Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19328/16.1T8PRT-AI.L1-4
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: DESPEDIMENTO COLECTIVO
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I – A ilicitude do despedimento colectivo, para ser conhecida, carece de ser invocada em juízo na acção especial de impugnação do despedimento colectivo.
II – A amplitude da dedução e do conhecimento de pretensões no âmbito da acção de impugnação do despedimento colectivo tem de ser reconduzida à norma geral de índole substantiva constante do artigo 389.º, número 1, alínea a) do CT, segundo a qual o trabalhador que seja vítima de um despedimento ilícito tem direito a ser indemnizado por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais.
III - Na acção especial de impugnação do despedimento colectivo não é em princípio possível cumular, além dos pedidos de declaração de ilicitude do despedimento e das consequências associadas a essa ilicitude, que constituem o seu especial objecto e têm como causa de pedir a verificação do despedimento colectivo e o condicionalismo factual que acarreta a sua ilicitude, outros pedidos de condenação do empregador no pagamento de créditos laborais que não emergem da ilicitude do despedimento mas têm como causa de pedir a vigência e execução do contrato de trabalho a que o referido despedimento pôs termo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
1. Relatório
1.1. Nos autos de acção especial de impugnação de despedimento colectivo que pendem nos Juízos do Trabalho de Lisboa, o autor AAA formulou contra a ré BBB, SA, os pedidos de condenação da mesma a:
a) Declarar o despedimento do A. como ilícito, e cumulativamente,
b) Reintegrar o A., com a aplicação do acordo de pré-reforma (e subsequente passagem à reforma) nos termos que estavam acordados entre A. e R., incluindo os já supra referenciados valores acumulados no Fundo de Pensões;
Ou, em alternativa,
c) Pagar ao A. e consoante a opção deste, uma indemnização no montante global das prestações em falta até à idade da reforma deste, bem como a portabilidade dos direitos adquiridos existentes no Fundo Complementar de Pensões à data da cessação ilícita do contrato, tal como previsto nas alterações ao acordo constitutivo do Fundo de Pensões feitas em 1/6/2016;
d) Pagar ao A. uma indemnização por abuso de direito e danos morais causados com o despedimento ilícito, que são de enorme gravidade, que não cessaram ainda de se produzir, e que não é possível quantificar com exactidão, relegando-se por isso, nos termos do artº 569º do CC para momento posterior do processo, a indicação do montante concreto dos mesmos;
e) Pagar ao A. o montante relativo à componente remuneratória que o R. pagava sob o título de plafond do cartão de crédito para alegadas despesas de representação do R., no montante de 5.720,00 anuais, e que aquele deixou de pagar a partir de 1/1/12;
f) Pagar ao A. o montante correspondente ao direito ao uso pessoal da viatura atribuída, no valor de 450,00 mensais e que o R. cessou a partir de Setembro de 2016;
g) Pagar ao A. as retribuições que deixou de auferir em função do despedimento ilícito, ou seja, desde a data da cessação do contrato até ao trânsito em julgado da decisão;
h) Tudo isto acrescido dos juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação até integral pagamento”.
Na respectiva petição inicial alegou, em síntese, e para o que ora releva: que trabalha para a R. desde 1995 nos termos que especifica, vindo a subscrever com a mesma um acordo de pré-reforma com efeitos a 1 de Fevereiro de 2014, data a partir da qual ficou na situação de pré-reforma; que nas condições de admissão em 1995, foi fixado o direito ao uso de um cartão de crédito em nome do Banco com um determinado plafond, que o A. usaria para certas despesas pessoais, de tipo pré-definido, mas a partir de 1 de Janeiro de 2012 nunca mais foi pago sob a alegação de razões fiscais, o que constitui um abaixamento da retribuição a cujo ressarcimento o A. tem direito pelo menos até ao início dos efeitos do acordo de pré-reforma; que em Maio de 2016 lhe foi comunicada a intenção do Banco de iniciar um procedimento de despedimento colectivo onde ele, A., estava incluído, sendo o critério invocado quanto a si o da pretensa “inactividade”; que tal despedimento é ilícito pois estava em vigor o acordo de pré-reforma e o quadro justificativo do despedimento não é idóneo a fazer cessar os contratos dos trabalhadores sem qualquer posto de trabalho, naquela situação criada pela R. e excludente do despedimento colectivo; que a indemnização devida ao A. seria a prevista no art. 322.º do CT, mas a R. não pagou essa compensação, o que é também motivo de ilicitude do despedimento que, igualmente é abusivo. Alega, ainda, que tinha direito ao uso pessoal de uma viatura que lhe foi ilegitimamente retirado em Setembro de 2016 no valor de € 450,00 mensais.
Foi em 6 de Novembro de 2017 proferido despacho liminar que entendeu verificar-se incompatibilidade processual dos pedidos relativamente aos pedidos de condenação da R. no pagamento de créditos laborais (litigiosos), relativos à execução do contrato ao longo dos anos, e no reconhecimento e garantia de portabilidade do Fundo de Pensões complementar do Autor, formulados sob as alíneas c), segunda parte), e) e f), e não estarem reunidos os requisitos legais da autorização da sua cumulação, pelo que declarou a nulidade decorrente do erro na forma do processo (de conhecimento oficioso) relativamente aqueles pedidos formulados, conducente ao indeferimento liminar parcial da petição inicial (arts. 193º, 196º e 590º nº 1 CPC). Terminou do seguinte modo:
Pelo exposto, julgo ilegal a cumulação dos pedidos formulados sob as alíneas c), segunda parte), e) e f) com os demais pedidos (relativos à impugnação do despedimento) e consequentemente indefiro liminarmente a petição inicial relativamente aos mesmos.
Custas a cargo do autor, em proporção a fixar a final.
(…)
Cite a Ré nos termos do art. 156º do CPT para, querendo, contestar no prazo de 15 dias, sob pena de se considerarem confessados os factos alegados pelo autor e a causa ser julgada conforme for de direito”.
1.2. O A., inconformado, interpôs recurso deste despacho e rematou as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1ª A decisão impugnada é recorrível, o presente recurso é o próprio e mostra-se interposto tempestivamente e por quem para tal tem plena legitimidade, devendo o mesmo subir imediatamente e com efeito suspensivo.
