Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1077/12.1TVLSB.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: DEPÓSITO BANCÁRIO
CONTITULARIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - Aquele que pretende afirmar a propriedade exclusiva de dinheiro depositado em contas bancárias solidárias, tem de ilidir a presunção constante do art. 516º do Código Civil, ou seja, que os valores pecuniários pertencem em partes iguais aos co-titulares.
- Incumbe ao titular que procede ao levantamento de metade do dinheiro em depósito o ónus de prova do propósito do co-titular de aumentar o património daquele.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:   Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


 R… residente em …, e P… residente…, propuseram a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra O…, residente em … pedindo que se declarasse pertencerem à herança aberta por óbito de A… as quantias depositadas em conta bancária aberta no Banco Popular, balcão de Monção, antes co-titulada por ela e pelo Réu; se declarasse serem os Autores os únicos e universais herdeiros de A…; e se condenasse o Réu a entregar-lhes a quantia depositada na referida conta bancária, de que se apropriou dias antes do falecimento de A…, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegaram para o efeito, e em síntese, serem - respectivamente - Marido e Filho de A…, falecida em 05 de Maio de 2009, e por isso seus únicos e universais herdeiros.
Mais alegaram que, vivendo a mesma maritalmente com o Réu, e sendo ambos co- titulares de uma conta bancária aberta junto do Banco Popular, balcão de Monção, o dinheiro aí depositado pertencia exclusivamente aquela, resultando de poupanças próprias e do trabalho que desenvolvia em Portugal, já que o Réu nem trabalhava, nem tinha quaisquer outros rendimentos.
Por fim, os Autores alegaram que, informado da morte iminente de A… por doença prolongada, o Réu procedeu - sem autorização daquela e em proveito próprio - ao levantamento do dinheiro depositado, pretendendo por isso eles próprios reavê-lo aqui.
Pessoal e regularmente citado, o Réu contestou, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo ele próprio absolvido do pedido.
Alegou para o efeito, também em síntese, não terem tido os Autores, nos últimos vinte anos, qualquer contacto com A... , desconhecendo por isso que a mesma não trabalhava, ao contrário dele próprio, tendo ainda depositado regularmente na conta bancária em causa nos autos os rendimentos do seu trabalho.
Mais alegou beneficiar da presunção legal prevista no art. 5160 do C.C., isto é, de ser de sua propriedade metade dos fundos aí depositados; e ter-lhe A... doado verbalmente a metade própria, em reconhecimento do carinho e da assistência que sempre lhe prodigalizou, nomeadamente na doença prolongada de que foi acometida.
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Factos PROVADOS:
1 – A… nos últimos anos de vida, viveu maritalmente com O…, aqui Réu.
(acordo das partes - artigo 4° da petição inicial)
2 - O período em que o Réu viveu maritalmente com A… (conforme facto provado n° 2) ocorreu entre 1999 até ao falecimento desta, em 05 de Maio de 2009.
(Tema da Prova lU - artigo 10°)
3 - A...  amealhou poupanças em França, e - já em Portugal - «deitava cartas» a Terceiros, com periodicidade e remuneração não apuradas
(Tema da Prova I - artigo 1°)
4 – A… foi co-titular, em regime de solidariedade, com o Réu, da conta bancária n" 0486045282600, na Caixa Geral de Depósitos, Agência de Monção, sendo os últimos movimentos efectuados sobre ela em 2007, e tendo a mesma um saldo nulo em 05 de Maio de 2014.
(Tema da Prova I - artigo 2°; artigo 5°, n° 2 do C.P.C.)
5 – A… e o Réu eram contitulares de uma conta bancária, no balcão de Monção do Banco Popular.

