Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA CARLOS DUARTE DO VALE CALHEIROS | ||
Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA ENRIQUECIMENTO À CUSTA DE TERCEIRO PRESCRIÇÃO JUROS DE MORA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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Sumário: | Sumário: ( da responsabilidade da Relatora ) I – Nos presentes autos não está em causa o cumprimento de obrigação alheia na convicção errónea de estar obrigado para com o devedor a cumpri-la mas antes de uma obrigação própria , emergente de contrato de seguro , tratando-se assim de uma obrigação da Autora que esta cumpriu apesar da mesma ser inexistente por se ter extinguido por caducidade . II - Verificou-se o enriquecimento do Réu na medida em que a quantia referente a dívida fiscal era devida não pela Autora mas por um terceiro. III - Considerando a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa apenas com o trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito da acção em que veio reclamar da tomadora do seguro o reembolso do que pagara ao aqui Réu com fundamento no contrato de seguro , a Autora tomou conhecimento da insubsistência dessa pretensão , e do direito a obter a restituição desse valor com fundamento no enriquecimento sem causa. IV - Os juros sobre a quantia a restituir pelo Réu são devidos apenas a partir da citação face ao disposto no artigo 480º do C.P.C., uma vez que não foi proferida qualquer decisão pelo tribunal tributário a declarar a caducidade do seguro , e conforme já se referiu essa caducidade não é automática , não sendo possível concluir que o Réu teve conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO GENERALI SEGUROS, S.A., identificada nos autos, instaurou acção declarativa com processo comum contra o Estado Português, pedindo que o Réu seja condenado a pagar à Autora: a) a quantia de € 107.181,56 a título de enriquecimento sem causa; b) a quantia de € 30.093,62 relativa ao valor dos juros referidos no art.º 480º, al. b) do Código Civil; c) os juros, à taxa legal em vigor, desde a data da entrada da presente acção até integral pagamento, nos termos do art.º 480º, al. b) do Código Civil”. Para tanto alegou que tendo sido interpelada pela Autoridade Tributária , na qualidade de beneficiária de um determinado seguro-caução, para dar pagamento a determinada quantia da qual era devedora a “Mundiglobe”, garantia esta que a AT sabia que havia caducado , procedeu ao pagamento da referida quantia , invocando o enriquecimento sem causa do Réu . O Réu contestou , invocando a prescrição do direito da Autora e pugnando pela improcedência do pedido. Foi proferida sentença que decidiu julgar improcedente a a acção , absolvendo o Réu do pedido. Inconformada com a decisão a Autora veio interpor recurso , apresentando as seguintes conclusões , que se transcrevem : 1. A Apelante vem interpor o presente Recurso porquanto o Tribunal julgou a ação improcedente com o argumento de que se não verifica o requisito de "enriquecimento" pois a causa de pedir era o enriquecimento sem causa. 2. Fundamentou no sentido de que a verificação da caducidade que cabia ao Tribunal Tributário, a mesma não é de conhecimento oficioso e nada permitia afirmar que a AT tinha conhecimento de tal declaração. 3. A origem da questão está no processo de execução fiscal que correu termos no Serviço de Finanças de Lisboa 8, sob o n.º ..., e que, no âmbito deste processo executivo, a Apelante pagou à AT, na data de 20/06/2016, o valor do imposto de € 107.181,50, que havia garantido. 4. Ora, nesse processo executivo, a executada Mundiglobe. S.A., requereu ao Tribunal Tributário, em 02/12/2006, o pedido de caducidade da garantia. 5. Enquanto parte processual na execução fiscal em causa, a AT foi notificada do pedido de caducidade da caução-garantia para efeitos do Contraditório, naturalmente. 6. Assim como enquanto parte processual na execução fiscal, a AT foi notificada da declaração de caducidade pelo Tribunal Tributário. 