Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
15768/19.2T8LSB-A.L1-2
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
PRAZO
ADMISSÃO DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (cf. artigo 663.º, n.º 7, do CPC)
I. O pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescida de multa, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 14.º do Regulamento das Custas Processuais, tem de ser feito necessariamente no prazo de 10 dias, sob pena de a parte não poder produzir prova; tal pagamento não pode ser feito até à audiência final, se aquele prazo já tiver decorrido.
II. Admite-se que a parte possa comprovar no dia da audiência final que o pagamento foi realizado, desde que o tenha sido dentro dos prazos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
«AA» e «AB», autores na presente ação declarativa, com processo comum, que movem a BANIF Renda Habitação – F.I.I. Fechado de Subscrição Particular (em liquidação), PROFILE – Sociedade Gestora de Organismos de Investimento coletivo, S.A., e outra, notificados do despacho proferido em 17/10/2023, que considerou extemporâneo o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, impedindo-os de produzir prova em audiência, e com esse despacho não se conformando, interpuseram o presente recurso.
Com a p.i. tinha sido paga a primeira prestação da taxa de justiça inicial, no valor de € 612,00 (o valor da causa é de € 170.000,01).
Por despacho de 23/01/2023, foi agendada a audiência final, nos seguintes termos:
«Para a realização da audiência de discussão e julgamento designo os próximos dias:
- 20 de Junho pelas 14.00 horas para depoimentos de parte de Réus e Autores
- 21 de Junho pelas 9.30 horas para inquirição das primeiras 6 testemunhas e pelas 14.00 horas para inquirição das restantes.
Notifique, sendo os Ilustres Mandatários para, em cinco dias, comunicarem eventuais impedimentos, sob pena de se considerar a data fixada por acordo.»
O antecedente despacho foi notificado às partes por cartas expedidas em 25/01/2023.
Em 19/04/2023, os autores não tinham procedido ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, pelo que a secretaria emitiu guia pelo valor global de 1224 € (612 € de taxa de justiça e 612 € de multa), pagável até 04/05/2023, e notificou-os para pagamento nos seguintes termos:
«Assunto: Pagamento 2ª prestação da taxa de justiça – art.º 14º, nº 3 do RCP
Não tendo até ao momento comprovado no processo acima identificado, o pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça nem a concessão do benefício do apoio judiciário, fica notificado, na qualidade de Mandatário do Autor «AA», para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da prestação em falta, acrescido da multa de igual montante, sob pena de, não o fazendo, ficar sujeito às cominações previstas no nº 4 do referido artigo.
Limites da multa:
1 - Se a taxa de justiça devida for inferior a 1 UC, a multa terá o valor de 1 UC.
2 - Se a taxa de justiça devida for superior a 10 UC, a multa terá o valor de 10 UC.
Pagamento da taxa de justiça e da multa
O pagamento da taxa de justiça e da multa em falta deverá ser efetuado, nos termos do n.º 1 do artigo 21.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, por Guia DUC, dentro do prazo concedido.
Prazo de pagamento
O prazo de pagamento, bem como o montante, locais e o modo de pagamento da taxa de justiça e da respetiva multa constam da guia anexa.»
Conforme consulta constante dos autos, em 12/05/2023, não havia cobranças para a guia de 19 de abril.
Por requerimento de 13/10/2023, os autores juntaram aos autos: (i) o DUC, emitido em 20/04/2023, com a referência para pagamento 701 280 033 514 755 e o montante a pagar de 1.224,00 €; (ii) o comprovativo do pagamento do dito valor de 1.224,00 €, efetuado em 13/10/2023, atinente àquela referência para pagamento.
Os autores apenas pagaram a segunda prestação da taxa de justiça em 13/10/2023.
Em 17/10/2023, foi proferido o seguinte despacho:
«Requerimento apresentado pelo Autor em 13/10/2023: Veio o Autor juntar o comprovativo do pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça efetuado em 13/10/2023.
Vejamos:
Foi o Autor notificado na pessoa do seu Ilustre Mandatário, da data marcada para a audiência final através de documento elaborado em 25/01/2023.
Em 19/04/2023, tendo sido constatada pela secretaria a ausência de pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça, foi o Ilustre Mandatário para proceder ao seu pagamento acrescido de multa cuja guia foi emitida com data limite de pagamento em 04/05/2023.
Prevê o art. 14º do Regulamento das Custas Processuais, na parte que aqui nos interessa, o seguinte: (…)
2 - A segunda prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a realização desse pagamento no mesmo prazo.
3 - Se, no momento definido no número anterior, o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão do benefício de apoio judiciário não tiver sido junto ao processo, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.