(acordo das partes - artigos 3° e 4° da petição inicial, e artigos 27° e 28° da contestação, limitados porém a esta precisa [actualidade)
6 -  A… foi titular da conta bancária n° 147.060.00053.52, aberta em 31 de Janeiro de 2007, e da conta bancária nº147.060.00303.33, aberta em 22 de Fevereiro de 2008, no Banco Popular, Balcão de Monção.
(Tema da Prova I - artigo 2°; artigo 5°, n° 2 do C.P.C.)
7 - As contas bancárias que A… possuía no Banco Popular, Balcão de Monção, referidas no facto anterior, eram co-tituladas pelo Réu, em regime de solidariedade.
(Tema da Prova I - artigo 3°; artigo 5°, n° 2 do C.P.C.)
8 - Nos seus últimos três anos de vida, encontrando-se bastante doente, A… decidiu, conjuntamente com o Réu, abrir, em 31 de Janeiro de 2007, uma conta de depósito à ordem no Banco Popular Português, S.A, na Agência de Monção, que assumiu o número 0046.0147.00600005352.68, e a modalidade de conta conjunta solidária.
(Tema da Prova lU - artigo 14°)
9 - A… nutria pelo Réu sentimentos de gratidão, afectividade, carinho e apoio.
(Tema da Prova III - artigo 17°)
10 - O que esteve na base dos Titulares optarem pelo tipo de conta (solidária) referida no facto enunciado sob o número 08 foi a relação de confiança que existia entre ambos.
(Tema da Prova lU - artigo 15°)
11 - O Réu dispôs do dinheiro depositado na conta bancária referida nos factos anteriores, nomeadamente constituindo depósitos e efectuando levantamentos.
(Tema da Prova III - artigo 19°)

12 - O dinheiro depositado na conta bancária n° 147.060.00053.52, e na conta bancária n° 147.060.00303.33, no Banco Popular, Balcão de Monção, no dia 29 de Abril de 2009, correspondia a conta bancária n° 147.060.00053.52 - € 51.414,94 (estando € 50.000,00 num depósito a prazo, e € 1.414,00 num depósito à ordem); conta bancária n° 147.060.00303.33 - € 40.064,89 (correspondendo € 40.000,00 a um depósito a prazo, e € 64,89 aos juros remuneratórios respectivos).
(Tema da Prova I - artigo 6°)
13 – A… faleceu de doença do foro oncológico; e, no último internamento, de 30 de Abril a 05 de Maio - no Hospital de Viana do Castelo (actualmente, Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE) -  estava na fase terminal de vida.
(acordo das partes - artigos 3° e 4° da petição inicial, limitados porém a esta precisa factualidade)
14 - Foi O Réu quem deu assistência a A… durante a sua doença.
(Tema da Prova 111 - artigo 11°)
15 - No último internamento hospitalar de A… - ocorrido de 30 de Abril a 05 de Maio de 2009 - em fase terminal de vida, o Réu foi informado do possível fim de vida daquela.
(Tema da Prova 11 - artigo 7°)
16 - Entre os dias 29 de Abril e 05 de Maio de 2009, o Réu procedeu ao levantamento de todo o dinheiro depositado na conta bancária nº 147.060.00053.52, e na conta bancária n° 147.060.00303.33, conforme se discrimina:
- conta bancária n° 147.060.00053.52 - em 29 de Abril de 2009, cancelou o depósito a prazo de € 50.000,00; em 30 de Abril de 2009, levantou € 12.000,00 em numerário; em 04 de Maio de 2009, levantou € 12.000,00 em numerário; em 04 de Maio de 2009, transferiu para outra conta, por si exclusivamente titulada, a quantia de € 26.003,85; e em 05 de Maio de 2009, levantou € 1.070,00 em numerário;
-  conta bancária n° 147.060.00303.33 - em 29 de Abril de 2009, cancelou o depósito a prazo de € 40.000,00; em 04 de Maio de 2009, levantou € 200,00 em numerário; em 04 de Maio de 2009, transferiu para outra conta, por si exclusivamente titulada, a quantia de € 40.000,00 (que antes constituía um depósito a prazo, cancelando-o); em 05 de Maio de 2009, levantou € 61,04 em numerário.
(Tema da Prova 11 - artigos 7° e 8"; artigo 5°, n° 2 do C.P.C.)
17 - O Réu pagou despesas de medicamentos e de hospital de A..., e foi ele quem pagou as despesas do seu funeral.
(Tema da Prova 111 - artigo 12°)
18 - Nos últimos dez anos de vida de A…, os Autores não se deslocaram a Monção para a verem; e, informados pela Família do seu grave estado de saúde, não se deslocaram a Portugal para a verem, nem compareceram ao funeral.
(Tema da Prova 111 - artigo 13°)
19 - No dia 02 de Fevereiro de 2010, no Cartório Notarial sito na Quinta da Oliveira, em Monção, compareceram perante a respectiva Notária L…, M… e J…, que proferiram as declarações exaradas no original do documento que é fls. 09 a 11 dos autos, epigrafado «HABILITAÇÃO DE HERDEIROS», que aqui se dá por integralmente reproduzido, e onde nomeadamente se lê:
«( .. .)
DECLARARAM OS OUTORGANTES:
Que têm perfeito que no dia cinco de Maio de dois mil e nove, na freguesia de Viana do Castelo (Monserrate), concelho de Viana do Castelo, faleceu A…, no estado de casada sob o regime de comunhão de adquiridos com R…, natural que era da freguesia de … concelho de Monção, tendo tido a sua última residência habitual na Rua…, freguesia e concelho de Monção.
Que lhe sobreviveram como únicos e universais herdeiros:
A) Seu cônjuge sobrevivo, R…, dela viúvo, natural de França, residente…; B) Seu filho, P…, maior , residente em …
Que a finada não fez testamento ou qualquer outra disposição de sua última vontade.
Que, segundo a lei, não há ninguém que concorra com os indicados herdeiros à sucessão da referida A… (…)»
(documento autêntico - certidão notarial que é fls. 09 a 11 dos autos, não arguida de falsa; artigo 1° da petição inicial)