2ª A decisão recorrida esquece que hoje o processo, e em particular o processo laboral, tem de ser entendido como o instrumento adequado para uma decisão justa mediante um processo equitativo, centrado essencial e decisivamente na análise e resolução das questões essenciais ligadas ao mérito da causa,
3ª Devendo por isso evitar-se irregularidades ou argumentos puramente adjectivos ou formais que dificultem ou impeçam – ainda que com maior comodidade prática para o julgador – a justa composição do litígio e que, privilegiando a forma sobre a substância, acabem por distorcer o conteúdo da decisão final do mérito,
4ª E sendo a essa luz, e não a qualquer outra, que a verificação ou não de requisitos puramente processuais e o uso dos poderes do Juiz relativamente à cumulação de pedidos devem ser considerados, aferidos e admitidos.
5ª E assim é, desde logo, tanto ética como juridicamente inaceitável que o mesmo Tribunal que, mediante a errônea eximição à aplicação do disposto no artº 16º, nº 2 do CPT – cuja aplicação o A. sempre defendeu –, determinou que apenas cerca de um ano e várias vicissitudes puramente adjectivas depois o processo a ele regressasse, como o Tribunal (territorialmente) competente que ele é, venha agora invocar razões (aliás infundadas) de urgência do mesmíssimo processo, para assim indeferir liminarmente parte das pretensões do A..
6ª Acresce que o conhecimento de tais pretensões – para mais face à tramitação do processo de impugnação do despedimento colectivo – não traz qualquer demora ou dilação, muito menos injustificada, ao andamento dos presentes autos.
7ª Por outro lado, há não apenas interesse relevante mas até indispensabilidade para a correcta e justa composição do litígio na apreciação conjunta de todas as pretensões do A..
8ª Antes de mais, porque as que se prendem com os elementos constitutivos da remuneração base do trabalhador e que o Banco R. unilateral e ilegitimamente deixou de pagar assumem particular relevo para se saber se existe também a causa de ilicitude do despedimento prevista na al. c) do artº 383º do Código do Trabalho (por o R. não ter colocado à disposição do A. a totalidade da compensação de antiguidade devida, mesma na sua, dele, R., própria tese),
9ª E depois porque a questão da portabilidade ou não do Fundo de pensões ainda é mais relevante para se analisarem também as reais motivações do referido despedimento e as razões das opções tomadas pelo A. (absolutamente estupefacto e indignado com a circunstância de o Banco R. se ter procurado apropriar de algo de que o A. era legítimo detentor), encontrando-se nos autos amplíssima prova, desde logo documental, dessa conduta do Banco R..
10ª A compreensão dos reais objectivos do R., das medidas que tomou e das opções com que tratou de confrontar o A. e seus colegas são circunstâncias de particular relevância para uma real análise da bondade e justificação legal do dito despedimento e que, por isso mesmo, não se pode limitar à simples verificação dos requisitos meramente formais, tabelares ou procedimentais.
11ª Acresce que, num caso como o dos autos, será muito mais fácil, expedito, eficaz e até justo conhecer, no mesmo processo, de todas as pretensões que o A., por causa e a propósito do despedimento colectivo de que se se viu alvo, deduziu contra o banco R.,
12ª Em vez de forçar à multiplicação de acções, de esforços, de meios estatais e de custos e até à eventual contraditoriedade entre si de decisões (por exemplo, sobre o cumprimento, ou não, das disposições conjugadas dos artºs 366º, nº 1 e 262º, nº 2, al. a), ambos do CT).
13ª Não é decerto a comodidade do julgador da acção de impugnação do despedimento colectivo no não conhecimento das outras pretensões do A. mas sim os indicados interesse e relevância no seu conhecimento que, de harmonia com toda a filosofia do processo e em particular com o disposto no artº 37º do NCPC, permitem fundamentar a exclusão, ou não, dos autos daquelas pretensões.
14ª Ao consagrar a solução que consagrou, a decisão recorrida erra, e erra claramente, violando quer a letra, quer a ratio da lei, e desde logo do indicado artº 37º do NCPC, aqui aplicável ex vi da remissão do artº 1º, nº 2, al. a) do CPT.
Termos em que, Deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada, admitindo-se a cumulação e determinando-se que o Tribunal a quo pode e deve conhecer de todos os pedidos formulados pelo A., só assim se fazendo inteira JUSTIÇA!”

1.3. A R. contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
“A.   Vem o presente recurso interposto do douto despacho proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de Lisboa, Juiz 6, que decidiu julgar ilegal a cumulação dos pedidos formulados pelo A. nas alíneas e) e g) do seu petitório com os pedidos relativos à impugnação do despedimento colectivo, tendo, em consequência, indeferido liminarmente a petição inicial relativamente aos mesmos.
Sucede que, o recurso de apelação interposto pelo A. e ora Recorrente carece de fundamento, por múltiplas razões, já expostas e que a seguir se sintetizarão.
B.    Em causa nos autos está a cumulação dos pedidos relativos à impugnação do despedimento colectivo, aos quais corresponde a forma de processo especial, prevista nos art.ºs 156.º a 161.º do Código de Processo do Trabalho, com os pedidos igualmente formulados pelo A., de condenação do R. a pagar-lhe diversas importâncias a título de remuneração complementar e subsídio de disponibilidade e a “reconhecer e garantir a portabilidade do Fundo de Pensões Complementar do A., no montante capitalizado de € 10.657,00”, aos quais corresponderá a forma de processo comum, de acordo com os art.ºs 48.º, n.º 3, parte final, 49.º e 51.º e segs. do Código de Processo do Trabalho.
Atenta a diversidade de formas de processo aplicáveis, deparamo-nos com o primeiro dos obstáculos à coligação a que se refere o art.º 37, n.º 1 do Código de Processo Civil, para o qual o art.º 555.º deste diploma legal remete, pelo que haverá que atentar no disposto no n.º 2 do referido art.º 37.º, de acordo com o qual a coligação só poderá ser admitida se a tramitação das duas formas de processo em causa não for manifestamente incompatível e, cumulativamente, exista interesse relevante ou necessidade de apreciação conjunta dos pedidos para a justa composição do litígio.
C.    No entender do R., a tramitação da acção de processo comum revela-se manifestamente inconciliável com a acção especial de despedimento colectivo, atenta a forma distinta como se encontram configuradas pelo legislador processual, importando ter em consideração que a acção especial reveste natureza urgente, não comporta audiência de partes, é obrigatória a realização da audiência preliminar e implica, em casos como o dos autos, em que o autor impugna os motivos aventados pelo empregador para recorrer ao despedimento colectivo, a realização de uma “perícia” previamente à prolação de despacho saneador, o qual deverá conter a decisão do Juiz quanto ao cumprimento das formalidades legais e, bem assim, relativamente à (im)procedência dos motivos invocados pelo Empregador.
