Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
412/14.2YHLSB.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: MARCAS
RECUSA DE REGISTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -Deve ser recusado o registo de marca destinada a assinalar produtos afins das marcas da reclamante e com semelhanças gráficas, fonéticas e figurativas susceptíveis de causar confusão no consumidor.
-À recusa de registo não obsta o facto de a requerente já ter registada uma marca comunitária protegida em Portugal para assinalar os mesmos produtos e que é figurativamente diferente da marca objecto da reclamação.
-Também não obstaria à recusa do registo o facto alegado mas não provado da titularidade da apelante de uma marca internacional quase idêntica à marca ora reclamada, não protegida em Portugal, mas sim noutros países, nos quais coexistiria com as marcas da apelada, pois as razões que esta poderá ter para se opor ao seu registo em Portugal podem não se verificar nesses outros países.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:


A… interpôs recurso do despacho do Senhor Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo de marca nacional nº524543 “JAC”, requerido em 2014, a favor de B…, alegando, em síntese, que a referida marca constitui imitação das suas marcas “JAC Products”, comunitária nº8617268 de 2010 e internacional nº729191 de 2000, que designam produtos afins e destinados ao mesmo público, com o consequente risco de confusão.

Concluiu pedindo a revogação do despacho impugnado com o cancelamento do respectivo registo.

A recorrida respondeu, alegando, em síntese, que as marcas em conflito não são susceptíveis de causar qualquer confusão no consumidor nem de constituir concorrência desleal e são compostas pelos elementos característicos das firmas das sociedades em causa, respectivamente JAC Products e JAC, esta última correspondendo às primeiras letras de “…”, sendo a contestante titular de uma marca internacional “JAC” protegida em Portugal desde 2006 pelo registo internacional nº881861, a qual, embora seja posterior à marca internacional da recorrente, é anterior à marca comunitária desta e, destinando-se a assinalar produtos da mesma classe 12ª em vários outros países, não há razão para a recorrente ter aceite o registo da marca internacional da contestante e não aceitar a marca ora impugnada, sendo certo todas elas coexistem pacificamente há décadas no mercado internacional, juntamente com outra marca internacional JAC da contestante de 2004, com o nº824584, não se verificando os efeitos invocados pela recorrente, nem fundamento para a recusa do registo.

Concluiu pedindo que seja mantido o despacho impugnado.

Oportunamente foi proferida sentença que julgou o recurso procedente e revogou o despacho recorrido, negando protecção jurídica nacional à marca nº524543.
                                                           
Inconformada, BB… (que veio substituir a primitiva reclamada) interpôs recurso de apelação e alegou, formulando conclusões com os seguintes fundamentos:

- Para além dos factos elencados na sentença recorrida, deverão ser considerados provados os seguintes factos:
a) O registo de marca internacional da apelante nº881861 foi concedido sem reclamação por parte de terceiros e sem ter sido proferida qualquer decisão de recusa nos institutos nacionais dos estados membros designados nesse registo (docs nº1 e 2 juntos com a resposta da ora apelante ao recurso de marca).
b) A apelante é titular do registo de marca internacional nº824584, registada em 31/03/2004,
 destinada a assinalar “automobiles, motor buses, trucks, tipping trucks, automobile bodies, chassis, spare parts for automobiles and trucks, automobile doors, dilivery trucks, vehicles” da classe 12 e protegida, entre outros, no Reino Unido, na Irlanda, na Áustria e no Benelux (doc nº3 junto com a resposta da ora apelante ao recuso de marca).
c) As marcas de ambas as partes coexistem no registo não apenas em Portugal, mas também no Reino Unido, na Irlanda e no Benelux (doc nº3 junto com a resposta da apelante ao recurso de marca e doc nº2 junto pela recorrente ora apelada no recurso de marca).
- O facto de os sinais em apreço assinalarem produtos da mesma classe 12 e de partilharem as letras JAC não é susceptível de causar qualquer confusão nos consumidores, pois os produtos assinalados não são os mesmos e fazem parte de mercados distintos.
- Apesar de partilharem as letras JAC, as marcas em conflito têm diferenças gráficas e visuais de conjunto e são compostas pelos elementos característicos das firmas das sociedades apelante e apelada, que são diferentes e se encontram devidamente protegidas nos seus países de origem e coexistem há muito no mercado internacional, sem que daí resulte erro ou confusão nos consumidores.
- A coexistência das duas marcas resulta desde logo do facto de a apelante ter registada em Portugal desde 3/10/2006 a marca internacional nº881861, que é anterior ao pedido de registo da marca comunitária nº8617268 da apelada e não sofreu qualquer reclamação da apelada nem foi objecto de recusa do INPI, não tendo sido considerado que houvesse imitação de marca ou motivo de confusão com a anterior marca internacional da apelada.
- As marcas em conflito, das quais são da titularidade da apelante as marcas internacionais nº881861 e 824584, não são confundíveis, entendimento que tem sido partilhado pelos institutos nacionais de vários outros países, onde as referidas marcas coexistem há décadas, sem que exista qualquer confusão.
- Não estão preenchidos os requisitos do conceito de imitação, previstos nas alíneas b) e c) do nº1 do artigo 245º e de concorrência desleal, previstos no artigo 317º, ambos do CPI, não se justificando a recusa do respectivo registo nos termos do artigo 239º nº1, alíneas a) e e) e 239º nº2 a), do mesmo código, tendo sido violadas todas estas disposições legais.
- Deverá ser revogada a sentença recorrida e mantido o despacho proferido pelo INPI que concedeu o registo da marca nacional nº524543. 
                                                                     