4 - Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior, se no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de benefício do apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta. (…)
Definido nos termos dos números 2 e 3 da norma legal transcrita, o prazo limite para o pagamento da taxa de justiça e multa, o documento comprovativo do pagamento que venha a ser apresentado mais tarde (até ao dia da audiência) deve respeitar esse mesmo prazo, sendo considerado extemporâneo se tiver data posterior ao termo desse prazo limite.
É o ocorre no presente processo.
Devendo ter pago a taxa de justiça e multa até ao dia 04/05/2023, o Autor efetuou o pagamento em 13/10/2023.
Pelo exposto, considero extemporâneo o pagamento e ordeno a restituição da quantia paga ao Autor.
Notifique.
Requerimento apresentado pelo Autor em 17/10/2023: Vem o Autor requerer o adiamento da audiência de julgamento marcada para o próximo dia 20 de Outubro por ter constatado que as testemunhas por si indicadas não foram notificadas para comparecer.
Requer ainda o adiamento da audiência por lhe ser penoso, em virtude das suas condições de saúde, deslocar-se novamente a Lisboa na sexta feira, data em que se encontra aprazada a audiência.
Não indica outra data em que esteja disponível. Cumpre decidir Considerando o decidido supra, será de aplicar as consequências previstas no art. 14º, nº 4 RCJ, ficando o Autor impedido de produzir qualquer prova. Assim, a notificação das testemunhas do Autor, nesta fase, corresponderá a um ato inútil.
Acresce que o Ilustre Mandatário não identifica nenhum impedimento concreto que o impeça de estar presente, já tendo ocorrido um adiamento da audiência por razões de saúde por este invocadas.
Considerando que a prova a produzir se mostra reduzida, considero adequado, em face do exposto, alterar a hora do início da audiência para as 11.00 h para prestação dos depoimentos de parte dos Autores.
Pelo exposto, indefiro o pedido de adiamento da audiência de julgamento e determino a alteração da data de início da audiência para as 11.00 horas do próximo dia 20/10/2023.
Notifique.»
Em 20/10/2023, realizou-se a audiência final.
Não se conformando com o despacho de 17/10/2023, os autores recorreram, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«CONCLUSÃO PRIMEIRA (Dos factos)
A. Os ora apelantes não procederam, dentro do prazo de 10 dias, a que alude o artigo 14.º-2, do RCP, a contar da notificação que lhes foi feita para a audiência final, ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça.
B. Tendo então a secretaria, e cumprindo o comandado no número 3, do mesmo artigo 14.º, do RCP, notificado os apelantes, para procederem, dentro do prazo de 10 dias, nesse normativo referido, ao pagamento de tal segunda prestação da taxa de justiça em falta, acrescido de multa de igual montante.
C. Pagamento esse a que os apelantes, realizaram no dia 13.10.2023.
D. Por despacho datado de 17.10.2023, ora recorrido, entendeu a Meritíssima Juiz a quo que o mesmo era extemporâneo indeferindo assim todos os meios de prova indicados pelos apelantes, nos termos do art. 14.º, n.º 4 do RCP.
E. Com esta interpretação não podem os apelantes concordar.
CONCLUSÃO SEGUNDA (Do objeto do recurso)
F. O objeto do presente recurso consubstancia-se na interpretação do n.º 4, do art. 14.º do RCP.
CONCLUSÃO TERCEIRA (Dos factos)
G. Os Recorrentes quando instauraram os presentes autos liquidaram a taxa de justiça em duas prestações, procedendo na altura ao pagamento da primeira prestação no montante de EUR. 612,00.
H. Notificados da data do julgamento o Recorrente não procederam ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, nos termos do n.º 2 do art. 14.º do RCP.
I. Em 19 de Abril de 2023, o mandatário dos apelantes foi notificado para que os Recorrentes procedessem ao pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça, acrescida de multa em igual montante.
J. Só no dia 13 de Outubro de 2023, os ora Recorrentes procederam ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e respetiva multa.
CONCLUSÃO QUARTA (Do Direito)
K. Os n.ºs 3 e 4 do art. 14.º do R.C.P. praticamente transcrevem o art. 512.º-B do anterior C.P.C., aditado pelo DL n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que procedeu à revisão do Código das Custas Judiciais e introduziu alterações, entre outros, no Código de Processo Civil, daí que a jurisprudência vigente quanto a este deveria ter sido aplicada àquele.
L. Contudo, a Meritíssima Juiz a quo tem entendimento diferente, daí que tenha decidido [erradamente], que a falta de pagamento da segunda prestação da taxa de justiça no prazo dos 10 dias após a notificação da data de julgamento, tem a cominação da recusa de toda a prova requerida pelos apelantes, motivo pelo qual não foi permitido a estes apresentar e inquirir as testemunhas por si arroladas nem feitas declarações de parte.