7. A AT tinha total conhecimento de que a caução-garantia havia caducado, ao contrário do que afirma a douta Sentença. 8. Outro dos argumentos que o Tribunal lançou mão para justificar a ausência de "um Enriquecimento", foi que, perante a AT, existia uma dívida fiscal que não foi paga pela executada (...) pelo que o pagamento da mesma não constitui uma vantagem patrimonial. 9. Esquecendo que a devedora fiscal na relação jurídica em causa era a ... e não a Apelante. 10. A Apelante garantia, apenas e tão só, o pagamento do valor do imposto. 11. O nosso direito substantivo, no que respeita a um dos exigidos requisitos atinentes ao enunciado instituto do enriquecimento sem causa pressupõe, numa enumeração exemplicativa, três situações especiais... condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir, extrato retirado do AC. S.T.J.,04/07/2019, Relator Exmo. Cond. Oliveira de Abreu,7.°secção,Proc.n.2048/15.1T8STB.P1.S1, sob o nº V do Sumário e referido nas Alegações. 12. E no VI do Sumário do mesmo Ac."O desaparecimento posterior da causa, condizente à tradicional condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir) caracteriza-se por alguém ter recebido uma prestação em virtude de uma causa que, entretanto, deixou de existir, donde verificada a deslocação patrimonial mediante uma prestação, a causa há-de ser a relação jurídica que essa visa satisfazer e se esse fim falta, a obrigação dela resultante fica sem causa." 13. No caso concreto, a AT recebeu da Apelante, a prestação pecuniária de € 107.181,50, cuja causa era a garantia prestada por esta perante aquela, do pagamento do imposto. 14. Declarada pelo Tribunal Tributário a caducidade da referida caução e tendo sido pedido, pela AT, o respetivo pagamento, verifica-se uma deslocação patrimonial para os cofres da AT pois falta-lhe o fim (ou seja, a garantia de pagamento) e, então, a obrigação daí resultante fica sem causa. 15. O enriquecimento consiste numa melhoria da situação patrimonial do obrigado (leia-se AT) a restituir, representando a diferença entre o estado atual do seu património e o estado em que ele se encontraria se não tivesse lugar a deslocação, sem causa, de valores "Prof. Vaz Serra, in Revista da Legislação e Jurisprudência, ano 102, pág.337, nota 2, extrato referido nas Alegações. 16. Assim porque a AT recebeu uma prestação sem causa (ou seja, havia sido declarada a caducidade da garantia), houve, contrariamente ao afirmado pelo Tribunal, uma deslocação de valores (€.107.181,50) que melhorou a situação patrimonial da AT e que, como tal, é obrigada a devolver esse valor recebido de uma entidade que não tinha de pagar, ou seja, sem causa. 17. Decidindo como decidiu, violou o Tribunal o art.473.°/1 do C.C. 18. O art.473.°/1 C.C., no seu elemento enriquecimento, deve ser entendido ou interpretado no sentido de que o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial sem justa causa, independentemente da forma que essa vantagem revista. Termos em que requer a revogação da Sentença em causa e que seja substituída por outra que julgue procedente por provado o presente Recurso, devendo o processo baixar ao Tribunal de Primeira Instância para a prossecução dos seus ulteriores termos processuais até final. O Recorrido contra-alegou , apresentando as seguintes conclusões , que se transcrevem: 1 - A Autora/Apelante garantiu, mediante um contrato de seguro-caução firmado com a sociedade Mundiglobe, titulado pela apólice 71.00001777, o pagamento à Autoridade Tributária, no âmbito do processo de execução fiscal nº ..., uma dívida fiscal desta última ao Estado, no valor de 107.181,56 EUR. 2 – Tal dívida foi discutida, apreciada e declarada no processo de impugnação judicial que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal com o nº .../05 3 - A Autoridade Tributária, beneficiária do seguro de caução, accionou a garantia, tendo o montante devido sido pago pela Autora ao Estado em 20.06.2016. 