Neste contexto, a permitir-se a cumulação dos pedidos constantes das alíneas e) e g) do petitório do A. com o pedido principal de impugnação do despedimento colectivo, os presentes autos tenderiam a ser tão ou mais demorados que uma acção de processo comum, o que se revelaria manifestamente contrário à letra e espírito da Lei processual, que pretendeu que a impugnação de despedimento colectivo fosse um processo expedito e célere, razão pela qual detém natureza urgente.
D.    Acresce que, não existe interesse relevante na apreciação conjunta dos pedidos, nem tal se afigura premente para a justa composição do litígio, desde logo porquanto os factos alegados pelo A. com vista ao preenchimento da previsão do art.º 383.º do CT são totalmente distintos da factualidade por si carreada para os autos com vista a obter a condenação do R. nos pedidos formulados nas als. e) e g) do seu petitório.
Não se poderá, igualmente, olvidar que, a apreciação do pedido de condenação do R. a “reconhecer e garantir a portabilidade do Fundo de Pensões Complementar do A., no indicado montante capitalizado, de € 10.657,00” imporia ao Tribunal a análise do regime jurídico da constituição e funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras, que se reveste significativa complexidade e não se relaciona com a cessação do contrato de trabalho, bem como o chamamento da entidade gestora do mencionado Fundo para intervir como parte nos presentes autos, o que prejudicaria, e muito, a celeridade processual.
E.     Também não poderá proceder a tese do A., de acordo com a qual o pedido constante da al. e) do seu petitório seria relevante para a apreciação da invocada violação do art.º 383.º, al. c), do CT, dado que, como vem sendo pacificamente entendido pela jurisprudência , a compensação a que se refere o art.º 366.º do referido diploma legal terá de ser calculada com base na remuneração vigente à data do despedimento e os créditos vencidos ou exigíveis em razão da cessação do contrato são os que se mostrem inequívocos e não litigiosos, não dependendo a licitude do despedimento do facto de o trabalhador vir posteriormente reclamar do empregador quantias que este considera que não lhe são devidas.
F.    Face aos argumentos já invocados, resulta evidente que, como decidido pelo Tribunal a quo, nos deparamos perante uma “incompatibilidade processual dos pedidos acima identificados”, entendimento que, aliás, vem sendo sufragado pela jurisprudência, em particular pela do Tribunal da Relação de Lisboa, que tem proferido diversos arestos sobre esta problemática, afigurando-se particularmente relevantes o acórdão datado de 27/5/2015, proferido no âmbito do processo n.º 1484/14.5TTLSB-A.L1-4, e o recente acórdão de 27/9/2017, proferido no âmbito do processo n.º 10.847/15.8T8LSB-D.L1-4, ambos in www.dgsi.pt.
Nos mencionados arestos, salienta-se que não é possível efectuar um paralelismo entre a acção de impugnação de despedimento colectivo com a acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, e também que “o princípio da economia processual, só por si, não torna admissível a cumulação dos pedidos em causa na acção de impugnação de despedimento colectivo ”.
Idêntico entendimento tem vindo a ser adoptado por outros tribunais superiores, podendo conferir-se, por todos, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido no processo n.º 1777/08.0TTPRT.P1, in www.dgsi.pt.
G.    Impõe-se, assim, concluir que, o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 555.º e 37.º, ambos do Cód. de Processo Civil, aplicáveis ex vi art.º 1.º, n.º 2, al. a), do Cód. de Processo do Trabalho, tendo decidido acertadamente ao considerar ilegal a cumulação dos pedidos formulados pelo A. nas alíneas e) e g) do seu petitório com o pedido de impugnação do despedimento colectivo realizado pelo R., com o consequente indeferimento liminar da petição inicial quanto aos mesmos.
Termos em que, deverá o douto despacho recorrido ser integralmente mantido pelo Venerando Tribunal ad quem, por não merecer qualquer reparo, devendo o recurso de apelação interposto pelo A. e ora Recorrente ser julgado totalmente improcedente.(...)”
1.4. O recurso veio a ser admitido como de apelação com subida imediata, em separado.
1.5. Recebidos os autos neste tribunal, e pedida informação sobre o valor fixado à acção, foi comunicado, através da competente certidão, ter sido na 1.ª instância fixado o valor da acção em € 30.001,00 (por despacho de fls. 982 dos autos principais).   
1.6. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta opinou pela improcedência da apelação (fls. 414-415). Notificadas as partes, apenas o recorrente se pronunciou quanto a este Parecer, dele discordando, nos termos de fls. 422 e ss.
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Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.                                                                                                                                            *
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho –, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal de recurso é a da excepção dilatória da cumulação ilegal de pedidos quanto aos constantes das alíneas c), segunda parte, e) e f) da petição inicial, supra transcritos.
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3. Fundamentos
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3.1. De facto
Os factos materiais relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório a que se procedeu.
O A. juntou com a petição inicial, além do mais, o documento que consta a fls. 143 e ss. dos autos, denominado «Acordo de Pré-Reforma», com o seguinte teor:
«Acordo de Pré-Reforma
Entre
O BBB, SA, adiante designado por “B”, sociedade aberta, com sede em Lisboa, na …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º 1603, pessoa colectiva n.º …, neste ato representado pelo seu Diretor do Departamento de Recursos Humanos. Sr. Dr. (…), adiante designado por BBB
E
AAA, residente na Rua (…) contribuinte fiscal com o (…), adiante designado por Trabalhador.
Considerando que:
A - O Trabalhador se encontra ao serviço do BBB, exercendo funções de Diretor Adjunto, correspondente à categoria profissional de Diretor Adjunto com o nível 17 da tabela remuneratória do ACT para o Sector Bancário.
B - A retribuição global mensal ilíquida atual do Trabalhador é de € 5.010,99 constituída pelas seguintes parcelas:
Retribuição base: € 4.839.54;
Diuturnidades: € 171,46;
C - O Trabalhador tem 50 anos de idade;
D - O Trabalhador manifestou interesse em suspender a sua prestação de trabalho, passando à situação de pré-reforma e tendo o BBB, também interesse nesta situação,
É celebrado e reciprocamente aceite o presente Acordo, o qual se regerá pelo constante das Cláusulas seguintes:
CLÁUSULA PRIMEIRA
O Trabalhador faz parte do quadro de pessoal efectiva do BBB desde 20 de janeiro de 1991, com antiguidade de reforma reportada à mesma data.