M. É entendimento dos apelantes que a exegese da norma e a respetiva ratio permite uma interpretação diferente da que foi perfilhada pelo Tribunal a quo no sentido de ser concedido uma última oportunidade à parte para liquidação da taxa de justiça em falta e respetiva multa até à data da audiência final (Ac. TRP de 08.10.2012, Proc. n.º 478/07.1TTBRG-E.P1 e com o relator MACHADO DA SILVA).
N. Acresce que os Apelantes pagaram a segunda prestação da taxa de justiça e respetiva multa no dia 13.10.2023, estando a audiência final agendada para o dia 20.10.2023, ou seja, antes da realização da mesma (a este sentido veja-se o AC. TRP de 18.06.2012, proc. nº 94/09.3TTVRL.P1 e com o relator FERREIRA DA COSTA).
O. Desta feita, entendem os Apelantes que a interpretação correta e adequada da ratio da norma e do espírito do legislador é no sentido (literal) de “(…) se no dia da audiência final (…) não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa…, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta.”.
P. Sem prejuízo do prazo de 10 dias concedido pela secretaria judicial aos apelantes para procederem ao pagamento da taxa e multa em falta, se e quando fosse realizada a audiência final (na abertura da audiência final) o pagamento não se mostrasse efetuado/comprovado, então nessa circunstância, a Meritíssima Juiz a quo poderia ter aplicado a sanção processual prevista no atual art. 14.º, n.º 4 do RCP.
Q. Visto que foi efetuado o pagamento em data anterior à realização da audiência final, entendem os Apelantes que, o seu pagamento e respetiva comprovação nos autos, não permitiriam que lhe fosse aplicada esta sanção e, em consequência, se vissem limitados no seu direito à produção de prova em julgamento (Ac. STJ de 03/02/2011, proc. nº 3711/05.0TVLSB.L1.S1 e com a relatora MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA).
R. Acresce que entendem os apelantes que, salvo devido respeito, o n.º 4 concede à parte duas possibilidades (primeira: junção ao processo do documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de benefício do apoio judiciário e a segunda, a comprovação da realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça).
S. Em suma, a parte pode juntar o comprovativo de pagamento ou demonstrar o pagamento, daí que não se vislumbram que razões ponderosas podem estar subjacentes a uma interpretação restritiva do citado art. 14.º, n.º 4 do RCP, como a que ressalta do despacho recorrido, a qual, se se for de cariz contrário, como propugnamos, em nada afeta a marcha do processo nem os cofres do Estado.
T. Os apelantes, sustentaram que uma correta interpretação do disposto no n.º 4 do art. 14º do RCP vai no sentido de que sendo comprovado nos autos o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa até ao início do julgamento deviam ser realizadas as diligências de prova por si requeridas.
U. A Meritíssima Juiz a quo entendeu e decidiu de forma diferente, ou seja, que não tendo a segunda prestação da taxa de justiça e da multa sido pagas no prazo de 10 dias, tal falta, tem a cominação de a parte, in casu os ora apelantes, ficarem impedidos de produzir toda e qualquer prova.
V. Sem estar comprovado nos autos o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça acrescida da multa em igual montante o Tribunal não notifica as testemunhas, nem ordena a realização de outros meios de prova, no entanto se chegado o dia do início do julgamento e a parte comprovar, entretanto, ter procedido ao pagamento da taxa de justiça e multa (muitas vezes feito naquele momento…), as testemunhas que tiver conseguido fazer apresentar no Tribunal serão ouvidas.
W. Acresce que verificamos que não foi alterada a redação do art. 14.º do RCP, não obstante a reforma do CPC, o que, mais uma vez, demonstra qual era o espírito do Legislador com a presente norma, devendo o intérprete concluir que o mesmo não pretende um ordenamento jurídico repleto de contradições, mas sim assegurar uma unidade do mesmo, numa ode de que é sempre o Direito, em conjunto, que se aplica, o que impõe que a ratio legis se dialetize e se veja superada pela ratio iuris.
X. Ora, (i) se já no âmbito do antigo CPC se previa e defendia que o momento último para o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça (ou taxa de justiça subsequente) era o do início do julgamento ou da diligência em que se fosse produzir a prova, (ii) se tal norma passou ipsis verbis para o RCP, (iii) se no âmbito da reforma do processo civil até se passou a dar primazia aos aspetos de ordem substancial, em detrimento das questões de natureza meramente formal, não há qualquer fundamento para se ter passado ou passar a defender que o momento último para o pagamento em causa deixou de ser o do julgamento e que passado o prazo de 10 dias, por uma questão formal, a ação fica irremediavelmente condenada à improcedência.
