Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4698/2006-2
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
ACÇÃO EXECUTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2006
Votação: MAIORIA COM * DEC VOT E * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: DECISÃO MANTIDA
Sumário: 1- O desconhecimento de bens penhoráveis não conduz à extinção da instância.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA



I - Nos autos de acção executiva que BANCO …, SA move a J…, foi requerida por aquele a remessa à conta, com custas a cargo do executado, com fundamento na impossibilidade do prosseguimento da lide por não se conhecerem ao executado bens susceptíveis de ser penhorados, requerimento este que veio a ser indeferido por o Tribunal ter entendido não se verificar qualquer causa de extinção da execução, tendo sido ordenado que o processo ficasse a aguardar o impulso da exequente, sem prejuízo do disposto no art 51° n° 2, alínea b) do C.C.Judiciais e 285° do CPCivil.

Inconformada com esta decisão, recorreu a Exequente, apresentando as seguintes conclusões:
- Nos presentes autos, e conforme consta dos requerimentos apresentados pela Exequente, ora Agravante, nada mais se conseguiu apurar quanto à existência de bens passíveis de serem penhorados.
- Configura-se assim uma situação manifesta de impossibilidade do prosseguimento da lide, sendo certo que, esta a uma causa de extinção da instância executiva, tal como, de resto, a inutilidade superveniente sua.
- Quanto a custas - as que se apurar serem devidas - deverão as mesmas ser suportadas pelos Executados, pois a inexistência de mais bens penhoráveis, ou o desconhecimento da existência destes, é facto que apenas a esta a imputável.
- Assim, os presentes autos devem ser remetidos à conta com custas a cargo dos Executados, e não a cargo da Agravante.

Não foram apresentadas contra alegações e foi sustentado o despacho recorrido.

II - As duas questões que se colocam em sede de recurso são as de saber se o desconhecimento de bens penhoráveis conduz à extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide e, neste caso, se as custas da execução ficam a cargo do Executado.


Vejamos.

O Exequente, aqui Agravante, veio requerer a remessa do processo à conta, com custas a cargo do Agravado/Executado, com fundamento na impossibilidade superveniente da lide, uma vez que desconhecia a existência de bens susceptíveis de serem penhorados.

Dispõe o normativo inserto no artigo 287°, alínea e) do CPCivil que «A instância extingue-se com: e) A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide;», o que significa que na pendência da instância a pretensão do Autor deixa de se poder manter, ou por via do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou por lhe ter
sido dada satisfação fora do processo, cfr Lebre de Freitas in Código de Processo Civil Anotado, vol I/ 512.

Todavia, em sede de acção executiva, a extinção da mesma só ocorrerá: 1) com o pagamento coercivo ou voluntário da quantia exequenda; 2) por qualquer outra causa prevenida na lei civil (dação em cumprimento, consignação em depósito, novação, remissão, confusão, artigos 837 a 873 do C.Civil); 3) revogação da sentença exequenda (em sede de recurso); 4) procedência da oposição à execução; 5) desistência da instância ou do pedido; 6) por deserção ou transacção (artigo 287°, alíneas c) e d) do CPCivil), cfr Lebre de Freitas, in A Acção Executiva, 2a edição, 291, Miguel Teixeira de Sousa, A Reforma Da Acção Executiva, 209 e Fernando Amâncio Ferreira, Curso De Processo De Execução, 261.

Quer dizer, a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, constitui uma situação dificilmente admissível em sede de acção executiva, maxime, pelo argumento utilizado pela Agravante - o do desconhecimento de bens penhoráveis ao Executado - pois, como se diz e bem na decisão recorrida, nada impede que este os não venha a adquirir na pendência da execução, para além de que, e quod est demonstrandum, nada nos garante que o Agravado não possua bens, apenas sabemos que a Agravante desconhece a existência dos mesmos.

Por outra banda, impendendo sobre o Exequente o impulso processual, nos termos do artigo 264° do CPCivil, recai sobre este o ónus de carrear para o processo os elementos necessários à satisfação do seu crédito - v.g. a indicação de bens penhoráveis -, sem prejuízo de poder solicitar ao Tribunal a sua colaboração nos termos do artigo 837°-A.

Por último, saindo as custas precípuas do produto dos bens penhorados, artigo 455° do CPCivil e sabendo-se que a execução só poderá ser julgada extinta quando se mostre efectuado o depósito da
quantia liquidada, nos termos do artigo 917° do CPCivil (mas, em qualquer caso, só depois de pagas as custas e a quantia exequenda, cfr artigo 919°, n°1 do mesmo diploma legal), é óbvio que, no caso sub judice, inexistindo qualquer fundamento para a extinção da execução, as custas são a cargo do Exequente, aqui Agravante, sobre si recaindo, também neste particular, tal ónus, como extensão do princípio do dispositivo, traduzido no dever de impulsionar o processo de harmonia com o disposto no artigo 47°, n°3 do CCJudiciais.

