Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | LUÍS ESPÍRITO SANTO | ||
| Descritores: | COMPETÊNCIA TERRITORIAL PROVIDÊNCIA CAUTELAR PLURALIDADE DE ARGUIDOS | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 09/26/2006 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário: | I- O tribunal territorialmente competente para o procedimento cautelar comum onde se pede que as requeridas se abstenham de continuar a utilizar determinado slogan publicitário e de impedir ou prejudicar a campanha publicitária da requerente é o tribunal onde deve ser proposta a acção respectiva (artigo 83º, nº1, alínea c) do Código de Processo Civil). II- Essa acção de natureza inibitória cujo pedido deve ser considerado, para os presentes efeitos, em função da concreta pretensão apresentada no procedimento cautelar, está sujeita à regra geral constante do artigo 85º/1 do Código de Processo Civil, impondo-se atentar no disposto no artigo 87º sendo demandados vários requeridos. (SC) | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ( 7ª Secção ). I – RELATÓRIO. Intentou S. […] S.A., com sede […] Vialonga, procedimento cautelar não especificado, nos termos do art.º 381º e seguintes, do Cod. Proc. Civil, contra U. […] SGPS, com sede […9 Matosinhos ; U. […] S.A., com sede na Matosinhos ; S.[…] S.A., com sede […] em Lisboa. Alegou essencialmente que as requeridas promoveram uma campanha publicitária relativamente a um produto já existente e directamente concorrente com os seus produtos, com apropriação das ideias subjacentes a uma campanha publicitária anteriormente concebida por esta, mormente através da abusiva utilização do slogan “ leve na boa “ associado a uma marca de cerveja, que seria agora lançada no mercado. Fizeram-no com o exclusivo intuito de prejudicar a campanha publicitária concebida pela requerente. Consequentemente, pede que as requeridas sejam intimadas a abster-se de continuar a utilizar nesta ou noutra campanha publicitária, ou para qualquer outro fim, a concepção utilizada pela requerente na sua campanha, o slogan “ Leve na boa “, ou outros semelhantes e que possam com ele confundir-se sob pena de ficarem obrigadas a liquidar uma sanção pecuniária compulsória de € 100.000,00 por cada dia em que se mantenha tal comportamento ; as requeridas sejam intimidas para que se abstenham de através de qualquer meio, forma, ou medida, incluindo solicitação judicial ou administrativa de medidas, impedir ou prejudicar a campanha publicitária da requerente, sob pena de ficarem obrigadas a liquidar uma sanção pecuniária compulsória de € 100.000,00 por cada infracção ; que sejam apreendidos à ordem dos autos, as apresentações, maquetes, esboços, planos e quaisquer outros documentos que consubstanciem a campanha publicitária que foi efectuada pelas requeridas e que se encontram na posse da terceira requerida ; que seja efectuada inspecção judicial às instalações da 3ª requerida, que assistiu as 1ªs requeridas, para que sejam apreendidos as apresentações, maquetes, esboços, planos e quaisquer documentos que consubstanciam a campanha publicitária que efectuaram. Foi ordenada a citação das requeridas para deduzirem oposição. Veio a requerida S.[…] S.A. apresentar a sua oposição, na qual conclui no sentido de que deve negar-se provimento à providência cautelar requerida. Vieram a U.[…] S.A. e U.[…]S.A., deduzir oposição à presente providência cautelar, suscitando a incompetência material e territorial do Tribunal, a cumulação ilegal de providências, bem como a falta de pressupostos da providência cautelar. Respondeu a requerente às excepções suscitadas, pugnando pela sua improcedência. Foi proferida decisão, conforme fls. 294 a 296, declarando incompetente, em razão do território, a 1ª Vara Cível de Lisboa, atribuindo tal competência ao Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos e ordenando a remessa dos autos, após trânsito, a este último Tribunal. É desta decisão que vem interposto o competente agravo, que veio a ser admitido conforme despacho de fls. 321. Juntas as respectivas alegações, a fls. 325 a 334, formulou a agravante as seguintes conclusões : 1º - O nº 1, do art.º 83º, do Cod. Proc. Civil, determina que a competência para os procedimentos cautelares é fixada por conexão com a acção principal da qual estes dependem ou venham a depender. 2º - Não tendo, ainda, sido instaurada a acção definitiva e principal cuja eficácia este procedimento visa assegurar, a natureza dessa acção terá que ser definida de acordo com a causa de pedir e as medidas que consubstanciem os pedidos formulados e que conformam os presentes autos. 3º - A A. invoca ser titular dum direito moral de autor sobre um “ slogan “ publicitário, constituindo este, apesar do seu carácter imaterial ou incorpóreo, uma coisa por determinação do art.