Y. Tal entendimento não só não encontra apoio na letra da Lei, como vai contra o espírito do Legislador e viola o princípio da unidade do ordenamento jurídico.
Z. Constituiria um verdadeiro atentado à proibição de atos inúteis por parte do Tribunal, o prosseguimento de uma ação (sem reconvenção) em que o autor está proibido de fazer prova dos factos que integram a causa de pedir; pelo menos corria-se, como os apelantes correm, o acentuado risco de ficar à mercê das estratégias de defesa das RR., justamente o que ocorreu nos presentes autos, onde as apeladas decidiram prescindir das testemunhas comuns aos apelantes e do depoimento de parte destes, sem que o Tribunal a quo tivesse determinado oficiosamente a sua produção.
AA. Acresce que no que se refere à Constituição importa ter presente e atrelar alguns direitos e princípios constitucionais: o princípio do Estado de direito (artigo 2.º), e o respeito e garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais, sendo um desses direitos o direito que a todos pertence a uma tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP).
BB. O direito de acesso aos tribunais para defesa dos direitos de cada um é, entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder «deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultados de umas e outras» (Ac. TC 86/88).
CC. A interpretação que a Meritíssima Juiz a quo faz do n.º 4 do art. 14.º do RCP, não é, na perspetiva dos Apelantes e s.m.e., conforme ao texto constitucional, constante do art. 20.º, n.º 1 da CRP, motivo pelo qual deverá julgar-se e decidir-se, nos termos e para os efeitos do art. 280.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 da CRP e arts. 70.º, n.º 1, al. a) e 75.º da LOTC a inconstitucionalidade da norma do n.º 4 do art. 14.º do RCP quando interpretada no sentido de não ser admissível às partes processuais efetuarem o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça até ao dia da realização da audiência final e, consequentemente, produzirem a prova que apresentarem na mesma.
DD. A decisão aqui em crise ao aplicar e interpretar o art. 14.º, n.º 4 do RCP, nos termos em que o fez, revela-se intoleravelmente desproporcionada entre a irregularidade cometida pelos apelantes, de natureza meramente processual, e a sanção que lhe aplicou.
EE. Os aqui apelantes, entendem que o art. 14.º, n.º 4 do RCP, ao invés da interpretação do Tribunal a quo não impede o pagamento das quantias em falta (taxa de justiça e multa) até ao início da audiência final, ainda que após o decurso do prazo dos 10 dias conferidos pela secretaria, nos termos do art. 14.º n.º 3 do RCP.
FF. Não se pode exigir a uma parte que pague EUR. 612,00 de primeira prestação para depois, numa interpretação que se afigura incorreta, desproporcional e excessiva do preceito legal, sancioná-la drástica e irremediavelmente, como se nada tivesse pago até ao momento que a lei permite.
GG. Mesmo que se considere que a impossibilidade de produção de prova, atentas as oportunidades de pagamento que foram concedidas aos apelantes, com prorrogação de tempo e prazos, a mesma mostra-se adequada – o que não se concede –, não pode deixar de se afirmar, veementemente, que ao abrigo do disposto no art. 14.º, n.º 4 do RCP ao não permitir que o pagamento a que a parte estava obrigada não configura uma oportunidade desigual e excessiva, pelo contrário, ao penalizar-se a parte com a respetiva cominação, desconsiderando-se o pagamento antes da audiência final, está sim, aí, a violar-se o princípio do acesso ao direito, por se mostrar a sanção desproporcional.
HH. Só há, portanto, uma única interpretação correta e que é esta “a demonstração do pagamento, quer da taxa, quer da multa, pode ser feita até ao início da audiência de julgamento.” e, como tal, ser permitido à parte produzir a prova que se apresente em juízo.
II. Tudo o alegado demonstra o desajuste da decisão recorrida.
CONCLUSÃO QUARTA (Das normas jurídicas violadas)
JJ. Foram violados, entre outras, as normas dos arts. 14.º, n.º 4, do RCP, arts. 2.º e 20.º da CRP e arts. 411.º e 602.º, n.º 1, do CPC.
Nestes termos, e nos melhores de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que permita a produção de prova que os recorrentes requereram, por ter sido feito o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa antes do início do julgamento devendo assim ser realizado novo julgamento para audição da prova arrolada pelos apelantes, declarando-se anulada a decisão que, entretanto, vier a ser prolatada, como é da mais elementar a absoluta justiça.»
Os réus Banif Renda Habitação – FIIF, em liquidação, e Profile, SGOIC, S.A. contra-alegaram, pronunciando-se pela confirmação do despacho recorrido.
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, coloca-se a questão de saber qual o prazo final para pagar a segunda prestação da taxa de justiça, acrescida de multa de igual montante: se o décimo dia subsequente à notificação para tal (como alegam os recorridos), se o início da audiência final (como pretendem os recorrentes).