A apelada ... apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.

As questões a decidir são:
I) Aditamento à matéria de facto.
II) Pressupostos para a concessão ou recusa do registo da marca registanda. 
                                                           
FACTOS.
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1.A recorrente é titular da marca comunitária nº 8617268, requerida em 15/10/2009 e deferida em 26/04/2010, composta pela seguinte forma:


2.Esta marca destina-se a assinalar, nas classes da classificação de Nice: “12 - sistemas de tejadilho, tais como barras de tejadilho e respectivas peças, nomeadamente pés de barras de tejadilho, barras longitudinais, barras transversais, frisos de tejadilho, juntas, elementos de fixação e fechos; porta­bagagens, suportes de bagagem, porta-esquis e respectivas peças - todos os produtos para veículos”.
3.A recorrente é titular da marca de registo internacional nº729191, registada em 31/01/2000, composta pela seguinte forma:


4.Esta marca destina-se a assinalar, nas classes da classificação de Nice: “12 - roof systems, such as roof rails and the components thereof, namely rail bases, longitudinal beams, transverse beams, roof battens, seals, attachment elements and locks; luggage carriers, luggage holders, ski carriers and the components thereof, all goods for motor vehicles".
5.A recorrida solicitou ao INPI em 21/01/2014 o registo da marca nacional nº 524543"


6.Esta marca destina-se a assinalar, nas classes da classificação de Nice: "12 - automóveis; autocarros; carros desportivos; camiões; veículos elétricos; empilhadores; carrinhas; chassis de veículos; ciclocarros; autocarros de turismo".
7.A recorrente apresentou reclamação contra este pedido de registo tendo a recorrida respondido.
8. Por despacho do INPI de 15/09/2014, foi deferido o registo da marca nacional nº 524543".



9.A recorrida é titular da marca de registo internacional nº881861, registada em 3/10/2006, composta pela seguinte forma:



10.Esta marca destina-se a assinalar, nas classes da classificação de Nice: "12 - Automobiles, buses, trucks, side cars, bodies for vehicles, vehicle chassis, vans (vehicles), motor buses, motor coaches, electric vehicles".
                                                         
ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

I) Aditamento à matéria de facto.

O primeiro facto que a apelante pretende ver aditado à matéria de facto é o seguinte:
a) O registo de marca internacional da apelante nº881861 foi concedido sem reclamação por parte de terceiros e sem ter sido proferida qualquer decisão de recusa nos institutos nacionais dos estados membros designados nesse registo (docs nº1 e 2 juntos com a resposta da ora apelante ao recurso de marca).

Este facto encontra-se provado, na parte relativa à inexistência de reclamação e de decisão oficiosa de recusa provisória em Portugal, face ao documento nº 2 da resposta ao recurso de marca, de fls 95 e sgts e à aceitação da apelada, no seu requerimento de fls 176 e seguintes.