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A final foi proferida esta decisão:

“Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, julgo totalmente improcedente a presente acção - proposta por R…e por P…, contra R.. - e, em consequência, absolvo o Réu de todos os pedidos formulados contra si.”
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É esta decisão que os AA impugnam, formulando estas conclusões:
A - Tendo em conta os documentos juntos pelo Banco Popular, Balcão de Monção, e que constam de fls. 162 a 173, bem como os documentos de fls. 136, que referem a aquisição de um veículo automóvel em Espanha, e o de fls. 36 a 38, que revelam as declarações do Réu/apelado, no sentido de que possui um estabelecimento de café, em Salvaterra do Minho, Espanha, o Tribunal recorrido teria que dar como provado que, "O Réu levou para Espanha, ou transferiu para conta própria, o dinheiro de A…, onde adquiriu com ele vários bens." - Ponto 6' (Tema da Prova II - artigo 8°) dos factos não provados.
B - Quer pelos documentos referidos na conclusão anterior, quer, ainda, pelo documento junto aos autos a fls. 229, pela Unidade Local de Saúde do Alto Minho, e atendendo aos ditames da experiência comum, a forma e o tempo da transferência dos dinheiros que pertencia a A…, sem qualquer escrito particular, desta, e afirmando na sua contestação que tal lhe foi doado, e que não conseguiu provar tal doação, deveria ser dado como provado que: "Foi sem autorização ou consentimento de A… que o Réu procedeu aos levantamentos de fundos da conta bancária nº 147.060.00053.52, e da conta nº 147.060.00303.33, no Banco Popular, Balcão de Monção, nos dias próximos do falecimento daquela." - Ponto 7' (Tema da Prova II - artigo 9°) dos factos não provados.
C - Dados como provados tais factos, a ação teria que proceder, de acordo com o apurado e dado como provado.
D - Caso contrário, mesmo considerados como não provados os temas de prova das conclusões A e B, a ação teria que proceder quanto à entrega dos dinheiros pertencentes à falecida A..., aos seus herdeiros legitimários, os AA. Apelantes, pelo Réu/apelado.
E - A decisão recorrida em que não condenou o Réu/apelado a entregar aos AA. apelantes a metade do saldo que pertencia a A..., na qualidade de seus únicos e universais herdeiros, não tem qualquer fundamento jurídico.
F - Tal decisão é apenas justificada por que ficou por demonstrar que, o apossamento do dinheiro de A..., pelo Réu/apelado, tenha sido à revelia da falecida A… e contra a sua vontade, ónus de prova que competia aos AA. apelantes.
G - Porém, mesmo que fosse com autorização da dona do dinheiro, como não se provou O "animus donandi", não existiu a tradição ou transferência da propriedade do dinheiro pertencente à falecida A...
H - Não existindo a tradição dos dinheiros e o "animus donandi" por parte da falecida A..., jamais se poderá considerar dono de tal dinheiro o Réu/apelado, pertencendo, tal dinheiro (metade dos dinheiros depositados), ao acervo hereditário da falecida A...
I - E, assim, fosse o Réu/apelado condenado a entregar aos AA./apelantes a metade do saldo, na qualidade de únicos e universais herdeiros de A...
J - A sentença de que se recorre ao decidir em sentido contrário das conclusões anteriores, não especificou os fundamentos de direito que justificassem tal decisão.
L - Pelo que tal sentença é nula nos termos da al. b), do nº 1, do Art. 615°, do C.P.C.
M - A sentença recorrida violou, entre outros, os dispositivos legais constantes dos Art. 2032° e segs. do Código Civil e Art." 615°, n." 1, al. b), do C.P.C.