4 – A sociedade Mundiglobe apresentou no processo nº .../05, em 2.12.2005, um requerimento, solicitando que fosse reconhecida a caducidade da garantia (seguro-caução), atento o decurso de tempo. 5 – O Tribunal não proferiu, quanto a tal requerimento, qualquer decisão. 6 – O Juízo Central Cível de Loures reconheceu, no processo nº .../17, em que foram partes processuais Generali Seguros, S.A., como Autora, e Mundiglobe, como Ré, a caducidade da garantia, confirmada nas instâncias de recurso, com trânsito em julgado em 12.01.2022. 7 – O Estado Português/Autoridade Tributária não conhecia, ao tempo em que reclamou o sobredito pagamento, a caducidade do seguro-caução, nem podia conhecer, tendo somente tomado conhecimento dos factos com a citação para os termos da presente acção. 8 – Não cabia à Autoridade Tributária declarar a sua caducidade, nem a mesma foi declarada no processo de impugnação que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal com o nº .../05 9 – A Autoridade Tributária não foi parte processual no processo nº .../17 10 – A sociedade Mundiglobe deu conhecimento à Autora/Apelante, por carta datada de 26.09.2005, que se encontrava a requerer no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal o cancelamento do seguro-caução. 11 – A sociedade Mundiglobe, após o envio de tal comunicação, não voltou a pagar qualquer quantia relativa ao contrato de seguro-caução e a aqui Autora não voltou a emitir quaisquer recibos para que a Mundiglobe procedesse ao pagamento dos respectivos prémios. 12 – A Autora tinha todo o interesse na declaração de caducidade do seguro-caução, posto que retiraria da mesma toda a utilidade. 13 - O Réu Estado/Autoridade Tributária não obteve qualquer benefício, porquanto a dívida fiscal existia por não ter sido paga pela executada ... 14 - O património da Autora não empobreceu, na medida em que se obrigou pelo contrato de seguro-caução a assegurar o pagamento do montante devido à Autoridade Tributária. 15 – A dívida fiscal era da sociedade Mundiglobe, mas a Autora, ao satisfazer a mesma, cumpriu uma obrigação própria, em virtude do contrato de seguro-caução, e não alheia. 16 - Inexiste, tal como exige o instituto do enriquecimento sem causa, qualquer equilíbrio a restabelecer. Pelo exposto, manifesta razão tem o Mmº Juiz a quo, cuja decisão – claramente legal, douta e justa – deve ser mantida nos seus precisos termos. Foram ouvidas as partes nos termos preconizados pelo artigo 665º , nº 2 e nº 3 do C.P.C. para se pronunciarem sobre a apreciação da excepção peremptória de prescrição invocada pelo Réu , que o tribunal a quo julgara prejudicada , pronunciando-se apenas o Recorrente , pugnando pela improcedência da arguida excepção. Colhidos os vistos legais cumpre decidir. II – OBJECTO DO RECURSO O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões formuladas pelo Recorrente na motivação do recurso em apreciação , estando vedado a este Tribunal conhecer de questões aí não contempladas , sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se impõe ( artigos 635º , nº 2 , 639º , nº1 e nº 2 , 663º , nº2 e 608º , nº 2 , do C.P.C. ) Deste modo , e considerando as conclusões do recurso interposto , a questão que cumpre apreciar é a de saber se o tribunal errou quando julgou não se verificar a obrigação de restituição por parte do Réu fundada no instituto do enriquecimento sem causa . III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal a quo julgou provado que: 1. A Autora denominava-se anteriormente Seguradoras Unidas, S.A. que, por sua vez, incorporou a Açoreana Seguros, S.A. 2. Correu termos no Serviço de Finanças de Lisboa 8, contra a Sociedade Comercial denominada MUNDIGLOBE TRADING - Comércio Internacional, S.A. o processo de execução Fiscal nº .... 3. A executada MUNDIGLOBE celebrou, em 15 de fevereiro de 2001 e pelo prazo de 1 ano e seguintes, um contrato de seguro “caução directa” com a Açoreana Seguros S.A., titulado pela apólice nº 71.00001774. 