesse nas investigações colaborou activamente para a descoberta da verdade material; - tendo mantido essa mesma postura aquando da sua audição em sede de conselho técnico, onde transpareceu o seu arrependimento, a responsabilidade pelos seus actos, a profunda vergonha que sentiu e sente por ter praticado os mesmos e apenas quando questionado sobre o que terá sido o motivo para o crime referiu a sua doença e o facto de naquele momento não se encontrar fazer medicação; - mal andou o tribunal a quo ao não se rever no claro juízo de prognose positiva acerca do comportamento do Recluso em liberdade que resultou dos seus relatórios sociais e do comportamento em meio prisional, falta de antecedentes criminais e elevado sentido crítico demonstrado ao longo de todo o processo. Antes se focando nos seus problemas de saúde – que há muito se encontram diagnosticados e em sede prisional tem sido alvo de acompanhamento e tratamento; - o que de mais relevante resulta do relatório social, quer para efeitos da prevenção geral quer para a prevenção especial que não existindo indicadores de alarme social não sendo esperadas reações adversas ao condenado no meio sociocomunitário” e bem assim que “o condenado tem consciência da gravidade da situação processual em que se encontra envolvido, reconhece os factos constantes na acusação como crime e manifesta consciência crítica face a questões de natureza ilícita de forma geral; - pede-se, como a lei prevê, que se faça uma análise global dos factos, do agente, e das necessidades de Prevenção Geral e de Prevenção Especial e não às fragilidades da sua frágil saúde mental; - discordando assim da douta sentença, ao se socorrer de tal argumento por entendermos que foram desconsiderados todos os aspetos positivos e atenuantes, principalmente no que concerne à análise da conduta do Condenado desde a sua detenção; - o condenado encontra-se detido há três anos e oito meses, estando completamente convictos que o contacto com o sistema prisional poderá desde já ter acautelado o condenado, quanto às consequências eventualmente emergentes da sua revogação. No entanto, contrariamente ao veiculado pelo recorrente, dir-se-á desde já que o tribunal a quo não fez tábua rasa de tal Relatório Social. Basta atentar no teor dos pontos 7. a 11. da matéria de facto provada, para constatar que tais factos tiveram como fundamento, precisamente, o conteúdo daquele relatório. O recorrente centra a sua argumentação no conteúdo do relatório social junto aos autos, favorável à concessão da liberdade condicional. Porém, como resulta do ponto 7. dos Factos Provados, encontra-se demonstrado que: Percepcionam-se sentimentos de penalização perante o Sistema da Justiça, com um discurso autocentrado e tendência para a minimização e desculpabilização do seu comportamento criminal, que justifica com os problemas graves de ansiedade que vivenciava, posicionamento que se avalia associado a uma atitude tendencial de justificação dos crimes cometidos. Demonstra competências favoráveis de interação pessoal e social, apesar de ao longo da pena de prisão ter registado episódios relacionados com crises de pânico na sequência de ansiedade elevada e perturbações relacionadas com um comportamento hipocondríaco, ao momento, minimizadas. Como se exarou na sentença recorrida: O recluso refere uma personalidade susceptível a variação de humores e fragilidades no seu processo de decisão, atribuindo tais fragilidades a doença que afirma controlada em meio prisional, avultando igualmente uma fragilidade ao nível da interiorização da conduta criminal, tendendo à justificação e relativização do seu comportamento quer pela situação de saúde quer pelo que entende ser as poucas consequências do seu comportamento, referindo, aliás, ter chamado os seus colegas bombeiros, factores estes que, aliados à sua problemática de saúde, não transmitem garantias suficientes de que aquele tenha criado os contraestímulos adequados à tendência criminosa e aptidão para se reinserir socialmente. Verificam-se, assim, as apontadas necessidades de prevenção especial. Da análise de tal fundamentação, logo se verifica que diversamente do alegado pelo recorrente, o tribunal a quo não se focou apenas nos seus problemas de saúde. Na verdade, o tribunal recorrido atentou ainda na fragilidade ao nível da interiorização da conduta criminal, tendendo à justificação e