CLÁUSULA SEGUNDA
O BBB e o Trabalhador acordam em que este, a partir de 31 de janeiro de 2014, continuando a fazer parte dos seus quadros de pessoal e abrangido pelo ACT para o Sector Bancário, passe à situação de pré-reforma.
CLÁUSULA TERCEIRA
1 - A partir da data referida na Cláusula anterior, o BBB passará a pagar ao Trabalhador uma prestação mensal de pré-reforma de € 4.009,00 (quatro mil e nove euros), composta pela retribuição mensal base e diuturnidades.
2 - A prestação de pré-reforma será paga 14 vezes por ano, sendo a 13.ª e a 14.ª prestações pagas até ao dia 31 de janeiro e 30 de novembro de cada ano, respectivamente.
CLÁUSULA QUARTA
A prestação de pré-reforma referida na Cláusula anterior será anualmente actualizada em percentagem igual à que for negociada para a retribuição em sede de ACT para o Sector Bancário.
CLÁUSULA QUINTA
A prestação de pré-reforma goza de todas as garantias e privilégios, reconhecidos â retribuição.
CLAUSULA SEXTA
1 - Durante a situação de pré-reforma, o Trabalhador pode exercer actividade profissional remunerada.
2 - O disposto no número anterior não prejudica os deveres de respeito, lealdade e o de não concorrência que impendem sobre o Trabalhador, o qual se obriga a manter absoluta confidencialidade sobre todos os dossiers, documentos, dados e Informações que obteve no exercido de funções.
3 - Enquanto se mantiver na situação de pré-reforma, o BBB poderá solicitar ao Trabalhador a prestação de trabalho, sempre que tal se revele necessário, interrompendo-se, nesse momento, a suspensão da prestação de trabalho nos termos da alínea b) do n.º 1 da cláusula oitava, passando o trabalhador a receber a retribuição auferida antes da passagem à pré-reforma com a actualização que decorra da revisão do ACT para o sector bancário e demais benefícios.
CLÁUSULA SÉTIMA
O Trabalhador será colocado na situação de reforma em 21 de julho de 2028, data em que completa 65 anos de Idade, ou antes desta data se assim for acordado, ou eventualmente vier a ocorrer a sua Invalidez.
CLÁUSULA OITAVA
1-A situação de pré-reforma cessa, ou é levantada:
a) - Com a passagem à reforma do Trabalhador, quer por limite de Idade, quer por invalidez:
b) - Com o regresso do Trabalhador ao pleno exercício de funções, por acordo entre o Trabalhador e o Banco, devendo, aquele, comparecer no Departamento de Recursos Humanos no prazo máximo de 90 (noventa) dias, após ter sido notificado para o efeito.
CLÁUSULA NONA
1 - A caducidade do contrato de trabalho por limite de Idade ou invalidez confere ao Trabalhador e aos seus familiares, todas os direitos, relativos à pensão de reforma e de sobrevivência previstos no sistema de Segurança Social Constante do ACT, para o Sector Bancário.
2 – O valor da pensão de reforma do Trabalhador, será o correspondente a remuneração auferida, à data no valor líquido de € 5.010,99 (Retribuição base: € 4.839,53 e Diuturnidades: € 171,46), acrescida das atualizações resultantes da aplicação do ACT.    
CLÁUSULA DÉCIMA
Enquanto vigorar o presente Acordo o Trabalhador continuará a usufruir da atual AOV, cessando este em 29 de dezembro de 2016, data em que o AOV termina. Caso o presente Acordo cesse antes da data final do contrato de AOV, o Trabalhador deixará de usufruir do AOV, na data em que o presente Acordo cessar.
Feito em Lisboa, em 14 de janeiro de 2014, em duas vias de igual teor, ficando um exemplar em poder de cada uma das partes.»

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3.2. De direito
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3.2.1. Resulta da petição inicial apresentada na presente acção que o pedido global nela formulado (que se reproduziu no relatório deste aresto) se reporta à declaração de ilicitude do despedimento colectivo de que o recorrente foi alvo, à condenação da recorrida na sua reintegração com a aplicação do acordo de pré-reforma ou, em alternativa no pagamento da indemnização de antiguidade em substituição da reintegração e no pagamento das retribuições intercalares vencidas e vincendas, mas, também, à condenação da recorrida:
- a “pagar” ao recorrente a portabilidade dos direitos adquiridos existentes no Fundo Complementar de Pensões à data da cessação ilícita do contrato, tal como previsto nas alterações ao acordo constitutivo do Fundo de Pensões feitas em Junho de 2016 – alínea c) segunda parte;
- a pagar ao recorrente o montante relativo à componente remuneratória que lhe pagava sob o título de plafond do cartão de crédito para alegadas despesas de representação do R., no montante de 5.720,00 anuais, e que aquele deixou de pagar a partir de Janeiro de 2112 – alínea e);
- a pagar ao recorrente o montante correspondente ao direito ao uso pessoal da viatura atribuída, no valor de 450,00 mensais e que cessou a partir de Setembro de 2016 – alínea f).
A decisão da 1.ª instância, com douta fundamentação, considerou que não era admissível a cumulação destes pedidos na presente acção especial, procedendo ao indeferimento liminar parcial da petição inicial quanto aos mesmos, o que o recorrente refuta, discorda impugna.
Vejamos.
3.2.2. A impugnação do despedimento colectivo só pode ser feita através de acção judicial, conforme determinado pelo artigo 388.º do Código do Trabalho e por recurso ao meio processual especial previsto e regulado nos artigos 156.º e seguintes do Código do Processo do Trabalho.
À impugnação do despedimento colectivo são aplicáveis estas normas constantes dos artigos 156.º e ss. do Código de Processo do Trabalho, retirando-se do título onde se insere este bloco de preceitos – Título VI – que à mencionada impugnação corresponde a forma do processo especial, e no que concerne aos demais créditos que não emergem daquele pedido de declaração de ilicitude do despedimento colectivo é aplicável a forma comum do processo declarativo, regulada nos artigos 54.º e ss. do Código de Processo do Trabalho (cfr. o artigo 48.º do mesmo código).
