Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
45/14.3YUSTR-C.L1-5
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
DECISÃO INTERCALAR
DECISÃO FINAL
RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/22/2014
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA O VICE-PRESIDENTE DA RELLAÇÃO
Decisão: INDEFERIMENTO
Sumário: I - Não são recorríveis autonomamente os despachos proferidos durante a audiência de julgamento e antes de proferida a decisão final do recurso.

II - O regime legal de recursos no âmbito dos processos de ilícito de mera ordenação social é diverso do estabelecido no C. P. Penal.
III - Em face do direito processual expressamente estabelecido em tal matéria a admissibilidade de um recurso por aplicação do regime estabelecido pelo C. P. Penal apenas poderia operar por força da aplicação dos princípios gerais de direito, a começar pela lei fundamental, se tal se impusesse pela necessidade de acautelar valores juridicamente relevantes, como seriam as invocadas garantias de defesa do reclamante.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:
JR…, arguido nos autos, reclama, nos termos do disposto no art.° 405.° do C. P. Penal, do despacho proferido pelo Tribunal reclamado em 18/9/2014, o qual não admitiu quatro recursos por eles interpostos dos despachos proferidos, dois em 7/7/204, um em 8/7/2014 e outro em 14/7/2014, pedindo que os recursos sejam mandados admitir com fundamento, em síntese, em que os recursos devem ser admitidos por aplicação subsidiária do regime de recursos do C. P. Penal, em especial do seu art.° 400.°, uma vez que a omissão no RGCO quanto a despachos proferidos no decurso do processo não poderá constituir objeção à recorribilidade de tais despachos, nem violação das garantias de defesa elencadas no art.° 32.° da Constituição.

O despacho reclamado, a fls. 310-311, não recebeu os recursos com fundamento, em síntese, em que "em sede contraordenacional apenas são de admitir os recursos das decisões finais, ao abrigo do art.° 73.° do RGCO... ", sendo "... ainda recorríveis os despachos interlocutórios que não tendo unicamente repercussões no processo, afetem autonomamente, direitos das pessoas, cuja violação se efetive independentemente do trânsito em julgado da decisão final...", o que no caso concreto não acontece.
Os recursos em causa versam sobre reagendamento da inquirição de duas testemunhas (7/7), alteração da ordem de inquirição de testemunhas (7/7), leitura de depoimentos prestados na fase administrativa, alteração da ordem de inquirição de testemunhas (8/7) e audição de um interveniente processual (14/7).

São estes os recursos que não foram admitidos pelo despacho reclamado.

Conhecendo.
O cerne da presente reclamação situa-se em saber se é admissível recurso autónomo dos despachos recorridos para este Tribunal da Relação, sendo certo que não é questionada nos autos a sua recorribilidade no âmbito da impugnação da decisão final sobre o recurso, a proferir pelo Tribunal reclamado.
Pretende o reclamante que deve ser aplicável, tout court, o regime de recursos do C. P. Penal, do qual resulta, por aplicação a contrario do disposto no art.° 400.° do mesmo código, que os recursos por si interpostos são admissíveis por não estar estabelecida a sua irrecorribilidade.

Diversamente decidiu o Tribunal reclamado com fundamento no disposto no art.° 73.° do RGCO, o qual permite concluir, a contrario, pela irrecorribilidade autónoma dos despachos proferidos durante a audiência de julgamento e antes de proferida a decisão final do recurso.
O Tribunal reclamado intervém no âmbito deste processo em fase de recurso da decisão proferida pela entidade administrativa, interposto nos termos do disposto no art.° 59.° RGCO e a decidir nos termos do disposto nos artºs 64.° a 72.°-A do mesmo RGCO.

Este mesmo regime jurídico, a que são aplicáveis subsidiariamente os preceitos reguladores do processo criminal sempre que o contrário dele não resulte (art.° 41.°, n.° 1 do RGCO), estabelece no art.° 73.° um regime de recursos para o Tribunal da Relação diverso do estabelecido no C. P. Penal, nomeadamente no seu art.° 400.°. Não restam, assim, dúvidas de que o regime legal de recursos no âmbito dos processos de ilícito de mera ordenação social é diverso do estabelecido no C. P. Penal.
Em face do direito processual expressamente estabelecido em tal matéria a admissibilidade de um recurso por aplicação do regime estabelecido pelo C. P. Penal apenas poderia operar por força da aplicação dos princípios gerais de direito, a começar pela lei fundamental, se tal se impusesse pela necessidade de acautelar valores juridicamente relevantes, como seriam as invocadas garantias de defesa do reclamante.
Ora, tal não acontece no caso sub judice em que estão em causa atos processuais cuja legalidade e validade processual sempre poderá ser sindicada no recurso a interpor da decisão final.
Ao contrário do expendido pelo reclamante, não vislumbramos, pois, que seja diretamente aplicável o regime de recursos estabelecido no C. P. Penal, nem que essa aplicação seja imposta pela necessidade de defesa de valores juridicamente protegidos, que de outro modo ficariam desacautelados.

Pelos fundamentos expostos não podemos, pois, deixar de indeferir a presente reclamação.

Custas pelo reclamante.

Notifique.

Lisboa, 22 de Outubro de 2014.

Orlando Nascimento

Vice-Presidente do TRL