relativização do seu comportamento. E tal fragilidade é patente face ao facto provado de que o recorrente apresenta um discurso que denota tendência para a minimização e desculpabilização do seu comportamento criminal, que justifica com os problemas graves de ansiedade que vivenciava, posicionamento que se avalia associado a uma atitude tendencial de justificação dos crimes cometidos. O recorrente reporta-se ainda ao comportamento em meio prisional, falta de antecedentes criminais e elevado sentido crítico demonstrado ao longo de todo o processo. No entanto, o elevado sentido crítico alegado não se encontra demonstrado. A falta de antecedentes criminais igualmente carece de demonstração, quando é certo que o recorrente havia já sido condenado, ainda que em pena de multa e por crime de condução sem habilitação legal, embora de natureza absolutamente distinta do crime de incêndio pelo qual se encontra a cumprir pena, como consta do ponto 3. dos Factos Provados e decorre do seu CRC junto aos autos. O bom comportamento em meio prisional é uma evidência, o qual, contudo, não releva por si só, em sede de ponderação das exigências de prevenção especial para efeitos de concessão da liberdade condicional. Aduz ainda o recorrente que está ainda inserido familiar e socialmente, tendo uma companheira que ficou sozinha e a cargo das duas filhas menores. E, com efeito, consta do relatório social elaborado pela DGRSP que: Na atualidade, ALM mantém o suporte por parte da companheira, filhas e dos restantes familiares, que nutrem por si sentimentos de estima e preocupação. Em meio livre perspetiva reintegrar o seu agregado constituído, composto pela companheira e pelas duas filhas do casal, que residem em habitação arrendada com condições de habitabilidade adequadas. As condições de suporte, seja no acompanhamento da medida privativa da liberdade seja no auxílio à futura reinserção social em meio livre, apresentam-se similares às que já possuía antes de preso e remetem para a organização estruturada do quotidiano. Sucede que a inserção social e familiar demonstradas e a existência de um quotidiano familiar estruturado e de afecto não o inibiu de cometer os crimes de incêndio pelos quais veio a ser condenado. Por isso, a estrutura familiar de que beneficia o recorrente não constitui igualmente garantia bastante de que no futuro não irá cometer crimes da mesma natureza. Ao que acrescem os problemas de saúde que, embora minimizados pelo tratamento a que vem sendo submetido, carecem de ulterior acompanhamento, para consolidação de resultados positivos futuros, quando é certo que se encontra provado que ao longo da pena de prisão foram ainda registados episódios relacionados com crises de pânico na sequência de ansiedade elevada. Além disso, tais problemas de saúde encontram-se, segundo o próprio recorrente, na origem do seu comportamento criminal, na medida em que igualmente se encontra demonstrado que o mesmo o justifica com os problemas graves de ansiedade que vivenciava. Nestas circunstâncias, a conclusão a que chegou o tribunal a quo no sentido de que se verificam as apontadas necessidades de prevenção especial, não nos merece qualquer censura. Por outro lado, concluiu ainda o tribunal a quo que: (…) se evidenciam necessidades de prevenção geral, exigências de tutela do ordenamento jurídico concretizadas na reafirmação da validade e vigência da norma penal violada. O tempo de manutenção da reclusão não pode alhear-se do sentimento social de profunda reprovação que decorre da lesão dos bens jurídicos protegidos, pelo que a colocação na situação de liberdade condicional, neste momento, abalaria a confiança da consciência jurídica comunitária no seu sistema protetor de bens jurídico criminais e a pena deixaria de ter utilidade como instrumento de pacificação social. O cidadão comum e, eventualmente, mesmo o incomum não compreenderia o benefício tão cedo da libertação, ainda que condicionada. No que respeita às exigências de prevenção geral reconhecidas pelo tribunal recorrido, afirma o recorrente que, como consta do já mencionado relatório social, não existem indicadores de alarme social não sendo esperadas reações adversas ao condenado no meio sociocomunitário. Consta ainda do mesmo relatório que: Acresce o facto de a prática criminal ter sido cometida no local de residência anterior (Torres Vedras). Como resulta dos autos o recorrente, embora preso, veio indicar como nova morada: Praça …, Tarouca, através de requerimento de 20-09-2022 (com a ref.