No caso vertente, está em causa saber se os pedidos formulados nas alíneas c) segunda parte, e) e f) da petição inicial se inscrevem no âmbito da acção especial de impugnação do despedimento colectivo prevista nos artigos 156.º e ss do Código de Processo do Trabalho – a qual se mostra vocacionada para a apreciação dos pedidos de declaração de ilicitude do despedimento e das consequências associadas a essa ilicitude, que constituem o seu especial objecto e têm como causa de pedir a verificação do despedimento colectivo e o condicionalismo factual que acarreta a sua ilicitude –, sendo que uma resposta positiva implica, por si, a legalidade da cumulação.
Mas está em causa também saber se, em caso negativo, na mesma é possível cumular, também, outros pedidos a que corresponde forma processual diversa, relativos a créditos que não emergem da ilicitude do despedimento mas têm como causa de pedir a vigência e execução do contrato de trabalho a que o referido despedimento pôs termo ou outro tipo de convénios que entre as partes do contrato de trabalho tenham sido firmados.
3.2.3. O ora recorrente foi abrangido pelo despedimento colectivo promovido pela entidade bancária ora recorrida, mas era um trabalhador pré-reformado, situação específica esta que traz à causa de pedir da presente acção uma complexidade inusual, vg. permitindo que, no âmbito das consequências da ilicitude do despedimento, possam incluir-se direitos de cariz específico, que geralmente não estão presentes nas situações comuns dos trabalhadores que ocupam postos de trabalho e, desempenhando efectivamente o contrato de trabalho, vêm a ser atingidos por um despedimento colectivo.
Essa especial situação, contudo, não pode inibir os trabalhadores pré-reformados de fazer valer na acção especial em que impugnam o despedimento colectivo de que foram alvo os direitos relacionados com as consequências da ilicitude que pretendem ver declarada de tal despedimento.
Na esteira do decidido no recente Acórdão da Relação de Lisboa de 23 de Maio de 2018[1], entendemos que a amplitude da dedução e do conhecimento de pretensões no âmbito da acção especial de impugnação de despedimento colectivo tem de ser reconduzida à norma geral de índole substantiva do artigo 389.º, número 1, alínea) do Código do Trabalho, quando esta dita que o trabalhador que seja vítima de um despedimento ilícito, de cariz subjectivo ou disciplinar ou meramente objectivo, tem direito a ser indemnizado “por todos os danos causados, patrimoniais e não patrimoniais”.
Como se exarou em tal aresto (excluem-se as notas de rodapé):
«[…]
Esta regra geral que, embora tenha de ser conjugada e articulada com o regime das demais alíneas e números desse mesmo artigo 389.,º e artigos 390.º a 393.º do CT/2009, não se traduz ou reconduz apenas à reintegração, indemnização em sua substituição ou compensação que ali se mostram expressamente previstos mas a todo o outro tipo de danos patrimoniais e não patrimoniais que, não sendo ressarcíveis por aquelas prestações, por não se confundirem com os prejuízos que as mesmas visam reparar, encontrem ainda a sua causa adequada no despedimento ilícito.
Qualquer outra interpretação jurídica do referido regime legal que se centre ou reduza apenas aquelas realidades expressamente afirmadas pelo legislador (aí se contando os danos não patrimoniais) implica uma leitura que, ao restringir sem justificação plausível o seu âmbito de aplicação, oblitera e eclipsa o conteúdo, sentido e alcance procurados pelo legislador laboral com a referida alínea a) do número do artigo 389.º.
Conforme refere PEDRO FURTADO MARTINS, entre as consequências da declaração da ilicitude do despedimento contam-se «a invalidade da cessação, com a consequente manutenção em vigor do contrato de trabalho» e «o direito do trabalhador a ser indemnizado pelos danos, patrimoniais e não patrimoniais, causados pelo despedimento, com o valor mínimo correspondente às retribuições que não foram pagas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão (usualmente designadas por «salários intercalares» ou «salários de tramitação. (…)
Da indemnização dos danos patrimoniais distingue-se o direito do trabalhador «a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento» (artigo 390.º, 1). O texto da norma transmite a ideia de que o empregador é condenado a executar a obrigação retributiva que não cumpriu atempadamente devido ao despedimento ilícito por si promovido e não tanto no pagamento de uma indemnização equivalente ao das retribuições vencidas». (sublinhados nossos)
ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, sustenta, a este respeito, que «assim, no ordenamento português, constitui traço comum aos regimes das várias modalidades de despedimento (incluindo o coletivo) o conjunto dos efeitos da declaração judicial de ilicitude (por defeito de processo ou por falta de fundamento) do ato de rutura do vínculo perlo empregador.
Estes efeitos são indicados pelo art.º 389.º CT e correspondem ao tratamento normal da ineficácia do negócio jurídico (art.º 289.º/1 CCiv.): recomposição do estado de coisas que se teria verificado sem a prática do ato. (…)
Por outro lado, e cumulativamente com os «salários de tramitação» ou «intercalares», o despedimento ilícito pode implicar para o empregador responsabilidade por danos patrimoniais e não patrimoniais que o trabalhador tenha sofrido em consequência daquele ato e das circunstâncias que o tenham rodeado. (…)»                  
Ora, a ser assim e salvo o devido respeito por opinião distinta, não se pode, à partida e de uma perspetiva meramente formal, catalogar ou separar pretensões em termos objetivos e absolutos, de maneira a arrumar, desde logo, determinados pedidos nas gavetas destinadas à AIDC (ou à AIJRLD), assim os destacando e separando dos demais que então deverão ser colocados, nem que seja por defeito, nas prateleiras predestinadas a acolherem os pedidos susceptíveis de apenas ser deduzidos na ação declarativa com processo comum.
[…]»
3.2.3.1. Retornando ao caso sub judice, cremos que o pedido que o A., ora recorrente, fez constar da segunda parte da alínea c) do petitório se reporta a um prejuízo que, na sua perspectiva, foi ainda causado pelo despedimento colectivo ilícito, atendendo à situação laboral específica que, à data, o recorrente vivia no seio da estrutura e organização empresarial da Ré, por força do acordo de pré-reforma que firmou, com a mesma e das condições em vigor no que respeita ao Fundo de Pensões.
Note-se que tal pedido constante da alínea c) é formulado “em alternativa” à reintegração do recorrente – que é peticionada na antecedente alínea b) do pedido, com a especificidade de a reintegração se reportar à efectividade da pré-reforma acordada entre as partes e subsequente reforma – e a par do pedido de indemnização que a lei prevê em substituição da reintegração (cfr. o artigo 391.º do Código do Trabalho), fazendo o A. depender ambas as pretensões formuladas na alínea c) em alternativa à alínea b), de uma “opção” que venha a efectuar no devir do processo.