II. Fundamentação de facto
Os factos relevantes são os que constam do relatório.
III. Apreciação do mérito do recurso
1. O caso
O recurso vem interposto do despacho de 17/10/2023, que (i) considerou extemporâneo o pagamento da segunda prestação de taxa de justiça e de multa efetuado pelos recorrentes, (ii) ordenou a restituição das referidas quantias aos mesmos e (iii) determinou a impossibilidade de realização das diligências de prova por eles requeridas.
Os recorrentes, autores na ação, foram notificados do despacho proferido em 23/01/2023, que designou datas para a audiência final, por notificação postal expedida em 25/01/2023.
Não tendo procedido ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça nos dez dias subsequentes àquela notificação, em 19/04/2023 foram notificados, ao abrigo do disposto no art. 14.º, n.º 3, do RCP, para proceder ao seu pagamento acrescido de multa, tendo a respetiva guia sido emitida com data limite de pagamento em 04/05/2023.
Nessa altura, autoliquidaram a taxa de justiça em dobro, mas não a pagaram, vindo a fazê-lo apenas em 13/10/2023.
O tribunal a quo julgou extemporâneo o pagamento e não admitiu a produção em julgamento da prova arrolada pelos autores.
Os autores não se conformam porque, em seu entender, estavam em tempo para realizar o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e multa (prevista no n.º 3 do art. 14.º do RCP) até ao dia da audiência final.
Quid juris?
2. As normas que com ele se relacionam
Relevam para a compreensão e decisão da questão sub judice as seguintes normas do Regulamento das Custas Processuais (DL 34/2008, de 26 de fevereiro, com uma vintena de alterações, sendo a mais recente a introduzida pela Lei 35/2023, de 21 de julho), em especial as sublinhadas a negrito:
Artigo 6.º
Regras gerais
1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.
Artigo 13.º
Responsáveis passivos
1 - A taxa de justiça é paga nos termos fixados no Código de Processo Civil, aplicando-se as respetivas normas, subsidiariamente, aos processos criminais e contraordenacionais, administrativos e fiscais.
2 - Nos casos da tabela i-A e C, na parte relativa ao n.º 3 do artigo 13.º, a taxa de justiça é paga em duas prestações de igual valor por cada parte ou sujeito processual, salvo disposição em contrário resultante da legislação relativa ao apoio judiciário.
Artigo 14.º
Oportunidade do pagamento
1 - O pagamento da primeira ou única prestação da taxa de justiça faz-se até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito, devendo:
a) Nas entregas eletrónicas, ser comprovado por verificação eletrónica, nos termos da portaria prevista no n.º 1 do artigo 132.º do Código de Processo Civil;
b) Nas entregas em suporte de papel, o interessado proceder à entrega do documento comprovativo do pagamento.
2 - A segunda prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final, devendo o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar a realização desse pagamento no mesmo prazo.
3 - Se, no momento definido no número anterior, o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão do benefício de apoio judiciário não tiver sido junto ao processo, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.
4 - Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior, se no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de benefício do apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta.
3. Antecedentes dessas normas
Os n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 14.º do RCP versam sobre a matéria antes contida no artigo 512.º-B do CPC-1995, aditado (o art. 512.º-B) pelo DL 324/2003, de 27 de Dezembro, e revogado pelo DL n.º 34/2008, de 26/02, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais.
Era o seguinte o texto do referido artigo 512.º-B, epigrafado «Omissão do pagamento das taxas de justiça»:
1 - Sem prejuízo do disposto quanto à petição inicial e à contestação, se o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente ou da concessão do benefício do apoio judiciário não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC.
2 - Sem prejuízo do prazo concedido no número anterior, se, no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória, não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente e da multa ou da concessão do benefício do apoio judiciário, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta.
3 - Se a parte se encontrar a aguardar decisão sobre a concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa total ou parcial do prévio pagamento da taxa de justiça, deve, em alternativa, juntar o documento comprovativo da apresentação do respetivo requerimento.
Desde 2003, portanto, que o regime se mantém substancialmente idêntico.
Vigorava, então, o Código das Custas Judiciais aprovado DL 224-A/96, de 26 de novembro, que dispunha de normas materialmente idênticas desde a sua primitiva versão, até às alterações introduzidas pelo DL 324/2003, que passou a matéria para o artigo 512.º-B do CPC.
Antes do dito diploma de 2003, lia-se no CCJ de 1996:
Artigo 14.º Equivalência normativa
A expressão «preparo inicial» deve entender-se como referida a taxa de justiça inicial e a expressão «preparo para julgamento» como referida a taxa de justiça subsequente.