ª citius 1751599), ou seja, no distrito de Viseu. Sucede que as exigências de prevenção geral, não poderão ser avaliadas e ponderadas, apenas limitadas ou restringidas à área onde o crime foi cometido. A defesa do ordenamento jurídico, enquanto finalidade primacial da aplicação das penas, não é avaliada em função de uma restrita área geográfica, antes se aferindo em função do sentimento geral comunitário. Ora, as exigências de prevenção, quando é certo que o recorrente cumpre a pena de seis anos e seis meses de prisão pela prática de quatro crimes de incêndio florestal, três deles agravados, são inequivocamente de grau elevadíssimo. O sentimento geral da comunidade é de profunda repulsa por crimes dessa natureza, atentas as consequências trágicas, não raras vezes de autêntica catástrofe, que os incêndios florestais acarretam, e acarretaram num passado ainda muito recente no País, na memória de todos, porquanto dificilmente serão alguma vez esquecidos mesmo por aqueles que apenas à distância assistiram. De acordo com o art.º 4º da Lei n.º 55/2020, de 27 de Agosto (Lei de Política Criminal - biénio 2020-2022), tendo em conta a dignidade dos bens jurídicos tutelados e a necessidade de proteger as potenciais vítimas, são considerados fenómenos criminais de prevenção prioritária, entre outros, o crime de incêndio florestal (alínea n)). Como se consignou no ANEXO a que se refere o art.º 20.º de tal diploma legal: A defesa da floresta como ativo económico e como fator de equilíbrio dos ecossistemas assim como a proteção de pessoas e bens contra incêndios florestais pressupõem, a par de políticas ativas que eliminem ou reduzam as condições facilitadoras dos fogos florestais, a existência e a atualização de planos de prevenção de incêndios de etiologia criminosa, assim como uma reação criminal célere e efetiva. A intervenção direcionada e altamente estruturada, com marcada cooperação interinstitucional, que se desenvolveu no último ano conduziu ao resultado esperado, com uma diminuição significativa dos números relativos ao crime de incêndio florestal. Contudo, atentas a perigosidade e a elevada danosidade deste tipo de ilícito, importará manter a sua prevenção como prioritária, incluindo-o também no leque dos crimes de investigação prioritária. O crime de incêndio é, assim, considerado de intervenção e investigação prioritárias e, quando violada a norma jurídico-penal incriminadora que o tipifica, exige-se uma resposta eficiente em termos penais com vista ao restabelecimento da confiança da comunidade, sendo inequívocas as exigências de prevenção geral de grau elevadíssimo quanto a tal tipo de crime (v. o Ac. do STJ de 15-07-2020, proferido no processo nº 415/19.0JAVRL.S1 e ainda o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-10-2022, proferido no processo nº 364/18.0GAALQ.L4-3). Neste quadro, não nos merece qualquer censura a conclusão a que chegou o tribunal a quo: a colocação na situação de liberdade condicional, neste momento, abalaria a confiança da consciência jurídica comunitária no seu sistema protetor de bens jurídico criminais. Com efeito, a gravidade dos crimes praticados e a danosidade social a eles inerente, torna inevitável a conclusão de que a colocação do recorrente em liberdade condicional após o cumprimento de apenas metade da pena em que foi condenado, resultaria na frustração das expectativas comunitárias na revalidação das normas jurídico-penais violadas. Nestes termos, as exigências de prevenção geral impedem a concessão da liberdade condicional a meio da pena. Consequentemente, não se encontram verificados os pressupostos de natureza material contidos no art.º 61º do Código Penal, dos quais depende a concessão da liberdade condicional, pelo que é de manter a decisão recorrida. Terá assim de improceder o presente recurso. * IV. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida. Custas a cargo do arguido, fixando-se em três U.C.s a taxa de justiça (art.º 513º/1 do Código de Processo Penal). Notifique. Lisboa, 6 de Julho de 2023 (anterior ortografia, salvo as transcrições ou citações, em que é respeitado o original) Elaborado e integralmente revisto pela relatora (art.º 94.º n.º 2 do C. P. Penal) Paula Cristina Bizarro Antero Luís João Abrunhosa |