As conclusões, estão assim, condenadas ao insucesso, não havendo qualquer censura a fazer ao despacho recorrido.

III - Destarte, nega-se provimento ao Agravo, mantendo-se o despacho recorrido.

Custas pela Agravante.
Lisboa, 12 de Julho de 2006
(Ana Paula Boularot, Relatora (por vencimento)
Lúcia de Sousa
(Francisco Magueijo, Relator vencido conforme projecto de Acórdão que junta)


Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa

O exequente requereu a remessa à conta, com custas a cargo do executado. Com fundamento na impossibilidade do prosseguimento da lide por não se conhecerem ao executado bens susceptíveis de ser penhorados.
O sr juiz «a quo» indeferiu este requerimento porque entendeu não se verificar qualquer causa de extinção da execução, ordenando, antes, que o processo ficasse a aguardar o impulso da exequente, sem prejuízo do disposto no art 51 n° 2 b) do CCJ e 285 do CPC.
Não se conformando, o exequente recorreu desta decisão, tendo alegado e concluído, assim:
Nos presentes autos, e conforme consta dos requerimentos apresentados a fls. , pela Exequente, ora Agravante, nada mais se conseguiu apurar quanto à existência de bens passíveis de serem penhorados;
Configura-se assim uma situação manifesta de impossibilidade do prosseguimento da lide, sendo certo que, esta é uma causa de extinção da instância executiva, tal como, de resto, a inutilidade superveniente sua;
Isso mesmo se constatará por douta decisão que nesse sentido se profira e que se requer que o seja;
Quanto a custas - as que se apurar serem devidas – deverão as mesmas ser suportadas pelos Executados, pois a inexistência de mais bens penhoráveis, ou o desconhecimento da existência destes, é facto que apenas a esta é imputável;
Assim, os presentes autos devem ser remetidos à conta com custas a cargo dos Executados, e não a cargo da Agravante.
O recorrido não apresentou contra-alegações.
O sr juiz «a quo» sustentou a decisão agravada.

Questões
Tendo em conta o que se contém nas conclusões do recurso, há que apreciar e decidir: se a falta de bens penhoráveis conduz, ou não, à impossibilidade superveniente da lide; se esta leva, ou não, à extinção da instância executiva; a cargo de quem, exequente ou executado, fica o pagamento das custas liquidadas na execução.

Factos pertinentes à decisão do recurso:
O exequente requereu a remessa à conta, com custas a cargo do executado.
Isso com fundamento na impossibilidade do prosseguimento da lide por não se conhecerem ao executado bens susceptíveis de ser penhorados.
O sr juiz «a quo» indeferiu este requerimento porque entendeu não se verificar qualquer causa de extinção da execução, ordenando, antes, que o processo ficasse a aguardar o impulso da exequente sem prejuízo do disposto no art 51 n° 2 b) do CCJ e 285 do CPC.