Artigo 25.º Taxa de justiça subsequente
O montante da taxa de justiça subsequente é igual ao da taxa de justiça inicial, sendo autoliquidada nos termos da tabela em anexo.
Artigo 26.º Prazo de pagamento da taxa de justiça subsequente
1 - O documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente referida no artigo anterior é entregue ou remetido ao tribunal no prazo de 10 dias a contar:
a) Da notificação para a audiência preliminar ou para a audiência final, ou para exame e alegação, ou para a produção de prova, ou, nos casos em que esse regime se revele impraticável, da notificação do despacho judicial para o efeito;
b) Nos recursos, da notificação do despacho que mande inscrever o processo em tabela, ou do despacho do relator para o efeito, no caso de decisão liminar do objeto do recurso.
2 - É aplicável à taxa de justiça subsequente o disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 24.º
Artigo 27.º (…)
Artigo 28.º Omissão do pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente
Sem prejuízo do disposto na lei de processo relativamente à petição inicial, na falta de junção do documento comprovativo do pagamento das taxas de justiça inicial e subsequente no prazo de 10 dias a contar da prática dos atos processuais previstos no artigo 24.º, dos incidentes ou das notificações referidas no artigo 26.º, a secretaria notificará o interessado para, em 5 dias, efetuar o pagamento omitido, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC.
Artigo 29.º (…)
Artigo 30.º Taxa de justiça paga a final
1 – (…).
2 - A taxa de justiça acrescida a que se referem o artigo 28.º e os n.ºs 2 e 3 do artigo 45.º é incluída na conta.
Antes do CCJ-1996 vigorava o Código das Custas Judiciais aprovado DL 44329, de 8 de maio de 1962, que estabelecia, para o que ora releva, que o preparo para julgamento é feito antes da audiência de discussão e julgamento, no prazo que o juiz fixar no despacho que designar dia para a audiência, entre 24 horas e cinco dias; na falta de fixação, o prazo era de cinco dias (artigo 107.º, n.º 1, do CCJ-1962).
A parte que, devidamente notificada, não fizesse o preparo para julgamento no prazo legal pagaria imposto de justiça igual ao dobro da sua importância e ficaria inibida de produzir qualquer espécie de prova, salvo se, antes do início do julgamento que por esse motivo não seria adiado, pagasse o imposto e depositasse o preparo (artigo 113.º do CCJ-1962).
4. Primeiras conclusões
Depois deste pequeno excurso sobre o regime da taxa de justiça subsequente (antigo preparo para julgamento) na linha do tempo, podemos concluir que:
I. Pelo menos desde a vigência do DL 324/2003 (CCJ de 1996 após as alterações introduzidas pelo DL 324/2003, e RCP de 2008)
(i) se o documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça subsequente (ou da concessão do benefício do apoio judiciário) não tiver sido junto ao processo no momento definido para esse efeito, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento omitido, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC;
(ii) o interessado tem de efetuar o pagamento no referido prazo de dez dias a contar da mencionada notificação;
(iii) se no dia da audiência final não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa (ou da concessão de benefício do apoio judiciário), o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta, «sem prejuízo do prazo adicional concedido» aquando da notificação para pagamento da taxa de justiça subsequente acrescida de multa, ou seja, se aquela notificação foi feita a menos de dez dias da data do julgamento, e nesta data o pagamento não estiver efetuado, o julgamento deve ser interrompido até final daquele prazo para permitir a realização do mesmo; e
II. Durante a vigência do CCJ de 1962, que vigorou até ao CCJ de 1996, o preparo para julgamento, acrescido de imposto de justiça igual ao dobro da sua importância, podia ser pago até ao início do julgamento.
5. A jurisprudência – duas interpretações divergentes
De alguma forma, a norma do CCJ de 1962 – que permitia o pagamento do preparo para julgamento, acrescido de multa até ao início da audiência – perpetuou-se em alguma jurisprudência até aos dias de hoje, na interpretação que se foi fazendo das normas posteriores, literalmente diversas.
Alguns exemplos, começando por acórdão no qual a ora relatora foi adjunta, pelo que, no presente, altera a sua posição, porquanto acima exposto e adiante melhor concretizado:
Ac. TRL de 14-09-2023, proc. 14284/21.7T8LSB-A.L1-2, com o seguinte sumário:
«I) A finalidade da previsão sancionatória contida no artigo 14.º, n.º 4, do RCP – determinando a impossibilidade de produção probatória, relativamente àquela parte que requereu diligências de prova, mas que não efetuou o devido pagamento da taxa de justiça até ao momento da prática do ato processual a ela sujeito – prende-se com verificação pelo julgador, no momento em que a prova vai ser produzida, de que o pagamento devido pelo funcionamento da atividade do sistema de Justiça do Estado se encontra garantido em tal momento. Este é o momento relevante e limite para aferir se tal pagamento se encontra efetuado.