O apelado contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

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Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artº 663 nº2 ,608 nº2.635 nº4 e 639nº1 e 2 do Novo Código de Processo Civil , aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho , aplicável por força do seu artº 5 nº1,em vigor desde 1 de Setembro de 2013 ), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso  ,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, o que aqui está em causa é a alteração à decisão sobre a selecção da matéria de facto; o ónus de prova do animus donandi e a nulidade da decisão

A)  No que respeita à selecção da matéria de facto
Na 1ª instância ou na Relação, a questão é sempre de valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação.
Em ambos os casos vigoram para os julgadores de ambos os Tribunais as mesma regras e princípios, dos quais avulta o da livre apreciação da prova ou sistema da prova livre (por contra posição ao regime da prova legal), consagrado no art. 655º-1.
 Quer isto dizer que a prova há-de ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formação de juízos e raciocínios que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão dos pontos de facto sob avaliação. Deve, ela, ainda ser considerada globalmente, conjugando todos os elementos disponíveis e atendíveis (art. 515º CPC).
Finalmente, no âmbito dessa valoração das provas no seu conjunto, poderão os julgadores lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais – art. 351º C. Civil.  Numa palavra, a Relação deverá formar e fazer reflectir na decisão a sua própria convicção, na plena aplicação e uso do princípio da livre apreciação das provas, nos mesmos termos em que o deve fazer a 1ª Instância, sem que se lhe imponha qualquer limitação, relacionada com convicção que serviu de base à decisão impugnada, em função do princípio da imediação da prova.    

Atento este quadro conceptual, o que decidir?
Os apelantes pretendem que se provem estes factos:
1- "O Réu levou para Espanha, ou transferiu para conta própria, o dinheiro de A..., onde adquiriu com ele vários bens." - Ponto 6' (Tema da Prova II - artigo 8°) dos factos não provados; 2-"Foi sem autorização ou consentimento de A... que o Réu procedeu aos levantamentos de fundos da conta bancária nº 147.060.00053.52, e da conta nº 147.060.00303.33, no Banco Popular, Balcão de Monção, nos dias próximos do falecimento daquela." - Ponto 7' (Tema da Prova II - artigo 9°) dos factos não provados.

Os depoimentos das testemunhas, pessoas próximas do R e da falecida A... , apenas confirmam a “boa”relação marital entre o R e a falecida A..., nada mais sabendo sobre as suas relações patrimoniais. Adiantam ainda que os AA sempre se mantiveram ausentes desta última, tanto no período em que esta viveu em Portugal como no período da doença
Aliás, não é por acaso que os apelantes não invocam qualquer depoimento em abono da sua defesa.
Os documentos emitidos pelas entidades bancárias retratam a objectividade dos movimentos bancários e nada mais do que isso, como é lógico.
Ora, se as testemunhas não dão ao Tribunal quaisquer outros elementos que permitam apurar o que está subjacente ao teor dos documentos, obviamente, que apenas consideramos este último.[1]
Assim sendo, nada há a alterar acerca dos factos apurados.