4. A beneficiária deste seguro-caução era a Direcção Geral de Impostos. 5. Porque a Sociedade MUNDIGLOBE não efectuou o pagamento do valor em divida no identificado processo de execução fiscal, a Direcção Geral de Impostos, enquanto beneficiária da apólice, accionou a garantia de caução. 6. Por ofício nº 1112, datado de 16/02/2016, a Direcção Geral de Impostos, reclamou à ora Autora o pagamento de € 107.181,56. 7. A Autora pagou à Direcção Geral de Impostos, em 20/06/2016, o referido valor de € 107.181,56. 8. Após o pagamento efectuado à Direcção Geral de Impostos, intentou a ora Autora uma acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra a MUNDIGLOBE, a qual correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Cível ... – Juiz ..., sob o nº .../17 9. Nesta acção, invocando o direito de regresso, a ora Autora peticionou a condenação da MUNDIGLOBE a pagar-lhe a quantia de € 107.181,56, acrescida de juros de mora, pretendendo o reembolso do montante pago por via do contrato que celebrara com esta, pelo qual se obrigou a garantir perante a administração fiscal o pagamento da indemnização devida pela Ré resultante do processo de execução fiscal nº ...-01/17, visando o contrato a suspensão desse processo de execução fiscal, instaurado contra a Ré. 10. No âmbito dessa acção cível, a MUNDIGLOBE veio invocar, em sua defesa, que fosse reconhecida a caducidade da garantia. 11. O Tribunal, julgando procedente a excepção peremptória da caducidade, absolveu a Ré (MUNDIGLOBE) do pedido, decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo STJ, tendo esta decisão transitado em julgado em 12/01/2022. 12. Foi apresentada reclamação graciosa que deu entrada na Direção de Finanças do Funchal em 22/06/2001. 13. Indeferida a reclamação, foi interposto recurso hierárquico. 14. A decisão de indeferimento proferida em recurso hierárquico levou à apresentação de acção administrativa especial que foi convolada em impugnação judicial, acção esta que correu termos no 2ª Juízo, 2ª Secção, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, sob o nº .../05 15. Nesta acção, foi requerido pela MUNDIGLOBE, em 02/12/2005, que fosse reconhecida a caducidade da garantia (seguro-caução) atenta a verificação do decurso de tempo. 16. Na acção intentada pela ora Autora contra a MUNDIGLOBE, ficou provado que: “1. A Autora dedica-se à actividade seguradora. 2. No exercício da sua actividade, a Autora celebrou com a Mundiglobo Trading – Comércio Internacional, S.A., actualmente designada por Mundiglobe Trading – Comércio Internacional, S.A., um acordo mediante o qual aquela se obrigou a garantir perante a Administração Fiscal o pagamento das indemnizações devidas pela segunda, resultantes do processo de execução fiscal nº ...-01/17, nos termos do artg. 169º/2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, conforme condições constantes dos documentos de fls. 8 a 12. 3. O acordo teve início em 15 de outubro de 2001, foi celebrado pelo prazo de um ano e seguintes, e veio a ser titulado pela apólice nº 71.00001774 de fls. 8. 4. O referido acordo teve em vista a suspensão do processo de execução fiscal nº ...-01/17, instaurado no Serviço de Finanças de Lisboa 8 contra a Ré. 5. A Ré não procedeu ao pagamento do valor em dívida no referido processo de execução fiscal. 6. Razão pela qual, o beneficiário da apólice – Direcção Geral dos Impostos – Serviço de Finanças de Lisboa 8 – accionou a garantia mencionada em 2, conforme ofício nº 1112 de 2016-02-16, sob o “Assunto: Execução da garantia”, onde refere, relativamente à caução directa emitida pela autora com o nº 71.001774, no montante de 107.181,56 EUR, que foi julgado improcedente o processo de impugnação judicial nº .../05, que o executado, notificado para os devidos efeitos, não se apresentou a efetuar o pagamento dos valores em dívida dentro do prazo estabelecido, pelo que deve a seguradora, na qualidade de entidade que prestou a garantia, efetuar o pagamento da dívida existente. 