º 202º, do Cod. Civil. 4º - A violação de quaisquer direitos reais, que têm uma eficácia erga omnes obrigando todos quantos se relacionem com o seu titular a respeitá-los, origina, quando ocorra qualquer violação, responsabilidade civil extracontratual. 5º - Alegando as requerentes que as requeridas violaram esse direito, que afirma pertencer-lhe, é evidente que a afectação dos seus direitos será efectuada através dos mecanismos da responsabilidade civil extracontratual. 6º - E não colide com esse entendimento o facto de nenhuma indemnização pecuniária ser pedida neste processo, porquanto esse requisito não é necessário para que assim se possa caracterizar a natureza do procedimento e da acção que se lhe seguirá, pois o art.º 562º, do Cod. Civil estabelece o princípio da reconstituição natural, quando possível, sendo essa que pretende obter-se com a abstenção na qual se pede que as requeridas sejam intimadas e na apreensão requerida. 7º - O facto ilícito, correspondente à campanha publicitária em causa em violação dos direitos morais da requerente, teve repercussões em todo o país, o que só por isso permitiria a instauração da acção em Lisboa. 8º - Não obstante e ainda que assim não se entendesse, a prática desse facto ilícito ocorreu com a preparação da campanha, que foi efectuada pela 3ª requerida que tem sede e instalações em Lisboa e que aí a criou, ao contrário daquilo que afirmam as 1ªs requeridas. 9º - Para o comprovar bastará verificar que a 3ª requerida alega, designadamente, que foi convidada a estar presente na Conferência de Vendas de 2006 da U.[…] que teve lugar em Lisboa. 10º - Nessa conferência as 1ªs requeridas deram um briefing para a concretização das medidas de carácter publicitário que seriam integradas naquilo que denomina a “ campanha de Carnaval “ e que é aquela que agora está em causa. 11º - Foi com base nesse briefing e outras informações prestadas que, de acordo sempre com a versão da 3ª requerida, esta preparou a campanha publicitária, tendo produzido todo o material e meios de divulgação. 12º - O facto ilícito considera-se praticado no local onde ocorreu o último dos actos de execução, sendo aí que pode considerar-se consumado e é por esse local que se determina o foro competente. 13º - Tendo a 3ª requerida instalações em Lisboa, o facto ilícito ocorreu nessa comarca, sendo competente para julgar o presente procedimento cautelar, bem como a acção da qual venha a depender, este Tribunal. 14º - As 1ªs requeridas, embora juridicamente autónomas, fazem parte dum mesmo grupo empresarial, com sede no mesmo local e têm, nestes autos, um interesse absolutamente idêntico, estando colocadas em idêntica posição. 15º - Apresentam a sua oposição em conjunto, sem qualquer distinção de fundamentos, estão representadas pelos mesmos ilustres mandatários e pagaram uma única taxa de justiça. 16º - A sua situação processual é equivalente à de um único sujeito processual, para efeitos do art.º 87º, do Cod. Proc. Civil, podendo, pois, nos termos dessa disposição – ainda que se considerasse aplicável – e face ao local da sede da 3ª requerida, a requerente ter apresentado este procedimento cautelar na comarca de Lisboa. 17º - Aliás, como ensina Miguel Teixeira de Sousa, “ na hipótese de pluralidade de réus o autor deve propor a acção no tribunal do domicílio do maior número deles, mas pode optar entre o domicílio de qualquer réu se for igual o número de domicílios diferentes “ ( “ A Nova Competência dos Tribunais Civis, Lex, 1999, pags. 42 e 43 ). Apresentaram as 1ªs requeridas contra-alegações, pugnado pela manutenção do decidido. Foi proferido despacho de sustentação conforme fls.367. II – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS. O conhecimento do presente recurso reconduz-se à apreciação duma única questão de direito, a saber : Qual o Tribunal territorialmente competente para o procedimento cautelar não especificado onde se pede, essencialmente, que as requeridas se abstenham de continuar a utilizar determinado slogan publicitário e de impedir ou prejudicar a campanha publicitária da requerente, sob pena da aplicação duma sanção pecuniária compulsória. Passemos à sua análise : Nos termos gerais do art.