É o que flui claramente dos termos em que se mostram enunciadas sequencialmente as alíneas b) e c) e do que expressamente é dito no intróito da alínea c), por reporte aos dois segmentos desse pedido.
Recorde-se que é pedida a condenação da R. a:
“b) Reintegrar o A., com a aplicação do acordo de pré-reforma (e subsequente passagem à reforma) nos termos que estavam acordados entre A. e R., incluindo os já supra referenciados valores acumulados no Fundo de Pensões;
Ou, em alternativa,
c) Pagar ao A. e consoante a opção deste, uma indemnização no montante global das prestações em falta até à idade da reforma deste, bem como a portabilidade dos direitos adquiridos existentes no Fundo Complementar de Pensões à data da cessação ilícita do contrato, tal como previsto nas alterações ao acordo constitutivo do Fundo de Pensões feitas em 1/6/2016;”(sublinhados nossos).
Estes pedidos deduzidos nas alíneas b) e c), esta tanto na primeira como na segunda parte, radicam-se inequivocamente na alegada ilicitude do despedimento colectivo que provocou a cessação do contrato de trabalho do recorrente e nos danos que, na sua perspectiva, sofreu e sofrerá, até atingir a idade da reforma e depois desta, tendo como pano de fundo o acordo escrito de pré-reforma celebrado entre as partes e o estatuto jurídico–laboral específico que para ambas decorre do respectivo clausulado.
Não pode assim afirmar-se, como fez o despacho sob censura, que ao pedido formulado na segunda parte da alínea c) corresponde a acção de processo comum regulada nos artigos 51.º e ss. do Código de Processo do Trabalho, pois que o mesmo encontra guarida na previsão legal da presente acção especial de impugnação do despedimento colectivo.
3.2.3.2. O mesmo deve dizer-se quanto ao pedido formulado na alínea f), de condenação da R. a “pagar ao A. o montante correspondente ao direito ao uso pessoal da viatura atribuída, no valor de 450,00 mensais e que o R. cessou a partir de Setembro de 2016”.
De acordo com a alegação que fez constar da petição inicial, foi “por força do despedimento ilícito movido pelo R.” que foi “unilateral e ilegitimamente retirado o direito ao uso (também) pessoal de uma viatura”, utilidade económica prestada pela R. como prestação normal, regular e periódica e também obrigatória (mesmo na pré-reforma até Dezembro de 2016) no valor de 450,00 euros mensais totalizando entre Setembro e Dezembro de 2016, 1.350,00 (artigos 236.º e 237.º da petição inicial).
Também aqui o A. funda o pedido formulado na ilicitude do despedimento e visa com referido pedido a reparação de danos que alegadamente sofreu com aquele.
Independentemente da sorte deste pedido, é pois de considerar que o mesmo cabe ainda dentro da previsão indemnizatória do artigo 389.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho, sendo o meio próprio para se fazer valer a acção especial de impugnação do despedimento colectivo prevista nos artigos 156.º e ss. do Código de Processo do Trabalho.
3.2.3.3. Concluímos, assim, que os pedidos formulados nas alíneas c) segunda parte, e f) da petição inicial se inscrevem no âmbito da presente acção especial sendo, por isso mesmo, admissível a sua dedução e não se verificando o obstáculo apontado na decisão sob recurso à sua cumulação.
3.2.4. Já o mesmo se não poderá afirmar no que diz respeito ao pedido formulado na alínea e), de condenação da R. a “pagar ao A. o montante relativo à componente remuneratória que o R. pagava sob o título de plafond do cartão de crédito para alegadas despesas de representação do R., no montante de 5.720,00 anuais, e que aquele deixou de pagar a partir de 1/1/12”.
Na verdade, resulta da alegação que o A. verteu na petição inicial que nas condições de admissão em 1995, foi fixado o direito ao uso de um cartão de crédito em nome do Banco com um determinado plafond, que o A. usaria para certas despesas pessoais, de tipo pré-definido, mas que a partir de 1 de Janeiro de 2012 nunca mais foi pago (artigos 40.º a 42.º). Alega o A. que tal constituiu um abaixamento da retribuição e que tem direito ao seu ressarcimento pelo menos até ao início dos efeitos do acordo de pré-reforma, em 1 de Fevereiro de 2014 (artigos 233.º a 235.º).
E nada mais alega o A. naquele articulado susceptível de demonstrar que a partir desta data da eficácia da pré-reforma se mantinha o seu direito àquela verba de plafond de cartão de crédito, o que aliás está em consonância com a sua alegação de que aceitou a passagem à pré-reforma nas condições apresentadas pelo Banco R. (artigo 85.º), sendo que no acordo que juntou aos autos a fls. 143 e ss. se convencionou uma concreta prestação pecuniária devida (cláusulas 3.ª e 4.ª).
Ao longo da petição inicial o A. afirma, e reitera, a validade e conformidade com a lei de tal acordo (vg. no artigo 183.º da petição inicial), o que denota que não considera compreendida nas prestações devidas na vigência do acordo de pré-reforma outras verbas para além das nele convencionadas, aí não havendo qualquer referência a um plafond de cartão de crédito.
Assim, uma vez que os factos alegados pelo A. fundam o alegado direito aos valores de plafond de cartão de crédito apenas entre 1 de Janeiro de 2012 e 31 de Janeiro de 2014 e o A. nada mais alega susceptível de fundar o direito a tais prestações a partir de então, nem formula inequivocamente um pedido que as abranja, concluímos que o pedido em causa, além de ter como causa a alegada atitude da R. de diminuir a retribuição a partir de 1 de Janeiro de 2012 (e não a ilicitude do despedimento verificado em 2016), tem apenas aquela abrangência temporal de cerca de dois anos.
A este pedido não corresponde, pois, a forma de processo especial prevista pelos artigos 156º a 161º do Código de Processo do Trabalho, mas a forma de processo comum de acordo com os artigos 48.º, n.º 3, parte final, 49.º e 51.º e ss. do mesmo Código.
Mas poderá permitir-se a sua dedução nesta acção especial de impugnação do despedimento colectivo, cumulando-se o mesmo com os demais que o A. deduziu e para os quais é adequado o processo?
   No que diz respeito à cumulação de pedidos no processo laboral, à falta de norma expressa que disponha sobre tal matéria – o artigo 28.º do Código de Processo do Trabalho refere-se à cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir e não à cumulação inicial de pedidos – rege o Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT como lei subsidiária.