7. Peticionando o valor em dívida de 107.181,56 EUR, que correspondia ao capital da apólice. 8. Na sequência do ofício nº 1112 de fls. 13 dirigido pelo serviço de finanças à Autora, esta tentou contactar diversas vezes o responsável da Ré, o que fez por carta. 9. Não tendo a Autora obtido qualquer resposta. 10. Em face da ausência de resposta da Ré e das obrigações assumidas no supra mencionado acordo, a Autora pagou o montante total de 107.181,56 EUR (cento e sete mil e oitenta e um euros e cinquenta e seis cêntimos), à Direcção Geral dos Impostos – Serviço de Finanças de Lisboa. 11. O montante despendido com a regularização do pagamento ao beneficiário não foi até à presente data reembolsado pela Ré. 12. O acordo mencionado em 2. Destinava-se à obtenção de efeito suspensivo no âmbito da acção administrativa especial, convolada em impugnação judicial da decisão de indeferimento do recurso hierárquico deduzido na sequência do indeferimento da reclamação graciosa, referente nomeadamente à liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas nº ..., respeitante ao exercício de 1998, que correu termos no 2º Juízo, 2ª Secção do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal sob o nº .../05 13. A referida acção judicial foi instaurada na sequência da execução fiscal nº ...-01/17 14. A respectiva reclamação graciosa deduzida contra, designadamente, a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas nº ..., respeitante ao exercício de 1998, deu entrada na Direcção de Finanças do Funchal em 22 de junho de 2001. 15. Em 5 de dezembro de 2005, o mandatário da ré requereu no âmbito do processo nº .../05 do 2º Juízo, 2ª Secção do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que fosse reconhecida caducidade da garantia prestada no âmbito do processo executivo referido em 13., a que se reporta o acordo mencionado em 2., nos termos do documento de fls. 47-49, onde refere que a reclamação graciosa da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas do exercício de 1998 deu entrada na Direção Distrital de Finanças do Funchal em 22 de julho (sic) de 2001, encontrando-se o processo a correr termos actualmente nesse Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, pelo que decorrem mais de três anos sobre a data da apresentação da reclamação. 16. A ré comunicou em 26/09/2005 à sua mediadora de seguros – Rentimedis – o cancelamento da garantia, incluindo cópia da carta remetida à A. 17. A Ré efectuou idêntica comunicação à A. por carta datada de 26 de setembro de 2005, sob o “Ass: Seguro-Caução nºs 71.774 e 71.820”, com o seguinte teor: Vimos por esta via informar que estamos requerendo ao Tribunal Administrativo do Funchal o Cancelamento dos Seguros Cauções acima enunciados em epígrafe e emitidos pelos valores de 107.181,55 EUR e 726.402,78 EUR, respectivamente, pela vossa prezada instituição. Este cancelamento está relacionado com a obrigatoriedade dos Contribuintes prestarem Caução à Direcção Geral de Impostos pelo prazo mínimo de 3 anos contados desde a data de solicitação/prestação da caução relativamente aos processos que se encontram em apreciação pelos Tribunais. Oportunamente enviaremos cópia do requerimento solicitando ao Tribunal o Cancelamento daquelas cauções. Em face do acima exposto é nossa intenção não proceder ao pagamento dos prémios referentes aos novos períodos daqueles seguros; Caução 71.774 de 15/10/2005 a 15/10/2006 (…) pelo facto de a primeira perfazer 4 anos (…)”. 18. A Ré, desde que enviou tais comunicações, não voltou a pagar qualquer quantia relativa ao acordo mencionado em 2. 19. Desde então, a autora não voltou a emitir nem a enviar quaisquer outros recibos para que a ré procedesse ao pagamento dos respectivos prémios devidos pelo acordo mencionado em 2. 20. Nem enviou quaisquer avisos de pagamento ou efectuou quaisquer comunicações relativas ao seguro-caução em questão ou respectivos prémios. 