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2) ónus de prova do animus donandi
O Exmº Sr. Juiz chegou a estas conclusões:
“…. Repete-se, porém, que no caso concreto não ficou provado o animus donandi de A... - relativamente à metade dos saldos bancários de que era proprietária -  nomeadamente à data da abertura de conta; e assim se torna inócua a posterior faculdade de movimentação da conta exercida desde então pelo Réu, já que não pode a mesma - sem mais - ser tida como tradição, tanto mais que o dinheiro continuou ali depositado (neste sentido, Ac. do STJ, de 12.06.2012, Salazar Casanova, Processo n'' 1874/09.5TBPVZ.PI.SI; e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume Ill, 2010, 78 edição, pág. 185, nota 391)…
Por outras palavras, encontrando-se a mesma então viva, mantendo com o Réu uma relação em tudo análoga à de cônjuges, sendo aquele quem a assistia na prolongada doença de que veio a falecer - pagando nomeadamente despesas de medicamentos e de hospital - (factos provados enunciados sob os números 01, 02, 08, 09, 10, 14 e 17), ficou por demonstrar que tenha sido à sua revelia, e contra a sua vontade, que o Réu procedeu ao levantamento de dinheiro seu, ónus de prova que competia aos Autores satisfazer.”
Vejamos
O depósito bancário é um contrato unilateral, uma vez que dele só resultam obrigações para o banco. Este tem como obrigação a restituição da quantia depositada e, em alguns casos, a obrigação de pagamento de juros, e a estas não se contrapõe qualquer obrigação a cargo do depositante”-[2]
Os depósitos podem ser singulares, se apenas uma pessoa é a sua titular, ou plurais se tal titularidade pertencer a mais que uma pessoa ou entidade.
Estes – os plurais – podem ser conjuntos ou solidários.
Como se refere na obra citada - pág. 131:
“….Depósito solidário é “Aquele em que qualquer dos credores (depositantes ou titulares da conta), apesar da indivisibilidade da prestação, tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral, ou seja, a o reembolso de toda a quantia depositada (acrescida dos respectivos juros, se os houver) e em que a prestação assim efectuada libera o devedor (o banco depositário) para com todos eles (art. 512º do Código Civil)”.
A faculdade de qualquer dos co-titulares do depósito bancário, sem a autorização dos demais, poder levantar a totalidade da quantia depositada exprime um
regime de solidariedade activa.
Os titulares de conta bancária solidária têm o direito de crédito de poder exigir do Banco a restituição integral do depósito, nem sempre coincidindo tal direito, com o direito real de propriedade, ou compropriedade sobre o dinheiro depositado

Por isso, não é legitimo afirmar-se que qualquer co-titular da conta solidária é dono do dinheiro. Dono do dinheiro é aquele que puder afirmar o seu direito de propriedade, ou compropriedade, sobre ele.
O art. 516º do Código Civil estabelece que “nas relações entre si se presume que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito”.
À luz dos princípios enunciados temos de concluir que, desde logo, aquele que pretende afirmar a propriedade exclusiva de dinheiro depositado em contas bancárias solidárias, tem de ilidir a presunção constante do art. 516º do Código Civil, ou seja, que os valores pecuniários pertencem em partes iguais aos co-titulares.

Não é o caso da situação jurídica em análise; o que aqui está em causa é a metade da quantia depositada e que o R levantou em virtude da doação feita pela falecida A... (segundo alegação).    
 Quanto à doação:

  O art. 940º do Código Civil define doação nos seguintes termos:
“1. Doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente.
2.  Não há doação na renúncia a direitos e no repúdio de herança ou legado, nem tão pouco nos donativos conformes aos usos sociais”.