Nos termos do preceituado no artigo 555.º do Código de Processo Civil, o autor pode “deduzir cumulativamente contra o mesmo réu, num só processo, vários pedidos que sejam compatíveis, se não se verificarem as circunstâncias que impedem a coligação”.
Tais circunstâncias encontram-se previstas pelo artigo 37.º do Código de Processo Civil, que rege sobre os obstáculos à coligação mas é igualmente aplicável à cumulação de pedidos por força daquela remissão legal. Dele resulta não ser admissível a cumulação “quando aos pedidos correspondam formas de processo diferentes ou a cumulação possa ofender regras de competência internacional ou em razão da matéria ou da hierarquia”.
No caso sub judice, é  manifesto que as formas processuais em presença são diversas.
Para estes casos, o n.º 2 do mesmo artigo 37.º do Código de Processo Civil dispõe que “[q]uando aos pedidos correspondam formas de processo que, embora diversas, não sigam uma tramitação manifestamente incompatível, pode o juiz autorizar a cumulação, sempre que nela haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio”, estabelecendo o n.º 3 que “[i]ncumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada”.
Analisando o primeiro dos requisitos desta norma, entendemos que o mesmo se verifica.
Na verdade, há aspectos da lei adjectiva laboral que distinguem as duas formas processuais: ao processo comum a lei não confere natureza urgente, ao contrário do que sucede com a impugnação do despedimento colectivo (artigo 26.º, n.º 1); no âmbito do processo comum, à contestação pode, em determinados casos, seguir-se, ainda, a resposta do autor, o que não sucede na impugnação do despedimento colectivo, no âmbito do qual, findos os articulados, se sucede uma tramitação específica e própria regulada no art. 156.º, nºs. 3 e 4 e artigos subsequentes (chamamento dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento e que não são autores; intervenção de assessores, etc.); a audiência preliminar é a excepção no processo comum (artigo 62º) e no âmbito do processo de impugnação do despedimento é obrigatória (artigo 160º); no âmbito do processo de impugnação do despedimento colectivo o legislador pretendeu uma decisão em sede de despacho saneador (artigo 160.º), contendendo com esta intenção legislativa a necessidade de prosseguir com um processo de impugnação de despedimento colectivo quando parte das questões a discutir não tem, com o mesmo, qualquer conexão. Mas há traços essenciais que se verificam em ambas as formas processuais: há, em termos simplistas, uma petição inicial e uma contestação e poderá existir audiência de discussão e julgamento[2].
A nosso ver, apesar de serem diversas as formas processuais, a tramitação que seguem não se nos afigura manifestamente incompatível para os efeitos do artigo 37.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, pois é análogo o fim ou função desempenhado por cada um dos processos (processo declaratório) e a respectiva tramitação não afasta drasticamente de um modelo-base comum[3].
Não obstante, quanto ao pressuposto enunciado na segunda parte do artigo 37.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, entendemos que o mesmo não se verifica no caso vertente no que respeita ao referido pedido constante da alínea e) da petição inicial.
Recordemos que este pedido se relaciona com uma componente remuneratória que o empregador deixou de pagar desde 2012.01.01 até à pré-reforma.
Ora, não se descortina um “interesse relevante” na apreciação deste pedido que deva sobrelevar a diversidade formal de tramitações processuais, nem se vislumbra que a sua apreciação em conjunto com as pretensões relacionadas com a impugnação do despedimento colectivo seja “indispensável para a justa composição do litígio”.
A alegação do recorrente de que as pretensões que se prendem com os elementos constitutivos da remuneração base do trabalhador assumem relevo para se saber se existe também a causa de ilicitude do despedimento prevista na al. c) do artº 383º do Código do Trabalho (por o R. não ter colocado à disposição do A. a totalidade da compensação de antiguidade devida, mesma na sua, dele, R., própria tese) não procede na medida em que o A. pediu uma indemnização no montante equivalente às prestações vincendas de pré-reforma até atingir a idade da reforma (artigos 146.º e 171.º e ss. da petição inicial), radicando a ilicitude que defende no não pagamento da indemnização correspondente a este valor calculado nos termos do artigo 323.º, n.º 3 do Código do Trabalho e refutando que se deva lançar mão do artigo 366.º para achar a indemnização que lhe é devida em consequência do alegado despedimento colectivo ilícito de que diz ter sido alvo.
Ou seja, em momento algum invocou, quer que haja valores devidos a título de plafond de cartão de crédito, cujo não pagamento seja susceptível de acarretar a ilicitude do despedimento nos termos do artigo 383.º, alínea c), quer que este valor alegadamente remuneratório devesse, na sua perspectiva, integrar a base de cálculo da compensação devida pelo despedimento colectivo.
E, ainda que o houvesse feito, invocando, para os efeitos do art. 383.º, al. c), do Código do Trabalho, não ter recebido aquelas quantias aquando da cessação do contrato de trabalho – o que não fez – constitui jurisprudência pacífica a de que os “créditos vencidos ou exigíveis em razão da cessação do contrato” referidos naquele preceito legal não abarcam créditos litigiosos[4]. No caso esta questão não se coloca pois, como já dito, é o próprio A. quem situa o litígio com a R. num outro parâmetro, afirmando ser devido a título de compensação um valor equivalente à soma das prestações de pré-reforma até à idade da reforma.
Como salienta a decisão sob recurso, o poder de autorizar a cumulação atribuído pelo artigo 37.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, conformando a tramitação processual aos fins do processo (art. 37º nº 2 e 3 CPC, à semelhança do previsto no art. 547º) é vinculado, dependendo de que ocorra interesse relevante (economia processual ou outro) ou de que a justa composição do litígio imponha uma apreciação conjunta das pretensões.
No caso, pese embora não ocorra manifesta incompatibilidade de tramitação entre a forma de processo definida para a acção especial em causa e para o processo comum, não só não existe interesse relevante – e muito menos a indispensabilidade – de uma apreciação conjunta que imponha tal cumulação (as causas de pedir são absolutamente distintas), como a apreciação do pedido de pagamento dos valores de plafond de cartão de crédito demanda a averiguação e análise de factos sem qualquer relação com a factualidade atinente aos fundamentos do despedimento colectivo ou às suas consequências.