21. Não foi proferida qualquer decisão, nem pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, nem pela administração fiscal, sobre o requerimento de fls. 47-49. 22. A autora não recebeu por parte do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal indicação de que a garantia tinha caducado. 23. A autora não recebeu qualquer comunicação do beneficiário (Direcção Geral de Impostos – 2 DF Lisboa) dando conta da caducidade da garantia.”. 17. Por acórdão do TCA de 16/04/2013, proferido no processo nº 5709/12, foi mantida a decisão proferida pelo TA do Funchal no Proc. nº .../05 que julgou improcedente a impugnação, mantendo o despacho impugnado. IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Insurge-se a Recorrente contra a decisão do tribunal a quo de julgar não se verificar a obrigação de restituição por parte do Réu fundada no instituto do enriquecimento sem causa . No âmbito dos presentes autos a Autora peticionou a condenação do Réu a restituir-lhe a quantia de 107 181,56 euros, invocando para fundamentar a sua pretensão o instituto do enriquecimento sem causa, alegando ter procedido ao pagamento ao mesmo Réu dessa quantia , e fazendo apelo à previsão dos artigos 473º e 478º do C. Civil. Para tanto alegou que foi interpelada pela Autoridade Tributária , na qualidade de beneficiária de um seguro-caução, para pagar a quantia de 107 181,56 euros da qual era devedora a “Mundiglobe”, garantia esta que a mesma sabia que havia caducado , e deste modo o Réu enriqueceu o seu património nesse valor à custa da Autora , que por seu lado empobreceu na mesma proporção. Dispõe o artigo 473º do Código Civil que aquele que sem causa justificativa enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou, tendo a obrigação de restituir por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir. Constituem assim requisitos do enriquecimento sem causa: - a verificação de enriquecimento; - a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; - a ausência de causa justificativa para o enriquecimento. Conforme escreveu Ana Prata , “ o enriquecimento é entendido pela grande maioria da doutrina como o reflexo no património do enriquecido de um facto não justificado juridicamente “. ( Código Civil Anotado . Volume I , Coordenação Ana Prata , 2017 , anotação Ana Prata , pág. 613 ) Trata-se assim de “ uma deslocação patrimonial de uma esfera para outra ou , pelo menos , o radicar , numa esfera , de uma vantagem que , de acordo com critérios comuns , deveria caber a outra “ ( Menezes Cordeiro , Tratado de Direito Civil-VII- Direito das Obrigações , 2017 , pág. 207 ) A este propósito escreveu Menezes Leitão que "a ausência de causa jurídica deve ser definida em sentido objectivo, como a não obtenção do fim visado com a prestação. Haverá assim lugar à restituição da prestação sempre que esta é realizada com vista à obtenção de um determinado fim, e esse fim não vem a ser obtido". (Direito das Obrigações, vol. I, 6ª edição, pág. 421) Decorre dos autos que o caso em análise integra a previsão do artigo 476º , nº 1 , do C. Civil , o pagamento do indevido , que “ constitui um mero caso particular da figura geral do enriquecimento sem causa “. ( Pires de Lima e Antunes Varela , Código Civil Anotado , volume I , 4ª ed. , pág. 462 ) Importa não olvidar que “ na fixação do regime do pagamento indevido , a lei distingue três hipóteses: a. O cumprimento de obrigação inexistente ( objectivamente indevido )- art.476º; b. O cumprimento de obrigação alheia , na convicção errónea de se tratar de dívida própria (subjectivamente indevido )- art.477º. c. O cumprimento de obrigação alheia , na convicção errónea , de se estar vinculado , perante o devedor ao cumprimento desta – art. 478º.” ( Pires de Lima e Antunes Varela , Código Civil Anotado , volume I , 4ª ed. , pág. 462 ) Ora a Autora procedeu ao pagamento da quantia cuja restituição é reclamada nos autos