O Direito
Como se viu supra e contra o que requerera o exequente, o sr juiz «a quo» decidiu que a situação de falta de conhecimento de bens penhoráveis nem implicava a impossibilidade superveniente da lide, nem, mesmo que assim fosse, tinha ela como efeito a extinção da execução. Em consonância, ordenou que os autos aguardassem o impulso do exequente sem prejuízo do disposto nos arts 51 n° 2 b) do CCC e 285 do CPC.
A instância extingue-se com...a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (art 287 e) do CPC).
Quando a instância se extinguir por impossibilidade ou inutilidade da lide, as custas ficam a cargo do autor, salvo se a impossibilidade ou inutilidade resultar de facto imputável ao réu, que neste caso as pagará (art 447 do CPC).
Com o fim de evitar a pendência de processos sem andamento, por falta de iniciativa processual das partes, o art 51 do CCJ tem previsto que se remetam à conta os processos que estejam parados há 3 meses (1), cabendo a responsabilidade pelas custas contadas à que tiver dado causa à remessa, ou seja à que cabia usar da dita iniciativa (art 47 n° 3 do CCJ). Pretende-se, com tal estatuição, prevenir a inércia da parte motivada por negligência ou desleixo, ou seja, pela falta de exigível diligência.
O ora exequente, não conhecendo outros bens à executada, antes que o Tribunal o responsabilizasse pela remessa do processo à conta (art 47 n° 3 do CCJ), por, devido a inércia sua, o processo ter estado parado por mais de 3 meses (art 51 n° 2 b) do CCJ), requereu que os presentes autos sejam remetidos à conta com custas a cargo do executado, o qual deu causa à presente lide, intentando assim evitar tal responsabilização.
Trata-se de um claro expediente destinado a evitar o pagamento de custas, quando se não se conseguiu obter providência judicial para se fazer pagar total ou suficientemente do seu crédito, por falta de bens que o pudessem garantir efectivamente.
E temos para nós, adianta-se já, que não reprovável, tendo em conta a prática regularmente seguida nos Tribunais, em cumprimento demasiado estrito (2), parece-nos, do comando legal.
Não conhecendo mais bens penhoráveis ao executado, só se nos afigura curial que o exequente assuma um de dois caminhos. Ou o diz, ou nada diz. Se não o diz, é razoável que a remessa oficiosa à conta, decorrido o prazo da lei, lhe seja imputada, cabendo-lhe responder pelas custas. Se o diz, entendemos que não deve ser sobrecarregado com as custas. Já bem lhe basta não ter logrado efectivar o seu direito de crédito. Isto até porque entendimento diverso é susceptível de desencorajar o recurso aos Tribunais, resultado que certamente não é desejável. A verdade também é que outro procedimento do exequente não é, em tal situação, configurável. Nomeadamente não o seria que desistisse do pedido ou do restante do pedido. É que, neste caso e com toda a evidência, além de outras consequências (arts 293 e 295 do CPC) seguramente o aguardaria o pagamento das custas (art 451 n° 1 do CPC).
Entendemos até que ao exequente nem era exigível que requeresse a remessa da execução à conta. Bastava-lhe que informasse o processo de que, por desconhecimento, não indicava outros bens. A remessa oficiosa à conta, passado o prazo da lei, não deverá ter, também nesse caso, como consequência, a sua responsabilização pelas custas, por ele não ter deixado de usar da iniciativa processual (art 264 do CPC) pertinente, adequada e útil, sendo elas, então, de imputar à responsabilidade do executado.
À interrupção da instância, passado um ano sobre a suspensão (art 285 do CPC), pode suceder a renovação se algum acto processualmente útil for requerido, ou a extinção por deserção se tiverem decorrido dois. Mesmo extinta, temos para nós que a instância executiva se poderá renovar se o exequente indicar bens a penhorar. Não tem cabimento que se obrigue a parte a nova instância, quando a existente ainda pode servir para a realização do seu direito.
Tudo visto e retomando o cerne da questão «sub judice», conclui-se que o requerimento de remessa do processo à conta constitui pedido útil, sendo até o acto judicial que o deferisse o mais adequado à situação processual. Efectivamente o dilatar no tempo de tal remessa, vistas as circunstâncias, nem serve os fins da execução nem se vê que outro escopo válido se lhe possa associar (3).
Não se nos afigura que tenha consistência a posição assumida pelo recorrente, de que as execuções não poderão ser declaradas extintas por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide. Não se vê porque é que o art 287 do CPC, nomeadamente o teor da sua alínea e) não tenha aplicação nas execuções. Uma execução, de que vem a verificar-se inexistirem ou não serem conhecidos bens penhoráveis, é um processo que é de qualificar como constituindo uma lide, mais até que impossível, inútil. Nunca levará à satisfação do crédito do exequente.
A exigência do requisito da superveniência também não parece susceptível de afastar a aplicação do referido normativo processual ao processo executivo de que ora se trata, já que a verificação, com a pertinente segurança, de que não são conhecidos bens penhoráveis ao executado só é de assumir pelo exequente depois de a colaboração, legalmente devida.
pelo Tribunal (art 837-A do CPC) e autoridades auxiliares ao exequente, se mostrar infrutífera.

Tendo em conta todo o exposto, acorda-se em dar provimento ao recurso, devendo a decisão agravada de fls 13 e 14 ser substituída por outra que dê satisfação ao requerido pelo exequente a fls 18, qual seja, a remessa do processo à conta, com custas a cargo do executado.
Custas pelo executado (art 447 do CPC).

(Francisco Magueijo)



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(1).-antes 2 meses (art 122), e agora, depois de do DL 324103, 5 meses

(2).-e interpretação estreita

(3).-seguimos até aqui, de perto, os Acs proferidos em Agravos desta Relação com os n°s 2853/04-2 e 5773/04-2 de 17.6.04 e 30.9.04, respectivamente, de que fomos relator.