Mas este documento de fls 95 e sgts – o registo junto do INPI da marca da apelada nº881861 – apenas contém o respectivo processo em Portugal, bem como a identificação dos outros países onde a marca está registada, não contendo o processo de registo nesses países, ignorando-se se aí houve ou não reclamação ou decisões provisórias desfavoráveis.

Por seu lado, o documento nº1 junto com a resposta ao recurso de marca, de fls 91 e sgts, está redigido em inglês e não apresenta simplicidade que dispense a tradução, como, aliás, foi apontado pelo requerimento de fls 176 da ora apelada e pelo despacho de fls 180, que convidou a apresentante a juntar a respectiva tradução no prazo que fixou “sob pena de tais documentos não serem objecto de apreciação ou usados como meios de prova nos presentes autos”.

Em resposta a este convite, a apresentante juntou a tradução de alguns documentos, mas não deste documento de fls 91 e, não tendo o tribunal usado o poder discricionário previsto no artigo 134º do CPC, não determinando oficiosamente a sua tradução, o mesmo não pode ser usado como prova.

Deverá então ficar provado apenas o seguinte:
11.O registo de marca internacional nº881861 da apelante em Portugal foi concedido sem apresentação de qualquer reclamação e sem que tenha sido proferida qualquer decisão oficiosa de recusa provisória no INPI.

Pretende também a apelante que seja considerado provado o seguinte facto:
b) A apelante é titular do registo de marca internacional nº824584, registada em 31/03/2004, igual à marca ora impugnada, destinada a assinalar “automobiles, motor buses, trucks, tipping trucks, automobile bodies, chassis, spare parts for automobiles and trucks, automobile doors, dilivery trucks, vehicles” da classe 12 e protegida, entre outros, no Reino Unido, na Irlanda, na Áustria e no Benelux (doc nº3 junto com a resposta da ora apelante ao recurso de marca).

Quanto a este facto, a apelante apresenta como prova o documento nº3 junto com a resposta ao recurso de marca, de fls 105 e sgts; mas este documento, igualmente redigido em língua estrangeira e não se mostrando com simplicidade que justifique a dispensa de tradução, foi também objecto de impugnação pela ora apelada no requerimento de fls 176 e sgts e abrangido no despacho de fls 180 que convidou a apresentante a juntar tradução, pelo que, não tendo sido junta a tradução e não tendo sido usado o poder discricionário previsto no artigo 134º do CPC, não pode o documento ser utilizado como prova.

Improcede, pois, a alteração da matéria de facto nesta parte, devendo este facto ser não provado.

Finalmente, pretende ainda a apelante que seja considerado provado mais este facto:
c) As marcas de ambas as partes coexistem no registo não apenas em Portugal, mas também no Reino Unido, na Irlanda e no Benelux (doc nº3 junto com a resposta da apelante ao recurso de marca e doc nº2 junto pela recorrente ora apelada no recurso de marca).

Relativamente a este facto, não tendo ficado provado o facto anterior, não pode, igualmente, ficar provado a coexistência das marcas da apelada com a marca internacional da apelante nº824584, tendo-se provado apenas que as marcas da apelada coexistem em Portugal com a marca internacional da apelante nº881861 (documento de fls 95 e sgts).

Ficará então provado o seguinte:
12.As acima indicadas marcas da apelada coexistem em Portugal com a marca internacional da apelante, nº881861.
Procede, portanto, parcialmente, o pedido de alteração da matéria de facto, com o aditamento dos pontos 11 e 12 acima transcritos e improcedendo no restante.       
                                                          
II)Concessão ou recusa do registo de marca requerido pela apelante.
Nos termos do artigo 1º do Código da Propriedade Industrial (CPI), “a propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza”.

A marca, um dos direitos atribuídos para garantir a lealdade da concorrência, vem regulada nos artigos 222º e seguintes, estabelecendo o artigo 224º nº1 que o seu registo “confere ao seu titular o direito de propriedade e do exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina” e o artigo 258º que “o registo da marca confere ao seu titular o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de usar, no exercício de actividades económicas, qualquer sinal igual ou semelhante, em produtos ou serviços idênticos ou afins daqueles para os quais a marca foi registada, e que, em consequência da semelhança entre os sinais e da afinidade dos produtos ou serviços, possa causar um risco de confusão, ou associação, no espírito do consumidor”.