A doação é um contrato pelo, qual o doador “à custa do seu património, aumenta o activo do outro contraente, atribuindo-lhe um direito”-[3]
Com efeito, a doação é um meio translativo da propriedade da coisa ou do direito doados – art. 964º a) do Código Civil.
Normalmente, com a doação o doador pretende beneficiar terceiros, que sente na obrigação moral de recompensar, por motivação ligados a sentimentos de gratidão e afectividade.
“As doações, são, na grande maioria, contratos pelos quais um dos sujeitos, à custa do seu património, aumenta o activo do outro contraente, atribuindo-lhe um direito.
Em sentido amplo são todas as liberalidades (directas ou indirectas) para além das deixas testamentárias.
Em sentido restrito são as liberalidades “mortis causa” de estrutura contratual e as liberalidades “inter vivos” que vão enriquecer, sem intervenção de terceiro, o activo do beneficiário”
[4] - (Galvão Telles, obra e local citados).
A proposta de doação caduca se não for aceita em vida do doador – nº1 do art. 945º do Código Civil – que, no seu nº2, estabelece que vale como aceitação a tradição para o donatário, em qualquer momento, da coisa móvel doada, ou do seu título representativo.
Concordamos que no caso de contas conjuntas ,o simples facto de existirem não significa que tenha havido a tradição das respectivas quantias aos contitulares[5]
Porém, se se provar que foi intenção do titular que depositou o dinheiro que este passasse a ser proprietário do outro titular, podendo dele dispor como entendesse, então estamos face a uma doação acompanhada da “traditio” do bem doado
Daí que o cerne deste recurso se prenda com a satisfação do ónus de prova desse animus donandi….
De forma inequívoca, ao abrigo do artº 342 nº2, 344, 350 nº2 do CC, atenta a presunção extraída dos artigos 512, 516 do CC [6]  incumbia ao R essa prova, ou seja, de todos os factos que levassem o Tribunal a concluir que a falecida A... teve como intenção /objectivo que o dinheiro, na metade que lhe pertencia , passasse a ser da propriedade do R.
E tal não sucedeu, como concluiu o Exmº Sr Juiz.
Porém, na sentença impugnada parte-se do principio que aos AA incumbiria o ónus de prova de que os levantamentos feitos pelo R o tivessem sido à revelia e sem o consentimento da falecida A...; termos em que o pedido dos AA foi julgado improcedente.
Afigura-se-nos que esta conclusão do Exmº Sr. Juiz confunde duas realidades, a saber:
--o levantamento do dinheiro por parte do R apenas se insere na possibilidade de o efectuar por ser co-titular de uma conta conjunta. O que significa que a questão da propriedade do dinheiro levantado pelo R é outro aspecto, e que “ultrapassa” o mero levantamento por um titular. Pretender que o levantamento do dinheiro, ainda que com autorização e consentimento da A… signifique que esta o doou ao R , é um “salto no desconhecido”; lembremo-nos, por exemplo, da hipótese de um levantamento consentido para uma outra qualquer finalidade da falecida A….
Tal como já dissemos, incumbiria ao R o ónus de prova de que levantou o dinheiro, no que concerne à metade, em função do propósito da outra co-titular (A...) em aumentar o património daquele, por via do direito de propriedade sobre o dinheiro.
Tal não sucedeu, como bem é explicitado na decisão impugnada.
Consequentemente, essa metade fará parte do acervo hereditário

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3) Nulidade da sentença
Inexiste qualquer nulidade, como vicio da sentença, porquanto os fundamentos, tanto de facto como de direito, estão explícitos.
O que sucedeu é que as premissas de que o Exmº Sr Juiz partiu não sustentam a conclusão. Logo, o silogismo judiciário é falso.
    
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Conclusão: incumbiria ao R o ónus de prova de que levantou o dinheiro, no que concerne à metade, em função do propósito da outra co-titular (A…) em aumentar o património daquele, por via do direito de propriedade sobre o dinheiro.
Como tal não sucedeu, persiste a presunção de contitularidade do dinheiro; termos em que é essa metade do montante total depositado pela A…que constitui o acervo hereditário a partilhar pelos seus herdeiros.

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Pelo exposto, acordam em julgar a apelação procedente nos seguintes termos:
– Vai o R condenado a entregar aos RR, herdeiros legitimários de A…, metade do dinheiro depositado nas contas bancárias nº 147.060.00053.52 e 147.060.00303.33 do Banco Popular, e levantado entre o dia 29 de Abril e 5 de Maio de 2009 .

Custas pelo R.

12/03/15


Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida e Costa
Carla Mendes

[1]  O mesmo se passando, obviamente, com o documento emitido pela entidade espanhola e relativa ao veículo do R.
[2] cfr. “O Contrato de Depósito Bancário”, de Paula Ponces Camanho, 1998, pág.117-118.
[3]cfr. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações” – 6ª edição, pág
 81.    
[4] Obra citada, pag 81
    
[5] O proprietário pode permitir que que outrem disponha de coisa sua ,sem que necessariamente queira com isso significar que lha d
  
[6] Cf a este propósito o acórdão citado na decisão impugnada, a fls 278