II) Atenta a referida finalidade, o mencionado artigo 14.º, n.º 4, do RCP, ao reportar que a verificação de impossibilidade probatória ocorre “sem prejuízo do prazo adicional” - a que se refere o n.º 3 do mesmo artigo - acolhe, para além da possibilidade de comprovação do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ter lugar no prazo de 10 dias após a notificação a que se refere o n.º 3 do artigo 14.º do RCP – pressupondo que a parte foi notificada nesta conformidade - , a possibilidade de a parte poder comprovar o pagamento omitido até ao início da audiência de julgamento ou da respetiva diligência probatória, mesmo que, aquele pagamento, venha a ter lugar depois de decorrido o mencionado prazo de 10 dias.»
Ac. TRL de 17-11-2022, 10624/19.7T8LRS-C.L1-8, em cujo sumário se lê:
«De uma interpretação conforme a Constituição e também conforme o Direito da União Europeia da proposição normativa do artigo 14.º, 4 do Regulamento das Custas Processuais resulta que a taxa de justiça subsequente e a multa podem ser pagas (e demonstrado o seu pagamento) até ao início da audiência de julgamento
Ac. TRG de 15-10-2020, proc. 2568/18.6T8VRL-C.G1, com o sumário:
«Não deve ser determinada a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte que, tendo, embora, sido notificada para efetuar o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescido da multa de igual montante, nos termos do n.º 3 do art.º 14.º do Regulamento das Custas Processuais, paga a taxa de justiça e a multa, demonstrando nos autos o pagamento, cinco dias antes da audiência final, ainda que já então tenha expirado o prazo de 10 dias de que dispunha para o efeito
Em seguida, damos alguns exemplos de jurisprudência no sentido daquela que nos parece (à relatora, agora) a melhor  interpretação do artigo 14.º do RCP.
Ac. TRP de 17-01-2022, proc. 4480/20.0T8MTS-A.P1, com o sumário:
«I - O n.º 3 do artigo 14.º do RCP apenas concede um prazo suplementar para o pagamento da taxa de justiça em falta e da respetiva multa.
II - O seu n.º 4 não alude a ato de pagamento, mas apenas à junção ao processo do documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa.
III - Caso o pagamento da taxa de justiça e da multa, em falta, não seja efetuado no momento temporal a que alude o n.º 3 do artigo 14.º do RCP, nenhuma outra oportunidade processual tem a parte faltosa para o efetuar.
IV - No entanto, para evitar que o tribunal determine a impossibilidade de realização das diligências de prova, a parte faltosa tem a faculdade de até ao início da audiência de julgamento ou da realização de qualquer outra diligência probatória, juntar documento comprovativo do pagamento efetuado no prazo suplementar concedido pelo n.º 3 do artigo 14.º do RCP
Ac. TRL de 18-02-2020, proc. 9761/18.0T8LSB.L1-7, sumariado como segue:
«1 - Nos termos do artigo 14º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, a parte deve comprovar o pagamento da taxa de justiça subsequente no prazo de dez dias a contar da notificação para a audiência final. Se não o fizer, tem dez dias para a pagar, acrescida de multa, a contar da notificação que para o efeito a secretaria lhe deverá efetuar, conforme estatuído no n.º 3 do mencionado artigo 14º.
2 - Decorrido o prazo de dez dias previsto no artigo 14º, n.º 3 do Regulamento das Custas Processuais sem que a parte tenha juntado ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de benefício de apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, fica precludida a possibilidade de a efetuar e chegado o dia da audiência final, o tribunal determina a impossibilidade da realização das diligências de prova que tenham sido requeridas ou venham a sê-lo pela parte em falta.
3 - A expressão constante do n.º 4 do artigo 14º do Regulamento das Custas Judiciais ”sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior” deve ser interpretada no sentido de que a cominação nele prevista – a impossibilidade de realização das diligências de prova – terá lugar quando no dia da audiência final o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa não se mostre junto aos autos nem tenha sido feita a comprovação da realização desse pagamento, mas desde que já tenha sido concedido o prazo adicional para o efeito, previsto no n.º 3 do art.º 13º daquele diploma legal.
4 – A parte poderá, contudo, comprovar no dia da audiência final que o pagamento foi realizado, desde que o tenha sido dentro dos prazos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais.