em virtude de contrato de seguro de caução que celebrara com a sociedade Mundiglobe no âmbito da acção de impugnação judicial que correu termos no 2ª Juízo, 2ª Secção, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, sob o nº .../05, seguro do qual era beneficiária a Autoridade Tributária , a qual accionou essa garantia porque a referida Mundiglobe não efectuou o pagamento do valor em divida no identificado processo de execução fiscal. Concorda-se assim com o tribunal a quo que não trata aqui do cumprimento de obrigação alheia na convicção errónea de estar obrigado para com o devedor a cumpri-la mas antes de uma obrigação própria , emergente de contrato de seguro. Do que se trata assim é de uma obrigação da Autora que esta cumpriu apesar da mesma ser inexistente por se ter extinguido por caducidade . Com efeito “ a faculdade de repetir o indevido supõe ter havido a intenção de cumprir uma obrigação que não existia “ , sendo certo que “ deve considerar-se também como não existente a obrigação a que podia ser oposta uma excepção que excluísse a sua eficácia”. ( Pires de Lima e Antunes Varela , Código Civil Anotado , volume I , 4ª ed. , págs. 462 e 463 ) Assim o que está previsto no nº 1 do artigo 476º do C. Civil é “ um caso específico de enriquecimento sem causa , pois se não havia o intuito de liberalidade e esta não existia , verifica-se uma deslocação patrimonial de todo injusta , por não ser razoável ou juridicamente admissível que o beneficiário da prestação continue a conservá-la no seu património “( Acórdão da Relação de Guimarães de 17.5.2006 , rel. Rosa Tching , disponível em www.dgsi.pt ) Importa não olvidar que “ em qualquer caso o cumprimento de uma obrigação à qual poderia ser aposta uma excepção peremptória deve ser equiparada à inexistência da obrigação para efeitos do art.476º , nº 1. Logo a não oposição da excepção , por desconhecimento ( por regra ) da sua verificação à data do cumprimento da prestação não obsta à repetição do indevido “ . ( Acórdão da Relação de Coimbra de 25.3.2014 , rel. Folque de Magalhães , disponível em www.dgsi.pt ) Não se concorda com o entendimento subscrito pelo tribunal a quo de que não se verificou o primeiro dos requisitos da obrigação de restituição fundada em enriquecimento sem causa uma vez que existindo um dívida fiscal que não foi paga pela respectiva devedora o pagamento da mesma pela Autora não constituiu uma vantagem patrimonial do Réu . Efectivamente verificou-se o enriquecimento do Réu na medida em que a quantia referente a dívida fiscal era devida não pela Autora mas por um terceiro. Na verdade, “ o enriquecimento à custa de outrem significa que , em regra , a vantagem patrimonial alcançada por um sujeito ( o enriquecido ) resulta no sacrifício económico correspondente suportado por outro ( o empobrecido ) – a vantagem de um deve resultar do prejuízo do outro , ou este provir daquele “ ( Acórdão da Relação do Porto de 10.7.2024 , rel. João Ramos Lopes , disponível em www.dgsi.pt ) Deste modo existiu enriquecimento do Réu à custa da Autora , sem que existisse uma obrigação jurídica de pagar por parte da mesma , não existindo por conseguinte causa justificativa para o recebimento da quantia de € 107.181,56 pelo Réu. O Réu veio invocar a prescrição do direito da Autora obter a restituição fundada em enriquecimento sem causa , alegando que esta tomou conhecimento em 2005 da intenção da ... de obter o reconhecimento da caducidade do seguro no processo tributário , fazendo apelo ao disposto no artigo 482º do C. Civil. Dispõe o artigo 482º do C. Civil que o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento. Sucede que ao contrário do que é defendido pelo Réu os factos apurados não permitem concluir que a Autora teve conhecimento do direito à restituição fundada no enriquecimento sem causa em 2005 . Pelo contrário , à Autora não foi dado conhecimento de qualquer decisão do tribunal a declarar a caducidade desse seguro , que aliás nunca foi proferida , nem a Autora era parte nesse processo tributário , sendo certo que a caducidade em causa não era automática conforme decorre do artigo 183ºA , nº 1 , b) e nº 3 , do Código de Procedimento e de Processo Tributário . Deste modo , e considerando a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa , apenas com o trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito da acção em que veio reclamar da tomadora do seguro o reembolso do que pagara ao aqui Réu com fundamento no contrato de seguro , a Autora tomou conhecimento da insubsistência dessa pretensão , e do direito a obter a restituição desse valor com fundamento no enriquecimento sem causa. Conforme decidido pelo Acórdão do S.T.J. de 21.6.2022 , “ no enriquecimento sem causa o prazo especial , breve , de 3 anos estabelecido no artigo 482º do Código Civil conta-se a partir do momento em que o empobrecido fica ciente dos factos determinantes do enriquecimento à sua custa e a saber quem assim resultou beneficiado”. ( rel. Pedro Lima Gonçalves , disponível em www.dgsi.pt ) Assim , “ o prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa ( art.482º do CC) não se inicia enquanto o empobrecido tiver à sua disposição outro meio ou fundamento que justifiquem a restituição “. ( Acórdão da Relação de Évora de 25.10.2024 , rel. Manuel Bargado , disponível em www.dgsi.pt ; no mesmo sentido ver a jurisprudência do S.T.J citada no Acórdão do S.T.J. de 21.6.2022 , rel. Pedro Lima Gonçalves , disponível em www.dgsi.pt ) Fazendo apelo ao decidido pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 27.4.2017 , não ocorre” a prescrição enquanto o direito não puder ser exercido, conforme se prescreve no artigo 306º do Código Civil e , encontrando-se pendente controvérsia sobre uma alegada responsabilidade da seguradora por virtude de um acidente de trabalho ( fonte do invocado enriquecimento ) , a qual veio a ser dirimida em sentido negativo , por sentença proferida pelo tribunal de trabalho , só após o trânsito dessa decisão , o empobrecido poderia desencadear a acção de restituição por enriquecimento , pelo que só a partir de tal data se poderá iniciar a contagem do prazo de três anos contemplado no art.482º do C.C. “. ( rel. Ondina Carmo Alves , disponível em www.dgsi.pt ) Tendo a presente acção sido intentada antes de decorridos três anos do trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito da acção que instaurara contra a tomadora do seguro não se extinguiu por prescrição o direito da Autora à restituição com base no enriquecimento sem causa. Está assim o Réu obrigado a pagar ao Réu a a quantia de € 107.181,56 , sendo no entanto os juros sobre essa quantia devidos apenas a partir da citação face ao disposto no artigo 480º do C.P.C.. Com efeito , não foi proferida qualquer decisão pelo tribunal tributário a declarar a caducidade do seguro , e conforme já se referiu essa caducidade não é automática , não sendo possível concluir que o Réu teve conhecimento da falta de causa do seu enriquecimento. Conforme decidido pelo Acórdão da Relação de Coimbra de 2.11.2010 ,“ não resultando da matéria factual apurada o conhecimento da Ré da falta de causa daquele enriquecimento é manifesto que tais juros só serão devidos – à taxa supletiva legal estipulada para os juros civis ( …) a partir da data da citação para esta acção “.(rel. Isaías Pádua , disponível em www.dgsi.pt ) Procede assim parcialmente o recurso.. V – DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente o recurso e , em consequência, revogam a sentença recorrida, condenando o Réu a pagar à Autora a a quantia de € 107.181,56 , acrescida de juros de mora à taxa legal , contados desde a data da citação. Custas pela Recorrente e pelo Recorrido , na proporção de ¼ para a primeira e de ¾ para o segundo .( artigo 527º , do C.P.C.) L., d.s. Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros Carla Figueiredo Rui Manuel Pinheiro de Oliveira |