º 83º, nº 1, alínea c), do Cod. Proc. Civil, é competente para este procedimento cautelar o tribunal em que deva ser proposta a acção respectiva. Face à estrutura imprimida à presente providência cautelar, tem de considerar-se, para estes efeitos, que a acção principal correspondente deverá ter a natureza duma acção inibitória, visando salvaguardar o pleno exercício dos direitos da requerente, os quais têm a ver com a propriedade do slogan em apreço e com a salvaguarda dos direitos patrimoniais decorrentes da campanha publicitária do novo produto denominado “ Sagres Chopp “. Não é possível, com a necessária segurança, afirmar, neste momento e com vista à determinação da competência territorial do Tribunal, que na acção principal a requerente irá efectivar contra as requeridas a responsabilidade civil baseada em facto ilícito. Sendo provável que tal possa vir a acontecer, não é certa a sua verificação, havendo, na falta de outros elementos, que conjecturar o pedido principal que aí será deduzido por referência à concreta pretensão apresentada no procedimento cautelar (1). Pretendendo-se evitar, por via desta providência, a produção de danos para a esfera jurídica da requerente, há que aceitar como possível (2) que os mesmos não venham a ocorrer, deixando sem sentido, por falta de objecto, a interposição duma acção de efectivação de responsabilidade civil e a exigência de qualquer pedido indemnizatório ou de reconstituição natural (3). Não nos encontramos, portanto, no âmbito da previsão do art.º 74º, nº 2, do Cod. Proc. Civil (4). Na ausência de outros elementos que permitam definir a competência territorial para a interposição da acção principal de que este procedimento depende, teremos que nos socorrer da regra geral constante do art.º 85º, nº 1, do Cod. Proc. Civil, segundo a qual, “ em todos os casos não previstos nos artigos anteriores ou em disposições especiais é competente para a acção o tribunal do domicílio do réu “. In casu, o requerente dirigiu a presente providência cautelar contra três entidades juridicamente distintas : U. […]SGPS, com sede […] Matosinhos ; U.[…] S.A., com sede […9 Matosinhos ; S.[…] S.A., com sede […9 em Lisboa (5). Dispõe o art.º 87º, do Cod. Proc. Civil : “ Havendo mais do que um réu na mesma causa, devem ser todos demandados no tribunal do domicílio do maior número ; se for igual o número nos diferentes domicílios, pode o autor escolher o de qualquer deles “. Na situação sub judice, a maioria das requeridas tem sede na área do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos. Logo, a acção terá que ser proposta no domicílio do maior número de demandados (6). Assim sendo, o Tribunal competente, em razão do território, para o conhecimento dos autos é efectivamente o Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos. Não há lugar à aplicação da regra constante na segunda parte da transcrita disposição legal (7) por não se verificar o pressuposto exigido pela sua previsão : que seja igual o número de diferentes domicílios (8). O agravo não merece provimento. III - DECISÃO : Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao agravo, mantendo a decisão recorrida. Custas pela agravante. Lisboa, 26 de Setembro de 2006. ( Luís Espírito Santo ) ( Isabel Salgado ) ( Soares Curado ) ______________________________ 1.-Ou seja, dever-se-á, na ausência de outros elementos, considerar que na acção principal será formulado um pedido coincidente com o deduzido no procedimento cautelar respectivo mutatis mutandis. 2.-Pressupondo a sua procedência e eficácia. 3.-O próprio ponto II do articulado da requerente faz alusão aos “ Prejuízos susceptíveis de serem provocados e que visa evitar-se. “. 4.-Sendo certo que, mesmo à luz do critério constante do art.º 74, nº 2, do Cod. Proc. Civil e perante os elementos de facto constantes da petição, não é possível concluir que a prática do acto ilícito gerador de responsabilidade extra-contratual ocorreu ou se consumou, exclusiva ou predominantemente, na área de circunscrição relativa ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. Na dúvida, dever-se-ia sempre dar prevalência ao princípio do “ favor debitoris “ que domina o vasto sector do direito das obrigações, conforme salienta, a este propósito, Antunes Varela in “ Manual de Processo Civil “, pags. 206 e 207. 5.-Afigura-se-nos que a autonomia jurídica que se verifica entre a 1ª e 2ª requeridas é suficiente para que tenham que ser consideradas como dois sujeitos processuais distintos ( nada obstando, à partida, que tivessem constituído mandatários judiciais diversos e adoptado estratégias processuais diferentes e mesmo antagónicas ). Não poderão ser, de modo algum, tecnicamente qualificadas como um único sujeito processual. 6.-Vide, sobre este ponto, Prof. José Alberto dos Reis, in “ Comentário ao Código de Processo Civil “, Volume I, pags. 256 a 257. 7.-A transcrição constante da conclusão 17ª do agravo não conduz à solução propugnada pela agravante. Basta ler o exemplo que Miguel Teixeira de Sousa dá imediatamente a seguir ao texto transcrito : “ Suponha-se, por exemplo, uma acção de anulação de um contrato celebrado com um sujeito domiciliado em Évora e com duas partes domiciliadas em Lisboa ; neste caso, deve propor a acção no Tribunal de 1ª instância de Lisboa. “ ( in “ A Nova Competência dos Tribunais Civis “, pags. 42 a 43). 8.-In casu, Lisboa 1, Matosinhos 2. |