5 – Considerando que o acesso ao direito e à justiça não é incompatível com a imposição de ónus às partes, com estabelecimento de cominações e preclusões processuais, ainda que sujeito a limites, a interpretação dos números 3 e 4 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais nos termos expostos não viola os princípios constitucionais de acesso ao direito e à justiça e da proporcionalidade, tal como decorrem da conjugação dos normativos vertidos nos art.ºs 2º, 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa
Ac. TRP de 18-04-2017, proc. 1391/16.7T8AVR-A.P1, em cujo sumário se lê:
«O pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, acrescida de multa, os termos do disposto no n.º 3 do art. 14.º do Regulamento das Custas Processuais, tem de ser feito necessariamente no prazo de 10 dias, sob pena da parte não poder produzir prova, não podendo tal pagamento ser feito até à audiência de julgamento se aquele prazo já decorreu
6. Na doutrina
Em abono da nossa posição, transcrevemos apenas uma página de Salvador da Costa, no seu As Custas Processuais, Análise e Comentário, 9.ª ed., Almedina, 2022, p. 135:
«14.3. O n.º 3 estabelece a consequência jurídica da omissão da junção, no decêndio previsto no número anterior, do documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão de apoio judiciário ou da sua não comprovação por via eletrónica.
Essa consequência jurídica imediata, por força deste normativo, é a de a secretaria notificar a parte em falta para, no prazo de 10 dias, contado nos termos supracitados, efetuar o pagamento da taxa de justiça em falta e da multa reportada.
Mas isso não significa que a parte tenha a faculdade alternativa de pagar a taxa de justiça e a multa objeto da notificação da secretaria até à audiência final, salvo se, eventualmente, ainda não tiver decorrido o prazo a que este normativo se reporta.
14.4. O n.º 4, depois de salvaguardar o decurso do prazo adicional de 10 dias, previsto no n.º 3, reporta-se à verificação, no dia da audiência final ou de qualquer outra diligência probatória, da falta de comprovação pela parte do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão do apoio judiciário na modalidade de assistência judiciária.
Nesse caso, o juiz determina a não realização de diligências probatórias, de qualquer natureza, que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta, ou seja, declara a sua inadmissibilidade.
Proferido o referido despacho, consumada fica a sanção relativa ao incumprimento pela parte em causa da sua obrigação de pagamento pontual da segunda prestação da taxa de justiça e da multa associada
7. Apreciando e concluindo
Relembramos o teor do n.º 3 do artigo 14.º do RCP, que se encontra no cerne do litígio em recurso (negrito acrescentado):
«Se, no momento definido no número anterior [ou seja, no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final], o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão do benefício de apoio judiciário não tiver sido junto ao processo, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efetuar o pagamento, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC».
Ora, se a secretaria notifica para, no prazo de 10 dias, se efetuar o pagamento, quer dizer que este tem de ser feito no prazo de 10 dias. O entendimento diverso, de que até ao início da audiência final pode ser realizado o pagamento, não tem apoio na letra da lei, equivalendo a esvaziar a utilidade da norma. Relembrando, neste momento, a norma contida no n.º 3 do artigo 9.º do CC, dizemos que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
O n.º 4 do artigo 14.º do RCP prossegue: «Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior, se no dia da audiência final ou da realização de qualquer outra diligência probatória não tiver sido junto ao processo o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça e da multa ou da concessão de benefício do apoio judiciário, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, o tribunal determina a impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta».
O n.º 4 reporta-se à «audiência final» para afirmar duas coisas:
i. a derradeira possibilidade de se comprovar o pagamento, em devido tempo, da segunda prestação da taxa de justiça (feito nos 10 dias posteriores à notificação do despacho que designou dia para a audiência), ou da segunda prestação da taxa de justiça e respetiva multa (feito nos 10 dias posteriores à notificação para tanto); e,
ii. as consequências do não pagamento atempado (ou da falta de prova do pagamento atempado), e que consistem na impossibilidade de realização das diligências de prova que tenham sido ou venham a ser requeridas pela parte em falta.
A expressão inicial «Sem prejuízo do prazo adicional concedido no número anterior» significa, quanto a nós, outras tantas coisas:
iii. sem prejuízo de o pagamento ter de ser feito no prazo de 10 dias, concedido pela secretaria para que seja efetuado acrescido de multa de igual montante, a junção aos autos do respetivo documento comprovativo, ou a comprovação nos autos de que o pagamento foi realizado, pode ser feita até ao início da audiência final; e,
iv. caso a notificação da secretaria para pagamento da taxa acrescida de multa seja efetuada a menos de 10 dias da audiência, a parte continua a ter o direito de efetuar o pagamento naqueles 10 dias, devendo a audiência ser interrompida para lhe possibilitar a produção de prova após efetivação do devido pagamento.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente, mantendo o despacho recorrido.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 07/03/2024
Higina Castelo
Vaz Gomes
Laurinda Gemas