Com efeito, terão ainda que na presente acção ser apurados e analisados os factos relacionados com as convenções firmadas entre as partes a propósito da atribuição do denominado plafond de cartão de crédito logo em 1995, com a execução contratual que se desenvolveu a partir de então quanto àquela alegada componente remuneratória e quanto às circunstâncias em que a mesma cessou, factos que podem ser extensos, trazendo uma complexidade acrescida a um processo já em si complexo atenta a profusão de vínculos contratuais em causa e as matérias envolvidas com as consequências da alegada ilicitude do despedimento colectivo que, no caso em análise, se prendem com o próprio sistema previdencial instituído e com as convenções firmadas entre as partes relativamente à pré-reforma e reforma [como o demonstra a análise já feita do pedido constante da segunda parte da al. c) da petição inicial], para além dos factos relacionados com cada um dos vínculos contratuais em causa e com a decisão do despedimento colectivo e respectivo procedimento.
Acresce que, independentemente das causas que determinaram a demora dos presentes autos na fixação do tribunal com competência para os julgar, esta demora não determina que se perca a natureza urgente deste processo especial afirmada no artigo 26.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo do Trabalho e que deixe de se demandar uma célere resolução das questões relacionadas com a impugnação do despedimento colectivo da pluralidade de trabalhadores que nesta acção tiveram intervenção.
Necessidade de resolução célere que, deve dizer-se, aquele indesejável atraso tornou mais candente.
E que desaconselha a cumulação nesta acção de pedidos que demandam a averiguação de factualidade absolutamente diversa da factualidade atinente aos fundamentos do despedimento e às suas consequências, com o inerente retardamento dos autos, tornando mais difícil a prolação de uma decisão atempada das múltiplas questões que necessariamente devem ser averiguadas e conhecidas no seu âmbito, quanto aos trabalhadores que neles intervêm.  Em momento algum desta ponderação entram considerações relacionadas com a “comodidade prática” do julgador, tal como invoca o recorrente, procurando-se, isso sim, dentro dos parâmetros estabelecidos no artigo 37.º do Código de Processo Civil, que o processo se centre na análise e resolução das questões essenciais ligadas ao mérito da impugnação do despedimento colectivo que o motivou e às consequências de uma eventual declaração da sua ilicitude.
Em suma, nem se descortina um “interesse relevante”, na apreciação conjunta da pretensão relacionada com o plafond de cartão de crédito que a R. deixou de atribuir a partir de Janeiro de 2012 durante cerca de dois anos, que deva sobrelevar a diversidade formal de tramitações processuais, nem se vislumbra que a apreciação do inerente pedido condenatório seja “indispensável para a justa composição do litígio”, tudo aconselhando a que se limite este processo especial ao que nele deve necessariamente ser apreciado.
Sufraga-se pois a decisão sob censura na parte em que a mesma considerou, quanto ao pedido formulado na alínea e) da petição inicial, não estarem reunidos os requisitos legais da autorização da sua cumulação com os demais pedidos, sendo de confirmar o juízo da 1.ª instância no sentido de declarar a nulidade decorrente do erro na forma do processo (de conhecimento oficioso) relativamente a este pedido.
3.3. Procede parcialmente a apelação, devendo revogar-se a decisão recorrida na parte em que indeferiu liminarmente a petição inicial quanto aos pedidos formulados nas alíneas c), segunda parte, e f), com a inerente prossecução da acção especial intentada pelo ora recorrente para conhecimento do seu mérito, se nenhuma outra causa a tal obstar, mantendo-se a mesma quanto ao mais.
3.4. Porque ficou vencido no recurso relativo aos pedidos formulados nas alíneas c), segunda parte, e f), incumbe ao recorrente o pagamento das respectivas custas. Tendo em consideração, contudo, que o valor da causa foi fixado em € 30.001,00 (em segmento decisório que transitou em julgado), valor que se nos afigura inferior ao cômputo dos créditos peticionados, atentos os valores retributivos e pensionais alegados na petição inicial (pois que objectivamente os pedidos não se mostram quantificados), e que o valor da causa para efeitos de custas equivale ao valor da causa fixado segundo as leis do processo (artigo 296.º, n.º 3 do Código de Processo Civil e artigo 11.º do Regulamento das Custas Processuais), entende-se por bem fixar em 10% do valor da causa a proporção a atender para efeito de custas relativamente à parcela do pedido em que o A. já decaiu definitivamente.
Quanto aos 90% relativos à outra parcela do pedido, será fixada a proporção do decaimento das partes, e da consequente responsabilidade pelas custas, conforme vencimento a final (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
                                                                                                                                            *
4. Decisão
Em face do exposto, decide-se:
4.1. negar provimento ao recurso no que diz respeito ao pedido formulado na alínea e) da petição inicial, mantendo o indeferimento liminar desta quanto ao mesmo;
4.2. conceder parcial provimento ao recurso no que diz respeito aos pedidos formulados nas alíneas c), segunda parte, e f), e, consequentemente, revogar o despacho que indeferiu a petição inicial quanto aos mesmos com fundamento na impossibilidade da sua cumulação nesta acção, determinando-se que os autos prossigam com vista ao conhecimento do mérito também destes pedidos, se outro fundamento, entretanto, a tal não obstar.
Custas do recurso pelo A. na proporção de 10%, sendo a restante proporção (relativa ao segmento do pedido ainda não conhecido), conforme vencimento a final

Lisboa, 5 de Julho de 2018

Maria José Costa Pinto

Manuela Bento Fialho

Sérgio Almeida

[1] Proferido no recurso n.º 19328/16.1T8PRT-AI.L1, em que a ora relatora interveio como adjunta e inédito, ao que supomos.
[2] Vide sobre estas conexões e diferenças o Acórdão da Relação de Lisboa de 2017.04.05, processo n.º 83/14.6TTLSB.L1, subscrito por este colectivo.
[3] Vide Lopes do Rego in Comentários ao Código de Processo Civil, volume I, Coimbra, 2004, p. 67, reportando-se ao artigo 31.º do Código de Processo Civil de 1961, agora revogado, que dispunha do mesmo modo.
[4] A jurisprudência é constante neste sentido, como o demonstram os Acórdãos da Relação de Lisboa de 2017.04.05, Processo 83/14.6TTLSB.L1, subscrito por este colectivo e inédito ao que supomos, de 2015.07.15, Processo 2567/07.3TTLSB.L1-4                e de 2012.11.21, Processo: 2816/11.3TTLSB-A.L1-4, o mesmo sucedendo com a doutrina – vide Pedro Furtado Martins, in Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição revista e actualizada, Principia, 2012, p. 365.