Nos presentes autos a ora apelada reclamou contra o despacho que concedeu protecção à marca nacional JAC da ora apelante invocando que a mesma é uma imitação das suas marcas internacional e comunitária, protegidas em Portugal, com o nº729191 e p nº8617268, respectivamente, causando confusão no espírito do consumidor.

O artigo 222º do CPI define a constituição da marca como “… um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.

O artigo 239º prevê fundamentos de recusa do registo de marca, entre os quais o da alínea a) do seu nº1, ou seja, “a reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins, que possa induzir em erro ou confusão o consumidor ou que compreenda o risco de associação com a marca registada”.

E o conceito de imitação encontra-se no artigo 245º nº1, que considera haver imitação quando, cumulativamente, “a marca registada tiver prioridade” (alínea a)), “sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins” (alínea b)) e “tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto” (alínea c)).

No caso dos autos, não há dúvida de que as duas marcas da apelada têm prioridade (artigo 11º do CPI), sendo os respectivos registos de 31/01/2000 e de 26/04/2010, anteriores ao registo da marca impugnada nº524543, de 2014.

Também não pode deixar de se considerar que, embora se destinem a assinalar produtos diferentes, estes produtos – veículos automóveis por um lado e acessórios para veículos automóveis, como tejadilhos e suportes de bagagem, por outro lado – são produtos afins, pertencentes à mesma classe 12, visando o mesmo universo de mercado e complementando-se entre si.

Quanto à semelhança entre as marcas, desde logo existe uma coincidência fonética e gráfica na palavra JAC, que é a que sobressai, já que a palavra “products” das marcas da apelada é meramente descritiva.

Figurativamente, são também muito semelhantes as marcas da apelada (pontos 1 e 3 dos factos) e a marca impugnada (pontos 5 e 9 dos factos), constituídas pelas letras “JAC em maiúsculas e em bold, diferindo só no estilo das letras, num fino risco por cima das letras nas marcas da apelada e na palavra “products”, que, impressa em letras muito mais pequenas que não chamam a atenção, constitui diferença que, mais uma vez, se mostra pouco ou nada relevante.

Estas semelhanças entre as marcas e a afinidade dos produtos que assinalam levam a concluir que a marca nº524543 é susceptível de causar confusão no consumidor, que irá pensar que a marca que assim lhe é apresentada está associada às marcas da apelante.  
Existe, pois, imitação, tal como ela vem definida no artigo 245º, justificando a recusa do registo ao abrigo do artigo 239º nº1 a).
Invoca, porém, a apelante que é titular da marca internacional nº881861, protegida em Portugal desde 20063 e, assim, anterior à marca comunitária da apelada, embora posterior à marca internacional desta.

Ficou efectivamente provado a titularidade desta marca comunitária pela apelante e que ela está registada em Portugal, aqui coexistindo com as marcas da apelada.

Só que esta marca internacional, como se vê do ponto 9 dos factos, é figurativamente diferente da marca nacional nº524543, objecto da reclamação em apreço, apresentando menos semelhanças com as marcas da apelada do que a marca nº524543.

Não é a marca nº881861 que está em reclamação, tendo a apelado reagido apenas contra a marca nº524543, que é diferente e é a única que está em causa.

Invoca ainda a apelante a titularidade de uma marca internacional nº824584, de 2004, praticamente igual às marcas da apelada e que coexistiria com estas marcas noutros países onde todas estariam registadas.

Este facto não ficou provado, mas sempre se dirá que, de acordo com o alegado pela apelante, esta marca internacional nº824584 não estaria registada em Portugal, mas em outros países, coexistindo em alguns deles com as marcas da apelada.

Ora, o facto de a apelada eventualmente se ter conformado com o registo dessa marca noutros países não a impede de reagir contra o registo de outra quase idêntica dentro do território nacional, por razões de estratégia comercial ou outras quaisquer.
Improcedem, portanto, as alegações da apelante.
                                                                                                             
DECISÃO.
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.                                                     
Custas pela apelante.
                                                            
              
Lisboa, 2016-09-22
  
                                                            
Maria Teresa Pardal                                                                 
Carlos Marinho       
Maria Manuela Gomes
Decisão Texto Integral: